pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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sábado, 23 de maio de 2015

Corra, Lula, corra

Lula só vingou porque subverteu a ordem das coisas imposta pelo conservadorismo. Mas descuidou de alçar o novo protagonista em sujeito histórico. Haverá tempo?

por: Saul Leblon 


Ricardo Stuckert
Um viés da crítica progressista ao ciclo de governo do  PT guarda certa identidade com a avaliação conservadora desse período.
 
Não se diga que as intenções de partida e de chegada são as mesmas.
 
Mas há o risco de conduzirem ao mesmo afunilamento economicista.
 
Aquele que leva à inútil tentativa de se buscar um equilíbrio macroeconômico exclusivamente ancorado em variáveis de mercado, origem, justamente, de desequilíbrios hoje só equacionáveis satisfatoriamente com um salto de força e consentimento progressista.
 
Ao se enveredar por esse caminho – como mostra o governo Dilma — fica difícil escapar ao redil do ajuste neoliberal.
 
Ardilosamente economicista, ele próprio, sonega à democracia o direito --e a capacidade--  de conduzir a agenda do desenvolvimento para além dos limites, finalidades e interesses estipulados pelos detentores da riqueza.
 
Sobretudo daquela parcela derivada do capital especulativo, cuja supremacia se impôs a todas as latitudes, a partir da desregulação dos mercados financeiros desde o final dos anos 70.
 
Tal armadilha desguarnece a capacidade de iniciativa na medida em que se abdica do único trunfo capaz de fazer frente à hegemonia dos mercados: dotar o desenvolvimento de um protagonista social, que o conduza pelos trilhos de uma democracia participativa assim revigorada.
 
É um pouco a renúncia a isso que espeta no governo hoje a angustiante imagem de um refém em seu labirinto, conduzido para onde não quer ir, sem no entanto ter forças para declinar.
 
Ao embarcar na busca de uma regeneração da economia nos seus próprios termos, setores progressistas correm o risco de se perder nesse círculo de ferro.
 
Há quem diga que a danação é inevitável. E passe até a enxergar nela a miragem da virtude.
 
Um caso antigo de conversão na teoria e na prática, com as consequências sabidas?
 
Fernando Henrique Cardoso.
 
Eis alguém que não se pode acusar de incoerência entre a obra teórica e o legado público.
 
A dependência brasileira  em relação aos ditames dos capitais mundiais é inexorável, ‘e o Brasil do PT perdeu seu tempo ao afrontá-la’, pontificava o tucano em artigo retrospectivo, em 2013, por exemplo.
 
O raciocínio vem de mais longe.
 
Ao elidir a problematização dos conflitos decorrentes do mutualismo entre o capital local e o internacional  --bem como o seu custo social, FHC –o acadêmico autor da ‘Teoria da dependência’, de 1967; e depois o político protagonista de sua própria teoria-- trocaria a concretude da história pelo fatalismo ideológico, cego às contradições transformadoras da sociedade.
 
A dinâmica política, desse ponto de vista, estaria previamente dada.
 
Independente da prática, ela orbitaria apenas como um lubrificante de estruturas prevalecentes, sem nunca alterar o núcleo duro da engrenagem.
 
Com a exacerbação da lógica financeira, a partir da desregulação propiciada pelas derrotas da esquerda mundial nos anos 70/80, o enredo mecanicista ganharia, de fato, a robustez de um sujeito hegemônico.
 
Mercados autorreguláveis, seus agentes racionais e as agências de risco assumiriam então o rosto genérico de um interlocutor dotado de força, mando e ubiquidade.
 
Irreversível, sob a ótica conservadora, esse determinismo daria estofo ao projeto político do sociólogo que exerceu a Presidência da República de 1995 a 2002, disposto a personificar a teoria da rendição.
 
Assim o fez.
 
Com privatizações estratégicas, com o desmonte do Estado interventor (‘sepultar a Era Vargas’) , com o consequente descompromisso público com as grandes obras de infraestrutura, a renúncia a uma política industrial, a redução do Itamaraty a um anexo do Departamento de Estado norte-americano, a desmoralização do planejamento econômico, a desqualificação dos sindicatos, a derrisão de tudo o que remetesse ao interesse público e, finalmente, o deslumbramento constrangedor de um cosmopolitismo provinciano, festejado no Presidente que falava ‘línguas’ e era bajulado no exterior pelo bom comportamento.
 
Aquilo que na teoria era só uma constatação histórica, transformar-se-ia na determinação política de fazer da servidão uma virtude.
 
O surgimento do PT e a vitória desconcertante do líder operário em 2002 e 2006 –que fez  a sucessora em 2010 e 2014--  introduziu um ruído insuportável no escopo desse conformismo estratégico com a sorte do país e de sua gente.
 
Para revalidar a teoria  –e os interesses aos quais ela consagrou uma dominância inconteste, seria preciso desqualificar a heresia de forma exemplar.
 
Ao esgotar a capacidade de resistência do Estado brasileiro, a longa convalescença da crise mundial deu ensejo ao repto demolidor.
 
Em duas frentes.
 
A primeira atribui à heresia intervencionista a raiz da corrupção ‘endógena ao PT’.
 
Magnificada como singularidade incontrastável pela emissão conservadora, ela cumpre o papel de prostrar e acuar a energia progressista.
 
Deixa o campo livre assim, para se cuidar do que importa.
 
O que importa, de fato –com a mal disfarçada sofreguidão dos que já acossam o regime de partilha do pre-sal—  é desmontar aquilo que o acicate conservador denomina de ‘voluntarismo lulopopulista’.
 
Do que consta?
 
Da série de heresias contrapostas à lógica dos mercados, que não apenas ameaçam dilatar limites econômicos, como implodir interditos teórico e ideológicos de uma hegemonia conservadora consagrada a duras penas a partir de 1964.
 
Esse é o ponto do desmonte em que nos encontramos agora.
 
E nisso se empenham os labores dos centuriões encarregados de varrer para debaixo do tapete do ‘ajuste’ e da ‘consistência macroeconômico e fiscal’ o estorvo que sujou o mercado e a boa teoria nos últimos 12 anos.
 
Inclua-se nessa montanha desordenada de entulho:
 
- 60 milhões de novos consumidores ingressados no mercado, a cobrar cidadania plena;
 
- 22 milhões de novos empregados formais;
 
- um salário mínimo 70% maior em poder de compra;
 
- um sistema de habitação popular ressuscitado;
 
- bancos públicos a se impor à banca privada;
 
- uma Petrobras e um BNDES fechando as lacunas da ausência de instrumentos estatais destruídos no ciclo tucano;
 
- políticas de conteúdo nacional a devolver um impulso industrializante ao desenvolvimento brasileiro;
 
- o desdobramento de um acróstico –os BRICS--  em instrumentos de contrapeso à hegemonia dos mercados financeiros globais...
 
Etc.
 
A faxina requerida é tão virulenta que necessita árduo trabalho de escovão e detergente ideológico para dissolver a resistência indevidamente alojada em estruturas de consumo, serviços e participação instituídas para atender a 1/3 da sociedade.
 
É nessa hora que um pedaço da crítica progressista ao ciclo de governo do PT pode resvalar para a mesma avaliação conservadora do período.
 
O risco, repita-se, é subordinar a ação a soluções de mercado para desequilíbrios macroeconômicos que só a luta política pode escrutinar.
 
O que diz o vulgo conservador ecoando o sociólogo da dependência?
 
Diz que o ‘voluntarismo lulopopulista’  jogou os pobres nos aeroportos sem ter investido antes em saguões e pistas; entupiu as ruas de carros sem planejar as cidades; lotou shoppings com uma gente diferenciada antes de adestra-la nos bons modos.
 
Enfim, parte-se do pressuposto de que há um roteiro correto a ser observado na luta pelo desenvolvimento.
 
Um manual supra histórico.
 
Aquele guardado nas bibliotecas da USP, sob as asas amplas da boa teoria da dependência.
 
Primeiro, você investe; longos anos a fio, em parceria com o capital estrangeiro que naturalmente abraçará o mutirão por amor à causa.
 
Depois chama os pobres; cadastra a massa ignara.
 
Então, só então, eles serão convidados a ingressar em fila indiana na sociedade capitalista.
 
Sem tumulto, por favor, você aí, um passinho à frente.
 
Não é assim que as coisas acontecem no fluxo implacável de contradições na história de uma nação.
 
Lula foi avançando pela linha de menor resistência, é verdade.
 
Aproveitou a maré alta das commodities no mercado mundial para remar com os botes e pirogas à praia, onde os iates chegam sempre na frente e desta vez não foi diferente.
 
Os bancos e a república dos acionistas nunca ganharam tanto como no Brasil do ciclo Lula.
 
A diferença desta vez é que as canoas também chegaram quase perto da areia.
 
Causando tumultos conhecidos.
 
Tivesse ele tentado investir antes no piquenique à beira mar, para chamar o povão depois, seu mandato teria ido para beleléu antes de concluir o segundo ano de governo.
 
No golpe do impeachment de 2005, quem o defenderia?
 
O povo iria aguarda-lo pacientemente organizar o afável capitalismo brasileiro para depois vir sentar-se à mesa?
 
De certa forma é isso que Dilma tenta fazer agora.  
 
O ministro Joaquim Levy é o que se chama de um empreiteiro desse tipo de obra.
 
Desses que acreditam honestamente na planilha: você organiza o capitalismo primeiro, dá ao mercado as condições de preço, rentabilidade, garantias, desregulações... depois as coisas se ajustam naturalmente.
 
Como num PowerPoint.
 
Desses que os sábios da Casa das Garças preparam para revelar as virtudes da abertura plena da economia, projeto de uma eventual volta do PSDB a Brasília para completar o que começou.  
 
Um país não cabe em simulações desprovidas de conteúdo histórico.
 
O ciclo iniciado em 2003 tirou algumas dezenas de milhões de brasileiros da pobreza; deu mobilidade a outros tantos milhões na pirâmide de renda.
 
Os novos protagonistas formam hoje a maioria da sociedade.
 
Curto e grosso: Lula criou um novo personagem histórico –mas ainda não um protagonista da própria história.
 
Sua presença dificulta sobremaneira rodar o software conservador no metabolismo econômico brasileiro.
 
Ao trazer 60 milhões de novos consumidores para a fila do caixa ele mudou as referências estratégicas da produção, da demanda e da política nacional.
 
O conservadorismo quer devolver a pasta de dente ao tubo, assepsia que requer um cavalo de pau como poucas vezes se viu na história latino-americana.
 
Lula esburacou impiedosamente o chão político desse projeto.
 
Mas o espinho na garganta das elites não deixa de cutucar também a omissão histórica cometida em seus dois governos e agora aprofundada.
 
É isso que nos devora nesse momento.
 
Quando esgotou o ciclo de alta das commodities a coerência macroeconômica teria que ser buscada na repactuação do desenvolvimento redesenhado pela organização política das grandes multidões que invadiram a economia e agora cobram a sua maioridade na cidadania.
 
O passo seguinte teria que ser dado em negociação permanente com elas.
 
Para que não acontecesse contra elas.
 
Certos requisitos, porém, não foram preenchidos.
 
A dúvida é saber se há tempo para providencia-los.
 
O terreno é mais adverso que nunca e os blindados da crise e do conservadorismo avançam em marcha batida para um enfrentamento de vida ou morte.
 
Lula, uma parte do PT, forças progressistas e democráticas, movimentos sociais e partidos de esquerda terão o discernimento e a audácia necessários para opor uma frente ampla nesse caminho, antes que seja tarde demais?
 
Sim, há ajustes a fazer. Todos aqueles em debate e mais alguns que não interessa à emissão conservadora contemplar.
 
Há duas formas de descascar o abacaxi.
 
Uma, implica a construção democrática das linhas de passagem negociadas para um novo estirão de crescimento ordenado pela justiça social.
 
A outra preconiza simplificar a tarefa, terceirizando o timão à ‘racionalidade’ dos livres mercados.
 
A escolha conservadora dispensa o penoso trabalho de coordenação da economia pelo Estado, ademais de elidir a intrincada mediação dos conflitos inerentes  às escolhas  do desenvolvimento.
 
O que o jogral conservador reclama é um arrocho neoliberal da mesma cepa daquele que depauperou o mundo do trabalho na Europa.
 
Mas de consequências ainda mais devastadoras.
 
Em uma sociedade na qual não existe a gordura do Estado de Bem Estar Social, será preciso cortar no osso.
 
A mãe de todas as batalhas gira em torno dessa questão.
 
A questão do método.
 
Há pouco tempo para escolhas.
 
Mas há muito a perder se elas não forem feitas.
 
Corra, Lula, corra.


(Publicado originalmente no Portal Carta Maior)

Tijolinho Real: Volta, Lula!


Num discurso recente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi bastante contundente ao responder ao também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Precisava mesmo. Houve, por parte de FHC, ao acusar o PT como responsável pelo processo de corrupção da estatal Petrobras, um misto de cinismo, falseamento da realidade e um pouco de mau-caratismo mesmo. Como o "príncipe dos sociólogos", FHC conhece em profundidade o problema da corrupção no país, desde os tempos remotos do Período Colonial. Pouca coisa foi feita no seu governo para combatê-la. Ao contrário, as denúncias eram, simplesmente, engavetadas. Pode se dizer tudo contra o PT, mas, a rigor, foi no Governo da coalizão petista onde mais se avançou na construção de mecanismos institucionais de combate à corrupção, mesmo sendo inegável que alguns próceres membros da agremiação pisaram na bola. Aqui, como ensina as sagradas escrituras, é necessário separar o joio do trigo. Às vezes me faço a mesma indagação de Lula. Como um cara com a formação acadêmica de Fernando Henrique se propõe a isso, apenas para "endossar" essa onda que se formou no sentido de associar todas mazelas da Petrobras ao PT. Isso é uma grande mentira, mas, como a direita escolheu esse mantra para tentar destruir o PT, ele embarcaria nessa sem muitas delongas. Adota aqui a filosofia pragmática de Maquiavel. Kant, do plano da intensões, fica para as suas palestras e conferências pelo mundo, muito bem pagas por sinal. Se nos permitem a licença poética, a emenda da reeleição foi um "escracho", uma pouca vergonha. Um dos partidos mais beneficiados com as falcatruas da Petrobras foi o próprio PSDB. Isso é confirmado pelos depoimentos dos delatores. O que acontece, muito simplesmente, é que o PSDB goza de "imunidade", uma vez que poder judiciário parece-nos que não tem agido com aquele equilíbrio proposto pelo símbolo da balança. Sinceramente, eu espero que Lula volte em 2018. O PT cometeu alguns equívocos, mas, por outro lado, contribuiu bastante para corrigir os níveis históricos de injustiças sociais do país. Esses bunda moles do PSDB sempre fizeram um governo de conciliação com a elite, consorciado com os interesses internacionais perniciosos ao país e, pior, esqueceram do andar de baixo, o que o PT, a despeito das críticas, nunca fez.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Tijolinho Real: O Pacto pela Vida precisa ser rapactuado.



 
 
Recomenda-se tomar alguns cuidados ao abordar essa questão da segurança pública, uma vez que ela diz respeito a todos nós. Torço para que os agentes envolvidos nesse processo acertem o passo, facultando-nos a possibilidade de uma convivência pacífica, sem aquela sensação de vulnerabilidade, de insegurança, uma ameaça pairando sobre as nossas cabeças. Possivelmente, uma responsabilidade maior recai sobre o aparelho de Estado, uma vez que atua nas duas pontas do problema: nas políticas preventivas e nas ações concretas de enfrentamento dos delitos e infrações cometidas pelos indivíduos, inclusive nas "políticas de ressocialização" que, na realidade, quase sempre não ressocializam coisa alguma, em razão do descalabro com que são tratados os presidiários. Segurança Pública é um problema complexo, que exige o envolvimento de toda a sociedade, ações sistemáticas, orientadas por estatísticas confiáveis,bem planejadas e de caráter permanente. 


São Paulo e Rio de Janeiro passaram a adotar ações nesse sentido e conseguiram reduzir seus índices de violência. Pecaram num aspecto, o que pode estar abrindo espaço para a volta da convivência com índices galopantes de violência. A presença do Estado nas periferias marginalizadas não se trata apenas de uma questão militar, mas exige, igualmente, um conjunto de políticas públicas estruturadoras, nas áreas de saúde, mobilidade, educação, saneamento, lazer, inclusão produtiva. A "guerra" que o Estado precisa vencer é bem outra. Parece-nos que eles não se preocuparam com isso. O resultado não poderia ser diferente, as UPPs tornaram-se uma espécie de bunker - zonas militarizadas - responsáveis por "sumiços" e outras violações dos direitos humanos. 

Até o surgimento do Pacto pela Vida, o Estado de Pernambuco não adotava uma política de segurança de caráter sistemático, pautada em estatísticas sobre a ocorrência de delitos, com monitoramento constante e estabelecimento de metas específicas. Há de se registrar aqui que o ex-governador Eduardo Campos fazia questão de acompanhar o programa pessoalmente. Registre-se, igualmente, que este programa seria o carro-chefe de sua pretensa escalada rumo ao Palácio do Planalto. Nos primeiros anos, o Pacto pela Vida alcançou  enorme repercussão, constituindo-se numa política pública que irradiou sua influência sobre muitos Estados da Federação. Alguns deles enviaram para Pernambuco seus governantes para aprenderem sobre a experiência. De volta aos seus Estados, sequer mudavam a nomenclatura. Feita as contas, o que nos parece é que o comprometimento do ex-governador - sejam lá quais fossem as motivações - era, de fato, um fator importante para os resultados alcançados pelo Pacto pela Vida. 

A sensação que se passa é que, com a sua morte, houve uma "solução de continuidade" desse política de segurança. Segundo José Luiz Ratton, que era assessor especial do ex-governador e esteve a frente desta política - as entidades do poder judiciário também teriam deixado de acompanhar as reuniões com a regularidade dos primeiros anos. No final, por este ou por aquele motivo, o fato é que a violência voltou a recrudescer no Estado de Pernambuco. E, nessas circunstâncias, cada ator procura eximir-se de responsabilidade, apontando o dedo acusador para o seu vizinho. Ninguém mais se entende. O Sinpol mobiliza a categoria dos policiais civis para uma parada de advertência; o Secretário de Defesa Social, Alessandro Carvalho, cogita contratar uma consultoria para avaliar o Pacto pela Vida; A ADEPPE joga uma nota na imprensa contestando o secretário sobre os valores dos salários pagos aos delegados de polícia. Contratar uma consultoria, secretário? Isso vai gerar apenas mais encargos para o Estado, uma vez que os problemas do Pacto pela Vida se apresentam tão evidentes.

Editorial do Blog Realpolitik



Nosso blog continua modesto, feito com um grande esforço, mantido por uma única pessoa, o seu editor, com a prestimosa ajuda de alguns amigos. Assim deve continuar, posto que os nossos objetivos são também modestos, apenas o de abrir um espaço para o debate de ideias e emitir nossas opiniões, isentas, republicanas, sobre alguns campos sociais, para usarmos uma expressão do sociólogo francês, Pierre Bourdieu. Notadamente, os campos da política e da educação, duas áreas com as quais temos maior afinidade. Eventualmente, enveredamos por outros caminhos, mas não com a mesma frequência com que tratamos estes assuntos. A princípio, a identidade do blog está consolidada, não significando a abordagem de assuntos relativos às políticas públicas de segurança um desvio ou descaracterização de suas finalidades. Nos últimos dias, por força das circunstâncias, educação assumiu um peso bem mais expressivo no blog. Creio que apenas por força das circunstâncias, como a greve dos professores estaduais, assim como a crise que se avizinha nas universidades públicas, algumas delas funcionando em precárias condições, sob indicativo também de greve. Nos últimos anos, o debate político em Pernambuco caiu bastante, interditado ora por força do poder econômico, ora por força de oligarquias que se sentem "donas" da esfera pública, utilizando de métodos escusos para perseguir, isolar ou intimidar seus críticos. Sim, basta ser crítico e, consequentemente, você se torna um inimigo. Como sempre afirmamos, até mesmo o aparelho de Estado tem sido utilizado, de forma nada republicana, para "desqualificar" os adversários. Não faz muito tempo, através do site de uma instituição federal, publicamos uma série de artigos sobre o Pacto pela Vida. Eventualmente, aqui pelo blog, tratamos dessa questão. Até recentemente, escrevemos um longo artigo sobre o assunto. Confesso que não alcançou a repercussão que imaginávamos. Mas, a blogosfera é a blogosfera. Ela, não raro, nos surpreende. Outro dia, recebemos pelo e-mail, uma recomendação de uma empresa francesa que cuida da imagem pública de Jean-Charles Naouri, no sentido de substituirmos uma foto, que acompanhava uma postagem, por uma outra. Consideramos o pleito razoável e procedemos as modificações. Jean-Charles Naouri, para quem não o conhece, é o manda-chuva do grupo Casino, controlador da rede de supermercados Carrefour e Pão de Açúcar. Ontem, mais uma dessas surpresas. Uma entidade internacional solicitou todas as nossas postagens sobre o Pacto pela Vida, além de alguns dados precisos sobre o aumento da violência no Estado de Pernambuco. Eles monitoram essa questão. Pelo andar da carruagem política, o difícil será encontrar dados confiáveis sobre este assunto, num momento em que o Secretário de Segurança Pública  entra em rota de colisão com Associação dos Delegados de Polícia Civil do Estado. Alguma coisa vai muito mal com o Pacto pela Vida e voltaremos a comentar este assunto logo mais. Também deve ter contribuído bastante para esse interesse uma série de artigos que publicamos em site nacionais, com ampla repercussão nas redes sociais, no calor das duras repressões aos manifestantes, em Pernambuco, por ocasião das "Jornadas de Junho". Durante semanas, alguns desses artigos se mantiveram como os mais comentados em sites como o Viomundo. Até hoje esses artigos repercutem, por um "fenômeno" que desconhecemos. É como se num determinado momento, centenas de pessoas resolvessem acessá-los. O blog dá um "pique" de acessos e depois volta à sua regularidade.  


José Luiz Gomes: Por que os últimos protestos no Recife incomodaram tanto? Quem tem medo dos Black Bloc?

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    publicado em 24 de agosto de 2013 às 10:53
    vídeo do Recife Resiste e do Facebook
    POR QUE OS ÚLTIMOS PROTESTOS DO RECIFE INCOMODARAM TANTO? QUEM TEM MEDO DO BLACK BLOC?
    por José Luiz Gomes
    Não costumo acompanhar os noticiários de uma determinada rede de TV, mas tive a curiosidade de observar sua cobertura local sobre os últimos protestos ocorridos no Recife.
    Sem nenhuma surpresa, a edição dos noticiários correspondeu exatamente ao que se esperava, ou seja, uma ação deliberada no sentido de desacreditar os manifestantes, adjetivando-os de vândalos, baderneiros, depredadores do patrimônio público e privado ou coisas afins.
    Um direcionamento explícito no sentido de criminalização do movimento.
    Em nenhum momento seus repórteres invocaram sobre o que estava em jogo, ou seja, reivindicações legítimas de uma população cujos direitos estão sendo aviltados pelo Estado, ou a leniência do poder Legislativo em encaminhar corretamente suas demandas.
    Para completar o circuito, uma longa entrevista com os responsáveis pela Segurança Pública do Estado, “tranquilizando” o establishment sobre as providências que deverão ser adotadas no sentido de coibir a ação desses “baderneiros”.
    Poderíamos invocar aqui uma série de teorias a respeito do papel da grande mídia nesses episódios que sacudiram o país desde Junho.
    Convocaríamos Gramsci, Louis Althusser e Noam Chomsky para sentarem à mesa, mas os leitores, certamente bem informados, já estão familiarizados com essas teorias.
    Posso assegurar que o cardápio seria mais modesto do que o adquirido pelo Palácio da Abolição (Ceará), que incluía até bolinhas de salmão com caviar, uma orgia gastronômica que custará R$ 3,5 milhões aos cofres públicos.
    Uma tradicional buchada, servida no Bar de Dona Maria, no Mercado de Santa Cruz, possivelmente, deixaria esses teóricos lambendo os beiços.
    Duas coisas em particular nos preocupam. Uma delas diz respeito à postura das autoridades da área de Segurança Pública do Estado.
    Estão batendo cabeça no que concerne a essa questão e isso é muito grave. Sinceramente, desejo todo o equilíbrio ao governador Eduardo Campos, neste momento, para manter a situação sob os rígidos padrões do Estado de direito.
    Muito calma nessa hora para a carruagem não sair dos trilhos, reproduzindo o que vem ocorrendo no Rio de Janeiro, onde o prestígio do governador Sergio Cabral ficou mais baixo do que poleiro de pato, depois de chacinas e “desaparecimentos”, dignos dos momentos de rupturas institucionais.
    Em certo momento, a polícia se diz surpresa com a ação dos manifestantes, mas ora diz saber quem seria o responsável, identificando cabalmente a liderança dos mascarados.
    As ações excessivas, aquelas relacionadas a depredações do patrimônio público, como o incêndio de uma moto da CTTU [Companhia de Trânsito e Transporte Urbano], foram praticadas por pessoas que não estavam utilizando máscaras, como mostram as imagens amplamente divulgadas.
    A solução proposta pela SDS [Secretaria de Defesa Social], portanto, foi a de proibir o uso de máscaras durante os protestos, algo que nos parece, constitucionalmente, não encontrar nenhum respaldo.
    Há registro de casos, durante os protestos que ocorrem a partir de junho, onde a polícia infiltrou-se entre os manifestantes ou agiu sem identificação, o que, aí sim, contraria os preceitos legais.
    Por falar em ordenamento democrático, no que diz respeito aos episódios recentes, surgem nas redes sociais uma série de informações que, se confirmadas, dão uma demonstração de que o governador precisa ficar mais atento às ações do aparato de segurança pública do Estado, sob pena de ser acusado de ser omisso, arbitrário, truculento ou mesmo conivente, o que seria mais grave.
    O jovem que foi atingido por uma bala de borracha no rosto estaria sendo vítima de constrangimentos e ameaças após registrar um BO.
    No final da noite de ontem, também começaram a surgir denúncias de possíveis sequestros de membros do grupo Black Bloc.
    O governador, que costuma realizar reuniões de monitoramente com os seus subordinados, precisa intensificá-las.
    Um outro episódio nebuloso envolve o incêndio de um ônibus, nas proximidades da Rua do Príncipe. Neste caso em particular, louve-se o trabalho dos agentes e delegados que estão diretamente envolvidos na elucidação dos fatos.
    Há indícios de que um bandido conhecido pela polícia como “Cinquentinha” teria recebido dinheiro de uma pessoa não identificada para praticar o ato, o que sugere várias possibilidades, inclusive uma ação deliberada no sentido de sabotagem das manifestações organizadas, entre outros, pelo Black Bloc, tentando responsabilizá-lo pelo ato.
    Muita coisa ainda precisa ser esclarecida sobre esse episódio. Comenta-se, igualmente, que várias quantias de R$ 150,00 teriam sido distribuídas entre os diretamente envolvidos com o incêndio do coletivo.
    A violência é uma constante em nosso cotidiano. Algumas ações de violência — inclusive as perpetradas pelo Estado — passam incólumes entre os porta-vozes das classes dominantes, como a violência funcional, aquela praticada para garantir os privilégios e a “ordem burguesa”, seja pelos agentes do Estado ou até por grupos clandestinos ao seu serviço.
    Muito interessante as postagens das redes sociais sobre a violência simbólica, traduzida por elas como verdadeiros atos de “vandalismo”, como a ausência de escolas públicas decentes, hospitais públicos deficitários, mobilidade caótica e coisas do gênero.
    Por falar em mobilidade, verdadeiros atos de vandalismo estão ocorrendo com o trânsito do Recife. As Av. Cabugá, Agamenon Magalhães, Norte e a Estrada de Belém, nas proximidades da Encruzilhada, estão completamente “travadas” nas primeiras horas da manhã. Em percurso pequeno, entre a Av. Getúlio Vargas, em Olinda, e a Av. Agamenon Magalhães, nas proximidades da McDonald’s, leva-se mais de uma hora. Um verdadeiro massacre.
    Ninguém parece se importar com os negros e pobres massacrados nos bairros periféricos cotidianamente.
    Agora, quando a violência das classes subalternas ultrapassa os limites “impostos”, constituindo-se em violência disfuncional, dessas que depõem contra a ordem estabelecida, aí sim as coisas mudam completamente de configuração, taxando-se de vandalismo tudo aquilo que se contrapõe à ordem burguesa, como afirma o professor Lincoln Secco em brilhante artigo publicado no Viomundo.
    Outro aspecto que nos chama atenção é a proposta do Black Bloc, marcadamente orientada pela democracia direta, anticapitalista, cujos símbolos mais vistosos dos seus ataques são as instituições bancárias e concessionárias de automóveis.
    Os integrantes do grupo não acreditam nos partidos e muito menos nas instituições da democracia representativa burguesa, com o prestigio – não sem motivos – sensivelmente abalado.
    Que estes não nos representam parece óbvio. Representam, na realidade, em sua maioria, interesses corporativos e personalistas, se locupletando da máquina pública para desvios, desmandos, tráfico de influência, enriquecimento ilícito e coisas do gênero.
    Ocorre, entretanto, que fora desse arcabouço institucional deficiente, as soluções não são as melhores, algumas delas historicamente inviáveis.
    Seria fundamentalmente importante criarmos mecanismos de aperfeiçoamento dessas instituições e de controle efetivo da gestão pública, minimizando essas possibilidades de subversão dos interesses de natureza republicana.
    Igualmente espantoso é a leniência dos poderes republicanos em relação às demandas encaminhas pelas mobilizações de rua.
    O que é que efetivamente mudou desde então? Em alguns casos, os governantes chegaram a pilheriar essas mobilizações, numa atitude de profundo desrespeito com a população.
    O “rancor” e a indignação dos jovens estão nas ruas novamente, prometendo um “Setembro Negro”, criando cenários perigosos que poderiam ser perfeitamente evitados se houvesse o compromisso efetivo, por parte dos nossos legisladores e gestores públicos, no sentido de responder satisfatoriamente a essas demandas.
    O maior perigo, como já advertiu um articulista, é que fica evidente que a direita está indo às ruas pela porta da esquerda.

    Foto Flávio Japa, no G1
    *****
    Veja íntegra da nota divulgada pela Frente de Luta pelo Transporte Público de Pernambuco, nesta quarta:
    1. O caos e o campo de batalha que se tornou o centro da Cidade do Recife, nesta quarta-feira (21), tem 3 responsáveis: o presidente da Câmara, Vicente André Gomes (por ter dado um golpe no movimento ao não ter cumprido NENHUM ponto acordado na ocupação da Câmara, além de ter impedido o acesso à Casa Legislativa), o prefeito Geraldo Júlio (por ter prometido o passe livre em sua campanha, e até agora sequer sentou com o movimento) e o governador Eduardo Campos (que permanece silente e negligente em relação à pauta do movimento. Lembramos que estamos nas ruas desde janeiro deste ano, e o máximo que o governo fez foi dar uma resposta formal aos 13 itens formulados pela Frente).
    2. O presidente da Câmara Municipal do Recife fechou a Casa e consequentemente o expediente (mais uma vez!) ao meio-dia, deixando claro de imediato a não-predisposição ao diálogo com o movimento. Estamos tentando diálogo com o Poder Público desde 21 de junho do presente ano, sem lograr êxito, com todos os protestos ocorrendo até então de maneira pacífica.
    3. Neste sentido, tiramos como estratégia política intensificar as mobilizações de rua para que o Poder Público perceba a pressão e o nível de indignação popular com o descaso no transporte público. Até então, apenas o vereador Raul Jungmann se apresentou na entrada da Câmara Municipal, quando estávamos em passeata, ou seja, a comissão instituída para tratar do passe livre não nos procurou, nem estava na Câmara, inclusive, seria ilógico, porquanto se a Câmara estava fechada.
    4. A Polícia Militar de Pernambuco, através da Rádio Patrulha, assim como faz todos os dias nas periferias e favelas do Recife, chegou atirando bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e balas de borracha quando os manifestantes se encontravam na altura do Cinema São Luiz. Esta ação da polícia deixou vários cidadãos feridos, entre eles, dois garis que faziam a limpeza pública, uma estudante secundarista e um estudante universitário, além de alguns jornalistas. No calor do confronto, é muita ingenuidade achar que as pessoas não se protegeriam frente aos ataques da Polícia Militar, que parecia descontrolada. Por óbvio, nos defendemos com o que estava disponível. Mas, esclarecemos que A FRENTE não tinha, sequer cogitou, como tática política QUALQUER tentativa de depredação ou ação direta ao Cinema São Luiz. Importante frisar que a Frente apenas puxa os atos, mas estes são do povo, abertos para que qualquer grupo ou pessoa participe.
    5. Na volta para Câmara Municipal, fomos recebidos com mais repressão da Polícia Militar e da Rádio Patrulha, e mais uma vez o confronto e o campo de batalha se formaram. Não eram só os manifestantes do Passe Livre que se defendiam; ambulantes, trabalhadores, transeuntes, todos e todas se defenderam dos ataques da Polícia da maneira que podiam.
    6. O recado das ruas e da pressão popular está dado. Não aguentaremos mais golpes, mentiras e falácias. Intensificaremos as mobilizações até que a CPI do Transporte Público seja instaurada, o Projeto de Lei do passe livre tramitado e aprovado, e as audiências com Geraldo Júlio e Eduardo Campos, marcadas.

    (Publicado no blog Viomundo)
     
     
     
    Nota do Editor: Publicado no site Viomundo, ainda no domingo, o presente artigo alcançou nas redes sociais uma repercussão que merece ser registrada: Mais de 800 curtidas na Rede Facebook, 17 tuitadas e e dezenas de comentários que, certamente, contribuíram para aprofundar o debate sobre as manifestações de rua que ocorrem em todo o Brasil desde o mês de Junho. Um aspecto curioso ( e preocupante), como já advertiu Zizek, é a tendência ao "endurecimento" do exercício do poder político, fenômeno que vem se verificando principalmente nos Estados do Rio de Janeiro e Pernambuco. Em Pernambuco, artigo escrito pelo professor Michel Zaidan Filho, publicado no nosso blog, denuncia o problema. No site Viomundo o leitor terá a oportunidade de acompanhar comentários mais densos sobre o artigo, seja reconhecendo suas qualidades, seja se contrapondo à nossa possível defesa dos "baderneiros", o que não corresponde à realidade dos fatos. Defendemos, isso sim, a ampla liberdade de expressão e manifestação. Pelas redes sociais, por razões óbvias, os comentários são mais telegráficos, permitindo sua publicação. Muito grato a todos pelas observações. Um forte abraço.
     

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Vamos à luta, professores de Pernambuco.





No dia de ontem, ocorreu uma mobilização dos policiais civis do Estado de Pernambuco. A categoria anda inconformada com as condições de trabalho e a ausência de uma política de recomposição salarial. Segundo o SIMPOL, o sindicato da categoria, o Estado paga o menor salário a um policial civil no Brasil. Quando foi concebido, o Pacto pela Vida previa uma série de medidas com o objetivo de beneficiar o trabalho da Polícia Judiciária, como premiações, promoções por merecimento, investimentos objetivando melhorar as condições de trabalho do policial e coisas do gênero. Algumas dessas promessas ficaram apenas no plano das intenções. Até mesmo os índices de resolutividade de delitos ficaram comprometidos, posto que os inquéritos eram feitos às pressas, não raro significando a sua devolução pela Justiça. Em última análise, até essa estatística, a rigor, precisaria ser revista. A mobilização dos policiais civis foi de advertência, mas tudo caminha para uma possível greve, a julgar pela ausência de diálogo e negociação da categoria com o Governo do Estado. 

Aqui pelas redes sociais, sabe-se de uma assembléia decisiva dos professores para o dia 29 de maio onde, provavelmente, será decretada uma greve por tempo indeterminado. Desde o início, afirmamos que esse desfecho seria quase inevitável. O Governo advoga a tese da absoluta ausência de condições de atender ao pleito da categoria, em razão do contingenciamento da receita estadual. Os professores, por sua vez, já não aguentam mais a chafurdação em torno dessa conversa sobre o piso salarial. Mas, o que mais nos chamou a atenção foi uma publicação do Centro Luiz Freire sobre os gastos do Governo do Estado, com publicidade institucional, para convencer a população de que o Governo, digamos assim, vem fazendo seu dever de casa com as questões relacionadas à educação, inclusive tratando dignamente os professores. Foram gastos mais de 800 mil reais com essa brincadeirinha, distribuídos por diversos veículos de comunicação. 

Não sabemos precisar o comprometimento da folha de pagamento caso o Governo do Estado resolvesse atender ao pleito da categoria dos professores, mas eles alegam que estão no limite da Lei de Responsabilidade Fiscal. Certamente esse montante seria expressivo em qualquer circunstância, ainda mais para um Estado que estabeleceu acordos com empreiteiras, em negociações não necessariamente muito sadias ao interesse público. Também não vale aqui o raciocínio de que o Governo tem recursos para a publicidade institucional e não tem recursos para recompor as perdas salariais dos professores. Como diria nossos professores de matemática, não daria para comparar essas grandezas. São muito desproporcionais. Agora, numa coisa, tanto os professores quanto as outras categorias de servidores do Estado que criticam a postura do Governo Paulo Câmara têm razão: há uma dinâmica interna de estabelecimento de prioridades bastante invertida e lesiva aos interesses dos servidores e da população.

Para usarmos uma expressão do sociólogo Gilberto Freyre, o Estado está "inchado" de cargos de confiança, como resultado de acordos políticos para abrigar aliados e aparentados. Justiça seja feita, o ex-governador dos olhos verdes, já no final do seu segundo mandato, estava usando a tesoura, que parece ter cegado na gestão do afilhado. Outro grande problema é essa política de renúncia tributária e patrimonial, que, na realidade, compromete a receita estadual e, de quebra, não produz os resultados alardeados. A Arena da Copa, por exemplo, vem se revelando um grande malogro, uma cipoada a ser paga com os recursos dos nossos impostos, de resultados profundamente duvidosos. Um outro fato a ser exposto é a lógica de um Governo sustentada em cima de um mega investimento em publicidade institucional. Nisso, o senhor Paulo Câmara parece reproduzir os ensinamentos do padrinho político. Esse número específico, levantado pelo Centro Luiz Freire, deve ser "fichinha" diante do montante destinado à publicidade institucional. Os pernambucanos só tomaram conhecimento da verdadeira realidade - perdoem-me os professores de língua portuguesa - quando o governador Eduardo Campos morreu. Não se trata aqui de afirmar que isso decorreu de uma "descontinuidade de gestão" - até porque se trata de um ungido - mas que o Paulo Câmara, de fato, encontrou alguns cactos na cadeira que ocupa no Palácio do Campo das Princesas. E tem que aguentar calado as espetadas... 

Que nos perdoe o Papa Francisco, mas discutir a relação nessas circunstância é, de fato, muito complicado. Penso que dá divórcio. Na agenda pública dos nossos governantes, educação continua não sendo prioridade. Ainda no dia de ontem, por aqui mesmo, discutíamos o gigantesco fracasso que deve ser esse Plano Estadual e Municipal de Educação, com data limite de entrega prevista para 25 de Junho. Durante os protestos da chamada "Jornadas de Junho", Pernambuco foi um dos Estados mais violentos na repressão aos manifestantes. Esperamos que o senhor Paulo Câmara não radicalize contra os professores, assim como ocorreu no Estado do Paraná. Como professor, eu também estou com vocês. Vamos à luta.  

Educação no campo: a estratégia dos usurpadores

Em parcerias com as secretarias de educação, as gigantes dos agrotóxicos e transgênicos querem ensinar nossas crianças como cultivar os alimentos.



Najar Tubino
reprodução
Usurpar significa apossar-se, para este texto, foi o sinônimo melhor adequado para tratar dos projetos socioambientais das corporações dos agrotóxicos no Brasil. A maior parte deles realizado em parcerias com as secretarias de educação dos municípios e de governos estaduais. O mais antigo deles é o da Syngenta chamado Educação no Campo, que nos últimos anos atendeu milhares de alunos nos principais estados produtores. Além disso, a Associação Nacional de Defesa Vegetal (ANDEF), que reúne 14 empresas, sendo as sete maiores do mundo – Syngenta, Bayer, Basf, Dupont, Dow, Monsanto e FMC. As seis maiores faturaram em 2013 mais de US$ 62,74 bilhões. O único dado de 2014 é da Bayer – 9,464 bilhões de euros. No Brasil elas faturaram US$12,2 bilhões em 2014, crescimento de 6%, conforme informações do presidente da ANDEF, Eduardo Daher – “nós esperávamos crescer 9%”. Em 2010, as mesmas seis corporações tinham faturado US$52,1bilhões.
Por que da usurpação? Porque os projetos socioambientais das corporações que espalham veneno e sementes transgênicas, que também são venenosas, tem como tema a produção de alimentos saudáveis e seguros, e também a proteção do meio ambiente. Uma explicação de Eduardo Daher sobre os projetos educacionais da ANDEF:
“- O agronegócio está no DNA dos brasileiros, mas ainda é pouco discutido nas escolas. Buscando disseminar conhecimento sobre ciência e sustentabilidade no agronegócio, a ANDEF faz um trabalho junto aos estudantes em todo o país, da pré-escola ao MBA”.


A cartilha distribuída pela ANDEF - crença

Para isso criaram um mascote, o Andefino, em parceria com a Secretaria de Educação de Campinas, contemplando 50 escolas municipais da região, que percorre os estabelecimentos de ensino contando estórias sobre a agricultura. A base desta divulgação é uma cartilha intitulada “Pequenas histórias de plantar e colher”, da jornalista Ruth Bellinghini, que conta a saga do agronegócio no Brasil, conforme a divulgação oficial. É uma cartilha com a visão da agricultura que as corporações divulgam pelo planeta afora com 64 páginas, um histórico sobre domesticação de plantas, muita coisas sobre as terríveis pragas e ervas daninhas. Para então introduzir conceitos como esse:
-“Desde essa época – a autora registra o lançamento do livro da Rachel Carson denunciando o envenenamento dos campos nos Estados Unidos – muita gente começou a desconfiar de quase tudo o que vem da química e da indústria. De lá para cá, muita coisa mudou. Os produtos agora são mais controlados e seguros, e os agricultores têm meios de obter informações sobre quanto, quando e como aplicá-los.”
Sobre o cultivo de orgânicos: “cresceu muito nos últimos anos na esteira do movimento ambientalista e da crença de que fertilizantes e defensivos químicos são perigosos para a saúde humana e para o ambiente. Existem normas para o cultivo desses produtos e recomendações de uso”.
Venenos banidos em seus países de origem, que são principalmente a Alemanha e os Estados Unidos – agora como forma de desvirtuar as legislações nacionais, na China ou na Índia – por provocarem câncer, doenças no sistema nervoso, alterações no metabolismo e no aparelho reprodutor de humanos, sem contar a contaminação das águas e de lençóis freáticos são tratados dessa forma. A cartilha teve uma tiragem inicial no ano passado de 10 mil exemplares e foi enviada para quatro mil escolas brasileiras. No final de 2014, a ANDEF firmou um convênio com as secretarias de Agricultura e Educação para entregar a cartilha a mais 3.800 escolas no estado de São Paulo. Tem um tópico da cartilha destinado à indústria canavieira e a produção de etanol.


Transgênicos são seguros, diz a cartilha

É óbvio que os transgênicos fazem parte da saga do agronegócio. A autora mostra como é a transferência de um gene do DNA da lagarta BT, que é um inseto, para uma planta produzir a mesma toxina, que outra lagarta logo comerá e morrerá. Com exceção da Helicoverpa Armigera, que é uma lagarta de outra espécie e que tem assombrado os mentores do agronegócio em todos os estados brasileiros. Ou então o Omega3, que ajuda a combater o colesterol e os triglicerídeos.
“- Essa técnica provoca muita discussão – a transgenia – mas a FAO e as academias de ciências afirmam que esses são os alimentos mais testados e seguros que a humanidade já produziu”.
A ANDEF também um programa de certificação aeroagrícola sustentável chamado CAS, coordenado por universidades reconhecidas como a UNESP, de Botucatu, a Universidade Federal de Lavras e de Uberlândia. Quarenta empresas, 168 aeronaves e 143 pilotos já aderiram ao projeto. A entidade explica o motivo da iniciativa:
“- A aplicação aérea de defensivos agrícolas é uma atividade extremamente importante para a agricultura em larga escala no Brasil. Em um país de dimensões continentais como o nosso as fazendas tendem a ocupar áreas maiores – em alguns casos as plantações podem se estender por centenas de quilômetros. Nesses casos é quase impossível fazer um controle de pragas eficiente utilizando apenas o maquinário convencional.”


Syngenta começou por São Paulo

A Syngenta, que desde 1991 iniciou o projeto Escola no Campo em parceria com a Secretaria de Educação de São Paulo, é uma empresa anglo-suíça que foi a maior produtora de venenos do mundo – teve faturamento em 2013 de mais de US$14 bilhões. O objetivo era formar uma nova geração de agricultores conscientes da necessidade de preservar o meio ambiente e usar a tecnologia para a produção de alimentos mais saudáveis.
“- Para cumprir esse objetivo foi desenvolvido um programa didático que é usado em escolas rurais. O projeto conta com a participação ativa dos professores, que inserem os conteúdos educativos do projeto, na grade curricular das séries atendidas. Na Escola do Campo os jovens são estimulados a transmitir o que aprendem para suas famílias e para a sociedade em que vivem. Dessa forma, o projeto também assume papel importante na conscientização dos adultos sobre os conceitos da agricultura sustentável”.
Em determinado momento, depois de analisar o discurso socioambiental das corporações, comecei a alterar os verbos. De usurpar para escarnecer, como forma de acentuar o menosprezo, o desprezo, que estes grupos globais adotam para lidar com a inteligência do ser humano. No caso da Dupont são cinco projetos especiais voltados para o uso correto e seguro dos agrotóxicos – eles só usam o termo defensivos agrícolas, embora uma lei federal de 1989 defina o termo agrotóxico com clareza. É a Plataforma Segurança e Saúde e inclui os programas Dupont na Escola, Dupont Mulheres no Campo, Dupont Natureza e Dupont Universidade. Cada um deles tem uma frase-âncora, como define a corporação.


Meu herói, o agricultor

No caso das mulheres, esposas e filhas de agricultores que frequentam os eventos, que os representantes comerciais das regiões do interior do país organizam – eles vendem os venenos e organizam a educação socioambiental- a frase-âncora é: “filhas da terra, donas da vida”. No projeto Uso correto e seguro a frase é “sua saúde é nossa vida”.
“- Inspirados nos valores corporativos da Dupont os projetos visam melhorar a qualidade de vida das pessoas, comunidades e também estimulem a produção de alimentos seguros e saudáveis. A plataforma Dupont Segurança e Saúde no Campo atingiu mais de um milhão de pessoas nos últimos anos. O Dupont na Escola está beneficiando milhares de crianças de escolas rurais com idades entre 7 e 10 anos a desenvolver trabalhos sobre boas práticas agrícolas. Premia alunos e professores com materiais didáticos e tem como tema: Meu herói, o agricultor”, informa a Dupont em seus comunicados oficiais.
Para complementar este festival de anúncios educativos sobre alimentação segura e saudável, patrocinado pelas corporações que envenenam o planeta há décadas e que agora estão assustadas com o crescimento da agroecologia e da produção orgânica no mundo – US$39,1 bilhões a comercialização de orgânicos apenas nos Estados Unidos em 2014. E, por consequência, com as mudanças climáticas, que evidencia a falência dessa fórmula de produção baseada em fertilizantes químicos e venenos com alta intensidade. Os lençóis freáticos estão tomados de salinidade no sul da Ásia e na Índia, a desertificação avança em vários continentes, os rios estão empanturrados de terra erodida.


Disputa pelas mentes

Agora as corporações entraram na disputa pelas mentes, querem convencer a população do planeta que sem venenos e transgênicos não existe outro alternativa para produzir comida. A Bayer é a corporação que entrou com tudo nesta questão. Lançou a plataforma “Farming’s Future Dialogues”. O executivo chefe da Bayer Cropscience, Liam Condon explica o objetivo:
“- O diálogo com a sociedade tem uma importância crucial para que a inovação tenha sucesso. Portanto, o maior nível de transparência sobre como exatamente as soluções agrícolas beneficiam a sociedade é uma obrigação para a sua ampla aceitação. Desta forma a Bayer Cropscience está intensificando o diálogo público para promover a necessidade e os benefícios da ciência e inovação na agricultura. Muita gente confia na abundância de alimentos. Mas o sistema é frágil, necessita de inovação constante e apoio para garantir que o mundo disponha de alimentos suficiente para seu consumo”.
Tudo isso para argumentar que o lançamento de um novo agroquímico leva mais de 10 anos e custa 200 milhões de euros. A corporação também insiste que os seus novos tratamentos de sementes de milho, soja, trigo e outras oleaginosas com produtos chamados neonicotinoides são seguros. A União Europeia proibiu o uso dos neonicotinoides porque foram apontados como responsáveis pelo sumiço das abelhas.    
A Bayer faturou US$2,98 bilhões com estes agrotóxicos, inseridos nas sementes antes da germinação, e pretende faturar até 2020 US$5,61 bilhões. Eles reduzem a superfície tratada em 10 vezes e em até 200 vezes se comparada com a aplicação pulverizada.
Para não alongar mais, e com a troca do verbo agora para escorchar, significa tirar a pele ou o revestimento, no caso das corticeiras, apenas citarei os projetos da Basf chamado Mata Viva de Educação e Adequação Ambiental e o programa Crianças Saudáveis, Futuro Saudável, que a Fundação Monsanto pratica em escolas para diminuir a anemia e a verminose, sem contar o Monsanto na Escola, com atividades de complementação pedagógica, melhorar a qualidade de vida, das crianças que são vizinhas à fábrica de venenos da empresa em São José dos Campos (SP).
Escorchado quer dizer esfoliado, é o que se pode dizer frente ao poder das corporações dos agrotóxicos para continuar expandindo o agronegócio brasileiro e mundial. Por um lado, financiam as campanhas da bancada ruralista, que aprovou o Código Florestal, que simplesmente reduziu tudo o que era área de preservação permanente e matas ciliares, somente para simplificar. Do outro, querem conscientizar as crianças do campo a preservar. Por fim, saudável quer dizer conveniente à saúde.



(Publicado originalmente no Portal Carta Maior)

Tijolinho Real: Em seu programa, o PSDB mostra porque não é alternativa ao PT

Pelas contingências impostas, me sinto na obrigação de acompanhar os programas partidários, transmitidos em horário nobre, pelas redes de rádio e TV. Algumas expectativas já são aprioristicamente formadas, como se nós já soubéssemos o que viria por aí, sobretudo quando se trata do programa de uma agremiação partidária que faz oposição ao atual governo. No dia de ontem não foi diferente. Evidente que os tucanos iriam explorar ao máximo os problemas de corrupção no país, de preferência atribuindo ao PT as causas e consequências de todas essas mazelas, colocando mais fermento nesse bolo, como aliás, tem sido a prática de alguns setores da sociedade brasileira, notadamente oriundos da classe média tradicional. Essa classe média, segundo os estudos do sociólogo Daniel Pereira Andrade, da FGV, está transferindo a agressividade que vive cotidianamente no trabalho - como resultante dos modernos métodos de gestão - contra o governo e os trabalhadores pobres emergentes. 

Os tucanos estão adotando uma estratégia bastante conhecida, que consiste em replicar no outro os defeitos que você tem. Quando, depois de uma batalha jurídica, o saudoso Leonel Brizola conseguiu um direito de resposta emblemático nas organizações Globo, ele afirmou um pouco isso, ao dizer que os Marinhos costumavam enxergar nos outros ops defeitos que eles tinham. Os problemas de corrupção na estatal Petrobras são históricos, envolvendo diversos governos, inclusive os governos tucanos, a julgar pelos depoimentos prestados,até o momento, pelos envolvidos, beneficiados pela delação premiada. Os tucanos fazem isso de caso muito bem pensado. Disseminou-se a tese de que todos os males da Petrobras podem ser creditados aos governos da coalizão petista. Uma manobra ardilosa, que esconde interesses obscuros, para muito além da reconquista do Palácio do Planalto. Esse desgaste da imagem do PT seria inevitável e há até quem anteveja uma derrota do Partido em 2018, como o cientista político Octávio Amorim, tendo como um dos fatores mais relevantes o desgaste de imagem provocados por esse discurso. 

Os tucanos adotam aqui uma lógica bastante pragmática, de corte maquiavélica, explorando um discurso, em certa medida por eles mesmos construído, contra o Partido dos Trabalhadores. Um programa partidário, entretanto, seria muito mais do que apontar o dedo acusador contra os adversários, escondendo, debaixo do tapete, as mazelas cometidas por eles durante o período em que foram governo, inclusive no quesito corrupção, onde possuem pós-doutoramento. Este seria o momento de o partido comunicar-se com o eleitorado, apresentar suas propostas para o país, cumprir o seu papel dentro de um sistema político representativo, apresentando-se como uma alternativa para o exercício do poder. Não foi bem isso o que observamos. Talvez porque os tucanos não sejam alternativa mesmo. Os tucanos não possuem nenhuma moral para criticar eventuais desvios de conduta de alguns petistas. Num passado recente, se lambuzaram o quando puderam em falcatruas e desvios de recursos públicos, dilapidaram o patrimônio nacional e praticamente ignoram o andar de baixo da sociedade brasileira. Por aqui, não passarão.