domingo, 22 de julho de 2018

Crônica: "Estou aqui para ser louco"

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José Luiz Gomes
 
 
Já confessamos aos leitores a nossa admiração pelo escritor Franz Kafka. O que mais nos aproximou da obra de Kafka, além do estilo, naturalmente, foi a sua temática de cunho filosófico e político. Esse caráter esta presente em todos os percursos da obra do escritor tcheco. Também já confessei, nessas entrelinhas, ser um incorrigível colecionador de papéis, para desespero de nossa(s) esposa(s), leitores amigos. Outro dia, num papo informal, um colega nos confidenciou ter retirado de sua residência algo em torno de 15 mil exemplares entre livros, revistas e outros papéis. A esposa teria contraído câncer e responsabilizaram seus livros pelo ocorrido. Nunca ouvi dizer que livros provocasse câncer. Ao contrário, os livros, na realidade, nos proporcionam orgasmos espirituais que fazem um bem danado para a saúde.  
 
Havia algum tempo que procurava, entre esses papéis, um recorte antigo, acerca do escritor preferido de Kafka. Imagina os leitores se eu ia deixar de guardar esse recorte. Se ele era o escritor preferido de Kafka, por tabela, já despertava minha admiração e curiosidade. Encontrava de tudo, menos esse tal recorte. Não sou, assim, uma pessoa muito organizada. Em inúmeras buscas, encontrei coisas inusitadas, que suscitariam ótimas crônicas, mas o bendito recorte sobre o tal escritor, nada. Pedir o apoio da esposa nessa empreitada não seria muito prudente. Passei a suspeitar da possibilidade, inclusive, de um possível complô armado por ela. Vocês sabem do que são capazes essas mulheres naqueles dias de fúria. Apontam sua ira para aquilo que temos de mais sagrado. Uma delas, aqui na província, ateou fogo num caderno de poemas inéditos de um grande poeta. Vocês podem imaginar o dano para o infeliz?
 
Mas, mania de perseguição e teorias conspiratórias à parte, eis que, numa sexta-feira 13(imaginem!), bateu aquele insight de procurar o bendito recorte entre um amontoado de coisas mais antigas. Dei sorte. Lá estava o texto sobre Robert Walser, o escritor suíço. Walser é uma espécie de escritor para escritores. Não atingiu o grande público, mas tinha admiradores confessos como Robert Mussil, Thomas Mann, Herman Hesse e Franz Kafka, que confessava sua influência sobre a sua produção literária. É preciso ser dito, Kafka era um fã de carteirinha de Walser. De acordo com Moacyr Scliar, Walser transitou sobre vários gêneros, podendo ser considerado um gênio em alguns momentos. Os leitores teriam a oportunidade de ler de Walser, no Brasil, uma obra escrita por ele em 1907, quando o autor contava com apenas 29 anos de idade: O Ajudante.  
 
O filósofo Michel Foucault já observava que a literatura era uma espécie de barco dos loucos, um não lugar. Mais interessante ainda, Foucault, observar que Walser, em virtude de uma perturbação mental, foi transferido, a contragosto, para uma dessas instituições disciplinares: um hospital psiquiátrico. Como protesto, se recusava a escrever: Estou aqui para ser louco, não para fazer literatura. Walser, certamente, ocupa um lugar de destaque nesse barco de Foucault. Uma viagem sem âncoras - como é comum aos ditos loucos - apenas em razão de uma narrativa discursiva. Boa viagem, Walser.
 
 
 
 
 

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