segunda-feira, 2 de julho de 2018

Crônica: Volúpia

 
 
 
José Luiz Gomes
 
Ainda muito jovem, ali pelos 17 anos de idade, Gilberto Freyre foi estudar no exterior. Evangélico, então vinculado à Igreja Batista, recebeu uma bolsa daquela instituição para estudar nos Estados Unidos. Seu objetivo inicial era tornar- se pastor. Um pouco antes, ainda aqui no Recife - mais precisamente nos bairros pobres da periferia - era comum ao jovem futuro sociólogo, autor do clássico Casa Grande & Senzala, um trabalho de evangelização orientado pela denominação à qual pertencia. Já nos Estados Unidos, Gilberto Freyre decepcionou-se com o tratamento dispensado pelos membros de sua igreja aos negros americanos e optou por seguir uma carreira acadêmica na universidade de Baylor, no Texas, onde concluiu um mestrado em artes liberais, consoante a estrutura acadêmica das universidades americanas.
 
Não faltou quem o estimulasse a fazer um doutorado, mas ele não quis. A academia, por incrível que possa parecer, não era bem a praia de Gilberto Freyre. Ao que se sabe, dificilmente participava dos ritos de formação, tampouco dava muito atenção aos canudos, entregues a ele posteriormente. Ao voltar dos Estados Unidos, depois de um emblemático discurso de cunho regionalista proferido no Colégio Americano Batista, de imediato, tomou as providências para realizar uma espécie de viagem da saudade, com seu amigo José Lins do Rêgo,  nas terras de engenho de sua família, na Paraíba.
 
Devo ter lido Menino De Engenho umas cem vezes, além de teses de doutorado e dissertações de mestrado abordando a questão da literatura regional, sempre à procura de subsídios para um trabalho em curso. Há de tudo. Até mesmo uma dissertação no campo da Geografia acerca do "universo" dos romances do escritor paraibano. "Universo" geográfico, naturalmente. Trata-se de um trabalho acadêmico muito bom, mas se eu estivesse na banca reprovaria o candidato. Ele esqueceu de informar que o Moleque Ricardo esteve em Paulista, possivelmente como operário da Companhia de Tecidos. Sempre que vou à Paraíba, arrumo um tempinho para visitar a cidade de Pilar, torrão onde nasceu José Lins do Rêgo. Mais precisamente ao Engenho Corredor, onde ele passou sua infância, experiência relatada em seus romances do ciclo da cana-de-açúcar e em textos memorialistas como Meus Verdes Anos. Para mim, poucas coisas se comparam a pegar aquelas estradas, numa manhã  fria de um domingo de janeiro, contemplando os frondosos pés de cajá aos quais ele fazia referência no Menino de Engenhonum passeio com a tia, em visita aos parentes. Essas árvores centenárias de sua meninice resistem até hoje.   
 
Quando estamos na região do Brejo Paraibano, respiramos engenho as 24 horas do dia. Ora é o Museu do Brejo Paraibano, em Areia, mantido pela UFPB; seus engenhos de rapadura ainda em funcionamento; a produção da cachaça Rainha, no Engenho Goiamunduba, em Bananeiras; e, finalmente, a boa mesa do Restaurante Banguê, no Engenho Lagoa Verde, onde é produzida a melhor caninha branca do Brasil, a Volúpia, uma aguardente artesanal, produzida com cana orgânica. Esses rankings de cachaças são muito polêmicos, despertam controvérsias e paixões, mas a marvada do Brejo é boa mesmo. Durante anos, a Espírito de Minas, uma cachaça também artesanal produzida na cidade de São Tiago, Minas Gerais, ocupou o primeiro lugar no ranking, mas as cachaças do Brejo paraibano evoluíram bastante. A Volúpia é produzida desde o século XIX, no engenho Lagoa Verde, em Alagoa Grande - cidade de Jackson do Pandeiro. Vocês podem imaginar degustar essas costeletas de porco da foto acima, depois de uma dose para abrir o apetite? É de dar água na boca ou não é?  




 


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