pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : Editorial: Crise política na Nicarágua: Vamos por parte?
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domingo, 26 de fevereiro de 2023

Editorial: Crise política na Nicarágua: Vamos por parte?




Ontem, depois das leituras e das rotinas de conclusão de mais um livro, nos dedicamos a acompanhar os acontecimentos da crise política na Nicarágua. Nessa época de pós-verdades, já vamos separando os "contra" - perdão pelo trocadilho - daqueles informes consistentes, produzidos por pessoas sérias, menos comprometidas com um dos lados, de preferência oriundos da academia e, melhor ainda, assinados por atores que estiveram envolvidos diretamente com a História recente daquele país, particicpando da luta guerrilheira, ao lado da FSLN - Frente Sandinista de Libertação Nacional - que depôs a sanguinária ditadura de Anastácio Somoza, apoiada, durante décadas, pelos Estados Unidos. 

Já enfatizamos inúmeras vezes por aqui que a democracia no Brasil sempre foi um projeto muito frágil, sobretudo em razão de nossa formação colonialista, escravagista, genocida. Até recentemente, surgiram várias denúncias que vinícolas gaúchas estariam sendo enquadradas pelas irregularidades da prática de trabalhos análogos à escravidão. A Justiça do Paraná acaba de aplicar as penalidades previstas a um cidadão por postar, na internet, o anúncio da venda de um escravo africano legítimo. O anúncide escravidão faria inveja o sociólogo Gilberto Freyre, que escreveu um trabalho sobre o assunto, tratando dos escravos nos anúncios de jornais da época da vigência do regime de trabalho escravo. Isso, naturalmente, antes de 1888, quando a escravidão no país foi extinta "oficialmente". Ou não?

Quarteladas e tentativas de quarteladas são relativamente frequentes, como esta que ocorreu no último dia 08 de janeiro, num rompante que parecia mais de torcida organizada, possivelmente, sem medir as reais consequências nefatas para o país e sua população. Claro que essa premissa se aplica há alguns atores, uma vez que, a cada dia que lemos mais notícias sobre o que, de fato, ocorreu em 08 de janeiro, ficamos convencidos de que tudo foi mililetricamente planejado, com atores releventes elaborando a estratégia, preparando o terreno e dando as coordenadas para o golpe. A questão que se coloca agora é se as nossas instituições democráticas reuniriam condições efetivas para puni-los. Um tema espinhoso e nevrálgico.   

Nossos mais ilustres intérpretes já deixaram isso muito claro. O historiador Sérgio Buarque de Holanda fala-nos da origem perversa dos vícios herdados da colonização portuquesa, que forjou uma sociedade com poucas chances de institucionalização, onde não se estabelece a diferenciação entre a res pública e os interesses privados. Gilberto Freyre entra na questão do sadomasoquismo formativo, na sociedade da aplicação do castigo, do açoite, do infringir ou ser indiferente ao sofrimento do outro. Nossa eleite política e econômica é a mais insensível do mundo. Noam Chomsky, o linguista americano, costuma afirmar que nunca viu coisa igual em nehuma parte do mundo.  

Nossa democracia é tão tão frágil que até para dizer que os militaress ficarão de fora do próximo reajuste dos servidores públicos federais isso se constitui num problema. Os militares tiveram reajustes regulares durante  governo de Jair Bolsonaro, enquanto os civis do Executivo guardam um jejum de 07 anos sem reajustes,  amargando perdas acumuladas que já corroeram mais de 40% dos seus proventos. Setores do governo atual ainda estavam preocupados em não melindrarem os militares, uma vez que a situação já estaria bastante tensionada.  

Fazemos essas considerações iniciais para entendermos o que se passa naquela país da América Central, para onde a comunidade internacional se volta, sobretudo em razão da violação de direitos humanos que ali estão ocorrendo, conduzidas pelo presidente Daniel Ortega, líder máximo da Revolução Sandinista, que chegou ao poder com ideais tão nobres. Assim como ocorre com o Brasil, a Nicarágua possui um sério problema de concentração de poder, ou mais precisamente, o poder concentrado em "famílias". A família do ditador Anastácio Somoza passou 38 anos no poder, saindo apenas em razão da vitória da Revolução Sandinista. 

Somoza pintou miséria contra os opositores, foi uma governo corrupto, concentrou riquezas. Foi impiedoso com os adversários políticos. Comentava-se, até, sobre a existência de covas de leões, onde os desafetos eram atiradaos para a morte. Uma ditadura sanguinária e corrupta, que ceifou a vida de milhares de opositores durante décadas. Nenhum reparo a fazer em relação a Sandino, que iniciou a luta de libertação daqueles país do jugo americano. Quando Sandino iniciou a luta pela libertação, o país era ocupado por fuzileiros americanos, o que feria solenemente a sua soberania. 

Nenhum reparo a fazer sobre a luta revolucionária do povo nicaraguense, iniciada no começo da década de 60, e que acabou chegando ao poder em 1976, depois de uma longa guerra de guerrilha, inspirada na Revolução Cubana. Uma frente ampla, formada por mulheres, jovens estudantes, inclusive com voluntários de outros países, inclusive do Brasil. Os primeiros anos do Governo Revolucinário, de reconstrução nacional, foram extremamente positivos para o país, ao fomentar a organização da sociedade civil, fazer a reforma agrária - principalmente nas terras do latifúndio da família Somoza - e criar programa de combate ao analfabetismo, incluive utilizando o método do brasileiro Paulo Freire. Mais de 50% da população do país era analfabeta. Ao final do programa, os índices caíram para 12%, merecendo o reconhecimento internacional, de órgãos como a ONU. 
A grande derrota da Revolução Sandista não ocorreu em 1991, quando o comandante Daniel Ortega perdeu as eleições presidenciais para Violeta Chamorro, após as duras pressões exercidas pelos Etados Unidos. Eleições, aliás, muito questionadas, a despeito das atenções mundicais. Ortega foi derrotado por ele mesmo, traindo os ideais mais nobres dos revolucionários que pegaram em armas para derrotar uma ditadura sanguinária. Faz algum tempo que o país deixou de ser uma democracia e tornou-se uma ditadura. E os métodos das ditaduras, infelizmente, são sempre muito parecidos. 

Os ingredientes mais nefastos na condução de uma gestão pública já podem ser encontrados no Governo de Daniel Ortega, sendo, justas, portanto, as preocupações com a condução do processo político naquele país, já manifestadas pelos presidentes do Chile e da Colômbia. Repressãp violenta contra os opositores; gestão tememária da contas públicas; mudanças constitucionais para se perpetuar no poder; ausência dos demais poderes do escopo de uma democracia - a exemplo de um Legislativo cooptado e de um Judiciário sem a independência necessária para atuar.

Até recentemente, o PT, ou o presidente Lula em particular, se pronunciou sobre o que ocorre naquele país da América Central, levantando as polêmicas de sempre. Há um legado de conquistas sociais, políticas e econômicas da Revolução Sandinista que  podem e precisam ser defendidos pelas forças do campo progressista. Mas há, por outro lado, os desvios de rumos que são indefensáveis, o que vem provocando os pronunciamentos recentes, por atores políticos representantes deste campo. É neste alinhamento que o PT precisa se situar, evitando oferecer munição aos seus adversários.   

 

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