terça-feira, 24 de maio de 2016

Editorial: O país das alianças espúrias.







Depois da divulgação do áudio com as conversas gravadas entre o ex-ministro do Planejamento, Romero Jucá, e o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, delator premiado na Operação Lava Jato, seria de bom alvitre que a senhora ministra do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, dispensasse o pedido de explicações, dirigido à presidente Dilma Rousseff, sobre o uso do termo “golpe” quando se referia ao processo de impeachment que a afastou da Presidência da República.Naquele diálogo, fica claro o caráter golpista e conspiratório da trama urdida para afastá-la do poder. Já desconfiávamos disso, mas agora há uma prova material do delito.

Houve uma época em que ficávamos enfurnados na Biblioteca Setorial do CFCH-UFPE, checando os calhamaços de teses defendidas no PIMES, com o objetivo de identificar os assuntos ali tratados. Numa dessas tardes, caiu em nossas mãos um livrinho que logo nos chamaria a atenção: O País das Alianças, - elites e continuísmo no Brasil. Primeiro porque alianças políticas era um dos fulcros de nossas preocupações de estudo. E, depois, o livro se mostrava pretensioso no sentido de oferecer subsídios para entendermos melhor o país.

O livro do cientista político Marcel Bursztyn se tornaria um dos nossos livros de cabeceira, uma vez que o autor explora todos os nossos períodos históricos, enfatizando, em cada um deles, como o país nunca chegou a uma ruptura, sempre empurrando, nas agudezas das crises, a bola para a rodada seguinte, através de alianças espúrias entre o velho e o suposto “novo”, sempre com a liga da nossa elite. Foi assim desde a Colônia até os dias de hoje. O país não consegue fazer uma reforma agrária, o país não consegue fazer uma reforma política. Eis aqui dois bons exemplos do país das alianças. Acabo de publicar, aqui no blog, um bom texto sobre o golpe institucional que se perpetrou no país, apontado como uma vingança da elite escravocrata do Nordeste.

A fala do ex-ministro Romero Jucá dá bem a dimensão do que seja transferir os problemas para a “rodada seguinte”, ou, como ele mesmo informa, “estancar a sangria”. A Lava Jato teria chegado a um estágio onde era preferível subverter as instituições para impedir que ela chegasse a encarcerar figuras de proa da política nacional, notadamente aqueles atores políticos não-petistas, como o senador tucano Aécio Neves. E que se dane esse arremedo de rés pública.

Um desses grandes jornalecos golpistas ouviu especialistas da área de ciência política sobre as reformas prioritárias para país. A turma não era da USP – o pessoal dessa universidade não mais concede entrevistas aos representantes da mídia golpista – mas outros nobres pensadores chegaram à conclusão de que a reforma política é prioritária. Até o insuspeito senador Renan Calheiros, Presidente do Senado Federal, em pronunciamento, durante a sessão que culminou com o acatamento do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, aparentemente, reconheceu o problema. 

Creio que parte da culpa pelo não avanço dessas discussões podem ser creditadas na conta do Partido dos Trabalhadores, que perdeu algumas oportunidades políticas fundamentais. O “escândalo Jucá” há poucos dias do Governo Michel Temer, expõe as entranhas da podridão em que estão metidas instituições dos três poderes. Nada menos que seis dos ministros do governo interino têm seus nomes envolvidos na Operação Lava Jato, inclusive Jucá, que foi conduzido ao ministério já 'bichado'. Era um homem fortíssimo da engrenagem golpista. Tanto é assim que nem a péssima repercussão, tão pouco a sua ficha suja, fizeram Temer demover da ideia de nomeá-lo.

Na realidade, a bem da verdade, como já externamos em outro editorial, é um governo “sujo”, em princípio. Alguns nomes passaram a ser cotados para substituir Romero Jucá, no ministério do Planejamento. Até a Globo tomou o cuidado de levantar suas fichas. São sujos. Não há notáveis. Os partidos de oposição estão se mobilizando no sentido de pedir uma punição severa ao ex-ministro, que assumiu sua cadeira no Senado Federal, onde deverá continuar ajudando o governo interino. Os áudios dão margem para uma série de eventos ou ações jurídicas, até mesmo a cassação do mandato e sua prisão.


Pego em situação comprometedora, ficou bastante ridícula a sua tentativa de explicação quando se referia à expressão “estancar a sangria”. Num contexto eminentemente político, ele tentou remeter a questão ao campo da economia. A coalizão de forças montada para derrubar a presidente Dilma Rousseff atende a inúmeros interesses, inclusive salvar o pescoço da nau corrupta do país das alianças...espúrias.  

A charge que ilustra esse editorial é do chargista e músico Renato Aroeira.


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