pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Volume final da triologia biográfica de Kafka desconstrói mitos sobre o autor


Autor mostra as circunstâncias pessoais, políticas e culturais que moldaram o jovem Kafka a se tornar um dos autores que moldaram a literatura moderna
Retrato de Kafka por Renato Guttuso (Reprodução)
Retrato de Kafka por Renato Guttuso (Reprodução)
Redação
Franz Kafka não era um escritor neurótico, recluso ou marcado unicamente pelo relacionamento difícil que mantinha com o pai, um comerciante chamado Hermann. As conclusões estão no volume final da trilogia biográfica do autor, Kafka: The yearly years(Princeton University Press), originalmente publicado em 2013 e recentemente traduzido para o inglês.
A obra, que completa o trabalho de duas décadas empreendido pelo autor alemão Reiner Stach, cobre os primeiros vinte e sete anos da vida de Kafka, nascido em Praga no ano de 1883 em uma família de judeus de classe média. Já no prefácio, a tradutora Shelley Frisch avisa: “Os leitores desta obra verão os mitos sobre Kafka explodir”.
Entre eles, segundo Frisch, está a ideia de que o autor de A Metaformose e O Processo teria sido um homem alienado da vida cotidiana, algo que seu trabalho como funcionário de uma companhia de seguros de saúde não permitiria, por exemplo.
Em outras passagens, Stach mostra que uma das primeiras experiências sentimentais de Kafka foi a solidão – uma vez que os pais passavam doze horas por dia trabalhando na loja da família –, e não a humilhação a que Hermann o submetia constantemente.
A investigação foi feita com base em cartas de família, memórias de colegas do colégio e diários do amigo e testamenteiro Max Brod. O difícil acesso a esses diários, que revelavam especialmente fatos sobre os anos de formação de Kafka, foram o principal motivo pela ordem não cronológica de publicação dos volumes.
The decisive years, de 2002, cobre o período de 1910 a 1915, quando algumas de suas principais obras são lançadas, enquanto The years of insight, de 2008, trata dos anos finais da vida de Kafka, do fim do relacionamento com Felice Bauer à sua morte, em 1924.
“Kafka é um autor realista que criou uma nova forma para dar conta de uma nova realidade, pois o mundo havia se tornado tão obscuro, tão insolúvel, que ele deveria fazer uma construção literária para dar conta literariamente daquilo. Então ele inventou um narrador que não sabe, e esse narrador somos nós”, disse Modesto Carone à CULT em 2014, em depoimento publicado no Dossiê Kafka – A literatura como experimentação política e filosófica.
Só agora, quatorze anos depois do primeiro título, serão de fato documentadas as complexas circunstâncias pessoais, políticas e culturais que moldaram o jovem Frank Kafka a se tornar um dos autores que ajudaram a moldar a literatura moderna.
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Kafka: The early years

Reiner Stach
Princeton University Press
584 págs. – R$ 115,80


(Publicado originalmente no site da revista Cult)

Le Monde: Nem leão nem gazela


Todas as manhãs, a gazela acorda sabendo que tem de correr mais velozmente que o leão ou será morta. Todas as manhãs o leão acorda sabendo que deve correr mais rapidamente que a gazela ou morrerá de fome. Não importa se és um leão ou uma gazela: quando o Sol desponta, o melhor é começares a correr. Provérbio africano
por Clemente Ganz Lúcio


Dois séculos de disputa

É por meio do trabalho que as sociedades produzem o bem-estar e a qualidade de vida. Desde a Revolução Industrial, no século XIX, a economia capitalista transforma o trabalho em mercadoria (mão de obra) a ser comprada livremente para ser empregada na produção. Desde então, os trabalhadores lutam para se libertar das amarras que os aprisionam nos limites da sociedade de mercado. Regular as relações sociais de produção por meio das leis e dos acordos coletivos visa colocar limites à livre exploração dos trabalhadores.
Nesses quase dois séculos, a engrenagem de produção capitalista aumentou a geração de riqueza, viabilizou a acumulação de capital e promoveu a desigualdade e, muitas vezes, a pobreza. A sociedade de mercado gestou a questão social e a economia de mercado, a luta de classes.
Os trabalhadores desenvolvem, em cada tempo histórico, diversas formas de lutas para disputar as regras que regem a produção e a distribuição da riqueza e da renda. Duas grandes guerras fizeram emergir na Europa, no pós-1945, a consolidação do Estado moderno, a democracia e os pactos sociais que combinaram a acumulação de capital com estratégias distributivas, de tal modo que a era de ouro do capitalismo conformou, em trinta anos, um sistema tributário progressivo, com políticas sociais de promoção e proteção social e laboral. A disputa distributiva e regulatória ganhou centralidade na sociedade, com legislação protetora e organização social, especialmente o sindicalismo, capaz de representar interesses. As negociações coletivas adquiriram importância como mecanismo regulador das relações de trabalho, e os sindicatos conseguiram o direito de representação coletiva e de organização no local de trabalho.
Os empresários constroem, desde sempre, uma resistência à expansão da regulação. Nos anos 1970, já eram visíveis os sinais de que fariam tudo para dar o troco ao modelo regulatório que emergiu no pós-guerra. Conformaram uma nova força econômica, política e social, denominada neoliberalismo e comandada pelas grandes corporações transnacionais e, especialmente, pelo sistema financeiro e rentista. Ronald Reagan e Margaret Thatcher foram baluartes desse movimento, que se tornou hegemônico em quase todo o mundo. Os neoliberais prometem entregar crescimento econômico, vendem felicidade, exacerbam o individualismo e a meritocracia. Não entregam o crescimento. Ao contrário, provocaram a monumental crise de 2008, promovem o aumento vertiginoso da desigualdade, exacerbam o individualismo, o qual adoece uma sociedade conectada, que vive a solidão, a depressão e o acirramento dos conflitos sociais.
Afirmam, com convicção divina, que é necessário competir, reduzir o custo do trabalho, diminuir o tamanho do Estado, aliviar a carga tributária, reduzir impostos, liberar o acesso aos mercados, limitar o direito de representação coletiva e o papel das instituições. Coagir, reprimir e cooptar são verbos que os neoliberais precisam conjugar, instrumentos necessários para o convencimento, renovados todas as manhãs quando acordam. Adoram uma sociedade de leões e gazelas, com a certeza de que são leões e de que não morrerão de fome.

Gazelas, comecem a correr
Há trinta anos, a lógica neoliberal busca desregular o mercado de trabalho para reduzir o custo do trabalho, flexibilizar as regras que promovem e protegem os empregos e os direitos laborais, diminuir o poder de proteção coletiva dos sindicatos e aumentar o poder de coerção das empresas sobre os trabalhadores. As crises e o desemprego criam um ambiente favorável para o alcance desses objetivos. Tem sido assim na Europa. Agora, passa novamente a ser assim no Brasil.
É preciso lembrar que, nos anos 1990, dezenas de iniciativas legislativas desregularam direitos trabalhistas, criaram formas precárias de contrato de trabalho, de flexibilização da jornada de trabalho sem pagamento (banco de horas) etc. A terceirização foi uma grande sacada e passou a ser uma maneira estrutural de reduzir custos, transferir riscos e fragilizar a ação sindical. Precarização, informalidade, arrocho salarial, desemprego, desigualdade e pobreza são expressões desse movimento, que agora retorna.
As lutas sociais no Brasil acompanharam a disputa regulatória que os trabalhadores fizeram mundo afora. Avançou-se na produção social e política de uma legislação de proteção laboral e sindical reunida na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), bem como na estruturação de um sistema de relações de trabalho que, por meio da negociação coletiva, representa o interesse coletivo dos trabalhadores e avança na formatação dos direitos laborais. Em 1988, a ditadura civil-militar foi superada com um conjunto de novas regras que se consolidaram na Constituição. Ambas, Constituição e CLT, têm sido permanentemente alteradas.
Os sindicatos sempre apostaram nas negociações e na prevalência do acordado, sempre que é superior ao legislado. É assim que, há décadas, a negociação coletiva promove, de maneira incremental, avanços nos direitos laborais.
Agora, mais uma vez, os empresários propõem reformas na legislação para que o negociado prevaleça sobre o legislado e se faça a modernização da legislação trabalhista. Para eles, modernizar é sinônimo de flexibilidade para reduzir, desmontar e desmobilizar o padrão civilizatório duramente construído. Negociar, para eles, é aumentar a capacidade de submeter e enquadrar, para que o acordado possa reduzir aquilo que a legislação define como piso.
Não somos nem leões nem gazelas. A inteligência (pensamento e memória) e a história (conhecimento de si e do outro) permitem desenhar projetos de futuro e de sociedade nos quais a igualdade, a liberdade, a justiça, a cooperação e a solidariedade deem outro sentido para as manhãs.
Por isso, o movimento sindical luta para: modernizar a legislação trabalhista, a fim de incluir aqueles que ainda estão desprotegidos e criar novas regras para as ocupações que surgem; fortalecer as negociações coletivas; coibir a fragmentação sindical; ter organizações sindicais representativas desde o chão da empresa; garantir uma institucionalidade que promova a solução ágil dos conflitos; ampliar o direito de greve e de organização; que todos os trabalhadores estejam protegidos pelas leis laborais e previdenciárias, pois um terço ainda está sem nenhuma proteção.
O movimento sindical acredita que, na democracia, as escolhas se fazem pelo debate público, capaz de afirmar o sentido geral e o bem comum de cada dimensão da vida em sociedade, pela ampla participação, pela capacidade coletiva de corrigir erros e de aprender.

Clemente Ganz Lúcio
é Sociólogo, diretor técnico do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) e do Conselho de Administração do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE).


03 de Outubro de 2016
Palavras chave: direitostrabalhistasgolpedesempregopobrezaTemerflexibilizaçãotrabalho

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Antonio Campos "se mexe". Cobra que não anda não engole sapo.

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Como um bom rebento de Macaparana, o ex-governador Joaquim Francisco é o autor de algumas "filosofias" políticas que deixaram sua marca registrada no cenário político pernambucana. Quando estava em "banho-maria", sem uma definição do seu rumo político, se questionado pelos repórteres, costumava afirmar que estava observando a água do mar bater nas pedras para ver o formato das espumas. Por outro lado, muito antes dos pleitos, costumava manter um ritmo de quem estava em campanha, pois, segundo ele, cobra que não anda não engole sapo. Sou instigado a lembrar dessas tiradas do ex-governador quando vejo as intensas movimentações do escritor Antonio Campos, sobretudo depois dos episódios envolvendo as últimas eleições municipais de Olinda.

Confesso que alguns desses "movimentos" podem confundir os adversários. Mas, por outro lado, pode ser este mesmo o seu objetivo, posto que gato escaldado tem medo de água fria. Antonio Campos não emite nenhum sinal que pretende comprar a briga com os seus possíveis desafetos dentro do PSB por "fora", mas nas instâncias internas da agremiação. Aproxima-se dos históricos, defende o "legado" de outrora da legenda, principalmente aquele legado forjado numa época em que o avô, Miguel Arraes, ainda era vivo. Isso não o impede, entretanto, de continuar construindo pontes com outras legendas, inclusive com o PSDB da terrinha, como a família Lyra, em Caruaru, e o ministro das Cidades, Bruno Araújo, que o apoiou no segundo turno em Olinda. 

No plano nacional, além de atores políticos estratégicos da legenda, como é o caso de Márcio França, vice de Geraldo Alckmin, em São Paulo, entabula conversas com ovelhas desgarradas, como é o caso dos ilustres representantes da família Ferreira Gomes, do Ceará, como Cid e Ciro. Ciro, inclusive, alimenta o projeto de uma candidatura presidencial nas eleições de 2018. Aqui, nada sugere que ele mudaria suas posições em torno  último pleito, quando acusou alguns membros da agremiação de não se empenharem o suficiente para a sua derrota. Na realidade, não apenas não ajudaram, mas atrapalharam. O mesmo se aplica aos processos movidos pelo ex-candidato contra próceres socialistas locais, que, de acordo com a imprensa, teria sido aconselhado a desistir. 

Crônicas do cotidiano: O Moleque Ricardo em Paulista.





José Luiz Gomes da Silva


Em todos os estudos que li sobre a obra do escritor paraibano José Lins do Rego, O Moleque Ricardo sempre ocupou um papel relevante. Mesmo entre aqueles estudos onde, a princípio, o livro não seria elencado como objeto. Eis aqui mais uma evidência de sua importância na obra de José Lins do Rego. O Moleque Ricardo integra aqueles livros do chamado ciclo da cana-de-açúcar do escritor. Embora os livros dessa fase sejam apresentados como os mais importantes do escritor, sobretudo entre os críticos literários, parece existir um consenso de que ainda não seriam os escritos de sua maturidade como escritor, justamente em razão do seu caráter acentuadamente memorialista. Livros de fases seguintes, que não alcançaram o mesmo êxito dos livros escritos sobre o ciclo econômico da produção da cana-de-açúcar na região, do ponto de vista da crítica literária, ocupariam um status mais elevado, em razão de o escritor estar mais "solto" das amarras memorialistas do apogeu dos engenhos no Nordeste brasileiro. 

Na realidade, José Lins do Rego era uma espécie de "homo literatus" de Gilberto Freyre, na perspectiva de consolidação de seu regionalismo. Ambos se conheceram logo após a formatura de José Lins do Rego em Direito, aqui na Faculdade de Direito do Recife, e se tornariam amigos íntimos. Embora já, de certa forma, iniciado no jornalismo e na literatura, José Lins confessa uma mudança radical em sua vida depois de conhecer o sociólogo Gilberto Freyre. Há, nas entrelinhas dessa confissão, claros indícios dos rumos literários que ele tomaria a partir de então. Menino de Engenho é de 1932 e Casa Grande & Senzala de 1933. Enquanto Gilberto Freyre se dedicou ao ensaísmo histórico, José Lins enveredou pela tarefa de "romancear" o ciclo da cana-de-açúcar na região, claro, sob os auspícios do mestre de Apipucos. Um fiel escudeiro. Gilberto Freyre ficou bastante abatido com a sua morte, ainda jovem, com pouco mais de 55 anos de idade. Uma carta de despedida que ele escreveu a este respeito é de partir os corações mais sensíveis. 

Nos dois trabalhos acadêmicos que li recentemente envolvendo a obra do escritor - um deles escrito por Gladson de Oliveira Santos, "José Lins e a modernização da economia açucareira"; o outro de Carla de Fátima Cordeiro, "Pelos olhos de um menino. Os personagens negros na obra de José Lins do Rego" - embora em abordagens distintas, lá estava O Moleque Ricardo. Ricardo era íntimo de Carlinhos nas peripécias da bagaceira. Certamente, teria mais habilidades para essas estripulias, assim como ocorria com todos os moleques da senzala, que faziam tudo melhor do que os filhos da Casa Grande dos engenhos. Ricardo era um moleque especial. Diferente dos outros meninos da bagaceira, sabia ler, graças aos esforços de sua mãe. 

Eis que, num determinado momento - não lembro qual a motivação - ele resolve deixar o engenho Santa Rosa e vir para a cidade do Recife. Se quisermos aqui uma "essência" do texto O Moleque Ricardo, ela está na narrativa discursiva sobre a vida nos engenhos de cana-de-açúcar e a vida na cidade. Há uma dissertação de mestrado que trata exatamente sobre este assunto. Essa vida urbana proporcionada pela açucarocracia nordestina aos seus rebentos, aliás, irá se constituir num tema dos mais importantes quando se considera, por exemplo, a fase de decadência dos engenhos, uma vez que "enebriados" pela vida nas grandes cidades, os herdeiros se desinteressavam em tocar os negócios dos seus antepassados. 

José Lins, por exemplo, tornou-se um homem de boemia e literatura. Terminou o curso de Direito com um "simplesmente", ou seja, a nota mínima exigida para a aprovação. Um dos piores momentos sua vida, foi quando exerceu um cargo de promotor numa cidade mineira, emprego conseguido por um parente. Em vários momentos de suas obras, fica claro a sua absoluta inapetência para a vida no eito, em substituição ao coronel José Paulino, cuja decadência ele apenas acompanha, de preferência deitado numa rede, lendo o Diário de Pernambuco. Não esconde, igualmente, sua inabilidade para as letras jurídicas. No Menino de Engenho, há relatos de sua volta ao Santa Rosa, onde uma tia sua insistia em perguntar-lhes, nas horas da refeição: Já pegou alguma causa, Carlinhos?

Aqui no Recife, Ricardo acabou por cometer alguns delitos e cumpriu pena em Fernando de Noronha. Mas, o mais interessante nessa história é que descobrimos algo curioso. Há uma possibilidade concreta - a partir do próprio texto - de Ricardo ter trabalhado na Companhia de Tecidos Paulista, aqui na cidade de Paulista, que pertencia à família Lundgren. Desta vez não se trata de ficção, mas de um relato fidedigno aos fatos. Quando voltou ao Engenho Santa Rosa - já de fogo morto e em franca decadência, em razão da chegada das usinas - Ricardo iria acompanhar os lamentos de Gilberto Freyre e José Lins do Rego pelo fim de uma ciclo, o ciclo dos engenhos, da bagaceira, das safadezas com as mulatas, das licenciosidades entre senhores e escravos. A pesquisadora Carla de Fátima lembra, por exemplo, que em nenhum momento da obra de José Lins do Rego ele usa a palavra "prostituta", mas ela entende que mulata teria o mesmo significado. Numa época em que o cajado ainda funcionava, o coronel José Paulino mantinha umas quatro. Na realidade, era disso que eles sentiam saudades.


P.S.: Do Realpolitik: Muito grato aos internautas que estão acessando a crônica escrita sobre o Moleque Ricardo, tanto aqui quanto no blog de pesquisa escolar. Amanhá teremos muitas novidades sobre o assunto. Na Web, ela se encontra apenas abaixo da Wikepedia

https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Moleque_Ricardo

O Moleque Ricardo, publicado em 1935, é primeiro romance de José Lins do Rego narrado em 3ª pessoa. Romance regionalista, O Moleque Ricardo, ...

Crônicas do cotidiano: O Moleque Ricardo em Paulista. Em todos os ...

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5 horas atrás - Em todos os estudos que li sobre a obra do escritor paraibano José Lins do Rego, O Moleque Ricardo sempre ocupou um papel relevante. Mesmo entre aqueles ...

Crônicas do cotidiano: O Moleque Ricardo em Paulista.

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5 horas atrás - Crônicas do cotidiano: O Moleque Ricardo em Paulista.


segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Pelo direito de ir e de vir dos manifestantes



Por Evson Malaquias, professor do Centro de Educação da UFPE.




Quando os secundaristas exercem o direito de "ir e vir"


Chamei a atenção no texto Direito de ir e de vir – quando o outro fala pelo eu para o aspecto relativo e não universal desse princípio democrático. Recorri ao aspecto histórico para desenvolvê-lo. Mas, agora, o oportunismo de alguns, inclusive docentes, merecem uma resposta política.

Por trás desse princípio, reivindicado nesse contexto, reina ignorância (intelectual e epistemológica) e cinismo (falta de vergonha, descaramento). O cínico é aquele que não tem princípios, logo, nega o próprio princípio que defende. Um sistema hierárquico como o capitalismo e, no capitalismo, periférico como “Terceiro mundo” e, Terceiro mundo do Nordeste, não pode e nem vai defender “princípios” (valores e orientações previamente estabelecidos não circunstanciais e subordinados a momentos presentes). A nossa história social e política não aponta para essa possibilidade de defesa por parte de sistema – quando existiu, existiu como resistência e insubordinação, mas nunca do e pelo próprio sistema (que era e é de exploração). O “princípio” é para quem quer “criar uma nova história”, e não pode ser para quem quer “manter” desigualdades. A hierarquia não defende princípios, mas exercita ordens, poder.
Ora, o “sistema” se realiza/expressa na e pela linguagem – a linguagem estruturada nos comanda, não o seu inverso (direito de ir e de vir, racismo, sexismo, etc.). O nosso republicanismo e revolucionarismo instituído (desde a colonização) nunca foram referências de orgulho, pois sempre falta(ou) algo para ser/estabelecer.... Recorrer ao “direito de ir e de vir” no contexto referenciado, é resgatar a Casa Grande – a única que se estabeleceu e comanda várias práticas políticas/sociais – que sempre pode “ir e vir”, enquanto aqueles em situação de escravos, mucamas, trabalhadores braçais do campo, os “desocupados”, os “vadios”, os maconheiros, os anarquistas, os trabalhadores sindicalizados em luta, os estudantes em lutas, os docentes em lutas, etc., não tem garantias de “ir e de vir”. O recurso de solicitar o direito de “ir e de vir”, antes de um direito, é um recurso discursivo que tenta intimidar o ocupante no seu lugar: o mundo privado (sempre será do Senhor) está invadido por você. Assim, o discurso é colonizador.

A referência a “ir e de vir” remete a “mobilidade”, a “circulação espacial” e a seu impedimento. Ora, o Direito é um dos porta-vozes desse discurso. O Direito é a “instituição” (como instituição, não se questiona sua finalidade) que mantém a exploração do capitalismo, e ela trabalha com a ilusão/idealização/crença da “igualdade” entre sujeitos e “legitima” e “legaliza” a “desigualdade” (uma instituição, qualquer ela, numa sociedade hierárquica, nunca conseguirá ser transparente, o seu espelho será sempre invertido. O que você vê não é o que se vê e se vive como sendo).

Para o “Direito” ser uma instituição, ela precisa mobilizar afetos, e como afetos produzidos, recorrerá à moral (que também a dimensão religiosa poderá participar). Assim, quando se “reivindica” o direito de “ir e de vir”, nesse contexto, está-se mobilizando sentimentos de “vitimização”. Logo, o Outro é o agressor. Há uma inversão de sentidos. Ora, essa inversão é a negação da igualdade e de uma ação política, não de um direito. O direito autônomo só pode ser produção social e coletiva. Logo, não se pode recorrer ao Direito, privatizado pelos rituais jurídicos (positivistas). A privatização é a negação de direitos, mesmo quando tal Direito consegue se fazer “justo”. A privatização é a negação da política. A negação da política é a realização do autoritarismo pela administração, pela judicialização, etc.

Apesar de ser uma ação política, procura se apresentar como “direito individual” quando, na verdade, representa uma ordem institucional e política. Essas pessoas estão tomando partido. Tomar partido significa fazer escolhas, rumos, se opor a e se juntar com, etc. Posto isso, essas pessoas precisam ser combatidas e expostas, já que representam “partido” e não “direito” individual. Logo, implica uma ideologia a defender. E qual é essa ideologia?

A de que só podem “ir e vir” aqueles que se reconhecem no “sistema”. Como inversão, as vítimas são vistas como opressoras (quilombolas, feministas, anarquistas, black blocs, trabalhadores rurais sem-terra, etc.) e os opressores são produzidos como vítimas (os senhores de terra, os grandes empresários, os governantes, etc.). O xis da questão é que os “manifestantes” são aqueles que não podem “ir e vir”, e não aqueles que o impedem. Os manifestantes são as vítimas. O sistema impede diariamente pessoas a irem e virem materialmente (falta de dinheiro, sistemas de transportes e saúdes precários), simbolicamente (referências à autoridade diversa, rituais, etc.), à cultura (educação, artes em geral) mas isso é apagado, deletado da memória – aí se exige reflexão e problematização para retomar esses traços de memórias desaparecidas do meio da comunicação, da política, da educação, etc. Tento contribuir com esse texto para que esses traços mnemônicos não sejam impedidos de ser percebidos.

A violência emerge não dos manifestantes, mas desses que reclamam o seu “direito”. Essas pessoas não são as vítimas, mas os algozes, as pessoas más. Cumprem o papel do capitão do mato, dos capangas, os seguranças dos empresários e políticos, etc. Representam o estuprador, não o estuprad@. Pois a população ativista está proibida de marchar, passear, ocupar, fazer greve, etc. Pois haverá sempre um panóptico (e seu representante) para decidir se os protestos são justos ou não. Ora, se existem vários panópticos (moral, justiça institucional, aparelhos diversos, religião, etc.) em funcionamento, é porque não é público, mas são privados, e estão a serviço de alguém. E quando esses não funcionam, as polícias militares, federais e o exército estão ai para garantir a “Ordem” e a “Paz” (com muita violência, diga-se de passagem).

Quanto mais educados forem esses sujeitos, fazendo “apelos” à boa educação e ao bom comportamento: “Eu apoio vocês, mas não impeçam o direito de ir e de vir” – são os mais perigosos pois se vestem de cordeiros quando na verdade representam os lobos. Recorrem à tutela, à dependência da Ordem Patriarcal, da boa pessoa e da família. O recurso à tutela é uma das maiores violências praticadas, porque ela visa a infantilização – tratar adultos como infantis, logo, idiotas, imaturos. Da mesma forma como impedir o amadurecimento de jovens reflexivos. Essas imagens que estão coladas nesses discursos são antidemocráticas, pois a democracia implica singularidade do Ser, direito à manifestação e de pensamento. Democracia não exige “bom comportamento”, mas alteridade, empoderamento. Bom comportamento quem exige é a Casa Grande. Esses discursos visam colonização dos sujeitos, suas prisões. É um discurso violentíssimo, pois tratam iguais como ameaças que precisam ser eliminadas, afastadas, separadas dos outros (os bons). Recorre constantemente a categorias míticas: bem vs mal, caos vs paz, boa família vs má família (ou desestruturada).

Mas esses docentes são “maneiros” e não assumem publicamente suas posições. São frases curtas, às vezes uma ou duas palavras apenas. Ou quando conseguem escrever algo é ambíguo – apoia, mas não apoia a ocupação. Divulgam blogs de extrema direita sem se posicionar, posicionando-se. Não elaboram. E não elaboram porque é muito fácil o que estão fazendo: estão mantendo e defendendo o instituído, valores, sentimentos e pensamentos consolidados. Contestar, não! É difícil. Paga-se um preço alto por se levantar contra a Casa Grande (racista, sexista, classista, etc.). Mas vale a pena viver. E quem viver, sempre verá.



Por uma sociedade deseducada.


Por uma sociedade autônoma.


Pelo direito de ir e de vir dos manifestantes.


Contra a perseguição política (assédio) aos manifestantes.


Fora Temer, o PT, o PCdoB, etc., e de onde vier autoritarismo.




Estudantes em ocupação 

(Publicado originalmente no blog Síntese)




Editorial: Luiz Roberto Barroso alerta sobre operação "abafa" da Lava Jato

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Infelizmente, diante dessa clima de insegurança jurídica que tomou conta do país, convém tomar algumas precauções sobre emitir algum tipo de comentário que possa ser mal interpretado pelas "autoridades constituídas". Praticamente todos os dias ocorrem atos que podem perfeitamente ser enquadrados como violadores do Estado de Direito, caindo na vala comum de um Estado de Exceção que, de tão corriqueiro, deixou de ser episódio para tornar-se permanente. Não é de hoje que os cidadãos de bom senso deste país chegaram à conclusão de que a Operação Lava Jato tem um objetivo claro e um teto. O objetivo claro é o de "caçar" os desafetos do conjunto de forças que tomaram o poder no país - preferencialmente daquele partido político - e o teto é o de não atingir determinados atores, aprioristicamente "blindados", seja em razão de suas origens sociais - ela não pode atingir a Casa Grande - assim como atores identificados com as forças políticas que engendraram este golpe.

(Conteúdo exclusivo, liberado apenas para os assinantes do blog)

domingo, 13 de novembro de 2016

Uma reaproximação entre tucanos e socialistas?

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Muito se discutiu sobre o papel exercido pelos socialistas no que concerne aos resultado das eleições de Olinda e Caruaru. Pouca coisa, no entanto, foi dita sobre o caso de Jaboatão dos Guararapes, onde o partido foi derrotado, ainda no primeiro turno, com o candidato Heraldo Selva(PSB). No segundo turno, sofreria mais uma derrota, depois de apoiar o nome do candidato Neco(PDT), que perdeu para Anderson Ferreira(PR). Em certa medida, creio, em razão da resiliência do ex-prefeito tucano da cidade, Elias Gomes, sempre muito ponderado ao falar neste assunto. Mas, assim como ocorreu em Olinda e Caruaru, a postura dos socialistas mereceria alguns reparos também em relação ao pleito de Jaboatão. Primeiro é preciso ser dito que a quadra política da cidade é bastante "intrincada". Oficialmente, Anderson Ferreira não contou com o apoio do Palácio do Campo das Princesas. De acordo com Elias, no entanto, um secretário de Estado e dois deputados do partido emprestaram apoio ao seu nome, o que o levou a concluir que a candidatura de Heraldo Selva foi "desapoiada". Isso talvez explique o fato de um colunista de política local tê-lo colocado na cota do Campo das Princesas nas eleições de 2018 e não na cota da oposição, cuja candidatura deve recair sobre o nome do senador Armando Monteiro(PTB). 

Agora se comenta sobre uma possível reaproximação entre tucanos e socialistas no plano estadual e até mesmo no plano nacional, em razão de uma candidatura presidencial construída em consenso entre as duas legendas. Vamos por parte. No plano estadual as relações, de fato, estão estremecidas entre os dois partidos, sobretudo se considerarmos a forma deselegante com que os tucanos foram expulsos das gestões municipal e estadual, depois que peitaram uma candidatura própria à Prefeitura do Recife nas últimas eleições municipais. No plano nacional, pombinhas e tucanos já dormem no mesmo ninho...(...)

(Conteúdo exclusivo, liberado apenas para os assinantes do blog)  

Charge!Angeli via Folha de São Paulo

Charge!Aroeira via Facebook

SEMANA DA CONSCIÊNCIA NEGRA: Relações étnico-raciais em tempos de #PECdoFimdoMundo


Li recentemente dois excelentes trabalhos acadêmicos que abordavam, sob perspectivas distintas, os chamados romances do ciclo da cana-de-açúcar, do escritor paraibano, José Lins do Rêgo. O primeiro deles estava mais relacionado aos paradigmas econômicos e tecnológicos que determinaram o fim dos engenhos de cana de açúcar na Região e a sua consequente substituição pelas usinas. O segundo texto tem como título: Pelos olhos do menino de engenho: os personagens negros na obra de José Lins do Rêgo. Trata-se de uma dissertação de mestrado escrita por Carla de Fátima Cordeiro, defendida na UNESP. O trabalho de Carla é um retrato - sem retoques - dos sofrimentos infligidos aos negros durante o período da escravidão na região Nordeste. Não conheço Carla, mas já a admiro pelo seu estilo contundente de narrar os fatos, desconstruindo completamente as teses de um colonialismo assimilativo, aplainado, adocicado ou coisa que o valha. 

(Conteúdo exclusivo, liberado apenas para os assinantes do blog)

sábado, 12 de novembro de 2016

Le Monde: Novo desafio, nova perspectiva


Que atitude tomar diante do golpe parlamentar e da destruição de um legado civilizatório, construído em décadas de inúmeras parcerias entre as agências de cooperação internacional, como representantes de suas respectivas sociedades, instituições e governos, e os movimentos sociais e entidades da sociedade brasileira?
por Paulo Maldos


Início dos anos 1970, auge da ditadura militar no Brasil. Nos campos e nas cidades reinava a paz dos cemitérios. Trabalhadores rurais e urbanos viviam quase como escravos nas fazendas e fábricas, a política estava abolida das conversas cotidianas, o noticiário explorava as práticas esportivas, as igrejas pregavam a vida depois da morte. Que estava por toda parte. Nas prisões, com milhares de presos políticos, nas câmaras de tortura, a morte imperava soberana, e seu poder transbordava para o dia a dia da sociedade brasileira.
Aos poucos, uma rede de pequenos coletivos populares foi se formando por todo o país, muitos chamados de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), outros de Comissões de Fábrica, outros de Clubes de Mães, outros de Roça Comunitária. Surgiam para refletir sobre a situação concreta da população e realizar pequenas ações políticas e sociais que aliviassem um pouco o sofrimento cotidiano. 
Um general, um dos principais articuladores do golpe de Estado de 1964, estava atento a tudo isso. Seu nome era Golbery do Couto e Silva; sua especialidade era a atividade de “inteligência”, ou a antecipação de cenários para a atuação militar. Ele logo percebeu que algo estava errado no país, um excesso de silêncio para uma população sempre extrovertida, um conjunto grande de problemas vividos sem canal para se expressar. Em 1972 formulou sua hipótese e proposta: “Ou mudamos algo, ou terminaremos todos pendurados num poste”. Explicou que, “quanto mais você concentra o poder, mais ele perde força real e, por outro lado, gera um núcleo de contrapoder forte”. O estrategista militar explicitou sua proposta: a ditadura deveria imediatamente tomar a iniciativa de uma “abertura lenta, gradual e segura”. Essa estratégia foi, pouco depois, colocada em prática pelos militares.

Parcerias por uma sociedade mais justa
Na medida em que a rede inicial de coletivos populares se expandia e se fortalecia, espaços institucionais iam se abrindo lentamente, a liberdade de reunião e de expressão era exercida de forma controlada, vigiada, mas num crescendo de participação popular. Esta ia transformando a rede em movimentos populares locais, logo regionais e, em poucos anos, em movimentos populares nacionais. Esse percurso não foi feito de forma espontânea, mas acompanhada, apoiada e refletida por militantes, religiosos, estudantes, intelectuais e profissionais em busca de alternativas de atuação.
Além disso, esse novo cenário teve a contribuição das agências de cooperação internacional. Os representantes dessa cooperação eram normalmente pessoas que conheciam muito bem nosso país e nosso povo; tinham laços de confiança com coletivos populares ou instituições como igrejas ou pequenos centros de pesquisa. Muitas vezes eram estrangeiros que viviam havia muito tempo no Brasil, radicados aqui com a família. Por meio desses laços de confiança e de identidade política, pequenos projetos eram elaborados, e os recursos, distribuídos. 
Nos países europeus, então vivendo o Estado de bem-estar social, a sensibilidade para a situação de opressão nas ditaduras latino-americanas facilitava a captação e doação de recursos expressivos para os grupos que realizavam trabalho popular. A cooperação internacional tinha suas instituições, algumas vinculadas à Igreja Católica; outras, às igrejas Luterana, Presbiteriana, Anglicana e demais igrejas históricas; outras, ao movimento sindical; outras, a setores leigos independentes, ambientalistas, socialistas etc. Essas instituições também passaram a apoiar a criação de centros de assessoria, investigação e ação social, cujo papel era dar suporte e qualificação política para os grupos e dirigentes dos movimentos sociais emergentes – e para que estes criassem suas próprias instâncias nacionais e seus respectivos escritórios e estruturas nacionais. Assim surgiram as entidades de apoio (futuras ONGs) e os movimentos populares com expressão nacional.
Logo as agendas dessas entidades de apoio e dos movimentos populares passaram a se utilizar de conceitos e referências novas: formação política de dirigentes e de massa; planejamento estratégico e indicadores de resultado; metodologia de trabalho popular e sindical; história da sociedade e história do Brasil; ferramentas para a transformação da realidade; educação popular; comunicação popular etc.

Fim da ditadura e início da democracia
Estamos avançados nos anos 1980, a ditadura está enfraquecida e continua seu processo de retirada de cena “lenta, gradual e segura”, e os movimentos populares vão ocupando cada vez mais a cena política, com suas próprias lideranças, métodos de organização e ação. As agências de cooperação internacional acompanham todo o processo, colaborando de forma definitiva para dar condições operacionais para as entidades de apoio, assim como para viabilizar as estruturas do movimento popular organizado; contribuem muito também para os processos formativos e de educação popular gestados pelas entidades e movimentos, em nível local, regional e nacional. Os representantes das diferentes agências de cooperação internacional continuam com laços fortes de confiança com as lideranças locais, e as decisões sobre estratégias de luta, capacitação das lideranças e organização das entidades e movimentos populares são compartilhadas, assim como o planejamento estratégico e as possibilidades de distribuição dos recursos destinados ao trabalho político e organizativo.
A segunda metade da década de 1980 foi marcada por um processo de dimensão histórica: a eleição da Constituinte e a elaboração da nova Constituição Federal. Em 1987, os movimentos populares e sindicais, urbanos e rurais, e as entidades da sociedade civil de todo o país voltaram seus olhos para Brasília, para o Congresso e mais especificamente para a agenda e o cronograma das comissões e subcomissões nas quais se debatiam e se definiam os conceitos e termos da nova Carta. Atentos ao caráter histórico desse processo, milhares de militantes, dos mais variados movimentos e entidades, rumaram para Brasília para, no Congresso Nacional, participar ativamente de debates com deputados e senadores, buscando a construção a muitas mãos de uma nova Constituição, radicalmente democrática, que contemplasse as contribuições e esperanças da experiência coletiva em mais de uma década de lutas populares de base.
Embora muito do que foi trazido pelas caravanas populares não tenha sido assimilado pelos deputados e senadores na nova Carta, esta sem dúvida expressa o “espírito da época”, abrindo caminho para uma nova fase política no Brasil, marcada principalmente pela democratização do Estado; participação e controle social; criação de conselhos e realização de conferências; elaboração participativa de políticas públicas; participação direta dos cidadãos nas instâncias do poder municipal, estadual e federal; e construção de parcerias entre o Estado e as entidades da sociedade civil e do movimento popular. 
Esse novo cenário teve um sujeito político discreto e sempre presente, uma parceira fundamental na criação, desenvolvimento, enraizamento, visibilização e qualificação dos movimentos populares e de seus dirigentes: as agências de cooperação internacional, às quais se deve um reconhecimento por sua contribuição, indireta porém significativa, para o caráter democrático da Constituição e sua posterior aplicação.
No período pós-1988, o Brasil viveu uma experiência democrática intensa, com forte participação direta da sociedade na formulação de políticas públicas e de sistemas estatais para a aplicação dessas políticas, alicerçados em novos espaços institucionais com representação paritária governamental e da sociedade civil, espaços esses de monitoramento, avaliação e planejamento de uma ampla gama de programas sociais. 
Embora tais espaços estejam presentes em todos os governos do período democrático, os últimos quatro mandatos presidenciais, dos presidentes Lula e Dilma, foram marcados pelo aprofundamento dessas novas formas de criação, monitoramento e introdução das políticas públicas, com a corresponsabilidade das entidades da sociedade civil e dos movimentos populares na gestão de recursos públicos significativos. Participação social no Plano Plurianual (PPA), na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na execução orçamentária; processos conferenciais; conselhos de direitos; comissões temáticas; espaços e mecanismos de diálogo; secretarias de participação social nos ministérios; mobilizações sociais e interlocução com gestores públicos: todas essas novas formas de interação e de participação social foram experimentadas nestes últimos treze anos de governo federal, com bons resultados em termos de democratização das decisões políticas e da gestão dos recursos públicos.
O conjunto desse cenário contemplava parcialmente as expectativas e esperanças históricas das agências de cooperação internacional, no sentido de melhoria das condições de vida da população brasileira e da democratização do Estado com participação social. Em razão da redução dos recursos disponíveis da cooperação internacional e do surgimento de outras áreas prioritárias para a cooperação no mundo, mas também em razão do fato de que o Brasil vinha superando sua condição de país com ampla parcela da população na pobreza extrema e na exclusão social, as agências de cooperação internacional no Brasil vinham buscando campos específicos para a atualização de sua missão institucional.
Nesse sentido, as agências passaram a se dedicar a apoiar projetos específicos de segmentos vulneráveis; projetos situados em regiões empobrecidas e de pouca presença do Estado; projetos de visibilização de questões sociais pouco conhecidas; projetos de formação e capacitação de gestores de ONGs, dioceses e pastorais sociais; projetos de comunicação social alternativa à mídia hegemônica; processos de articulação e reflexão em torno de temas que interessam aos setores populares e aos parceiros, tais como mudanças climáticas, agroecologia, produção orgânica, tecnologias sociais e projetos exemplares com potencial de replicabilidade.

Democracia e legado civilizatório sob risco
Este cenário político democrático, que vem sendo construído ao longo das últimas décadas, por meio das lutas contra a ditadura, da emergência de novos sujeitos políticos, da Constituição Federal de 1988, das experiências de criação de espaços, processos e instâncias de participação social, e da produção de políticas públicas e novos sistemas nacionais para sua implementação, com controle social, está a ponto de ser desmontado com o golpe parlamentar ocorrido no Brasil. 
As elites políticas e econômicas, que se encontravam fora do centro de poder nos últimos anos, insurgiram-se contra o pacto governamental estabelecido desde 2003 e planejaram o golpe parlamentar que acaba de destituir a presidenta eleita Dilma Rousseff, encerrando o ciclo de treze anos de um projeto democrático-popular no governo federal do Brasil.
Por que afirmamos que é um golpe parlamentar o que ocorreu? Trata-se de um golpe parlamentar porque atende à formalidade do processo de impeachment, pois cumpre os procedimentos constitucionais previstos, culminando com uma votação política pela maioria absoluta do Senado Federal, porém com um conteúdo jurídico precário, que não prova em nenhum momento a existência de um crime de responsabilidade por parte da presidenta Dilma. Ou seja, condenou-se e afastou-se uma presidenta da República porque se formou uma maioria parlamentar eventual na Câmara e no Senado Federal, mas não porque, do ponto de vista jurídico, se provou qualquer crime por parte da autoridade maior do país. Num regime presidencialista como o brasileiro, o impeachment teria de reunir causas políticas e jurídicas para o afastamento da presidenta, o que não ocorreu.
De acordo com as declarações públicas e com as práticas já encaminhadas pelo presidente golpista Michel Temer e seu novo ministério, o que podemos esperar nos próximos dias e meses, talvez anos, é um amplo e profundo desmonte dos direitos sociais, das políticas públicas e dos espaços de participação social construídos ao longo das últimas décadas, procurando anular, inclusive, as principais conquistas democratizantes expressas na Constituição Federal de 1988.
O desafio que se coloca hoje para as agências de cooperação internacional que atuam no Brasil desde os anos 1970 é: que atitude tomar diante do golpe parlamentar e da destruição de um legado civilizatório, construído em décadas de inúmeras parcerias entre as agências, como representantes de suas respectivas sociedades, instituições e governos, e os movimentos populares e entidades da sociedade civil brasileira?

Direitos sociais foram reconhecidos, políticas públicas foram construídas, sistemas para sua aplicação foram colocados em prática, instâncias governamentais paritárias de participação social para monitoramento e planejamento das ações foram criadas; uma sociedade brasileira menos desigual estava surgindo depois de quase meio século da antiga “paz dos cemitérios”, que a caracterizava no início dos anos 1970. Ao longo da “abertura lenta, gradual e segura” – e muito depois dela –, os setores populares e as agências de cooperação internacional vinham produzindo uma mudança real na sociedade e no Estado brasileiro. Hoje, toda essa conquista histórica está sendo ou se encontra sob risco de ser anulada.

Movimentos populares e agências de cooperação
O bispo emérito de São Félix do Araguaia, dom Pedro Casaldáliga, ao avaliar o cenário político atual do Brasil, afirmou: “Aconteça o que acontecer, nosso sonho é mais forte”. Isso significa que, por mais que se procure anular o já conquistado, os movimentos populares e seus aliados não desistirão de seguir construindo uma sociedade mais justa, lutando pela manutenção de direitos e pela conquista de novos direitos. Por mais que se desmonte o que se construiu, o patamar atual é outro, uma sociedade muito mais organizada e consciente a respeito da história de seu país, a respeito do Estado, a respeito de suas possibilidades de transformação.
Não se trata agora de um novo começar, mas de uma retomada do percurso, após uma mudança institucional profunda e inesperada, fruto de um golpe de Estado de novo tipo. Trata-se de recuperar a memória do processo vivido até aqui; sistematizar as experiências, aprender com elas; traçar linhas para um novo acúmulo; juntar forças e capacidade política e desenhar novos horizontes a serem perseguidos. Tudo terá de ser revisto: país, Estado, modelo político, representação política, modo de fazer política e de fazer a gestão pública.
Uma coisa ficou clara nesse processo histórico: o “novo” trazido pela participação popular não cabe, como não coube, nas velhas estruturas e nas velhas formas de fazer política no Brasil. O “velho” não suportou o “novo” e tomou a decisão de destruí-lo. Agora, trata-se de a participação popular avançar para transformar também as velhas estruturas e as velhas formas de fazer política.
Enfim, as agências de cooperação internacional têm um novo desafio. Para começar a definir como enfrentá-lo, é importante lembrar como tudo começou, nos tempos da “abertura lenta, gradual e segura”: reunir-se com o povo onde ele vive e trabalha, ouvir o que ele pensa e sente, planejar junto com o povo, principal sujeito político, o presente e o futuro – e os novos caminhos dessa nova construção coletiva. 
Juntamente com os movimentos populares e as entidades da sociedade civil brasileira, as agências de cooperação internacional podem definir como defender o legado civilizatório de uma sociedade mais justa e solidária.
Caminhando juntos, numa atitude respeitosa de escuta, reflexão, divisão de tarefas e construção conjunta, nosso sonho será mais forte. 

Paulo Maldos
Paulo Maldos é do Centro de Assessoria e Apoio a Iniciativas Sociais (Cais)


Ilustração: Tulipa Ruiz

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Após hiato de seis anos, Laerte retorna às origens em novo livro


“Modelo vivo” faz mergulho na obra da cartunista por meio de HQs clássicas, tiras e desenhos de nus humanos
Desenho de "Modelo Vivo" (Divulgação/Boitempo)
Desenho de “Modelo Vivo” (Divulgação/Boitempo)
Eric Campi
No ano de 1970, Laerte começava a apresentar suas personagens em tirinhas da revista SIBILA. Quarenta e seis anos depois, em 2016, a cartunista publica Modelo vivo como forma de se desprender dos padrões visuais que permearam sua obra até então. “Talvez seja só coisa minha – mas tenho tido cada vez menos prazer e mais dificuldade com o desenho”, confessa Laerte na apresentação do livro.
Para tentar resolver esse problema, a cartunista resolveu voltar aos procedimentos que utilizava antes de se tornar profissional. “De cara, abriu-se um campo de expressão muito mais vasto, trazendo um grau de liberdade tão grande quanto o volume de novos problemas a cada passo: gráficos, narrativos, conceituais etc. Dá muito mais trabalho”, afirma.
Além de tirinhas antigas – e uma inédita – a obra mergulha na ideia da quebra de padrões e traz desenhos de nus humanos que Laerte fez enquanto ministrava um curso livre em 2013 com seu filho Rafael Coutinho. “Além de um desenhista muito melhor que eu, é dono de uma cabeça organizadora que eu não tenho.”
O processo de rabiscar humanos, para ela, é uma das maneiras mais fecundas de fazer desenhos. “Nos usamos inteiramente na ação de desenhar”, explica. “Fiz isso menos do que gostaria, mas sempre foi renovador e sempre me reequilibrou”.
Apesar de não se enxergar como um modelo, “nem de mim própria”, Laerte protagonizou um ensaio nu, também como uma das formas de desconstrução que vinha buscando. As fotos, clicadas por Rafael Roncato, poderão ser conferidas a partir do dia 26 de novembro na loja Ugra – Quadrinhos & Contracultura.
Sobre o ensaio, a cartunista afirma ser algo que sempre quis fazer desde que se assumiu como transgênero. “É algo que eu queria ver feito: um olhar sobre o corpo nu sendo o meu próprio corpo o assunto. É muito diferente do que se ver no espelho, como todo mundo sabe. Lembrei um pouco do momento em que vi e senti pela primeira vez meu corpo depilado – a sensação de nudez, liberdade e transformação.”
Modelo-vivo_LaerteModelo vivoLaerte
Boitempo/Barricada
88 págs. – R$49

Sumário - Edição de novembro do Le Monde Diplomatique Brasil

O Le Monde Diplomatique Brasil deste mês destaca a PRIMAVERA SECUNDARISTA, a luta dos estudantes e a ofensiva privatizante e de sucateamento da educação pública
PRIMAVERA SECUNDARISTA
- As ocupações se espalham... e as estratégias repressivas também.
Por Antonia M. Campos, Jonas Medeiros e Márcio M. Ribeiro
-Trabalhadores em educação resistem. Por Roberto Franklin de Leão
- Uma etapa crucial da contrarreforma. Por Roberto Leher
- A MP n. 746 no contexto de privatização da educação regional e global. Por Camilla Croso
- Brasil: uma política educacional fundamentada em mitos?
Por Lighia B. Horodynski-Matsushigue, Marcelo T. Yamashita e Otaviano Helene
E mais ...
SELETIVIDADE, RACISMO E O PODER CONFIGURADOR DO SISTEMA PENAL
- É preciso falar de Rafael Braga Vieira
Por Rose Barboza e Viviane Resende
A PREVIDÊNCIA SOB ATAQUE
- Desoneração com Seguridade Social: uma política na contramão do trabalho. Por Juliano Giassi Goularti
A ESQUERDA NEOLIBERAL
- Masoquismo eleitoral. Por Serge Halimi
ISLÂNDIA, REENCANTAR A POLÍTICA PELO ESCÁRNIO
- Punk, anarquista e prefeito. Por Gérard Lemarquis
DESIGUALDADE DE GÊNERO
- Nem todas as mulheres dos Estados Unidos são Hillary Clinton... Por Florence Beaugé, enviada especial
DO TERREMOTO AO FURACÃO
- Haiti, o impasse humanitário. Por Frédéric Thomas, enviado especial
PRESIDENTE DEVE RENEGOCIAR COM AS FARC
- Por que os colombianos rejeitaram a paz. Por Gregory Wilpert
INTERNACIONALIZAÇÃO DAS GUERRAS NO ORIENTE MÉDIO
- Moscou entra na decisiva batalha por Alepo
Por Jacques Lévesque
- O quebra-cabeça norte-americano em Mossul
Por Akram Belkaïd
IMPOPULARIDADE DOS TRATATOS COM CANADÁ E ESTADOS UNIDOS
- A insurreição alemã contra o livre-comércio
Por Peter Wahl
CRESCIMENTO DAS POLARIZAÇÕES POLÍTICAS NA EUROPA
- A agonia do “extremo centro”
Por Miguel Urbán
A IGREJA CONTRA A ESCOLHA DAS MULHERES
- Aborto, o obscurantismo polonês
Por Audrey Lebel, enviada especial
DECIBÉIS E EXTREMA DIREITA NA HUNGRIA
- O belo Danúbio negro
Por Evelyne Pieller, enviada especial
MAGREB
- Entre o autoritarismo e a esperança democrática.
Por Moulay Hicham El-Alaoui
UNIVERSALIDADE
- O grande retorno da China-mundo
Por Anne Cheng
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Informação é importante. Análise é fundamental.
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