pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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quarta-feira, 31 de agosto de 2011


A NOVA CLASSE “C” – Como o ingresso de jovens empobrecidos ao ensino superior, aliado ao acesso às modernas tecnologias de comunicação, podem fazer os “brasis” se encontrarem.

Por José Luiz Gomes

                                   Não são raros os momentos em que, através da literatura, dos relatos pessoais e até mesmo a partir de referências biográficas, nos deparamos com comentários acerca da inveja nutrida pelos pernambucanos – sobretudo os do Recife – em relação a algumas figuras que se sobressaem ou se projetam para além da província. Há quem assegure, e também não são poucos, que se trata de um comportamento tipicamente pernambucano, essencialmente recifense. Preencheríamos os espaços deste artigo apenas citando os exemplos mais conhecidos.

                                   Escrevendo a um ilustre colega pernambucano sobre a sua intenção de retornar ao Recife, o escritor Gilberto Freyre foi aconselhado a não fazê-lo. É conhecido o caso do sociólogo Josué de Castro, por pouco não nomeado para o Governo João Goulart. O antropólogo Darci Ribeiro articulou com o presidente Jango a sua nomeação para o Ministério. Pediu a Josué que não fizesse nenhum comentário sobre a nomeação. Vaidoso, Josué não teria seguido o conselho do amigo e alardeado na província que seria nomeado ministro. Foi o suficiente para surgirem inúmeras contestações ao seu nome, que partiram, sobretudo, do PTB local, - partido ao qual era filiado - tecendo todo tipo de crítica a Josué de Castro, criando uma situação política insustentável, suficiente para que a sua nomeação não fosse concretizada.

                                   O Governo Goulart, então, em razão dessa ardilosa articulação movida pela inveja, deixou de contar com um dos “caras” mais brilhantes na reflexão dos reais problemas das camadas marginalizadas, excluídas e silenciadas do país.É certo que o Governo João Goulart teve uma sobrevida pequena, abortado pelo golpe militar de 1964. Mesmo nessas circunstâncias, Jango faria justiça a uma inteligência que se preocupou o tempo todo com o problema da fome dos brasileiros, denunciando-a como resultado de engrenagens sociais perversas, conferindo-lhes um status político, como enfatizava o professor Manuel Correia de Andrade.

                                   O próprio Darcy Ribeiro, num documentário produzido pelo cineasta Sílvio Tendler, sobre o sociólogo dos mangues do Recife, que circunstancialmente passou pela Sorbonne, afirma: “A ditadura brasileira cometeu muitos equívocos e arbitrariedades, mas essa de condenar ao exílio um brasileiro respeitado mundialmente é uma “m””.

                                   Até na academia, conhecemos alguns exemplos que poderiam ilustrar esse artigo, mas preferimos não declinar nomes, até porque, possivelmente, alguns desses atores não gostariam que os seus nomes fossem citados. A questão é saber qual a origem desse comportamento, ou, como afirma o colega Jefferson Lindberght, a partir da leitura do filósofo Michel Foucault, identificar o “discurso original”, que está na raiz dessas atitudes sociais. Talvez o próprio Gilberto Freyre possa nos auxiliar um pouco neste sentido.

                                   Na concepção do autor de Casa Grande & Senzala, A região Nordeste – Pernambuco em particular, Durval Muniz que nos perdoe – foi o berço do processo civilizatório brasileiro. Talvez em nenhuma outra praça do país, ficou tão cristalizada a profunda hierarquização da sociedade brasileira, dividindo os moradores do andar de cima e os ocupantes do porão, observadas até hoje nos espaços públicos e privados, ou, precisamente, nos espaços públicos que nunca deixaram de ser privados, considerando as observações do historiador Sérgio Buarque de Hollanda, de que no Brasil não existe esfera pública.

                                   A intelectualidade brasileira, por sua vez, tem sua origem no andar de cima, não tendo desenvolvido aquele sentimento de pertencimento aos ocupantes do porão. Mesmo nos dias de hoje, ainda torcem o nariz para os empobrecidos que estão freqüentando os saguões dos aeroportos. Como afirmou o professor Durval Muniz, em recente encontro na Fundação Joaquim Nabuco, ainda sentem saudades da senzala. Soma-se a isso, uma profunda atração pelo Estado, que lhes dá proteção, respaldo institucional às suas ações e aos seus projetos, submetendo-os aos seus próprios egos e perspectivas meramente instrumentais, presos intelectualmente na camisa de força que o corporativismo lhes impõe.

                                   Quando muito, se permitem um “discurso de transformação social” apenas para flertar com segmentos da academia francesa – que adoram estudar os movimentos sociais e os grupos étnicos brasileiros - e formar a sua “rede”. É como a gente costuma brincar: o Manifesto Comunista numa mão e, na outra, a bolsa Louis Vuitton, perfeitamente integrados à sociedade do consumo, que eles tanto criticam em seus livros, artigos e palestras. Trata-se daquela vaidade e arrogância acadêmicas, criticada pelo geógrafo Nilton Santos, ao afirmar que a única satisfação do intelectual é saber que suas teses se confirmaram ou estão se confirmando. 

                                   Ao assumir a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Roberto Mangabeira Unger, colocou na agenda daquele órgão algumas questões importantes, como resultado de preocupações e reflexões que o acadêmico já vinha desenvolvendo em seus estudos.  Uma dessas preocupações era a formação de uma contra-elite, forjada na ascensão de jovens empobrecidos, que teriam acesso à universidade e passariam a pensar este país com a sensibilidade social daqueles que foram submetidos a processos de exclusão, sem os estereótipos e “valores” dos intelectuais oriundos da classe média. Outra preocupação do professor de Harvard era com os analfabetos brasileiros, nordestinos em particular, questão amplamente discutida em artigos anteriores desse articulista.

                                   Mangabeira Unger, como se sabe, é bastante polêmico. Quando esteve no Programa de Mestrado e Doutorado em Ciência Política da UFPE, acompanhado pelo professor Jorge Zaverucha, este quis saber do intelectual porque ele apoiava o então candidato Leonel Brizola para a presidência da República ao que ele teria respondido que Leonel era o único dos então candidatos que poderiam romper com as estruturas da sociedade brasileira. Causou polêmica, também, o convite para assumir um ministério no Governo Lula. Antes, pelo Jornal Folha de São Paulo, havia escrito um artigo com duras críticas ao Governo do presidente. Este humilde articulista ainda tem dúvidas sobre os reais motivos que levaram Lula a convidá-lo a participar do seu Governo.

                                   Currículo ele tem para contribuir com qualquer Governo. Sabe-se, entretanto, que, normalmente isso não é suficiente. Ademais, comenta-se, Lula não é muito afeito a esse papo de intelectuais, sobretudo de alguém que pouco se entende do que está falando, como é o caso de Mangabeira Unger. Enfim, mesmo antes do término do segundo mandato de Lula, Mangabeira Unger, alegando que sua licença de Harvard não havia sido renovada, pediu afastamento da Secretaria de Assuntos Estratégicos. Mangabeira já estava assumindo um sotaque tupiniquim, tornando-se mais compreensível e tomando gosto pela política, pensando, inclusive, em candidatar-se a um cargo eletivo. Repentinamente, volta à Harvard. Vá entender esses aloprados.

                                   Estranhamente, já no Governo Dilma Rousseff, ainda teria tentado entrar no Governo pelas benções do PMDB, mas não foi bem-sucedido. Teria sido indicada para ele uma assessoria ao ex-ministro Nelson Jobim, mas esse não aprovou a proposta, preferindo o nome do petista e ex-guerrilheiro do Araguaia, José Genoíno. Até hoje não se sabe muito bem o que José Genoíno foi fazer naquela pasta, além, naturalmente, de fumar os tradicionais charutos cubanos com o ex-ministro Jobim.

                                   O fato concreto, no entanto, é que este professor de Harvard aos 24 anos de idade – deixou algumas reflexões importantes para o debate sobre o Brasil, a partir do seu trabalho à frente da Secretaria de Assuntos Estratégicos. Acionada pelo Planalto, a SAE, hoje dirigida pelo peemedebista Moreira Franco, ex-governador do Rio de Janeiro, vem prospectando o perfil dessa nova classe “C”, identificando o seu “DNA”, através de uma série de pesquisas que já estão sendo realizadas.

                                   Dilma Rousseff, que além dos selinhos e das amabilidades, lê Fernando Henrique Cardoso com atenção, esteve atenta à sua recomendação de que se trata de um contingente eleitoral com capacidade de decidir uma eleição no pleito de 2014. São 40 milhões de pessoas que teriam ascendido socialmente, ingressado nesse segmento, a partir das políticas sociais implantadas pelo Governo Lula. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que se encontra com o prestígio mais baixo do que poleiro de pato entre petistas e até mesmo entre os companheiros tucanos – que não permitiram sua participação na última campanha presidencial - acabou apontando a Dilma o caminho das pedras para sua ambição de continuar inquilina do Palácio do Planalto por mais alguns anos.

                                   Se a nova classe média mapeada pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República tivesse um rosto, ele seria de uma jovem negra, de telefone celular, passeando (e possivelmente comprando) num Shopping Center. Conforme já afirmamos, através do Prouni, desenvolveu-se o maior programa de ingresso de jovens entre 18 e 24 anos no ensino superior. Sobretudo de jovens empobrecidos, cujos pais não tiveram acesso a um curso universitário, em razão de sua condição socialmente fragilizada, o que engrandece ainda mais essa ação do poder público no Governo Lula. Esse contingente é a contra-elite à qual se refere o professor Unger. Ou seja, um processo de intelectualização por mérito e não por berço, tradicional percurso da intelectualidade brasileira.

                                   A contra-elite, por sua vez, no entender de Mangabeira, demonstraria maior sensibilidade para o Brasil real, aquele que ainda não se encontrou consigo mesmo, que constrói muros, ao invés de pontes. Dilma Rouseeff objetiva fazer uma série de ajustes no seu programa de Governo que possam atender às expectativas dessa nova classe média, informações que já estão de posse dos estrategistas do Planalto, ligados a Moreira Franco. Seria bem mais interessante, presidente Dilma, que essas políticas públicas desenvolvidas para o atendimento das aspirações desse segmento social, estivessem muito mais voltadas para o estímulo ao estudo, ou seja, que esses jovens freqüentassem muito mais a faculdade do que o shopping center. As ações do Governo, sobretudo no que concerne à concessão de bolsas para estudos do exterior, por exemplo, convergem nessa direção.

                                   Em assim sendo, talvez se materializem as expectativas do professor Roberto Mangabeira Unger. Do contrário, essas preocupações poderiam assumir um perfil meramente instrumental e isso não é bom. Há de se tomar alguns cuidados, igualmente, ao se estabelecer uma vinculação entre essa rapaziada que está ingressando no ensino superior e essa nova classe “C”. O cruzamento desses dados podem apresentarem algumas surpresas, apontando para um vínculo não necessariamente orgânico.

                                   Há poucos dias, em Brasília, através das redes sociais, foram mobilizadas 30 mil pessoas para participarem da “corrida da cerveja”. O sociólogo espanhol, Manuel Castells, vê nas redes sociais uma possibilidade de enfrentamento das mazelas criadas pelo sistema político. Vocês imaginam a possibilidade de convocarmos essa turma não apenas para tomar cerveja? Celulares com acesso à rede eles já possuem.


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