pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : Michel Zaidan Filho: A carnavalização do mito
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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Michel Zaidan Filho: A carnavalização do mito

                           

 


Devemos a um conhecido estudioso da cultura de massas no Brasil a chave hermenêutica precisa para entender determinadas manifestações político-culturais em nosso país, em nosso Estado e a nossa cidade. Refiro-me ao uso da categoria estética do “grotesco”, associada pelo   russo Mikhail Bakhtin à “carnavalização” da cultura ocidental. Originalmente   empregada para no estudo da   cultura popular na Idade Média, especificamente a obra do   monge Rabelais, a poética do grotesco tornou-se uma espécie de cânone literário e estético de larga aceitação na   análise de outros contextos culturais distintos e distantes da límpida e elegante   linguagem   simbólica   da   cultura oficial  dos   bem-pensantes e bem comportados ou   socialmente  aceitos pelo asceticismo da tradição judaico-cristã  que  nos formou.

Segundo o crítico da cultura de massas, nada definiria   melhor a identidade do  brasileiro (e certamente do pernambucano e recifense) do que o carnaval, enquanto manifestação da estética do riso ou do grotesco. E o seu maior   intérprete teria sido, aliás, um pernambucano, Abelardo Barbosa (Chacrinha). Este seria o modelo, por excelência, da alma “brincante”, “lúdica” “bioenergética”  do   povo   brasileiro. O que o tornaria resistente às crises ou propenso a esquecê-las. Como diz a propaganda   da cerveja que patrocina  a  folia: “Crise? – que   crise?”. O carnaval, como estética do grotesco, é um rito de inversão simbólica que empodera “imaginariamente” os de baixo   contra os de cima, durante o   ciclo momesco .

Assim, não haveria nada mais   estranho do que a imagem de um carnaval organizado pelos poderes públicos como principal produto turístico a ser vendido a turistas e visitantes do mundo inteiro, sob a justificativa do “exótico”, do “diferente”, do “telúrico” ou “regional”. Que a tapioca de coco ou a batida de limão seja oferecida como a marca da nossa identidade cultural, entende-se. O carnaval, como rito de inversão, não pode e não deve ser transformado numa espécie de “ativo cultural” ou uma “vantagem civilizatória comparada”, destinada a fazer do Brasil o lugar da confraternização das raças.

Mais surpreendente é ver a folia transformada em altar, monumento ou consagração de notabilidades políticas de aldeia, com a participação de   familiares, apaniguados e clientes de toda espécie, para que depois possa ser usado em cartazes de campanha eleitoral antecipada, nas barbas da inerte e cega justiça eleitoral. Como a política de Pernambuco, com ou sem Ariano Suassuna, vem se tornando o palco de um espetáculo armorial, com rainhas, infante e um cordel de áulicos   sempre dispostos a aplaudir o espetáculo mambembe, talvez possamos aplicar aos políticos pernambucanos a categoria de “grotesco”, oriunda da poética do riso, da mofa, do escárnio ou da sátira. 

A política de Pernambuco hoje é objeto da carnavalização, no sentido mais preciso (e profundo) do termo. O sentido bizarro, grotesco, risível das nomeações pós-carnavalescas do   atual representante do Poder Executivo Estadual, só podem ser entendida no registro da política do grotesco e do risível. Pernambuco está sendo objeto de gozações e de riso no Brasil todo como uma espécie de reino armorial onde o seu mandatário (ou mandado) não governa, não administra, cumpre ordens dinásticas ditadas por eminências não tão pardas assim, que apresentam seus pedidos e são regiamente atendidas.

Mesmo quando essas medidas parecem contrariar os princípios mais comezinhos da impessoalidade, da moralidade, da legalidade, que caracterizam a administração republicana. Aqui a famosa tese dos cidadãos “superintegrados juridicamente” e dos “subintegrados” virou a tese dos filhos de algo (“fidalgos”) e a vala comum dos outros cidadãos de segunda categoria que estudam, trabalham duro, prestam concursos, não recebem salário condigno, mas são obrigados a pagar impostos para sustentar a vida nababesca dos primeiros.
             
Quando isto terá fim?

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários de da Democracia - NEEPD-UFPE


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