terça-feira, 17 de abril de 2018

Durval Muniz: Pouco se lixando para o lixo

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“Manda esse lixo janela abaixo”, dizia alguém que usou um rádio transmissor e interferiu na comunicação do avião que transportava Lula para a sede da Polícia Federal, em Curitiba. O lixo em questão era o próprio ex-presidente, que estava sendo levado preso, apesar de ter sido condenado apenas em segunda instância, quando a Constituição prevê explicitamente que só poderia sê-lo quando o processo percorresse todas as instâncias recursais e transitasse definitivamente em julgado (mas, para ele, a Constituição não vale, segundo afirmou o próprio Supremo Tribunal Federal, que por ela devia zelar, atribuindo-se poder constituinte originário e modificando o que dispõe explicitamente nossa desmoralizada Carta Magna). O lixo que deveria ser atirado fora pela janela de um avião e, portanto, morto (o desejo homicida da pessoa gravada é inequívoco), foi condenado num processo kafkiano, em que tudo o que se tem de provas é uma reportagem de um jornal e depoimentos de co-réus, depois de mantidos presos, preventivamente, durante meses nos calabouços de Curitiba. Lula foi condenado porque um dia pretendeu comprar um apartamento, pagando cotas do empreendimento, declarando no imposto de renda esses pagamentos mas, quando o imóvel ficou pronto e o visitou uma vez, desistiu da compra, passando a cobrar o que pagara de volta. O apartamento que, pretensamente seria propina, continua no nome da construtora e ela o penhora junto à Caixa Econômica Federal, mas tanto a promotoria como o juiz que, de forma irregular, faz tabelinha com a acusação, estão convictos de que o apartamento é de Lula e é fruto de propina em troca de contratos com a Petrobras, o que de resto nunca ficou provado. Até um jornalista conservador e antipetista como Reinaldo Azevêdo, que leu o processo (ao contrário de toda uma camarilha que continua afirmando a culpabilidade do ex-presidente) chegou a conclusão que é insustentável a condenação.
Mas, o que quero discutir nesse artigo, é a frase dita pelo invasor de espaço aéreo (em si mesmo um crime, que poderia causar sérias consequências para a vida de todos que estavam no avião), que relega à condição de lixo um ser humano. Mas o que é ser lixo? Etimologicamente lixo vem do latim lixare, que remete ao ato de desgastar, desbastar, lixar alguma coisa, mas lixo seria, justamente, o que sobra, o que resta dessas operações, as aparas, os resíduos, os restos. Em nossa cultura, o lixo têm conotações muito pejorativas pois se associa àquilo que é jogado fora por ser imprestável, por estar estragado, por estar podre, por ser impróprio para o consumo. Pelo seu próprio aspecto e odor, ao lixo é atribuído ainda sentidos como de algo sujo, fétido, repelente, contaminante, degradado. Dessa origem etimológica da palavra lixo advém, também, a expressão “se lixar para algo ou alguém”. Se o verbo lixar se refere ao ato de polir, de desgastar, de desbastar alguma coisa, o que implica prestar muita atenção naquilo que se está fazendo, em fixar a atenção sobre o material que está sendo lixado, a expressão “pouco se lixar” se refere a falta de atenção, a pouca importância, ao desprezo que se devota a algo ou a alguém. Estar pouco se lixando para algo ou alguém é não dar o menor valor àquilo ou àquele de que se trata. É figuradamente tomar o outro como se fosse lixo, como se fosse algo indigno de atenção, fosse algo sem importância, sem valor e que, portanto, pode ser jogado fora, destinado ao descarte e à destruição.
A frase do invasor de espaço aéreo diz muito do que estamos vivendo na sociedade brasileira, ela é um indício emblemático desses dias que correm. Há setores na sociedade brasileira que consideram que outras pessoas, com opiniões políticas e visões de mundo diferentes das suas, não podem continuar existindo, devem ser jogadas fora, descartadas, eliminadas, mortas. O fascismo tem como uma de suas características a rejeição ao que é diferente e distinto. O fascismo tende a desumanizar aqueles que toma como adversários ou inimigos. A desumanização transforma humanos em animais (ratos, porcos, cães, bestas, pulgas), como fizeram os nazistas, ou em excrementos, restos, sobras, lixo (os homicidas que atentaram contra a vida de Lula no Paraná o chamaram de bosta). Os nazistas, literalmente, transformavam os corpos dos judeus, dos comunistas, dos homossexuais, em resíduos, em cinzas, em restos que deviam ser enterrados e desaparecidos. O fascista é uma pessoa tomada pelo desejo de morte, governada por uma libido assassina (suas fantasias, seus sonhos, até mesmo suas ações visam o gozo com a morte do outro rejeitado). O fascista invasor de espaço aéreo teve um gozo só por pronunciar essas palavras, sentiu seu desejo minimamente satisfeito só por manifestar desejos e ideias que, em outras circunstâncias sociais, não teria coragem de expressar, nem para si mesmo. A atuação fascista e assassina da mídia, dos meios de comunicação, notadamente da Rede Globo (que começa assassinando a verdade, com ela assassinando reputações) incentiva ao assassinato sanguinário dos corpos. Os programas policiais, que vivem de alimentar o gozo fascista pela tortura psicológica e física das pessoas ditas bandidas, espalham pela sociedade brasileira o desejo de desforra e linchamento. Na   hora do almoço ou no final da tarde, milhares de pessoas, no Brasil, sentem prazer em contemplar a humilhação e o escárnio em relação a pessoas humanas, que são constantemente comparadas a animais, feras, bichos. A própria maldade daqueles que são ali espetacularizados espalha-se como um exemplo do que seria o comportamento de pessoas das condições sociais e raciais delas. Só vemos preto e pobre na TV na condição de “bandido”, o que reforça a ideia de que todos são criminosos ou que só os pobres e pretos são desonestos e malvados. As maldades intrínsecas a uma ordem social que gera essas pessoas nunca são mostradas ou discutidas. Se personaliza a maldade como forma de encobrir a origem social do crime e da violência. Se violenta todos os dias pessoas nos meios de comunicação a pretexto de combater a violência. Se glamouriza, se espetaculariza a violência do Estado, através da atuação, muitas vezes desastrada e preconceituosa, dos órgãos de segurança, a pretexto de se combater a violência.
Por que grande parte da elite brasileira e setores expressivos das classes médias não possuem qualquer simpatia ou empatia com a figura de Lula? Por que tanto ódio em relação a um ex-presidente que só os beneficiou, que esteve longe de atacar seus privilégios? Na época em que Lula governou, a burguesia brasileira não parou de ganhar dinheiro, nunca se consumiu tanto, nunca o país viveu uma euforia tão grande. No entanto, a falta de identidade de classe era e é nítida, nunca o consideraram um dos seus, nunca deixaram de achar que ele estava ocupando um lugar indevido. O ódio assassino a Lula se deve menos a ele, mas a tudo que ele simboliza. Quando desejam jogá-lo do avião, quando o consideram um lixo, expressam seu repúdio a pobreza e ao pobre. Lula será sempre marcado por ser aquele que tem origem popular. O motivo que o leva a ser amado por milhões, é o mesmo que o leva a ser odiado por milhares. No Brasil o pobre sempre esteve muito próximo da condição de lixo. Somos um país em que as elites, e a população em geral, assiste passivamente e sem qualquer esboço de solidariedade pessoas viverem jogadas nas ruas, nas praças, embaixo dos viadutos, nas marquises, nas sarjetas. Tendemos a ter medo, a discriminar e a marginalizar a criança que dorme na saída de ar das estações de metrô. Somos o país onde governos estaduais e municipais tratam os consumidores de drogas, os homens e mulheres jogados nas cracolândias, como se fossem incômodos restos humanos, usando da violência policial como saída para um problema que é social e de saúde pública. Desde o início da República que tratamos questões sociais como caso de polícia. Somos um país onde milhares de retirantes das secas, como Lula, morreram perambulando pelas estradas, vítimas da fome e da sede, atirados aos urubus e aos cachorros e não alimentamos por isso nenhum remorso ou vergonha. Atribuídas às secas, à causas naturais, essas milhares de mortes pouco fazem parte de nossa própria história, é como se nunca tivessem existido tais andrajos humanos, que foram despejados como restos mortais numa cova rasa qualquer. Vítimas da incúria governamental e de uma estrutura fundiária e econômica assentada na concentração e no privilégio, esses milhares de retirantes são como o lixo que nossa história produziu e deve ser atirado fora.
Lula é nordestino, filho da região pária da nação. Região de uma elite nababesca, que vive secularmente da exploração da maioria, elite que optou em vários momentos pelo atraso, como fizeram novamente em 2016, desde que não perca seus privilégios. Região privilegiada pelos investimos e programas do governo Lula, reacendendo ódios e preconceitos regionais, notadamente no Sul e Sudeste do país. Ao privilegiar em suas políticas os mais pobres e, entre eles, os nordestinos, Lula teria optado pela escória do país: os preguiçosos, os improdutivos, os incapazes de trabalho intelectual, os sem consciência, os alienados, os burros, os feios, sujos e malvados do país. A classe média e as elites limpinhas, brancas, os homens bons, os gestores, os empreendedores, os inteligentes e conscientes olham com desprezo para essa gente que deveria não existir e existindo deveriam desaparecer, ser atirados fora do país. Lula teria retirado dinheiro daqueles que trabalham e produzem para alimentar vagabundos com o Bolsa Família. Aqueles grupos e aquelas regiões que enriqueceram com a exploração do trabalho barato dos nordestinos, a encarnação do proletário no Brasil, se indignam com a possibilidade que essa gentalha possa andar de avião e cursar a universidade. Lula personifica o nordestino que deu certo no Sul (por isso é tão amado em sua região), mas ao mesmo tempo personifica aquele que veio tomar o lugar de um sulista, que veio ocupar um lugar que não era dele. Se o Nordeste e os nordestinos sempre foram vistos como os indesejados da nação, seu resto, sua sobra, sua escória, porque não jogar todos no lixo ou reservar para eles o lugar de catadores de lixo.
É muito simbólico e revelador que seja o primeiro presidente da República a receber em palácio representantes dos catadores de lixo, o presidente que fazia questão de passar as festas natalinas com os trabalhadores do lixo, que investiu numa política social voltada para os trabalhadores em cooperativas de reciclagem, que venha a ser tratado ele mesmo como se lixo fosse. A campanha midiática de difamação que sofre, encontra guarida com maior facilidade justamente porque, para muita gente, Lula sempre foi sujo, sempre esteve próximo da condição de alguém que cheirava mal, pois era pobre e nordestino, e ainda se envolvia com catadores de lixo. Convencer de que Lula é um sujo corrupto, é um fedorento ladrão não é difícil para gente de narinas levantadas que nunca o engoliu, que sempre achou que ele não era flor que se cheire. A campanha de difamação funciona porque mobiliza os baixos sentimentos, as emoções inconfessáveis, as repulsas que antes não eram expressadas e que ganham, com a autorização midiática e com o anonimato das redes sociais, seu caldo de cultura. No Brasil, sempre se associou pobreza a sujeira, a mal cheiro, a tendências criminosas. Numa casa de classe média a empregada sempre foi a primeira suspeita quando algo some. É difícil, por isso, convencer a muita gente que Lula não é corrupto e ladrão, se os políticos e empresários de outros extratos sociais o são. Como justo o pobretão, o retirante, o nordestino seria honesto? No imaginário nacional, todo político, todo homem público é desonesto, e não têm nem como provar em contrário. A impostura jurídico-midiática construída para afastar Lula da vida pública, para impedir a sua volta, é facilmente credível, porque sua figura possui vários traços que o predispõe a ser o bode expiatório a ser exposto no meio da sala. Um sistema corrompido de alto a baixo, um judiciário atravessado pelo privilégio e pela corrupção, se volta contra um homem que deles se diferencia e atiram sobre ele, exatamente por ser diferente, todo o seu ódio e rejeição. Pouco se lixando para o que venha sofrer o país, sua população e o próprio ex-presidente, um verdadeiro linchamento se realiza, externalizando os desejos de morte e o ódio de classe e o ódio regionalista.
Se Lula é o sem dedo, o deformado no corpo, também deve ser o aleijado de espírito e de caráter. O sapo barbudo deve ser salgado e esmagado como se faz com um animal repelente. As inúmeras referências pejorativas à sua deficiência física mostram o quanto o portador de necessidades especiais no Brasil é desprezado e vítima de preconceitos. Foi justamente em seu governo que ocorreram avanços significativos na inclusão das pessoas com deficiência na educação básica e superior. Mais uma vez, Lula ficava do lado daqueles que são vistos como humanos pela metade, como restos de gente, como lixos humanos. Assim como tem que pagar caro por criar políticas voltadas para a população LGBTT, também lixos que deveriam ser lançados ao mar ou no inferno como pregam todos os dias os nossos representantes de Cristo (que ele não saiba disso). Se Lula só olhou para os de baixo, só olhou para baixo, eis sua maior baixeza e todas as suas baixarias, como não querer ser associado a lixo? O ressentimento das elites e de setores da classe média com ele se deve ao fato de, ao invés de querer ser um deles, de querer deixar de ser o que foi, de renegar suas origens, Lula afirmar que sempre soube de onde veio e quais seus verdadeiros iguais. Lula é um presunçoso que não quer ser um burguês como a maioria que sempre nos governou. Qualquer passo que ele possa ter dado nesse sentido vira uma ameaça e assinte. Comprar apartamento, sítio, ter carro, etc, etc, não era para ele, como ousa comprar essas coisas e ainda honestamente? Só pode ser fruto de roubo. Lula é ladrão dos lugares de privilégio de nossas elites, dos símbolos de ascensão social, usados para marcar diferenças que deveriam ser intransponíveis. Além de roubar esses lugares, que deveriam ser só deles, ainda os considera menor e menos importantes do que aqueles de onde saiu. Lula, duas vezes presidente da República pelo voto popular, aquele que atingiu níveis de popularidade nunca vistos, nunca quis se fingir de empresário, de bacana, de almofadinha, continuou nesse lugar sendo o operário, o metalúrgico, aquele que fala um português estropiado e não fala inglês (mesmo assim foi o presidente que melhor projetou o Brasil no mundo, para desespero de nosso jet set mochileiro de Miami), o homem do povo, o nordestino, o homem de esquerda, ou seja, tudo aquilo que nossas elites aprenderam a desprezar, a menosprezar.
Lula, o comunista, eterno lixo de nossa vida pública, a atrair o ódio de civis e militares. Homem de posições moderadas, um verdadeiro estadista, um cristão convicto, um homem capaz de conviver sem radicalismos com forças políticas as mais distintas, que não levou a cabo transformações mais profundas por causa das alianças com as forças conservadoras do país, é odiado como se fosse um revolucionário descabelado, um terrorista, como alguns próceres da direita querem equiparar todos os militantes de movimentos socais. No Brasil, ao longo de sua história, muitos homens e mulheres por serem de esquerda, por professarem convicções socialistas, anarquistas, comunistas foram abatidos como cães sarnentos, foram torturados, aprisionados, trucidados, desaparecidos, jogados como lixo numa vala comum, se nenhuma identificação como um ser humano. Nesse país, todos os dias, centenas de pessoas são assassinadas como se suas vidas nada valessem. Muitas permanecem por horas atiradas no meio-fio, cobertas por um lençol, como se fossem o lixo, o resto, a sobra que essa sociedade da exploração e da desigualdade joga fora. Nessa sociedade injusta, qualquer brado por justiça pode te levar a ter o mesmo destino de Marielle, não só morta como um traste no meio da rua, mas ainda difamada, acusada de ser a responsável por sua própria morte, pois ela veio debaixo, ela veio do lixo social, portanto, só pode ser lixo também, cuja morte e cujos responsáveis por seu bárbaro trucidamento são jogados para debaixo do tapete, para que os limpinhos possam ser preservados dessa mácula.
Mas, a frase do violador de espaço aéreo, também revela muito sobre nossas elites e nossas classes médias. Ele disse que Lula era um lixo e que por isso devia ser jogado pela janela. Atitude típica da incivilidade de nossas elites: atirar lixo pela janela, atitude que não a diferencia do povão. O atirar o lixo pela janela é um gesto que indicia, também, a completa ausência de sentido de cidadania entre nós. Emporcalhem-se as cidades, entupam-se os bueiros, tornem as vias públicas intransitáveis, atitudes típicas daqueles que não veem na cidade uma construção humana e cidadã, a cidade como um lugar de convívio e respeito ao direito do outro. Jogar o lixo pela janela, não importando com o transeunte que venha passando, indício da barbárie de nossa população. As nossas elites sempre se caracterizaram por ser espaçosas, por terem sido sempre criadas em enormes espaços rurais ou urbanos, a espaciosidade parece ser um traço de mentalidade de nossas classes dominantes. Elas se julgam donas do mundo, todo e qualquer espaço é seu, é feito para seu desfrute. Daí a revolta em ter que dividir espaços com pobres, pretos, índios, mulheres (que agora querem até ser presidente da República, que petulância, só com um impeachment para se resolver isso). O lixo é incômodo justo quando vem ocupar lugares que para ele não é destinado. Faz parte, como apêndice do direito de propriedade, no Brasil, o direito de se colocar uma tabuleta dizendo: “Favor não colocar lixo”. Sem teto, sem terra, por favor Estado, despeje todos para fora daqui, quem sabe para fora do mundo. Sim, em nosso país a expressão que se usa para desalojar pobres de casas e terrenos que não lhe pertencem é despejar, mesmo verbo que usamos para o lixo. Nossas elites, que precisam de um carro enorme para que uma pessoa se desloque dentro e ocupe uma grande área para estacionar, são as mesmas que se comprazem em destinar a empregada doméstica um quarto de 5 metros quadrados. Essa elite espaçosa toma o espaço público como se fosse uma extensão de sua casa, enorme, mas que é pequena para tanto ego.
Não há elite para produzir mais lixo do que a elite brasileira, em todos os sentidos. Em onze anos, entre 2003 e 2014, exatamente o período dos governos do PT, a produção de lixo no país cresceu 29%, acompanhando o crescimento do consumo. Cada habitante no Brasil produz em média 387 quilos de lixo por ano. Mas o lixo de nossas classes médias é de uma riqueza incomparável, muitos miseráveis vivem de chafurdar esse rico lixo. Produzimos lixo como um país de primeiro mundo, mas o descartamos como um do terceiro mundo, daí a poluição e a degradação ambiental. Somos o terceiro maior produtor de lixo do mundo, pois o desperdício de alimentos, por exemplo, é uma marca de nossas classes dominantes. Se Lula colocou como meta de seu governo acabar com a fome, que atingia milhares de pessoas e que depois do golpe de 2016 já voltou a atingir 11 milhões de pessoas que foram excluídas dos programas sociais ou perderam o emprego, nossas elites sempre se caracterizaram pelo desperdício de comida, pelo olho grande e a barriga estufada de comer. Para eles, Lula tem o mesmo valor que os alimentos que atiram fora, que jogam pela janela do carro, todo dia. Lula quis matar a fome dos pobres, que valor isso pode ter, que importância isso pode ter para elites impanzinadas e obesas, como as nossas, adiposas até no pensamento? Eles estão se lixando para os pobres e sua fome, logo estão se lixando para esse presidente que foi sem nunca poder ter sido. Ele agora está no seu lugar, no lugar onde a sociedade burguesa joga todos os seus detritos, os seus restos, os seus lixos: a prisão. Depois de sugar, esmagar, deglutir e moer a todos, joga-se o bagaço no lixão, para que longe da vista de todos, não possa atrapalhar a linda paisagem de lugares exclusivos, nem venham emporcalhar e feder à porta de quem produziu tais resíduos. Lula, em seu tempo, foi usado para benefícios de muitos que hoje o atiram ao lixo (inclusive a quase totalidade dos julgadores que lhe atirou na cadeia, hoje recebem os poupudos salários que percebem, por causa que aquele que hoje é bagulho os escolheu e indicou). Típica atitude de gente que vêm das elites brasileiras em relação aos que vieram de baixo: desprezo, arrogância, desconhecimento. Eles estão mais é se lixando para o que possa ocorrer com esse lixo, quem mandou teimar em ser gente.

Durval Muniz de Albuquerque é historiador e professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

(Publicado originalmente no site Saiba Mais, Agência de Reportagem, aqui reproduzido com autorização do autor)
 

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