pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : Crônica: J. Borges, as palavras andantes.
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sábado, 9 de junho de 2018

Crônica: J. Borges, as palavras andantes.

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José Luiz Gomes

A legitimação de alguns atores, numa sociedade profundamente desigual como a nossa, onde o capital simbólico e econômico são tão seletivamente distribuídos, não se traduz num processo muito simples, Pierre Bourdieu. J. Borges acredita que o reconhecimento de sua arte pelo escritor Ariano Suassuna tenha sido, talvez, o fator mais determinante para deslanchar sua carreira de gravador popular. Ariano conheceu seus trabalhos através de dois artistas que haviam encomendados a Borges, xilogravuras um pouco maiores do que as tradicionais, do tamanho de um livreto de cordel. Logo se interessou pelo trabalho do artista, abrindo caminho para exposições, palestras aqui e em outros países. Seus trabalhos hoje encontram-se expostos em museus no México, na Europa e nos Estados Unidos.
 
Durante os anos em que Ariano ainda estava neste plano, ambos mantiveram uma profícua amizade, que oportunizou a Borges frequentar também o circuito acadêmico, sempre conduzido pelas mãos de Ariano, que era professor da Universidade Federal de Pernambuco. Borges se recorda com muito carinho dessa relação. O reconhecimento de Ariano, creio, o envaidece bastante. Borges escreveu e ilustrou algo em torno de 350 livretos de cordel, que, nos tempos das vacas magras, eram comercializados em feiras livres pelo Nordeste. Entre as xilogravuras que produziu, a sua preferida é A chegada da prostituta no céu. Borges já recebeu várias homenagens, de instituições como a Fundação Joaquim Nabuco, Unesco. Seus trabalhos ilustram várias campanhas institucionais, realizadas em todo o mundo. É considerado o maior xilogravurista da América Latina.  
 
De origem humilde, Borges trabalhou na agricultura, com o seu pai, desde os 08 anos de idade, de onde se conclui que também encontrou dificuldades em sua formação. Sua avó proibia-o de ir à escola, pois acreditava na lenda do papafigo que comia criancinhas nas ruas de Bezerros. Depois de escrever seus primeiros cordéis, não encontrou quem os ilustrasse. Fez algumas tentativas com a talha e, depois de alguns erros iniciais, acertou a mão. J. Borges ensinou o ofício aos filhos e parentes, que hoje se dedicam à confecção de matrizes e reprodução de xilogravuras, comercializadas entre artistas e apreciadores da arte. Seu universo temático é bem expressivo, mas destaca-se, sobretudo, os fazeres e imaginário dos homens e mulheres nordestinas - se há erro de concordância, é de propósito, para não ser indelicado com as mulheres. Apesar dos inúmeros reconhecimentos, a relação deste patrimônio cultural vivo com o poder público não é das melhores.
 
 
Em visita ao Estado do Rio de Janeiro, o escritor Uruguaio, Eduardo Galeano, interessou-se pelo seu trabalho, expostos numa galeria local. Começava ali uma maratona de contatos, pois Galeano havia decidido que o seu próximo livro, as palavras andantes seria ilustrado pelo gravurista pernambucano. Galeano veio a Pernambuco e foi até Bezerros, conhece-lo pessoalmente. Neste nosso último encontro, através de uma visitação patrocinada pelo Museu do Homem do Nordeste, Borges nos relatou um fato curioso: Uma de suas filhas se preparava para casar - precisava de dinheiro para organizar a festança e ele não se fez de rogado: Pediu a Galeano que enviasse algum. Certo dia, o gerente do Banco do Brasil liga para ele para informa-lo que nunca tinha visto tanto dinheiro: Galeano havia feito um bom adiantamento. As Veias Abertas da América Latina era um espécie de bíblia para jovens que queriam transformar o mundo, em décadas passadas. Além dessas leituras, outra lembrança que guardo de Galeano foi um texto seu, em inglês, num processo seletivo. Numa referência ao desmonte da experiência do socialismo real, ele observava que tal experiência era uma criança, diante dos séculos de existência do capitalismo. Como tal, não deveríamos jogar a criança fora da banheira com a água suja.  
 
Um professor que nos ensinou tudo sobre Pierre Bourdieu nos relata uma odisseia curiosa, no contexto de sua batalha pessoal para tornar-se orientando do sociólogo francês. Viajou à França, acordou bem cedinho para acompanhar uma de suas concorridas aulas no Collége de France. Bourdieu não apenas escrevia, mas falava também muito difícil. Depois da palestra do sociólogo francês mais citado nos compêndios científicos do mundo inteiro durante décadas, este professor tomou coragem para pedir a ele um esclarecimento acerca de um dos seus conceitos, exposto durante a aula. Uma ousadia. Era a respeito do reconhecimento de uma obra de arte, um livro, coisas assim. Bourdieu tomou este último exemplo para tentar explicar o conceito: imagine que você escreve um livro. Seria natural que sua esposa o elogiasse, seu filho igualmente. Mas suponha que alguém que você não conhece, nunca viu elogiasse o seu trabalho. Qual o reconhecimento que emprestaria maior relevância? Naturalmente, o elogio daquele desconhecido. Tanto quanto mais distante, maior a importância do reconhecimento. Isso se aplica a J.Borges, Nascido na cidade dos papangus, ele alcançou projeção mundial.  

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