pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : "Contando o passado, tecendo a saudade"
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sábado, 28 de março de 2015

"Contando o passado, tecendo a saudade"


Acabo de receber o livro de Diego Fernandes, "Contando o passado, tecendo a saudade". Como sou um homem de raízes; do Cariri; do cacto retorcido; do calango se arrastando pela terra quente; da carne de sol "chorando" sobre o braseiro; do suco de araçás silvestres ou das pitangas roxas; do mel de engenho com cuscuz; da cana braba com coxas de arribaçãs;de todo o universo conhecido como Nordeste Brasileiro, logo me interessei pelo trabalho de Diego Fernandes, orientado pelo professor Durval Muniz Jr. Ambos, orientador e orientando, realizaram suas pesquisas utilizando, em parte, o acerco da Fundação Joaquim Nabuco. O paraibano Durval com um livro que se tornou clássico, publicado até nos states: A Invenção do Nordeste e Outros Mitos. A Fundação Joaquim Nabuco tem um dos acervos mais importantes do país. Como costumo enfatizar, independentemente de questões ideológicas, ele vai do PCB à Rede Globo, passando por Josué de Castro. Durval é um habitué da Instituição. Seja como pesquisador, seja como agraciado com premiação - sua dissertação de mestrado recebeu o prêmio Nelson Chaves - seja como palestrante, seja como consultor para "assuntos de Nordeste", o que não se constitui, convenhamos, numa tarefa simples. Ainda não li o livro de Diego, mas, o que mais me impressiona nele é que se trata de um dos primeiros resultados de um grupo de estudos constituído pelo professor para estudar a saudade. Aliado ao universo de José Lins, que embalou minhas leituras de adolescentes, essa questão da "saudade" também nos instigou à leitura do trabalho de Diego. O Museu DoHomem DoNordeste, da Fundação Joaquim Nabuco, teve sua primeira Exposição de Longa Duração montada em 1979, realizada com um grande esforço dos seus servidores, concebida a quatro mãos, pelo museólogo Aécio de Oliveira e o sociólogo Gilberto Freyre. Inegavelmente, mesmo que anpassant, você encontra - dizem os estudiosos do assunto - as digitais de Aécio de Oliveira naquela exposição, considerada um marco na museologia. Diríamos que apenas do ponto de vista da museologia. Do ponto de vista do discurso ideológico, torna-se irrefutável,  onipresenca do sociólogo Gilberto Freyre ou, mais precisamente, da sua "brasilidade nordestina", para lembrar um termo muito ao gosto do professor Michel Zaidan Filho. Ali existia, sobretudo, a leitura e o discurso da aristocracia açucareira sobre a região Nordeste. Até mesmo o "recorte representativo" estava limitado à Zona da Mata ,onde se concentravam os canaviais da região. A receita do famoso Bolo Souza Leão, exposta em sua exposição, não nos permitem dúvidas sobre o assunto. Não exista a luta de classes; não existia as contradições sociais; não existia os movimentos sociais; frações ou segmentos sociais estavam suprimidos de representação naquele espaço. Ainda lembro do grande impacto produzido por uma bandeira do MST naquele circuito expositivo, quando se sabe que, embora surgido no Sul, aqui na região concentra-se uma forte presença do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra. Em 2008, com a exposição: "Nordestes: Territórios Plurais, Culturais, Direitos Coletivos", fez-se uma tentativa de superação desse discurso constituído sob o olhar da Casa Grande. Há alguns questionamentos sobre se o projeto teria sido bem-sucedido. Na nossa modesta opinião foi, embora essa visão "bipolar" da nossa sociedade, em certa medida, nos deixem de alcançar a real dimensão dos problemas. Pude constatar isso com as aulas da professora Danielle de Peron Rocha Pitta. Tivemos uma participação importante nesse processo, sobretudo quando esteve em debate a inserção das comunidades quilombolas no circuito expositivo do MUHNE. Mas, o que nos inquieta é que as pessoas passaram a sentir "saudades". Não raro, os visitantes deixam registros desses sentimentos, informando que gostariam de ver na exposição um determinado acervo relativo, quase sempre, ao período do apogeu dos engenhos de cana-de-açúcar na região. Em palestra na sala Calouste Gulbenkian, Durval já nos alertava sobre a necessidade de clivagens sobre o "resgate desse passado". Aliás, lembrava ele, resgate é coisa de SAMU ou do Corpo de Bombeiros. Por outro lado, é fundamentalmente importante entender o que significa essa tal "saudade". Projetos como o que o professor está desenvolvendo - dos quais esse livro é o primeiro fruto - talvez nos ajudem a entender melhor essa questão. Vamos começar pela leitura do livro do Diego Fernandes. Um bom começo. Aliás, um começo com gosto de cuscuz ensopado no guizado de bode.

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