Não é preciso muito esforço para encontrar semelhanças e diferenças no modus operandi dos dois maiores escândalos de corrupção que foram apurados no Brasil nas últimas décadas. Ambos saem do esquema tradicional da corrupção individual tipo “rouba mas faz” (Ademar de Barros, Paulo Maluf e outros), para um complexo modelo de corrupção sistêmica, onde o elo condutor é o partido e sua sobrevivência no poder a qualquer custo.
A corrupção sistêmica, por sua vez, implantou-se nos dois últimos escândalos – o mensalão e o petrolão – com especificidades que serão aqui consideradas. No primeiro modelo, do mensalão, a própria direção do partido hegemônico, através de seus “capos”, viabiliza os recursos e distribui a maior parte entre os aliados, com o envolvimento de empresas privadas de médio porte, tipo pequenos bancos ou para-estatais. Um esquema que deixa os dirigentes do partido muito vulneráveis porque eles se envolvem diretamente nas diversas fases do processo. No segundo modelo, o do petrolão, ocorre uma “socialização previa” na própria origem da captação do “espólio da viúva”, segundo depoimentos trazidos pelas delações premiadas. Cada partido recebe previamente seu quinhão em diretorias com orçamentos vultosos e repassa a “mais valia” ao esquema partidário através de operadores privados.
A inovação no modus operandi deixa o esquema mais longe da Presidência da República e da direção do partido hegemônico. O problema é a completa perda de controle das operações, porque saiu da cifra dos “milhões” do mensalão para a de “bilhões”, com implicações diretas na imagem e na saúde financeira da maior empresa estatal do País. Nesse novo modelo, a corrupção, que parecia distante do núcleo central do poder, terminou, por consequência, sugerindo uma aproximação maior, pelo claro indício de administração temerária. As consequências são imprevisíveis, pois é um fenômeno inusitado na história do país.
O aperfeiçoamento do delito que ocorreu pela concessão direta aos partidos aliados na fonte, levou, por outro lado, a uma maior facilidade no aumento da parcela da apropriação individual do butim, conforme demonstram as cifras elevadas que muitos envolvidos estão se propondo a devolver.
Outra grande diferença na inovação do modelo é o desnudamento da participação ativa dos corruptores, com as evidências da presença de grandes empresas na montagem do esquema, dentre as quais destaca-se a elite das grandes empreiteiras.
Chega-se enfim a responder a uma inquietação da opinião pública: “por que nunca se chegava lá?” Nesse ponto, cabe destacar o legado do estilo Joaquim Barbosa, que a atual força tarefa do Ministério Público/Polícia Federal está aprofundando. O estilo incisivo da denúncia de Barbosa no mensalão levou a operadores e algumas piabas empresariais pegarem penas muito altas, comparadas ao núcleo político da trama. Já no escândalo da Petrobrás, os operadores mais sofisticados e alguns peixes maiores “dos detentores dos meios de produção” não mais quiseram apostar na impunidade apenas pelo fato de estarem acobertados pela ideologia de que os fins justificam os meios. Como disse Gabeira em um artigo recente, o governo decidiu fugir para frente.
Espero, no entanto, que a sociedade, sem vindita, tome nas mãos o fio condutor da ética, que é menos “espetaculoso”, porém, muito mais consistente para as gerações futuras.
*Sociólogo – ex-professor do Programa de Pós Graduação em Sociologia da UFPB. Pesquisador do Centro Josué de Castro.
(Publicado originalmente na Revista Será?)
Nenhum comentário:
Postar um comentário