(Indígena, grávida de cinco meses, segura seu filho durante conflito com a polícia no Amazonas)
Se um dia os povos indígenas que habitavam as terras que hoje conformam
o Brasil viveram livres em sua extensão, hoje têm de ocupar territórios
delimitados sob a figura jurídica de Terra Indígena (TI), a qual
deveria garantir condições adequadas à sobrevivência e manutenção de
suas formas de sociedade e cultura. Entretanto, são inúmeros os entraves
ao pleno usufruto das terras já demarcadas e homologadas, e maiores
ainda aqueles dirigidos a novas reivindicações territoriais.
Os problemas enfrentados pelas populações indígenas não são novos,
aliás, existem desde o século XVI, quando da invasão europeia e ocupação
geopolítica do território, movidas por projetos econômicos alheios às
necessidades e vontades de seus habitantes originais. Mas, se algo
mudou, foi a dimensão desses problemas, fato que se deve ao modelo
político-econômico que vem governando o Brasil há tempos e privilegiando
e incentivando a voracidade do capital, sem medir as consequências
socioambientais nefastas desse sistema.
A fragilização da legislação ambiental e o ataque às Terras Indígenas
Pode-se dizer que o ano de 2012 ficará marcado como o de maior
retrocesso para a questão indígena e ambiental no país. Neste ano, a
chamada bancada parlamentar ruralista, ligada principalmente aos
interesses do agronegócio, agiu de maneira sistemática e articulada para
a aprovação de mudanças na legislação que incide sobre terras, as quais
só favorecem o desmatamento e a degradação ambiental.
De um lado, chegou-se à reta final com o projeto de lei do Novo Código
Florestal (PL n. 1.876/1999), relatado pelo deputado Aldo Rebelo
(PCdoB-SP), que, entre outras modificações, propõe mudar os limites e
usos aplicados a Áreas de Preservação Permanente (APPs) e de Reserva
Legal. A única esperança de barrar essas mudanças seria o veto integral
da presidente Dilma Rousseff ao projeto, dando ouvidos à forte campanha
movida em sites, blogs e redes sociais, que ganhou as ruas do país em
junho deste ano. No entanto, a presidente limitou-se a vetar apenas os
aspectos mais aberrantes, editando, no dia 28 de maio de 2012, a Lei n.
12.651 por medida provisória, recheada de brechas legais e com potencial
de dano ao meio ambiente superior à lei anterior,2 o que
deixou insatisfeitos ruralistas e ambientalistas. Neste momento, uma
coalizão de cerca de duzentas organizações sociais estuda entrar com uma
Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a nova lei,
buscando, com isso, restituir a antiga.
De outro lado, a bancada ruralista iniciou a tramitação do Projeto de
Emenda Constitucional (PEC n. 215/2000)que transfere para o Congresso a
aprovação da demarcação de Terras Indígenas, Quilombolas (PEC n.
161/2007, apensada à PEC n. 215) e de Unidades de Conservação ambiental
(PEC n. 291/2008, apensada à PEC n. 161), assim como a ratificação das
demarcações já homologadas. Demarcar e homologar são funções exercidas
pela presidência por meio do Ministério da Justiça, mecanismo que até
hoje vem garantindo aos povos indígenas as terras requeridas. A PEC n.
215 visa declaradamente inviabilizar os processos de demarcação,
estendendo a ação do lobbyque a sustenta e que hoje já consegue, agindo sobre a União, fazer que alguns processos levem anos para ser definidos.
Esse é o caso da TI Raposa Serra do Sol,3 área que abriga
cerca de 20 mil índios de diferentes etnias e que, pelos obstáculos
impostos por garimpeiros, criadores de gado e, nos últimos anos, por
rizicultores, levou mais de três décadas para ter seu processo
concluído. O embate só se encerrou parcialmente em 2009, depois da morte
de diversas pessoas, na maioria índios, e de extensa batalha judicial
travada no Supremo Tribunal Federal (STF). Mas não sem danos, pois o
STF, para garantir a demarcação contínua do território, impôs dezenove
condicionantes, muitas delas representando perdas de direitos.4
Tais condicionantes foram incorporadas recentemente na edição da
Portaria n. 303 pela Advocacia Geral da União (AGU), que legaliza a
revisão das demarcações em curso (e já concluídas) para as que não se
adequarem ao que foi decidido para a TI Raposa Serra do Sol. A portaria
também pretende legalizar a ocupação de Terras Indígenas por postos
militares, estradas, empreendimentos hidrelétricos e minerais, sem
consulta às comunidades atingidas. Para além do fato de o conteúdo dessa
portaria ser uma afronta aos direitos indígenas garantidos pela
Constituição e por instrumentos internacionais (como a Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho, que é lei no Brasil), ressalte-se
que a decisão da Suprema Corte não transitou em julgado, ou seja, é
ainda passível de modificação, o que torna essa portaria ilegal.
Vale ainda dizer que a TI Raposa Serra do Sol foi contestada graças a
uma brecha na legislação aberta pelo Decreto n. 1.775/1996, assinado
pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O decreto estabeleceu a
regulamentação administrativa dos processos de demarcação, incluindo a
possibilidade do contraditório e, com isso, permitindo a contestação de
terras já demarcadas por qualquer pessoa que se sinta atingida.
Essas fragilizações dos direitos fundamentais são patentes no dia a dia
das populações ameríndias, no enfrentamento de dificuldades de
diferentes ordens. Um exemplo é a criação ilegal de gado dentro da TI
Xavante de Maraiwatsede, no estado de Mato Grosso, financiada por
frigoríficos e fábricas de calçados multinacionais.5 A
presença de posseiros ainda não indenizados pelo Estado para desocupar
as Terras Indígenas é outro grande problema, pois eles disputam os
recursos naturais e ainda criam um clima de ameaça e violência contra os
habitantes legais − esse é o caso observado entre os Paumari da TI do
Lago Marahã, localizada no Purus, oeste do estado do Amazonas.
Se for possível escolher uma situação mais grave diante das enormes
dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas em relação às suas
terras, seria certamente a das populações que habitam espaços onde se
instalaram os grandes centros urbanos do país. São emblemáticos os
obstáculos vividos pelos Tupinambá de Olivença, povo historicamente
pertencente à grande família Tupi que habitava a costa brasileira nos
primeiros anos da colonização. Em 2009, eles obtiveram do Estado a
identificação e o reconhecimento como território tradicional de uma área
de 47.376 hectares, na qual haviam sido aldeados como “índios livres”
pelos jesuítas no século XVII.6 Contudo, essa minúscula faixa
de território, ainda não demarcada, sofre contestação dos fazendeiros
locais, os quais têm conseguido a expulsão dos índios por meio de
liminares. Nesse contexto, o Ministério Público Federal em Ilhéus entrou
com uma ação reparatória pedindo R$ 1 milhão para indenizar os
Tupinambá.7
Mas, se há uma história que se tornou símbolo do sofrimento imposto às
populações indígenas pela perda de seus territórios, essa é a dos
Guarani-Kaiowá. A realidade vivida por eles beira o genocídio,
explicitado em uma recente declaração pública feita pelos Guarani-Kaiowá
de Pyelito Kue, quando da desapropriação de suas terras autorizada pela
Justiça Federal de Navirai (MS). Nessa declaração, eles se dispõem a
morrer coletivamente em suas terras antes de serem removidos.
A história começou no início dos anos 1920, com a frente de expansão
agropastoril que se dirigiu ao oeste do estado do Paraná, Mato Grosso e
Mato Grosso do Sul, intensificando-se na década de 1960. A ocupação
fazendeira relegou as populações indígenas a pequenas extensões de
terra.8 Sem poder prover sua economia diretamente do meio
ambiente, os Guarani-Kaiowá têm ainda sua mão de obra explorada pela
agroindústria que os espoliou.9
Para confirmar com dados objetivos aquilo que se percebe nos
depoimentos dos Guarani-Kaiowá, basta saber que, de 2003 a 2010, foram
assassinadas em Mato Grosso do Sul 247 pessoas, de um total de 452
assassinatos de indígenas no país (dados do Conselho Indigenista
Missionário − Cimi), ou seja, esse é o estado que possui o desonroso
título de maior matador de índios do país.
Desmatamento e colonização
Uma das prioridades do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC),
estabelecido pelo governo Lula e levado adiante com vigor pela gestão
Dilma Rousseff, consiste em reforçar a estrutura viária do país. Assim
como para as barragens e usinas hidrelétricas, o PAC viário foi
anunciado antes mesmo que qualquer estudo de impacto fosse realizado,
ligando-se a antigas e antiquadas promessas da época do regime militar e
se antecipando às expectativas das populações, sem considerar os riscos
ecológicos e sociais em jogo.10
A maior parte do desmatamento na Amazônia estava, até o presente,
confinada ao que se denomina “arco do desmatamento” (que circunda a
fronteira dos estados amazônicos pelo sul). Com a retomada dos projetos
de construção e de consolidação de estradas, tais como as controversas
BR-319 (Porto Velho-Manaus) e BR-163 (Santarém-Cuiabá), o risco
principal é ver o desmatamento recortar a Amazônia pelo interior,11
abrindo acesso para o fluxo migratório que se deslocará do “arco do
desmatamento” em direção às zonas de floresta, ainda intactas − o que,
na prática, vem se traduzindo por um aumento do tráfico de animais, de
drogas, de madeira, de minérios, da prostituição e do desmatamento
destinado a abrir clareiras para a criação de gado, num primeiro
momento, e para a cultura da soja, em seguida.
Desde o começo do governo Dilma (2011), o Estado (tanto Executivo como
Legislativo) vem colocando progressivamente em questão as conquistas dos
últimos anos em matéria de proteção ambiental e da proteção das Terras
Indígenas, a exemplo da Medida Provisória n. 558/2010, editada pelo
Poder Executivo para alteração de limites de áreas protegidas, todas na
Amazônia. A situação atual é, portanto, o prolongamento lógico e crítico
de uma história ainda e sempre fundada na colonização agrária do país.
Uma história baseada na rentabilidade a qualquer custo e na ambivalência
− se não complacência − dos poderes públicos (cujos membros estão muito
frequentemente implicados no empreendimento da colonização), sobretudo
do Legislativo, em relação à garantia de direitos fundamentais à terra e
à vida de que deveriam gozar as populações tradicionais do país. Resta
perguntar sobre a consistência do modelo de prosperidade brasileiro, tal
como ele é atualmente veiculado pelo Estado e seus representantes, que
esquece que uma sociedade rica não pode se resumir a uma sociedade
economicamente próspera.
Belo Monte e a multiplicação das usinas hidrelétricas na Amazônia
O PAC ressuscitou um projeto antigo e polêmico, que se mostrou ainda
mais controverso a partir da publicação do mais recente Estudo de
Impacto Ambiental (EIA), em 2009, e da concessão da licença pelo
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), em 2010. A usina de Belo
Monte é o canteiro de obras mais importante do PAC e, a despeito do
combate mobilizado pelas organizações sociais, teve seus trabalhos
iniciados em 2011.
Construída numa região conhecida como “a Volta Grande do Rio Xingu”,
Belo Monte está situada numa área estratégica cercada de Reservas
(Resex), Florestas Nacionais (Flonas) e Terras Indígenas (no total, dez
TIs são oficialmente atingidas, afetando diversas comunidades: Kayapó,
Araweté, Arara, Kisêdje, Juruna, entre outras).12
Belo Monte é a prova cabal de que não há ação de “desenvolvimento” que
não seja motivada por fatores econômicos privados. A 15 quilômetros da
construção da usina, a mineradora Belo Sun Mining instalou o maior
projeto de mineração de ouro do Brasil, o Volta Grande. No Relatório de
Impacto Ambiental (Rima) desse projeto, chama atenção a perspectiva de
uso da energia elétrica produzida por Belo Monte. Esse fato corrobora as
acusações de que a usina, que funcionará a pleno vapor somente quatro
meses por ano por causa do funcionamento hidrológico do Rio Xingu,
serviria antes às indústrias que à população, mais exatamente, às
chamadas indústrias eletrointensivas.13 No Rima vê-se ainda
que a exploração mineral da Belo Sun Mining vai afetar diretamente pelo
menos duas TIs: Paquiçamba e Arara da Volta Grande.
A usina de Belo Monte é apenas a mais visível de uma série de dezoito
usinas projetadas nas bacias dos rios Araguaia e Tocantins. Há ainda um
conjunto de projetos hidrelétricos no Rio Tapajós e duas outras usinas,
Santo Antônio e Jirau, que fazem parte do complexo hidrelétrico do Rio
Madeira e estão sendo construídas nas proximidades de Porto Velho
(Rondônia). Essas duas hidrelétricas não vêm sem provocar inúmeros
problemas, vejam-se as inundações e desmoronamentos recentes em um
quarteirão de Porto Velho (Bairro do Triângulo); além disso, assim como
Belo Monte, atingem terras e águas dos chamados grupos indígenas
isolados,14 ou seja, daqueles que recusam qualquer contato com os não índios e mantêm seu isolamento na floresta.
Outro problema importante em jogo é o processo de consulta das
populações afetadas, sejam elas tradicionais (índios, quilombolas ou
seringueiros) ou ribeirinhas, que vivem no entorno de grandes projetos.
Esses processos de consulta são juridicamente vagos e extremamente
controversos.15
Por fim, além dos impactos ecológicos diretos aos quais as populações
já se encontram sujeitas, é preciso considerar inúmeros outros problemas
que vêm piorar a situação: prostituição, estupros, alcoolismo, drogas,
crescimento brutal da população urbana, criminalidade etc.16
Mineração em Terras Indígenas
O parágrafo 3º do artigo 231 da Constituição brasileira estabelece que o
Congresso, após ouvir as populações afetadas, é quem deve permitir ou
não a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em Terras Indígenas e a
exploração de seus recursos hídricos e de seu potencial energético, e
que deve ser assegurada às populações indígenas a participação nos
resultados da lavra autorizada. Isso inviabiliza a atividade de
garimpagem por terceiros em áreas indígenas. Na tentativa de legalizar
essa exploração, em 1996, o senador Romero Jucá (PMDB/RR) apresentou o
Projeto de Lei n. 1.610/1996. Esse projeto vinha sendo barrado por
organizações indígenas e indigenistas, mas, este ano, foi retomado e, no
momento, as populações indígenas vêm participando das Audiências
Públicas convocadas para seu estudo, reivindicando o poder de vetar a
mineração em suas terras.17 Para as organizações indígenas, a
legislação fundamental a ser votada seria a do novo Estatuto do Índio
(PL n. 2.057/1991), que trata do respeito e proteção aos modos de vida e
bens indígenas. No estatuto, o tema da exploração mineral busca
resguardar o direito indígena.
Enquanto esses projetos tramitam, as empresas mineradoras utilizam
subterfúgios para entrar nas Terras Indígenas. Em 2011, a mineradora
Cosigo Resources Ltda. estabeleceu um acordo espúrio com a Secretaria
dos Povos Indígenas do Estado do Amazonas (Seind) para realizar um
inventário das potencialidades de mineração nas terras indígenas do
estado. Esse acordo foi repudiado pela Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) com base em sua
inconstitucionalidade, o que freou a negociação.18
No entanto, quando se trata da exploração garimpeira, o impedimento de
direito não se traduz num impedimento de fato. A realidade é que esta
vem acontecendo sem qualquer controle do Estado e das comunidades
afetadas. Desde meados do século XX, a corrida do ouro vem aumentando
exponencialmente na Amazônia. O caso Yanomami é um exemplo. Nos anos
1980, milhares de garimpeiros invadiram suas terras, localizadas na
fronteira Brasil-Venezuela, deixando um rastro de mortes e destruição.
Com a homologação da TI Yanomami, em 1992, ouve um refluxo na invasão.
Entretanto, em 2010, a alta do preço do ouro provocou uma nova acorrida
em massa de garimpeiros, fato denunciado sobretudo pelo líder Yanomami
Davi Kopenawa.19
O garimpo ilegal, pela prática da exploração de aluvião, interfere de
modo radical nos leitos dos rios, afetando a fauna e a flora. Além
disso, o uso do azougue no processo de amálgama e queima para a
separação do ouro joga toneladas de mercúrio no ar, no subsolo e nos
rios. Outro fator de poluição provém dos combustíveis utilizados nos
motores dos barcos e balsas. Essa química tóxica não poderia deixar de
afetar a saúde das pessoas da região. Ademais, há os efeitos da própria
presença dos garimpeiros: os dados mais recentes de prejuízo à saúde vêm
da propagação da malária contraída por estes nas matas da região.
A violência física também faz parte da relação dos índios com os
garimpeiros. Em 1999, com a descoberta de uma enorme jazida de diamantes
na TI Roosevelt, os Cinta-Larga passaram a viver a intensificação da
invasão garimpeira, acompanhada por uma sucessão de conflitos armados.
Com a exploração de minério veio a extração ilegal de madeiras de lei,
denunciadas em 2001. Essas denúncias resultaram no assassinato do líder
indígena Carlito Cinta-Larga. Tempos depois, outra liderança, César
Cinta-Larga, foi assassinada por afogamento; seu corpo foi encontrado
com uma das mãos decepada, indicando que havia sofrido tortura. Em abril
de 2004, os Cinta-Larga reagiram à onda de violência recorrente matando
29 garimpeiros. A retaliação veio com a tortura e o estupro em praça
pública de um professor Cinta-Larga. Até hoje, persiste a questão do
garimpo ilegal e as violências por ele perpetradas entre os Cinta-Larga.20
Contudo, a culpa do processo exploratório nas Terras Indígenas
brasileiras não pode ser atribuída exclusivamente aos agentes
diretamente envolvidos nele. É bom lembrar que, assim como a extração de
madeiras nobres da Amazônia só se dá pela demanda de centros econômicos
fortes − localizados no Brasil e no exterior (Europa, Estados Unidos e
Ásia) −, a exploração ilegal do ouro ocorre porque há um mercado de
consumo mundial. É esse ouro extraído por meio de trabalho degradante e
cuja exploração é extremamente danosa ao meio ambiente que alimenta o
luxuoso comércio de joias mundo afora.21
Por fim, ainda no campo das riquezas naturais, mais recentemente se
descobriu que há petróleo e gás natural no Vale do Juruá, cuja
exploração pode render R$ 500 milhões a mais de receita para o estado do
Acre. Formulando uma interpretação um tanto particular de
desenvolvimento sustentável, o governador acriano sustenta a seguinte
tese: “Imaginem [...] que metade disso [dos R$ 500 milhões] venha a ser
convertida em investimentos socioambientais para as populações que vivem
na floresta para fortalecer a qualidade de vida, as atividades
sustentáveis e os potenciais que a floresta amazônica tem a nos dar com
sua biodiversidade [...]. Isso pode significar uma veloz conversão de
qualidade de vida e fortalecimento da atividade sustentável do estado”.22
O governador parece esquecer que, afora o impacto no meio ambiente
resultante da forma de prospecção desses minerais, um projeto dessa
monta abrirá uma frente de expansão econômica para a região e criará
novas necessidades para as populações locais, ou seja, dependência. Como
déjà vu.
As populações impactadas por esse projeto – que, seguindo a praxe desse
tipo de política, não foram ouvidas– alertam para suas consequências na
“Carta Declaratória sobre a Prospecção e Exploração de Petróleo e Gás
no Juruá”, produzida por representantes de nove povos, doze TIs e quatro
associações indígenas.23
O Brasil mudou muito nos últimos setenta anos, mas ainda pede e merece
uma mudança de mentalidade a respeito do significado do termo
“desenvolvimento”, sob o risco de produzir, pelo esgotamento de seus
recursos naturais, o extermínio físico das populações indígenas em um
futuro não mais tão distante.
Artionka Capiberibe
é antropóloga, professora da EFLCH-Unifesp e autora de Batismo de fogo: os Palikur e o cristianismo, Annablume, São Paulo, 2007
Oiara Bonilla
é antropóloga, pesquisadora do Museu Nacional-UFRJ e trabalha com os Paumari do estado do Amazonas desde 2000
Ilustração: Luiz Vasconcelos / Zuma Press / Corbis
1 Este dossiê é uma versão revista e resumida de um relatório
encomendado pela ONG GITPA (Groupe International de Travail pour les
Peuples Autochtones).
2 Para uma reflexão crítica sobre as anistias da Lei n. 12.651, ver .
3 Cf. os seguintes dossiês: e .
4 Ver
agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-07-20/condicoes-do-stf-sobre-raposa-serra-do-sol-sao-alvo-de-questionamentos-que-atingem-portaria-da-agu.
5 Sobre o caso da terra Maraiwatsede, ver e .
6 Mesmo sendo a segunda maior população indígena do país, os povos
do Nordeste são os que menos terras possuem. Ver artigo de J. M. Arruti
sobre esse processo histórico em .
7 Ver .
8 Os ataques do agronegócio aos direitos adquiridos indicam que essa
situação pode vir a ser estendida a povos até hoje protegidos da sanha
do mercado. É o que aponta Henri Acselrad, no artigo “O agronegócio e os
territórios dos povos tradicionais”, Le Monde Diplomatique Brasil, out. 2012.
9 O documentário À sombra de um delírio verde (vimeo.com/32440717) expõe de maneira inequívoca a correlação entre o agronegócio e a degradação da vida Guarani-Kaiowá.
10 Ver reação da população atingida em .
11 Informação completa disponível no site .
12 Sobre Belo Monte, ver e .
13 Explicação sobre esse direcionamento em .
14 Informações disponíveis em e .
15 A entrevista do procurador do MPF Felício Pontes Jr. à
jornalista Eliane Brum
(revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2011/09/um-procurador-contra-belo-monte.html)
é um documento importante para compreender esse tipo de violação. Mais
informações em .
16 Para mais informações, ver a compilação de artigos 1 e 2 publicada pela Revista Fórum: e .
17 Ver .
18 Ver .
19 Notícias disponíveis em e .
20 Ver documento completo sobre esse conflito em .
21 Notícias sobre a relação entre demanda, produção e degradação ambiental podem ser acessadas em e .
22 Disponível em: .
23 Ver www.kaninde.org.br/?pag_id=19&p=592.
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