sábado, 4 de julho de 2015

Grécia: "Tentam derrubar o governo usando os bancos ao invés de tanques"


A reação intempestiva da euroburocracia política ao referendo deixa claro que derrotar o Syriza é também neutralizar outras iniciativas.


Marcelo Justo
Tiberio Barchielli / Palazzo Chigi
A Grécia está presa numa guerra de palavras que começa com a própria convocação para o referendo. O texto é complexo, mas a pergunta é clara: sim ou não (“Ne” ou “Oxi”) ao programa de austeridade proposto pela Troica (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e União Europeia) no dia 25 de junho. Contudo, os dirigentes europeus, como Jean Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, dizem que não se trata de uma votação sobre a austeridade, mas sim sobre a continuidade ou não do país na Zona Euro. 
 
A maioria dos meios europeus promovem maliciosamente esta interpretação de um referendo voltado à confrontação entre um realismo responsável e um incompetente populismo. Com algumas exceções, praticamente ninguém questiona as duvidosas credenciais de Juncker – que durante seus quinze anos como primeiro-ministro de Luxemburgo, ajudou muito a sabotar o financiamento dos estados europeus com os benefícios à evasão fiscal das multinacionais e dos multimilionários oferecidos pelo paraíso fiscal mantido em seu ducado.
 
A estratégia política e midiática é ganhar difundindo o medo do caos e do desconhecido, figuras que começam a cobrar forma com as restrições bancárias existentes desde segunda-feira (29/6). Mas os efeitos dessa guerra não terão reflexos somente na Grécia. A reação intempestiva da euroburocracia política ao referendo deixa claro que derrotar o Syriza é também neutralizar outras iniciativas visando o austericídio da Troica, como a do Podemos na Espanha. Uma vitória da estratégia de Alexis Tsipras seria uma bendição para o movimento político de Pablo Iglesias, pensando nas eleições gerais de este novembro. Carta Maior dialogou com o acadêmico grego Costas Douzinas, especialista em direito e diretor do Birkbeck Institute for the Humanities, da Universidade de Londres.
 
Carta Maior – Neste domingo, qual é a decisão que a Grécia terá que tomar? A aprovação ou não do programa de resgate proposto pela Troica ou sua manutenção na Zona Euro?
 
Costas Douzinas – Existe uma clara intenção de manipular a verdade a respeito do referendo, que é promovida por políticos como Jean Claude Juncker. O governo grego sempre esteve comprometido com o euro e a União Europeia. A única razão pela qual convocou o referendo foi para chegar a uma decisão democrática com respeito à proposta da Troica, quando as vias de negociação se esgotaram. O governo cedeu muito. Aceitou as exigências fiscais dos credores com propostas de aumentos impositivos e cortes de gastos de 7,9 bilhões de euros, mas buscou uma distribuição mais equitativa, para que 70% desse valor viesse de impostos das corporações e dos mais ricos. Pela primeira vez, as propostas foram inicialmente aceitas pelos credores, que disseram que essa era a base de um acordo. Porém, horas depois, rechaçaram a proposta. E mais que isso: faltando quatro dias para que terminasse o atual programa financeiro, eles passaram a exigir um corte de 11 bilhões de euros, e que esses esforços fossem custeados pelos mais pobres. Essa proposta foi apresentada como um ultimato, quase uma tentativa de golpe de estado financeiro. Toda a negociação foi assim, uma tentativa de derrubar o governo, usando os bancos em vez de tanques.
 
CM – O que acontecerá se os gregos preferirem a opção “não”?
 
Douzinas – O governo grego, com o respaldo democrático das urnas, voltará à mesa de negociação, para buscar um novo acordo, que seja economicamente viável e socialmente justo.
 
CM – Porém, a versão europeia é a de que o “não” significa a saída da Grécia da Zona Euro.
 
Douzinas – Outra mentira. Todos sabem perfeitamente que não há nenhum mecanismo legal para expulsar um membro da Eurozona. Estão pressionando o governo e o eleitorado grego, tentando distorcer os princípios básicos da democracia. É uma política neocolonial, algo que imagino que não surpreenderá muito os leitores do Brasil.
 
CM – Nos meios de comunicação, se fala não só da expulsão da Grécia da Zona Euro, mas também da União Europeia. Essa segunda é uma ameaça legalmente possível?
 
Douzinas – Por incrível que pareça, sim. A UE tem mecanismos para a saída de um membro, algo que já aconteceu aliás, com a Groenlândia, nos Anos 80. Mas quando se criou a Eurozona, não se incluiu nenhuma norma específica sobre os procedimentos a respeito.
 
CM – Seria essa, então, uma via para isso? Quero dizer, expulsar a Grécia da União Europeia para tirá-la, automaticamente, da Zona Euro.
 
Douzinas – Não é o que está em jogo. Nem as mais absurdas manifestações dos líderes europeus chegaram a propor isso. Temos que lembrar que a palavra Europa é uma palavra grega. Todos os princípios que formam a União Europeia estão fundados na tradição grega. E além disso, ainda que existam leis estritas sobre a saída de um membro, a verdade é que o direito está condicionado pela política. Portanto, depende muito da vontade política, e, como disse, ninguém está apostando nisso. 
 
CM – O que acontecerá se os gregos disseram “sim” à austeridade no domingo?
 
Douzinas – O referendo é uma consulta não obrigatória, mas o governo disse que vai acatar o veredito do eleitorado. Uma opção é que o governo continue com as negociações, só que mais fragilizado em sua posição. A alternativa é que renuncie. As declarações do primeiro-ministro parecem indicar que esta seria a opção preferida. Isso levaria a novas eleições, já que o parlamento, tal qual está conformado, não poderia formar um novo governo, pois o Syriza precisa de somente um deputado mais para ter uma maioria própria – nenhuma outra força política está em condições de formar governo. 
 
CM – O que aconteceria nesse caso? Porque existem compromissos financeiros que vencem este mês e não haveria um governo para tomar decisões quando se necessite tomar. Se isso ocorrer, o que será da Grécia, e do euro?
 
Douzinas – A Europa falhou em seus princípios fundacionais. Seja o que for que aconteça, creio que estamos diante de uma pergunta existencial básica na União Europeia, e os líderes terão que lidar com ela. Muitos líderes dizem que querem cada vez mais integração, mas ao mesmo tempo a estão minando. A realidade é que a única interpretação que podemos fazer da conduta da Troica é política. O objetivo é claro. Derrubar o governo, se esse não aceita as condições apresentadas, ou humilhá-lo de tal forma que seja inviável. O sucesso do Syriza e uma redução da dívida, que o mesmo FMI declarou inviável, poderia contagiar outros países, e algo parecido já se viu nas eleições regionais e municipais da Espanha, nos votos antiausteridade da Escócia e nos índices de aprovação de Sinn Fein na Irlanda, que mostram um movimento contra este tipo de ajuste. O Syriza está liderando o ataque contra a premissa neoliberal de que “não há alternativa”. Mesmo uma pequena vitória nesse caso seria um sinal contundente de que a única luta impossível é aquela que não se inicia.
 
Tradução: Victor Farinelli
(Publicado originalmente no portal Carta Maior)

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