pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : Quais lições podemos extrair da Pedagogia da Criminalização da pichação no Centro de Educação?
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segunda-feira, 11 de abril de 2016

Quais lições podemos extrair da Pedagogia da Criminalização da pichação no Centro de Educação?



QUAIS LIÇÕES PODEMOS EXTRAIR DA PEDAGOGIA DA CRIMINALIZAÇÃO DA PICHAÇÃO NO CE?

Para quem não sabe do que se trata a “pedagogia da criminalização”, um brevíssimo esclarecimento: tendo em vista uma reunião de avaliação e oficina sobre a grafitagem na fachada do CE, e outras atividades culturais, aquel@s que participavam do evento, espontaneamente, começaram a realizar a pichação no Centro de Educação (UFPE). Essa ação gerou reação sectária de alguns docentes, com discussão no Conselho Departamental, originando três reuniões nos três turnos para discussão sobre o ocorrido e denúncia na Reitoria visando criminalizar a direção do Centro e seus participantes.

Uma das lições é lamentar o ocorrido. Lamentavelmente, a experiência democrática e dialógica discursivamente propalada no CE está bastante longe. Lamentar também – e isso nos espantou – o fato de alguns desses discursantes, que mantinham entre si laços afetivos e de respeito, terem partilhado ou serem cúmplice de tal prática. Parte desses docentes decidiu extrair lições de repressão, e não educativas. As certezas moralistas prevaleceram diante da perplexidade reflexiva. A pedagogia da criminalização suplantou daqueles que bradaram e diziam: eu existo.

A ditadura de 64 não acabou. Como diz Felix Guatarri, pensando na sua realidade, os hítleres (aqui, os ditadores civis-militares) estão nas almas e mentes das pessoas e das organizações. Os cabos Anselmos estão soltos ainda dançando nas luzes do dia – e, à noite, entregando os outros.

A discussão ocorrida na manhã da quarta (07/08/13), denominada “roda de diálogo”, iniciou-se com os convidados expondo a mesma posição (não havia o contraditório), dando ênfase à “pirâmide do terror”: “pichação é crime”, é “ato de quadrilha”, é “contra a lei”. Eles insistiram em suas falas na pregação do medo, do terror, buscando intimidar e dominar os presentes por esses sentimentos.  A “roda” e o “diálogo” foram pelos ares – apenas retóricas: o roteiro, os personagens e a dinâmica das filmagens estavam decididos antecipadamente: pichação=vândalos, logo, criminosos. Criminosos=punição. Era uma equação fácil, simples... e reacionária.


Tão assustadora quanto as imagens aterrorizantes que emergiram nas falas dos “convidados” foi, por parte de alguns dos organizadores, a prática política de se esconderem por trás dessas falas, querendo tratá-las como linguagens neutras e científicas enunciadas pelos convidados. Se Paulo Freire estivesse vivo, estaria revoltado pelo fato de algumas categorias e conceitos centrais do seu pensamento estarem sendo usados de forma tão irresponsável. Paulo Freire nunca defendeu a pedagogia da prática punitiva da lei para educar os adultos analfabetos. O diálogo, para ele, era de subversão – logo, de transgressão à norma heterônoma (como os pichadores agem, só que com instrumentos e estéticas diferentes). Ele sempre defendeu uma universidade autêntica, contrapondo-se à inautêntica (alienada dos problemas nacionais). Uma Universidade autêntica seria subversiva, porque autêntica ... e autônoma.

O silêncio no momento do debate, daqueles que o organizaram, que defenderam essa concepção pedagógica da repressão, é assustador..... porque tínhamos tudo para instaurar, a partir de práticas construídas historicamente,  coletivamente, um debate que viesse da alma, das crenças de cada um. Poucos foram sinceros nas suas crenças e se expuseram. Aos que se expuseram, nosso maior respeito e admiração – apesar de discordarmos do conteúdo das argumentações. Não haverá espaço público democrático sem sinceridade e sem amor. Infelizmente, não teremos “tempo” para desenvolver esses aspectos da política desprezados pelos discursos da teoria política (a ênfase é no utilitarismo e no interesse). Repetimos: não haverá espaço público democrático sem sinceridade e amor.

O Congresso Nacional já discute a lei antiterror para a Copa de Futebol, proibindo qualquer manifestação pública e crítica sobre o evento ou qualquer outro que o prejudique. Novas violências virão, por parte do Estado, caso seja aprovado tal projeto aberrante. É lícito perguntar: esses discursos repressores da lei retornarão? Docentes, discentes e servidores administrativos que se manifestarem publicamente deverão ser enquadrados nessa lei? O discurso produzido aqui no CE se somará ao do Estado repressor e propagará a prisão dos supostos envolvidos?  Retornaremos ao famoso 477 e aos Atos Institucionais com apoios de docentes da Educação?


Esse acontecimento de filme de ficção trágica deve nos alertar de uma coisa: o Centro de Educação até hoje não instituiu um espaço público democrático – o que é uma tautologia, pois, se é público, é democrático. Não confundamos “coletivos” de seres humanos com “espaços públicos”. Hoje, o que nós temos são “coletivos humanos” privatizados (burocráticos-fálicos), e não públicos. O episódio da criminalização da pichação teve a repercussão que teve, certamente, por um dentre tantos outros motivos: o Centro se institui no seu cotidiano por construções burocráticas (Conselho Departamental, Colegiados, Comissões, etc); não temos órgãos que incorporem a participação efetiva dos três segmentos (estudantes, servidores e docentes) de forma democrática. O desejo da comunhão não existe ou está fraco. Somos governados, ainda, pelo estatuto da ditadura e pelo imaginário da ordem que só sabe pregar: respeito aos mais “antigos”, respeito aos mais “antigos”, respeito aos mais “antigos” (que é o mesmo que dizer: manter o que aí está, manter o que aí está). Lembremo-nos de um slogan que a ditadura defendeu muito bem, “Brasil, ame-o ou deixe-o”; “CE, ame-o ou deixe-o”.

O forte sentimento de medo da pichação, talvez, possamos compreendê-lo em razão de pichação ser uma transgressão (não é revolução), um grito de insatisfação, um ato de autonomia, de liberdade. O ato foi um gesto de singularidade, de liberdade política. Ora, as forças conservadoras da “alma atormentada” não admitem (ou, naquele momento não admitiram) singularidade política que implica autonomia. A energia libidinosa da pichação assustou a ordem da rotina em que não acontece nada (antierótica). Esse gesto da pichação instaurou um princípio de formação do espaço público, como tal, livre, que num gesto de irmandade ameaçou valores recalcados, conservadores, tendendo a defender a pureza da ordem das coisas. A pichação foi associada à sujeira, à desobediência, à destruição (impurezas). A pichação tocou no calo da ordem: erotizou o espaço e as formas arquitetônicas (transformou o puro em impuro). A pureza na política (inclusive a travestida de administração e legalidade) é perigosa: ela nos remete à movimentos reacionários visando a purificação como os nazismos, os stalinismos, o varguismo, a ditadura civil-militar (vide a defesa da Família e da Tradição) etc. Todos esses movimentos ideológicos visaram a purificação da Nação e do Patrimônio Público (que de público não há nada). A política de competição hoje implementada na Pós-Graduação visa, também, a purificação: afastar os impuros (os improdutivos) para que não contaminem os puros (a busca pela produtividade e resultados individuais e institucionais).

Por fim, a gestão atual do Centro precisa assumir para si a responsabilidade de pautar a criação de órgãos democráticos (no plural): operativos, consultivos e deliberativos (sem estes, não há democracia) – a discussão da estatuinte vem a calhar. Essa direção está tímida, inexistindo ações eficazes: o Conselho Departamental Ampliado e a Ouvidoria são medidas burocráticas e privatistas que não interessam à democratização do CE. A votação estrondosa que recebeu essa direção precisa ser expressa em ações e propostas para que todos se reconheçam no processo de criação e implementação desses órgãos; assim, daremos passos firmes e consistentes, diminuindo ou eliminando práticas, que emergiram da alma atormentada (imagens recalcadas de repressão) e que não ajudam na consolidação democrática que o CE discursivamente propaga de vento em popa.

Proponho a criação de um órgão, bastante amplo, político-pedagógico que teria a função de discutir e deliberar posição/orientação sobre temas político-pedagógico-educacionais em âmbito nacional ao local (UFPE), um órgão técnico-adminsitrativo-educacional, assembleias gerais nos três turnos para assuntos polêmicos, realização de Congresso bi anual. Precisamos instituir um espaço público de fato, e não essa farsa, oriunda da ditadura: burocrática, fálica e privada.

A construção coletiva desses novos órgãos dará nova oxigenação ao CE, resgatando formas comunitárias e solidárias. Certamente, emergirão conflitos antagônicos, porque velhos poderes visam desaparecer ou serão canalizados para estruturas administrativas e outras serão propostas para instituir novos valores, novas pedagogias. O importante é que as diversas opiniões, ideologias e pedagogias tenham espaços organizacionais que possibilitem a circulação e que as condições de disputas de idéias sejam respeitadas, e não escondidas nas estruturas conservadoras/reacionárias dos atuais Conselhos e Colegiados. Os estudantes e servidores precisam ser chamados a assumirem suas responsabilidades em defesa da coisa pública, do bem público. O diretório acadêmico precisa se mobilizar para assumir-se como sujeito histórico, e não apenas, objeto. A participação efetiva dos estudantes é fundamental para que se instaure e institua novos órgãos e democráticos. Incluímos ainda, como sujeitos vivos a se integrarem na composição e criação dos órgãos democráticos, a comunidade da várzea, seus moradores e artistas/educadores, criando laços afetivo-corpóreos, instituindo um corpo vivo e pulsante na perspectiva de um imaginário público e revolucionário.

Antes de encerrarmos, é bom demarcar a importância política de a direção do CE informar publicamente (e não apenas nos Colegiados e Conselho Departamental), com detalhes, sobre a denúncia (e o/a denunciante) na Reitoria e seus desdobramentos por parte da administração central, caso ocorram. A prática criminalizadora precisa ser combatida na raiz para que ela não volte novamente. Precisamos construir um espaço público que as pessoas se reconheçam e respeitem a sua dinâmica e deliberações. O Conselho Departamental e os colegiados dos departamentos representam a escuridão da ditadura. Eles não conseguem mais – se é que algum dia conseguiram – traduzir os anseios coletivos democráticos. Enterremos esses órgãos, pois a palavra “democracia” não tem valor nenhum se não houver correspondência com o corpo, a organização. Façamos o seu luto. A insistência em propagar tal palavra, democracia, sem mexer em seu “interior” só poderá ser interpretada como manipulação, engodo, pois não há “alma” sem “corpo” e “corpo” sem “alma”.

Aqueles que se sentiram agredidos, por favor relevem interpretações pessoalizadas. Aqui, propusemos uma análise consistente; e caso não a tenhamos conseguido, resta-nos pedir-lhes desculpas pelos limites, enfatizando porém, o que nos moveu foi o objetivo sincero de contribuir para a construção democrática apregoada pelo CE.


PELA   CRIAÇÃO  DE   UM   ESPAÇO   PÚBLICO   DEMOCRÁTICO  DESEJANTE: PLURAL, DIVERSO E AUTÔNOMO!

Recife,  26 de agosto de 2013



Evson Malaquias de Moraes Santos

        (Texto publicado com a expressa autorização do autor, que é professor do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco )

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