Há alguns anos atrás, ingressamos no Programa de Mestrado e Doutorado da UFPE, com o propósito de estudar o Partido dos Trabalhadores. Compilamos um bom material bibliográfico sobre a legenda, que mantemos até hoje. São livros, teses, resoluções dos encontros, entrevistas gravadas etc. Uma delas com o morubixaba petista, quando ele se encontrava de férias na aprazível praia de Pajuçara, em Maceió. Naquela época, o partido despertava interesse nacional e internacional. Pesquisadores vinham do exterior estudar aquele fenômeno político, sobretudo em função de suas características particulares, o que o distinguia no contexto do sistema partidário nacional.
Na primeira eleição que o partido disputou, em 1982, ainda sob o processo de redemocratização, o candidato do PT que concorria ao Governo de Pernambuco era o líder sindical maranhense, Manuel da Conceição. Uma época em que os programas de governo se confundiam com a biografia e o currículo dos candidatos, assim como ocorria com Lula, numa relação essencialmente orgânica, que ainda pedia que o trabalhador votasse em trabalhador, em alguém igualzinho a ele. Lula aparecia barbudo, de mangas de camisa e costumava apresentar o seu dedo perdido como um reflexo de sua luta e identificação de classe.
Logo o publicitário Duda Mendonça aconselharia ao líder petista de que essa "narrativa" não o levaria a lugar algum, muito menos ao Palácio do Planalto. Era preciso usar ternos italianos, manter a barba aparada, cuidar dos dentes e procurar o mesmo cabeleireiro do Sílvio Santos, o Sacha. O partido começa a entrar num processo que não teria mais volta, priorizando a luta pelo voto, a conquista do poder e se afastando gradativamente de suas bases e setores orgânicos, em nome de uma institucionalização, que pode ser traduzida, igualmente, de oligarquização, onde uma burocracia partidária passa a dar as cartas na legenda.
Houve um tempo em que o partido mantinha um núcleo apenas para lidar com os evangélicos. Ao logo do tempo, como decorrência dessa burocratização interna, o hiato foi se consolidando, culminando nas refregas com este nicho eleitoral nas eleições presidenciais de 2022. Lula chegou a afirmar que não sabe como este elo foi rompido. Neste aspecto, o PT mordeu a isca da extrema-direita em disputar a narrativa da agenda de costumes ou a pauta do identitarismo, onde eles passaram a ser majoritários junto aos eleitores empobrecidos, periférico e evangélico. O caso de São Paulo é emblemático. Boulos perde nesses nichos eleitorais para o candidato Ricardo Nunes. Investe pesado nessas zonas, mas acredita-se que seja um pouco tarde. Um artigo recente do sociólogo Jessé de Souza, expõe essa questão com riqueza de análise.
Outro aspecto diz respeito à economia da atenção, ancorada, sobretudo nas redes sociais, onde o partido sempre encontrou maiores dificuldades do que esses grupos de extrema-direita, que privilegiam as suas ações através desse expediente. A articulação é tão evidente que acredita-se que grandes redes deem uma forcinha a esses grupos através de seus algoritmos e manobras congêneres. Aqui a coisa é mais grave, uma vez que estamos tratando da destruição das instituições democráticas e da própria política. Esquemas pesados de cortes, mentiras sistemáticas e proposições exóticas podem eleger alguns atores políticos.
Existem outros fatores que poderiam ser discutidos por aqui, como a crescente penetração do crime organizado e grupos milicianos no aparelho de Estado, fato gravíssimo, igualmente pernicioso para os interesses da res publica. O portal dessa relação promíscua já foi aberto em alguns Estados da Federação, inclusive no Nordeste, região que, tradicionalmente, sempre emprestou apoio ao Partido dos Trabalhadores.
O livro Os Partidos Políticos, do sociólogo e cientista político Maurice Duverger, é um livro que parece não sofrer os efeitos do tempo. Escrito em 1951, continua um livro atualíssimo sobre o tema, sobretudo em razão de apresentar uma teoria sobre os partidos políticos, que mereceu poucos reparos ao longo desses anos. Quando trata da origem dos partidos políticos, por exemplo, Duverger vai nos apresentar uma distinção bem clara sobre os partidos de quadros, nascidos nos parlamentos, e os partidos de massa, que tem sua origem fora do parlamento, nas organizações sindicais e movimentos sociais.
Os partidos de massa surgiram exatamente para representar uma demanda social que jamais foi atendida pelos partidos de quadros. Assim, esses partidos, em função da origem e identidade com determinados segmentos eleitorais vão apresentar características bem diferenciadas. Os partidos de quadros podem acabar, simplesmente, pela vontade dos seus caciques, dos seus donos, de acordo com as conveniências de ocasião. Já em relação aos partidos de massa, a situação é bem mais complexa, envolvendo inúmeros fatores, inclusive um divórcio com a sua base histórica de sustentação, que é o que sugere que esteja ocorrendo com o PT.
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