pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: setembro 2020
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quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Sonhos partilhados

 

Reflexões de Ailton Krenak produzidas durante a pandemia convidam a repensar o nosso modo de vida e a recordar as vítimas da Covid-19

Aparecida Vilaça
01set2020 01h00 (02set2020 17h55)

 
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O escritor Ailton Krenak Neto Gonçalves/Divulgação
Krenak, Ailton
A vida não é útil
Companhia das Letras • 128 pp • R$ 29,90

Mais uma vez o filósofo e líder indígena Ailton Krenak encontra as palavras certas e as ideias precisas para definir aquilo por que passamos hoje, analisando as causas de nossa crise ambiental e sanitária e oferecendo caminhos para transformarmos a pandemia em uma experiência renovadora.  

A vida não é útil dá seguimento às discussões do sucesso editorial Ideias para adiar o fim do mundo, que começa a ser traduzido em outros países. Os cinco capítulos que o constituem são amálgamas de palestras, entrevistas e lives de Krenak, brilhantemente organizadas por Rita Carelli, que as transformou em um texto fluido, claro, e que consegue, mesmo assim, manter a vivacidade do discurso oral. A impressão que se tem na leitura é  que já nasceu como livro, naquela exata sequência de capítulos, o que revela um trabalho editorial de altíssima qualidade, que não deve ser colocado em segundo plano, e que nos faz lembrar o de Bruce Albert na organização das falas do xamã yanomami Davi Kopenawa em A queda do céu

Em sua maioria, as falas que estão na origem do livro foram proferidas em diferentes momentos da pandemia, de abril a junho, a partir da casa do autor na aldeia Krenak, no vale do rio Doce, onde ele faz quarentena junto com o seu povo. A situação, evidentemente, exacerbou a preocupação com os destinos da humanidade e do planeta, que constituem o tema central de Ideias para adiar o fim do mundo. No presente contexto de medo e morte, a fala anterior soa premonitória, e o presente livro faz o seu discurso ainda mais relevante e repleto de sentido. 

O livro se inicia por uma crítica à nossa visão restrita de humanidade, que deixa de fora outros seres e entidades que povoam o mundo e exila em suas bordas povos minoritários, dentre eles os “caiçaras, índios, quilombolas, aborígenes”. Esse etnocentrismo é justamente o que nos conduz às ações que vêm levando à destruição progressiva da Terra, que teimamos em acelerar, com “a ilusão de que vamos continuar existindo”, acreditando que saberemos transformar “a crise em oportunidade”. A pandemia seria um aviso, um grito da Terra nos dizendo que “não estamos com nada” e nos mostrando que “essa tal de humanidade” pode se extinguir “com a mesma facilidade que os mosquitos de uma sala depois de aplicado um aerossol”. 

Civilização viral

“Somos a praga do planeta, uma espécie de ameba gigante”, “muito piores do que esse vírus que está sendo demonizado como a praga que veio para comer o mundo. Somos nós a praga que veio devorar o mundo.” As conclusões de Ailton ressoam aquelas do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, em suas reflexões sobre o modo de ser da chamada “civilização ocidental”, caracterizada como uma “civilização viral”, alertando para um aspecto do vírus que me parece central, e que diz respeito à especificidade do potencial destruidor de que fala Ailton. 

Trata-se justamente do modo de ação muito peculiar desse invasor: incapaz de se autorreproduzir, o vírus impõe a sua fórmula aos hospedeiros, forçando-os a produzirem réplicas dele, na contramão de seu próprio código genético. Como os vírus, a nossa civilização atua impondo às outras civilizações os seus códigos, destruindo os seus suportes materiais e as suas bases culturais, forçando-as a se tornarem iguais a ela. 

Até o momento, pelo menos, o nosso movimento em meio à crise não tem sido a revisão drástica de nossa forma de estar no mundo, com a atenção aos povos indígenas que nos ensinam como se deve habitá-lo, mas vem sendo dominado por uma ânsia pelo retorno à “normalidade”, que se alia a propostas delirantes de colonizar novos planetas. Será que não se dão conta de que “a possibilidade de sobrevivermos com esse corpo em Marte [...] vai depender de um aparato tão complexo que será mais fácil arrumarmos máscaras e respiradores e continuarmos aqui?”, pergunta Ailton. Isso mostra que a porção doente da humanidade, que infelizmente vem ditando o seu caminho e carregando junto os que não compactuam com suas escolhas, não aprendeu “nada com a experiência aqui na Terra. Eu me pergunto quantas Terras a gente precisa consumir até entender que está no caminho errado”. 

Ailton nos deixa o seu recado claro: quem quiser ir embora, já vai tarde. “Vão logo, esqueçam a gente aqui! Deveríamos dar um passe livre para eles, para os donos da Tesla, da Amazon. Podem deixar o endereço que depois a gente manda os suprimentos.” Que permaneçam aqueles capazes de fazer pontes entre a cidade e a floresta, o povo da agroecologia e da permacultura, os que fazem buracos no asfalto para plantar as suas hortas urbanas, os que contam histórias, os que levam a sério os sonhos.

Para Ailton, os sonhos seriam uma espécie de “instituição que prepara as pessoas para se relacionarem com o cotidiano”. Entre diversos povos, dentre eles os Guarani Mbya, todos os dias, de manhã bem cedo, a família reúne-se em torno do fogo e de uma cuia de mate, para contarem os seus sonhos uns aos outros e, só a partir daí, decidirem as suas atividades e os melhores caminhos a percorrer. Como lembra Ailton, a partilha dos sonhos é ocasião de troca de afetos, sentimentos e impressões, do exercício da capacidade de ouvir, permitindo assim “trazer conexões do mundo dos sonhos para o amanhecer”. Isso tem implicações diretas para o bem viver e para a extensão da vida, a “duração da pessoa”, como nos mostrou a antropóloga Elizabeth Pissolato para os Mbya. 

Como os sonhos, os mitos indígenas, narrados geralmente no anoitecer, por pais e avós aos seus netos e a quem mais queira ouvir, são igualmente repletos de fios de conexão, que tornam possível a comunicação das pessoas entre si e dos povos uns com os outros, pois os mitos circulam entre eles. Conectam ainda os humanos aos outros seres, animais, espíritos e ancestrais, que povoam os mitos e que, por meio da narrativa, se tornam acessíveis no mundo presente. “São histórias de antes de esse mundo existir [...]. A proximidade com essas narrativas expande muito o nosso modo de ser, nos tira o medo e também o preconceito contra os outros seres. Os outros seres são junto conosco, e a recriação do mundo é um evento possível o tempo inteiro.”

Donna Haraway, filósofa norte-americana, em seu livro Staying With The Trouble (2016), esforço criativo para pensar a crise ambiental e propor soluções, também menciona as histórias contadas, especialmente as mais longas, que parecem não ter fim. Cheias de pontas, conectam uma infinidade de pessoas e de seres, revelando-os como “holoentes”, seres complexos, formados por um aglomerado de espécies, como o são os recifes de coral. Somente ao entendermos que estamos todos ligados feito nós em uma cama-de-gato, em que a mudança da posição de um ponto qualquer implica a reordenação de todo o sistema, poderemos estabelecer outro tipo de relação com aqueles com os quais compartilhamos o planeta. “Ainda há ilhas no planeta que se lembram do que estão fazendo aqui”, escreve Krenak. “Estão protegidas por essa memória de outras perspectivas de mundo. Essa gente é a cura para a febre do planeta, e acredito que pode nos contagiar positivamente com uma percepção diferente da vida. Ou você ouve a voz de todos os outros seres que habitam o planeta junto com você, ou faz guerra contra a vida na Terra.”

Covid-19

Impressionam-me a paciência e a persistência de Ailton — assim como a de Davi Kopenawa, de Raoni Metuktire e de tantos outros — em nos ensinar, em permanecer ao nosso lado mesmo sabendo que vimos traçando caminhos opostos ao seu e de seus parentes indígenas, suprimindo as bases de sua existência, desrespeitando-os de todos os modos possíveis ao longo de cinco séculos. 
Enquanto escrevo, há 26 mil indígenas contaminados pela Covid-19, pertencentes a 150 povos diferentes. Setecentos dentre eles morreram, sendo a maioria pessoas maduras e idosas, que constituíam repositórios das tradições e da memória de seus povos. É como se bibliotecas tivessem sido queimadas, daquelas repletas de manuscritos que não podem ser repostos. 

Esses anciãos guardavam conhecimentos científicos sobre plantas, animais, remédios, eram mestres em filosofias complexas e narradores respeitados das histórias de conexão. Esses conhecimentos, longe de constituírem uma lista enciclopédica a ser recuperada, eram indissociáveis de seus corpos, revelando-se em seus gestos, seu jeito de falar, narrar e andar. Diante de tal complexidade, a sua transmissão aos mais jovens requer um longo processo, baseado em intensa convivência e observação atenta, até que se sintam prontos para tomar a sua posição. Para muitos dos povos afetados, esse caminho foi abruptamente interrompido.

“Para o meu povo, perder uma pessoa mais velha é perder a memória da nossa existência enquanto povo. É como o Museu Nacional pegando fogo. Tem sido um desespero muito grande para nós, mais jovens. De um dia para outro, uma parte significativa do nosso conhecimento, das nossas vidas, se vai de uma forma violenta”, escreveu Angela Kaxuyana.

Abandonados pelo governo, sofrendo invasões de garimpeiros, madeireiros, grileiros e missionários em seus territórios, vetores dessa e de outras doenças, e longe de locais onde possam receber tratamentos adequados, vêm sofrendo mortes dolorosas, precedidas de longas esperas em filas de todos os tipos e da separação abrupta de seus parentes. 

Abandonados pelo governo, os indígenas vêm sofrendo mortes dolorosas

O líder e ativista Amâncio Ikõ Munduruku foi levado doente para Itaituba, cidade mais próxima de sua comunidade, onde os únicos quatro leitos de uti disponíveis estavam ocupados. Dias se passaram até que conseguisse ser transportado para Belém, onde morreu. Outros indígenas não quiseram nem mesmo lutar pela internação, cientes do destino trágico que os esperava, e optaram por morrer em suas aldeias, entre os seus.

Com Amâncio partiram Feliciano Lana, do povo Desana, autor e artista plástico mundialmente conhecido; o líder e ativista Kayapó Bep’kororoti, conhecido como Paulo Payakã, que, como Ailton, teve importante papel nas negociações dos direitos indígenas da Constituição de 1988; o renomado chefe xinguano Aritana Yawalapiti; os professores e sabedores indígenas Higino Pimentel Tenório, do povo Tuyuka, Fausto Silva Mandulão, do povo Macuxi, Otávio dos Santos, do povo Sateré-Mawé; dentre muitos de uma longa lista que não tenho como reproduzir aqui. 

“Faz algum tempo que nós da aldeia Krenak já estávamos de luto pelo nosso rio Doce. Não imaginava que o mundo nos traria esse outro luto.” 

Nós aqui também estamos de luto com você, Ailton.

(Publicado originalmente no site da Revista dos Livros Quatro Cinco Um)

Eternos vigilantes: sobre "as confissões da carne", de Michel Foucault

 

Eternos vigilantes: sobre ‘As confissões da carne’, de Michel Foucault

O filósofo francês Michel Foucault (Foto Martine Franck/ Latinsrock)

 

 

É em muito boa hora que o Brasil recebe, pelas mãos da Paz & Terra, selo da Editora Record, o inédito livro de Michel Foucault, As confissões da carne, o quarto volume de sua série História da sexualidade. Os três primeiros foram publicados no país, em momentos outros. Porém, o último veio a lume somente em 2018, na França.

Com arte assinada por Letícia Quintilhano, as capas são preenchidas com cores chamativas. Na apresentação, o quarto volume traz a “Advertência” do filósofo Frédéric Gros, organizador da obra. Nela, o francês explica o trabalho de pesquisa e organização dos textos de Foucault, espalhados entre versões datilografadas e manuscritas depositadas na Biblioteca Nacional da França. Roberto Machado assina a orelha, com uma brevíssima apresentação do autor. A tradução ficou por conta de Heliana de Barros Conde Rodrigues e Vera Maria Portocarrero.

O quarto volume de História da sexualidade é coerente com os que lhe precederam. Destaco, em especial, a atenção dada ao mecanismo de vigília permanente desenvolvido, como uma tecnologia, no interior do cristianismo. Aliás, Foucault sublinha que a religião predominante do mundo ocidental não deve ser reconhecida somente por seu poder cerceador. Ela guarda, em suas origens, possibilidades de vivência sexuais outrora negadas. Trata-se de uma perspectiva polêmica em um tema desnecessariamente polêmico. O importante é observar como esse mecanismo de eterna vigília é algo bem mais complexo do que se imagina.

Seguindo o fio delineado por suas antecessoras, a obra propõe uma compreensão da sexualidade como categoria social-político-científica, atentando para os códigos morais construídos progressivamente, ao longo da formação da sociedade ocidental. Ela, então, sinaliza para um entendimento do todo social levando em conta detalhes obscurecidos pelo discurso moral, mas, que, definitivamente, revelam-se como bastante significativos no que diz respeito à construção e organização da estrutura social. As conclusões ecoam na contemporaneidade.

Os três primeiros volumes, A vontade de saber, O uso dos prazeres e O cuidado de si, já populares e disseminados, incitam uma atenção ao potencial da sexualidade na organização social, em clara aversão a um entendimento patológico do tema. A repressão dos atos, impulsos sexuais, identificados com a natureza humana, é o que conduz toda a postura do sujeito em seu mundo. Técnicas inúmeras de controle da consciência são progressivamente desenvolvidas nesse sentido.

Por exemplo, ao nos remetermos aos volumes precedentes de História da sexualidade, percebemos que não é o código vitoriano quem delineia o modo de ser no século 19. Ao invés disso, devemos tomar o “ser vitoriano” como algo disseminado, uma referência. O discurso é apenas replicado nessa identificação, revelando a estrutura social vigente.

É de maneira desconfiada que Foucault observa o discurso científico e toda a autoridade filosófica em seu processo de afirmação de uma verdade. Em meio a isso, prevalece a insistência no poder do discurso, geminado à estrutura social. O sujeito, nesse caso, tem tanta responsabilidade quanto a autoridade detentora do discurso que, no fundo, seria como um especialista, tradutor daquilo que ocorre no mundo. E, como há traços comuns entre o que se profere e quem o ouve, a influência é praticamente inevitável.

Logo, o discurso vitoriano é nada mais nada menos do que a tradução, a versão oficial, normatizada – e, portanto, reforçada pelo seu poder de organização –, de condutas sociais já presentes entre os sujeitos. É como se fosse a forma válida, hegemônica, no todo social. O poder está disperso, ainda que possa ser personificado, institucionalizado.

As primeira proibições

As confissões da carne leva isso em conta. Nele, Foucault tenta se aproximar da genealogia da constituição do sujeito ao longo do tempo, buscando vestígios do conservadorismo – para usar termos atuais – natural dos seres humanos. E, nesse caso, seguindo a sua premissa filosófica, não se contenta em atribuir ao cristianismo a culpa pelo significado da sexualidade hoje.

Seguindo esses propósitos, Foucault retorna a filósofos e pensadores cristãos e não cristãos dos primeiros séculos de nossa era, como Sêneca, Clemente de Alexandria, Tertuliano, Gregório de Nissa, João Crisóstomo, Santo Agostinho, entre outros. E o faz abordando temas que se tornaram caros ao cristianismo, como batismo, confissões, sexo, virgindade e matrimônio, por exemplo. Em seu norte, está a maneira como essas matérias foram incorporados pela sociedade e como os filósofos as traduziram, isto é, como lidaram com o discurso em que se encontravam envoltos, aprimorando as concepções e entendimentos em relação a questões que inevitavelmente se faziam presentes na constituição social de seu tempo.

O livro demonstra que não foi o cristianismo quem criou a tese da importância da virgindade, uma vez que ela já estava presente entre os chamados moralistas pagãos, dando o tom da formação da sociedade naquele tempo. Inicialmente, ser casto era muito mais do que uma virtude, significando uma condição essencial para que, através do exercício intelectual, fosse proporcionada uma negação do corpo e, consequentemente, dos impulsos naturais, relacionados ao sexo, de modo a se atingir a pureza do pensamento filosófico, da razão. Foucault, ao longo de todo o livro, não se reporta à metafísica para se orientar. Mas, de fato, apresenta ao leitor todo o esforço intelectual da filosofia daquele tempo para que se chegasse à forma suprema de conhecimento. Eis a negação de qualquer imersão a ser feita com o corpo.

O autor de As confissões da carne nos apresenta como, nesse escopo, a virgindade adquire contornos negativos, qual seja, um produto da negação dos atos sexuais, corpóreos. O cristianismo primitivo apenas reproduz essa postura, presente no discurso, na forma de pensamento de então. Contudo, uma particularidade deve ser observada nesse caso, pois, por meio de uma leitura atenta da obra de Clemente de Alexandria, Foucault percebe as mudanças quanto à compreensão da virgindade. À medida em que a ideia do Deus cristão prevalece, toma-se o exercício de castidade como uma espécie de valorização da própria pureza e, consequentemente, da experiência divina.

O filósofo francês Michel Foucault em seu escritório (Bruno de Monès/ Latinstock)
O filósofo francês Michel Foucault em seu escritório (Bruno de Monès/ Latinstock)

Para essa primeira forma de cristianismo, assimila-se a premissa de que o corpo é impuro – algo exacerbado pela moral pagã, cuja forma final, acabada, de discurso em torno desse princípio encontra-se na filosofia pagã. O cristianismo, por meio de seus artifícios, trabalha ativamente no convencimento do sujeito quanto às impurezas do corpo, exigindo-lhe uma superação à medida em que reforçava constantemente a validade de sua qualidade enquanto ser humano, enquanto obra de Deus. Portanto, fazer-se virgem não era mais uma questão de negar o corpo, mas, sobretudo, de afirmar-se enquanto Criatura.

Assim é que a virgindade torna-se um modo de se relacionar com Deus, reforçando a premissa da Criação. Portanto, a continência, contenção dos impulsos, torna-se positiva. A isso, tem-se o desenvolvimento da ascese e a organização do monaquismo como rota para o reforço do cristianismo que, então, passa a ser compreendido como forma de organização do mundo e técnica do sujeito para o governo de si mesmo. A orientação do olhar é alterada, deixando claramente de ser algo voltado para o mundo abjeto para, em seu lugar, buscar a verdade da alma, forma única de se aproximar de Deus dentro do ascetismo.

A partir daí, o casamento passa a ser compreendido como uma maneira de se conseguir a tranquilidade da alma – diferentemente da moral pagã, dos primeiros filósofos do ocidente, que pregavam a vida independente, incluindo a sua interpretação quanto à castidade. A lógica é completamente invertida no cristianismo que, em grande medida, posiciona a virgindade como uma escolha, exaltando a volição da comunhão com Deus, não mais como uma lei. O peso, no sujeito, é ainda maior. A sexualidade, obviamente, adquire um novo status, demarca um novo terreno para a compreensão do sujeito em seu lugar no mundo e em sua conexão com Deus, através da alma, ditada pela capacidade de escolher o caminho correto.

“Trata-se, ao sublinhar alguns traços importantes da mística da virgindade no século IV, de mostrar que a valorização muito intensa de uma abstenção total, originária e definitiva das relações sexuais não tinha uma estrutura de interdição, não representa o simples prolongamento de uma economia restritiva dos prazeres do corpo. A virgindade cristã é bem diferente da forma radical ou exasperada de um preceito de continência que a moral filosófica bem conhecida da Antiguidade, e que os primeiros séculos cristãos herdaram”, escreve.

A escolha pelo casamento

Não seria exagero dizer que, a partir da leitura de As confissões da carne, a moral da Antiguidade Clássica mostrava-se bem mais rígida do que a moral cristã. Valorizar a virgindade, conforme faz o cristianismo primitivo, é bastante diferente, sendo mais significativa, do que fazer uma pura desqualificação ou proibição simples das relações sexuais. A consequência da inversão promovida pelo cristianismo, no entendimento de Foucault, é a de uma valorização da relação do indivíduo com sua própria conduta sexual, ressaltando uma experiência positiva.

Em suma, não há a desvalorização progressiva da relação sexual. Ao posicionar a castidade enquanto objeto de análise, há a flexão para que se observe o desenvolvimento do pensamento – o pensamento ocidental. O objetivo de Foucault, nesse caso, é demonstrar como tudo isso incide na construção do sujeito ao longo da história, determinando o seu posicionamento no mundo. Como bem diz o autor: “O que está em jogo, então, não é um código de atos permitidos ou proibidos, é toda uma técnica para vigiar […]”.

Aqui está a maneira como o casamento passa a deixar de ser uma alternativa para a continência absoluta. Em sua constante procura, Foucault perscruta, também, a maneira como as relações sexuais devem ser compreendidas no interior do próprio matrimônio, avaliando a sua função reprodutiva – negada como fundamento da união, por exemplo, por São João Crisóstomo –, e sua posição ante o dilema da concupiscência.

Ao adquirir contornos positivos, o casamento é tomado como pressuposto para a existência de uma necessidade do sujeito de vigilância sobre si mesmo, reforçado pela tecnologia da confissão e seus equivalentes. O filósofo debruça-se sobre a maneira como devem ser concebidos os desejos do corpo dentro do matrimônio.

Algo curioso é observado aqui. Em vista dos princípios trabalhados anteriormente, levando em conta que a queda do paraíso acentua o corpo como lugar dos excessos e da concupiscência, o matrimônio passa a ser tomado como a salvação de cada um por meio do outro, através de um sistema de vigilância mútua. Isto é, o sujeito agora depende de seu par para conseguir a salvação: a realização do desejo sexual, a finalidade reprodutiva e a concupiscência entram na conta da conduta do sujeito. Essa reflexão é observada justamente em Santo Agostinho, desnudando uma angústia evidente no interior daquela sociedade de seu tempo.

Jean-Paul Sartre (à esq.) ao lado de Foucault durante uma manifestação em 1971 (Reprodução)
Jean-Paul Sartre (à esq.) ao lado de Foucault durante uma manifestação em 1971 (Reprodução)

A salvação com ajuda do outro

A partir de Agostinho, o cristianismo interpreta o casamento como obrigação de um para com o outro. Desse modo, cria-se um pressuposto relacional e jurídico para a compreensão da vida conjugal sob o prisma político. Isso é fundamental para o ocidente como um todo, pois abre espaço para o entendimento quanto à origem das leis e dos mecanismos sociais que regulam a vida, sendo o matrimônio e, consequentemente, a família, a unidade mínima para a formação dessa sociedade.

No cômputo geral, Michel Foucault mostra a evolução da questão da sexualidade no cristianismo, visível sobretudo ao se tomar a castidade um elemento fundamental para a salvação, inclusive quando executada no interior do casamento, até o propósito da societas, da formação de uma sociedade cristã, unida a Deus, cuja forma final está expressa nas teses de Agostinho e seu reforço da premissa do sujeito como oriundo da queda. Nesse caso, nota-se a comunidade cristã em formação, tomando por referência a contenção dos impulsos como forma de justificar a união com Cristo. O mecanismo de organização da sociedade e seu eco em sua forma moderna, se fazem presentes à medida em que se compreende a progressiva lógica de contenção dos desejos.

“Não se trata mais, no caso, do fim natural do casamento, mas da consequência do laço pessoal que ele estabelece e da ordem das obrigações em que compromete. Esta consideração da concupiscência do outro, da ajuda que é preciso fornecer-lhe para a sua salvação, funda o dever conjugal”.

Eis a evolução da moralidade cristã que, notavelmente, permeia toda a nossa sociedade. Construir uma sociedade com essa obrigação moral colaborativa exige um olhar para o lugar ocupado pela sexualidade. Ela foi fundamental na determinação dos laços sociais e dos compromissos entre os indivíduos.

Foucault deixa dois pontos que, creio, são dignos de consideração: em primeiro lugar, não é o cristianismo quem cria os freios para o movimento do sujeito em direção à sua natureza e a consequente valorização dos desejos sexuais. Ele não realiza apenas a negação de quaisquer elementos que se encontram fora da lógica superior de Deus. Pelo contrário, em determinado momento, conforme vimos, toma pressupostos, nas palavras de hoje, conservadores da moral pagã, colocando-as em um outro patamar, de positividade, ao mesmo tempo em que lhe confere um novo significado que se torna fundamental para a constituição do sujeito ocidental.

Em segundo lugar, a sexualidade ocupa um lugar especial na organização da sociedade ocidental. Se por um lado é possível observar movimentos positivos do cristianismo, por outro, nota-se também como toda uma nova lógica moral é constituída e pode ser tomada como responsável para o controle do sujeito quanto aos desejos e impulsos, em uma impressionante técnica de vigília. Isso fica ainda mais claro ao se notar a formação da família e como ela se torna a unidade mínima, o núcleo, de toda a organização social em questão.

As confissões da carne é a conclusão de um projeto que foi se tornando cada vez mais curioso à medida que era escrito, ao longo das décadas de 1970 e 1980, período em que a discussão sobre a liberdade sexual marcava presença para nunca mais sair da agenda de debate público. Atual, o livro nos mostra vigor do tema ao enfatizar a potência de seus desdobramentos na organização de nosso mundo.

Em História da sexualidade compreendemos melhor, hoje, como por exemplo o inaceitável e injustificável estupro cotidiano de uma menina de dez anos é visto não como um ato de violência, mas, sobretudo, como escândalo sexual. Obscurecer o aspecto violento de um crime desse porte é omitir a vítima, conferindo a ela unicamente a responsabilidade em se vigiar, obrigando-a a conceber o “sagrado fruto” da imposição que lhe foi feita. Tudo isso decorre de um discurso machista proeminente, derivado de uma complexa moral de contenção dos impulsos, de uma tecnologia de vigília, desenvolvida progressivamente em nossa história.

O trabalho de Michel Foucault deixa suas marcas ao mesmo tempo em que exige uma reconsideração quanto ao posicionamento humano na atualidade. A sua reedição, contemplada com a publicação de um inédito, vem a contento. Talvez, neste momento em que estamos trancados em casa, em que a vigília se faz ainda mais necessária, e dolorosa, por conta dos códigos morais, esteja na hora de retomar a discussão como ponto de partida para um olhar mais atento ao nosso mundo.

As confissões da carne
Michel Foucault
Paz & Terra
Tradução: Heliana de Barros Conde Rodrigues; Vera Maria Portocarrero
528 páginas – R$79,90

Faustino Rodrigues é jornalista, doutor em Ciências Sociais e professor de Sociologia na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).
 
(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

O "novo ruim": sobre uma máxima brechtiana

O “novo ruim”: sobre uma máxima brechtiana

 

 Artur de Vargas Giorgi 

O dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht, de quem Benjamin extrai a ideia de "novo ruim" (Foto: Fred Stein / Divulgação)

 

1. No ano de 1938, Walter Benjamin visita pela terceira vez o amigo Bertolt Brecht, que então vivia exilado em Svendborg, Dinamarca, um dos muitos lugares por onde o dramaturgo alemão passaria ao longo dos seus quinze anos de desterro, transitando entre a hospitalidade e a hostilidade.

Benjamin em breve seria, como sabemos, o autor das teses “Sobre o conceito de história”, últimos e incontornáveis escritos antes da sua opção pelo suicídio, em 1940, como forma de escapar da violência da Gestapo hitlerista. Não obstante, naquele ano de 1938, mais precisamente em 25 de agosto, o que o filósofo anota em seu diário íntimo é algo muito conciso, em certo sentido, algo mínimo.

Nessas páginas, onde Benjamin registra os debates, os confrontos, as partidas de xadrez que, ao longo dos dias, mantém com Brecht, encontramos lapidada, com efeito, em pouquíssimas palavras, “uma máxima brechtiana”; máxima que propõe o seguinte: “não partir do antigo bom, mas do novo ruim” (em Ensaios sobre Brecht).

Em tamanha concisão, hoje nada seria mais preciso e urgente. É como se fôssemos tomados por um eco do passado dirigido às emergências do nosso presente. Quer dizer, somos interpelados por uma exigência cifrada há mais de 80 anos, sob a ameaça do nazifascismo, exigência que permanece neste nosso presente destemperado e pungente, ameaçado pelas formas contemporâneas do autoritarismo.

2. O novo ruim: eis de onde devemos partir, para que não seja normalizada, sem mais, a catástrofe do “novo normal”. Esta seria a posição crítica a ser adotada nestes tempos que, imagino, teriam colocado Benjamin diante de impasses inauditos a respeito da amplitude assumida pela reprodutibilidade técnica; tempos que, nesse sentido, ainda, parecem pedir o reforço não só de nossas capacidades de compreensão das técnicas, mas, sobretudo, de um gesto caro a seu amigo e parceiro de xadrez: um gesto que muitas vezes é chamado de distanciamento, ou estranhamento.

Sabemos que Benjamin não recuava perante as mais avançadas tecnologias do seu tempo. Além de postular que um posicionamento político e estético antifascista deveria ser alcançado não com o rechaço, mas sim, justamente, por meio das técnicas modernas de reprodução (principalmente o cinema), Benjamin foi, ele mesmo, entre o final dos anos 1920 e o início da década de 1930, um speaker em rádios alemãs, falando a crianças e jovens sobre assuntos nada distantes dos seus ensaios mais exigentes.

Brecht não destoava dessa posição em seu pensamento crítico sobre o teatro. Palavras de Benjamin: “As formas do teatro épico correspondem às novas formas técnicas, o cinema e o rádio. Ele está situado no ponto mais alto da técnica”.

Com efeito, o dramaturgo propunha que a superação da identidade emocional entre o público e as ações encenadas, ou ainda, que a interrupção das prescrições miméticas e catárticas do teatro clássico “naturalista” deveria ser alcançada não fora ou para além do teatro, mas pela mobilização radical dos seus próprios recursos e artifícios. Assim, o teatro deveria interpelar o público ao expor o mundo humano como uma construção contingente, portanto passível de transformação, ao mesmo tempo em que deveria se expor, ele mesmo, como construto, como técnica de exposição.

3. O título de um poema de Brecht sintetiza bem essa operação – “O mostrar tem que ser mostrado” – e seus versos dão contorno ao programa do teatro épico:

[…]
Eis o exercício: antes de mostrarem como
Alguém comete traição, ou é tomado pelo ciúme
Ou conclui um negócio, lancem um olhar
À plateia, como se quisessem dizer:
Agora prestem atenção, agora ele trai, e o faz deste modo.
Assim ele fica quando o ciúme o toma, assim ele age
Quando faz negócio. Desta maneira
O seu mostrar conservará a atitude de mostrar
De pôr a nu o já disposto, de concluir
De sempre prosseguir. […]

Assim como Benjamin, Brecht sabia que na modernidade o problema da arte confina com o problema da política porque, para ambas, a exposição mediada pelas técnicas é decisiva. Obras de arte, artistas, públicos e políticos – todos compartilham, desde então, os mesmos espaços de exposição; todos se medem, cada vez mais, com as técnicas de reprodução, isto é, com as mediações que montam e desmontam, que modulam, compõem e recompõem o mundo que eles compartilham e disputam.

E se, a priori, o teatro pareceria escapar a esse destino, pelo fato de se valer de atores que confrontam o público diretamente e de cenas – por assim dizer – sempre originárias, desempenhadas sem edição, o que o teatro épico de Brecht propõe se aproxima, sim, da transformação causada pelo cinema na exposição de atores e políticos, igualmente. Pois vale para o teatro épico o que Benjamin escreveu a respeito da técnica cinematográfica: “Seu objetivo é tornar ‘mostráveis’, sob certas condições sociais, determinadas ações de modo que todos possam controlá-las e compreendê-las”.

Ao romper com o ilusionismo da cena, com seu andamento supostamente natural, Brecht faz intervir o teatral, vale dizer, o caráter artificial, não só do teatro, mas também das condições sociais, dessa nossa “realidade”, que tantas vezes é vista como necessária e inegociável. E com isso seu teatro afirma que, na arte como na política – nos modos da representação e nos meios da representatividade –, se o objetivo é a transformação da vida em comum, é preciso, então, não apenas mostrar; na mesma medida é necessário mostrar que se mostra, mostrar-se. Expor as formas de exposição: o que está em jogo com esse gesto é, não a reprodução do que já é vivido, mas a produção de formas de vida ainda possíveis.

4. As fundamentais medidas de preservação da vida – de toda vida – deveriam ser, estas sim, absolutamente inegociáveis. Mas, para muito além dessa conduta de fato ética, o chamado “novo normal”, entre outros aspectos muito problemáticos, apresenta-se, notadamente, como normalização da vida virtual. E se tampouco em nossos dias as respostas devem ser buscadas na recusa das técnicas mais avançadas, essa normalização definitivamente é algo que deveria ser submetido a uma crítica severa e constante.

Respostas políticas e estéticas afirmativas de uma vida comunitária somente serão possíveis com a exposição e o exame da realidade produzida pelas técnicas. Nesse sentido, é preciso mostrar que, em geral, a atual naturalização da virtualidade parece não reforçar a compreensão da contingência do mundo humano, ou seja, da possibilidade de transformá-lo. Ao contrário, parece cristalizar uma suposta certeza, sem dúvida arrogante: a certeza de que tudo que se dá é necessário, obrigatório, inevitável. Trata-se de uma lógica conservadora que, não raro, é perversamente associada ao discurso do progresso, do avanço, da evolução etc.

Afinal, conhecemos bem o elogio dos fluxos desimpedidos; o elogio da comunidade global sem hierarquias; da revolução dos conteúdos, dos afetos e das identidades; o elogio das novas formas de intimidade; do acesso e da autonomia usuária a qualquer hora e da entrega em casa just in time. Conhecemos, em suma, essa forma de apropriação que capitaliza a energia transformadora do mundo e limita nossas ações à escolha entre produtos e serviços (zoom, meet, facebook, instagram…), evitando assim as questões mais urgentes, que na verdade são as mais básicas.

O mundo virtual não reforça formas de exclusão? Que tipo de trabalho o sustenta? Quem gerencia as informações das plataformas e redes sociais? O que fazem com esses dados? A vida nos espaços públicos se intensifica? As demandas coletivas se reforçam? Essa estranha intimidade distanciada e exposta produz novos sujeitos? Em que medida essas formas de subjetivação nos interessam? É um problema a exposição da intimidade de muitos gerar lucro para pouquíssimos? E, para além da exposição, a virtualidade de fato intervém nas partilhas do mundo? Ela favorece, efetivamente, a produção de novas condições sociais, de realidades alternativas mais igualitárias?

As respostas devem ser matizadas: às vezes sim, às vezes não, em outras vezes, parcialmente. Seja como for, são perguntas como essas que, a meu ver, devem orientar, por exemplo, o debate sobre o uso na educação – e sobretudo na educação pública – de plataformas privadas ligadas ao mercado do chamado big data, assim como devem orientar a discussão sobre o fato de, hoje, cada usuário online ser “automaticamente” um produtor e, ao mesmo tempo, um consumidor de conteúdos.

Esse trabalho imaterial, segundo Peter Pál Pelbart, é uma das definições do mundo virtual. E responder criticamente a ele não é uma tarefa simples, já que através desses fluxos virtuais formatamos nossos gostos, condutas, sonhos, opiniões – nossos afetos. Como escreveu o autor em A vertigem por um fio, produzimos e consumimos “cada vez mais maneiras de ver e de sentir, de pensar e de perceber, de morar e de vestir, ou seja, formas de vida”. Daí a complexidade da situação.

5. Apesar das diferenças sobre os modos do posicionamento político-partidário (bem sinalizadas em Quando as imagens tomam posição, de Georges Didi-Huberman), Benjamin e Brecht demarcaram em torno das técnicas de reprodução e exposição o ponto da crise, da crítica e da criação.

No teatro épico, o público deixa de ser um espectador: ele é chamado a atuar, pois deve avaliar e tomar decisões sobre o que é mostrado. O homem e a sociedade são confrontados pela investigação que os afasta do conhecido, do que seria “natural”. Nada mais próximo de Benjamin, que afirmava que através do cinema a realidade podia ser vista como uma segunda natureza: produzida como uma flor azul no jardim da técnica.

Claro, somos desde o início criaturas prometeicas, ou seja, fomos e somos algo como deuses, mas com próteses, como sugeriu Freud em O mal-estar na civilização. Por isso, diante desse nosso mal-estar, diante do novo ruim, talvez a estratégia seja reforçar a exposição da nossa natureza de segunda ordem: nossa natureza técnica.

O mundo virtual não deixa de ser um imenso palco, uma cena montada, produtora de inúmeros efeitos reais. Não podemos naturalizar essa condição. Se não conseguirmos expor os artifícios que criamos e que também nos criam, não conseguiremos criticá-los, compreendê-los e controlá-los.

Benjamin escreveu que, no teatro de Brecht, o palco ainda ocupa uma posição elevada. Mas com uma diferença fundamental: em sua elevação, o palco já não tem nada de sublime, mágico ou extático. O que nele se desempenha é o estranhamento do mundo que até agora construímos. Quem sabe desse estranhamento resulte uma tomada de posição que coincida com a interrupção dos acontecimentos e com a sua leitura a contrapelo. Afinal, esse mundo estranho é o mundo ordinário, o nosso mundo humano de todos os dias. Um mundo de próteses e técnicas, artes e artifícios que é, sim, contingente. Modificar esse mundo profundamente é o papel dos atores de hoje.

Artur de Vargas Giorgi é doutor em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e professor de Teoria Literária da mesma instituição.

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

Charge! Benett via Folha de São Paulo

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