publicado em 24 de abril de 2014 às 10:12
Turma da Petrobrax na ofensiva: o monstro da Época e a destruição de Veja. O que há por trás das notícias?
Tarso Genro: O capital está vencendo. Como a esquerda pode barrá-lo?
22 de abril de 2014
Por Tarso Genro
A lenta, mas firme desagregação da esquerda européia depois da quebra
da URSS, está ancorada em fatores “objetivos”, tais como as mudanças no
padrão de acumulação capitalista –“pós-industrial” como já analisavam
alguns economistas há trinta anos — que atravessaram a sociedade de alto
a baixo.
Estas mudanças alteraram as expectativas políticas, o modo de vida,
as demandas do mundo do trabalho e da constelação de prestadores de
serviços, dos técnicos das atividades da inteligência do capital, dos
sujeitos dos novos processos do trabalho e de amplos contingentes da
juventude.
Estes, originários de famílias das classes médias, que perderam o
seus “status” social e o seu poder aquisitivo, adquiridos na era de ouro
da social-democracia. A social-democracia não se renovou, nem o
comunismo, para responder a estas transformações.
A desagregação, todavia, também está ancorada na ausência de
respostas – fator “subjetivo” dominante — dos núcleos dirigentes da
esquerda comunista e social-democrata. Esta falta de formulação superior
pode, parcialmente, ser atribuída a uma ausência de “caráter” — pela
“acomodação” teórica e doutrinária dos seus dirigentes — mas este não é,
certamente, o fator preponderante: o vazio de respostas de esquerda à
nova crise do capital tem outras determinações mais fortes.
Mesmo aqueles que se jogaram para uma posição “movimentista” — mais,
ou menos, corporativa — aparentemente radical (ou os que se propuseram a
enfrentar o retrocesso com práticas de Governo ou com novas elaborações
no âmbito acadêmico) não conseguiram – nos seus respectivos espaços de
interferência – abrir novos caminhos que se tornassem hegemônicos.
A adesão da social-democracia francesa, italiana, espanhola e
portuguesa – para exemplificar — aos remédios exigidos pela União
Européia (leia-se Alemanha), põe por terra as esperanças que algum
governo europeu, num futuro próximo, possa inspirar mesmo uma saída
social-democrata novo tipo à crise atual.
Tudo indica que a recuperação da Europa capitalista virá por um canal
“social-liberal”, depois de um longo período de reestruturação das
classes em disputa. Teremos perdas significativas para os trabalhadores
do setor público e privado, para as micro, pequenas e médias empresas,
que são responsáveis pela maior parte da oferta de empregos. A isso se
agregará uma forte pressão sobre os imigrantes e a crescente redução dos
gastos públicos, destinados à proteção social.
Paralelamente a este desmantelamento tudo indica que crescerão as
alternativas nacionalistas de direita, de corte autoritário e mesmo
neo-fascistas, pois o vazio que gera desesperanças pode fazer renascer o
irracionalismo das utopias da direita extrema.
Se isso é verdade, o nosso problema brasileiro é bem maior do que
parece. A contra-tendência instituída no Brasil, que criou dez milhões
de empregos no mesmo período em que foram destruídos mais de sessenta
milhões de postos de trabalho em todo o mundo, está sob assédio.
O nome deste assédio é a garantia do pagamento rigoroso — com juros
elevados — da dívida pública, para que o sistema financeiro global do
capital possa ter reservas destinadas a bancar as reformas e por em
funcionamento um novo ciclo de crescimento das economias do núcleo
orgânico do capitalismo global.
Cada uma das alternativas que sejam propostas para o próximo período,
visando desenvolver o país, combatendo as suas desigualdades sociais e
regionais — sejam elas de inspiração neo-keinesiana ou socialista — só
poderão ter efetividade e capacidade de implementação política se
mostrarem de maneira coerente como elas se comunicam, acordam ou
confrontam, com este cenário global.
Ou seja: como as alternativas poderão ser efetivas no território,
numa situação de domínio integral do capital financeiro sobre os
cenários econômicos e políticos do mundo.
O internacionalismo hoje é, conjunturalmente, mais democrático e
social do que propriamente “proletário”, naquele sentido clássico que
foi proposto pelo filósofo de Trévèrs.
As conquistas democráticas e sociais das nações estão bem mais
ameaçadas depois da crise que se iniciou com o “sub-prime”, pois os
governos são vítimas de uma pressão brutal para reduzir, ainda mais, a
sua autonomia política e assim integrar-se, pacificamente, nas
contaminações globais da crise.
Apresentar soluções internas, portanto, é também apresentar alianças
de sustentação destas políticas no cenário internacional, para que as
propostas não sejam voluntaristas ou demagógicas
Caso as formações políticas e os governos não consigam apresentar
alternativas aceitas pelo senso comum, dificilmente terão apoio popular
para governar. O seu fracasso — e o povo sabe disso — terá reflexo
imediato como aniquilamento das conquistas de inclusão social, econômica
e produtiva, que ocorreram no Brasil nos últimos dez anos.
Este é, na verdade – nos dias que correm — o dilema, tanto
demo-tucano e marino-campista, como do extremismo corporativista e
movimentista: ambos deveriam responder qual é, nos quadros da democracia
política, o efeito imediato na vida das famílias — especialmente das
chamadas “novas classes médias” e dos trabalhadores — dos seus projetos
concretos de Governo, demonstrando como é possível aplicá-los pela via
democrática.
Os ataques à Petrobras, que vem sendo modulados, tanto pela direita
neoliberal como pelas oposições anti-PT e anti-Lula — de corte
direitista e esquerdista — talvez sejam a síntese mais representativa
desta dificuldade.
O ataque, turbinado pela grande mídia, dá espaço para estes grupos
políticos não dizerem, de forma clara (se fossem eleitos), o que fariam
com a economia e com as funções públicas do Estado, no próximo período.
Unidos, esquerdismo e neoliberalismo, desta vez no ataque ao Estado —
não somente ao Governo — ficam absolvidos de fazerem propostas para
dizerem como o país deverá operar, gerando emprego e renda, ao mesmo
tempo que se defende da tutela do capital financeiro e das pressões da
dívida pública.
A desmoralização de um ativo público da dimensão da Petrobras, os
ataques ao seu “aparelhismo” político, a crítica aos gastos públicos
excessivos (programas sociais, na verdade), os ataques às políticas do
BNDES – de forma combinada com um permanente processo de identificação
da corrupção com o Estado e com os Partidos em geral — fecham um quadro
completo do cerco ao país: liquidem com a Petrobras e teremos o Estado
brasileiro pela metade; acabem com os gastos sociais e teremos uma crise
social mais profunda do que a das jornadas de junho; restrinjam o BNDES
e o crescimento – que já é pífio — se reduzirá ainda mais; desmoralizem
os partidos e a política e a técnica neoliberal substituirá o
contencioso democrático.
Como os militares estão aferrados às suas funções profissionais e
constitucionais e não estão para aventuras, o golpismo pós-moderno vem
se constituindo através da direita midiática. Esta, se bem sucedida no
convencimento a que está devotada, encarregaria um novo Governo
social-liberal da desmontagem do atual Estado Social “moderado”, obtido
no Brasil num cenário mundial adverso.
Lido este cenário de refluxo da esquerda e de retomada dos valores do
neoliberalismo selvagem, que devasta as conquistas da social-democracia
européia, pode-se concluir que o debate verdadeiro no processo
eleitoral em curso – momento mais importante da nossa democracia
republicana concreta – é o seguinte: ou o projeto lulo-petista se
renova, baseado no muito que já fez e conquista novos patamares de
confiança popular; ou o refluxo direitista liberal, que assola a Europa,
chegará em nosso país pela via eleitoral, legitimado por eleições
democráticas.
A semeadura da insegurança, que precede as inflexões para direita,
está em curso em todos os níveis e para responder a esta sensação
manipulada — que vai da economia à segurança pública — é preciso dizer
de maneira bem clara quais os próximos passos contra as desigualdades e
contra perversão da política e das funções públicas do Estado. Chegamos a
um momento de defesa política de um modelo novo combinado com a velha
luta ideológica.
Recentemente o MST, no seu Congresso Nacional, deu uma demonstração
de acuidade política e clareza programática. Fez a vinculação da questão
agrária do país a um novo conceito de reforma: vinculou as demandas
particulares dos deserdados da terra à produção de alimentos sadios para
os cidadãos de todas as classes, numa verdadeira rebelião
agroecológica, que faz a disputa no terreno da produção e da política.
Particularmente ele se reporta àqueles que mais sofrem os efeitos
“fast-foods”, turbinados por agrotóxicos e por malabarismos genéticos,
cujos efeitos sobre a espécie humana ainda não são avaliáveis na sua
plenitude.
Trata-se, na verdade, da superação de uma demanda particular de
classe – uma reforma agrária baseada na mera redistribuição da
propriedade – para um plano universal de interesse da totalidade do
povo, sem a perda das suas raízes classistas. Belo exemplo que vem do
povo para ser absorvido e renovar a cultura política da esquerda.
O capital financeiro, no mundo, está vencendo, mas pode ser barrado
pela imaginação criadora de uma esquerda que seja consciente da grandeza
das suas tarefas nos momentos de refluxo. O MST deu um belo exemplo. A
esquerda o seguirá?
PS do Viomundo: Do ponto-de-vista meramente
eleitoral, a atual ofensiva tira da candidata Dilma um tema que ela usou
extensivamente em 2010, ou seja, a ameaça da privataria que paira
sempre sobre os tucanos. Agora Aécio pode se apresentar como a pessoa
que vai “salvar” a Petrobras. Sei.
(Publicado Originalmente no Viomundo)
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