pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : A demonização da política
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segunda-feira, 18 de junho de 2018

A demonização da política

                                           
Marcia Tiburi

Demonização da política                                 
É preciso fazer com que a política pareça abominável para que as pessoas comuns se afastem dela (Foto Romerito Pontes)

Há algum tempo, a política vem sendo demonizada, ou seja, tratada como o grande mal da nação. A população, com um misto de medo, nojo e desconhecimento, afastou-se dela. Essa demonização tem origem no interesse que os donos do poder econômico têm em dominar a política. Quanto menos gente na política, melhor para as elites que querem se aproveitar dela.
É preciso fazer com que a política pareça abominável, torpe e suja para que as pessoas comuns, cidadãs e cidadãos em geral, se afastem dela. O discurso da corrupção entre nós tem tido essa função. A corrupção deixou de ser um fato concreto criminoso, que deveria ser apurado com seriedade e responsabilizado nos estritos limites legais, para se tornar um elemento de um discurso que só interessa a quem quer que as suas opções políticas, ainda que minoritárias no meio da população, prevaleçam sobre os interesses da coletividade. Isso, porém, não é novidade do Brasil. O discurso da “corrupção”, com denúncias vazias, presunções inconstitucionais e sem suporte em provas concretas, foi utilizado contra Getúlio, Juscelino, João Goulart, Brizola e vários outros políticos de maior ou menor envergadura.
Após a eleição de Lula, o discurso da “corrupção” (sempre, e apenas, a dos inimigos políticos), a criminalização de lideranças populares e a correlata demonização, cada vez maior, da política foram os instrumentos preferenciais para tentar recuperar o poder político perdido pelas elites. Poder que essas mesmas lites jamais recuperariam pelo voto popular. Comprando o discurso moralizante dos donos do poder, muitas pessoas se submetem sem parar para pensar em como são usadas pelos detentores do poder econômico. As distorções da Operação Lava-Jato, com seus presos seletivos e estratégicos, o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão absurda de Lula são exemplos para pensarmos.
A análise do interesse daqueles poucos que detêm muito dinheiro têm na política pode nos ajudar a entender melhor o nosso país e os jogos de poder que pairam sobre a cabeça das pessoas. Pessoas são exploradas e fazem o jogo do explorador porque foram impedidas, por diversas manipulações mentais, a se reconhecer como sujeitos políticos, capazes de fazer opções políticas distintas daquelas que interessam aos detentores do poder político. Só a política poderia nos defender do projeto econômico que quer nos devorar, mas o poder político, desde o último golpe, está nas mãos dos mesmos grupos e corporações que detêm o poder econômico. Para esses, o povo não deve se envolver. Deve ser mantido longe, desinteressado e alienado. Um sistema político monstruoso surge, um parlamento que não representa a cidadania brasileira nem os seus direitos e necessidades.
Sustentando a manutenção do desinteresse do povo que ajuda aos interesses das elites do atraso, como denominou-as Jessé Souza, a televisão e grande parte dos meios de comunicação. A função dos noticiários de televisão é, não raro, menos informar e mais entorpecer. Levar à inércia e impedir a reflexão. Fazer crer naquilo, e apenas naquilo, que ajuda na manutenção do sistema de exploração. Uma exploração que sequer é percebida enquanto tal. Junto à televisão e outras corporações midiáticas, a longa jornada de trabalho não dá tempo para mais nada, o transporte por horas nas vias enfartadas das grandes cidades torna o dia a dia um sacrifício ainda maior, o esforço de trabalhar para pagar os estudos, como é comum a muitos estudantes de nosso país, faz da busca por uma vida digna um fardo para muita gente. Quando não conseguimos entender o que são a política e o poder, e como eles funcionam, porque eles nos soam sofridos e pesados, parece mais fácil viver longe deles.
Carregamos a política como se ela fosse um peso insuportável do qual queremos nos livrar, mas pouco fazemos para perceber que o exercício político não precisa ser assim.
Fica visível a blindagem discursiva, imaginária e simbólica que protege os donos do poder. No entanto, quando alguém quebra a blindagem, surge do meio do povo e se orienta a defender uma ideia de sociedade em que os direitos de todos e todas estejam em cena, ele corre riscos. Assim como Lula está preso, vários políticos com orientação mais comprometida com a população do que com o capital têm sofrido acusações sem nenhum fundamento. De Fernando Haddad a Ciro Gomes, de Minc a Genuíno, qualquer um que ameace a racionalidade que busca imoderadamente o lucro financeiro, e apenas o lucro, pode ser vítima de abuso midiático e até jurídico.
Penso agora em Gleisi Hoffmann, a brava senadora que incomoda as elites do atraso e seus lacaios parlamentares. Por ser mulher, de esquerda e corajosa, sofre o mesmo ódio que antes foi destinado a Dilma Rousseff. Por ser presidenta do maior partido de esquerda do Brasil, corre o mesmo risco que Lula. Até porque Gleisi ofende, com sua luta e sua beleza, os covardes parlamentares que não são poucos.
Os últimos anos parececem revelar que, para atender ao projeto politico dos detentores do poder econômico, os limites constitucionais e legais, que impediam práticas inquisitoriais e perseguições políticas, desapareceram. Juízes, condicionados tanto pela racionalidade neoliberal quanto pelo populismo penal, tornam explícito que se afastam da lei para agradar maiorias de ocasião que, desinformadas, muitas vezes se identificam com a opinião publicada por determinados grupos econômicos que fabricam “notícias”. Processos correm mais do que o normal para prender lideranças e atender à agenda política das elites, enquanto demoram mais do que o razoável para restabelecer a legalidade e a liberdade de um homem. Doações de campanha que eram legítimas, e regularmente declaradas, se tornam “prova” apenas contra aqueles que são percebidos como inimigos políticos.
Buscam-se “delações” de pessoas presas, ou ameaçadas de prisão, para confirmar as certezas delirantes dos inquisidores. Delações por vezes conflitantes e sem qualquer suporte em provas confiáveis, que atendem a uma única certeza: se o condenado ou acusado “colaborar” falando o que o inquisidor quer ouvir, ainda que essa declaração não guarde qualquer relação com fatos, mesmo o mais culpado dos criminosos passa a ter vantagens e benefícios, por vezes, contrários à lei. Na lógica inquisitorial pós-moderna, é mais importante confirmar a hipótese que atinge a um determinado fim político do que descobrir a verdade.
A desproporção faz deconfiar. Um número imenso de figuras do campo da esquerda ou que se manifestam em nome de uma sociedade na contramão do neoliberalismo vivem hoje acusações fantasmagóricas, e um número mínimo de políticos comprometidos com a acumulação ilimitada do Capital são processados e menos ainda punidos. Parece que as regras do jogo democrático não valem para os políticos que não agradam às elites. Desde que a Constituição foi rasgada pelo golpe, e a presunção de inocência deixou de ser um princípio com força normativa, não é possível deixar de pensar no controle de ideologias que surgem como indesejadas pelas elites financeiras que estão no poder. Elas têm usado a metodologia da conspurcação de pessoas e, se for necessário, a restrição da liberdade dos inimigos políticos.
Não se pode ignorar que também na aplicação do direito há política. Um atuação política travestida de “imparcialidade”. Aliás, com o chamado “ativismo judicial”, muitas vezes, se quer esconder com roupas “jurídicas” o que não passa de pura política, ou melhor, se quer substituir as opções políticas do povo por atos de vontade política de uma corporação.
Enquanto isso, a economia é idealizada como uma ciência que atende apenas a fórmulas matemáticas. Um saber “neutro” que independe de opções políticas. Mais uma mistificação. Esconde-se a política, mais uma vez, onde ela é essencial. Não há economia desassociada de opções políticas. A grosso modo, é a política que vai definir o crescimento econômico ou a recessão, se o dinheiro estatal vai ser investido em proveito do povo ou se a politica econômica vai atender ao desejo de enriquecimento ilimitado daqueles que já são muito ricos. Subjaz a esse processo um maniqueísmo, como se a política fosse o mal e a economia fosse um bem, uma solução final.
Impoe-se resgatar a política, defender os políticos comprometidos com a defesa da democracia e devolver o Estado para o povo.

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

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