RAQUEL COZER
DE SÃO PAULO
Luciana Villas-Boas ajeita os óculos à frente dos olhos esverdeados e põe no colo uma pasta com fotos: "Nunca fui de guardar", diz a mulher que, em sete dias, deixará o comando da Record, um dos maiores grupos editoriais do Brasil. "Estas aqui estavam num bauzinho pernambucano, do século 17 ou 18, que uso como mesa de lado em casa."
Na imagem mais antiga, de 1977, está com 19 anos, entrevistando para a rádio BBC de Londres a tenista brasileira Maria Esther Bueno. A mais recente mostra Luciana com os atuais 54 anos, ao lado do namorado, o advogado norte-americano Raymond Moss, 52, sócio na agência literária Villas-Boas & Moss, recém-criada.
No meio-tempo, a carioca, filha de pernambucano com baiana, atuou como jornalista na TV Globo, na "Veja" e no "Jornal do Brasil" e se firmou entre os nomes mais poderosos do mercado nacional de livros.
| Jorge Bispo/Folhapress | |
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Após deixar Record, Luciana Villas-Boas inaugura agência literária com o namorado americano |
A decisão de trocar o posto de diretora da Record por uma agência literária, na qual fará a ponte entre autores e editoras, ela credita a questões pessoais, como a vontade de se arriscar e a liberdade --inclusive para namorar. Raymond vive em Atlanta, o casal se encontra lá, aqui e mundo afora. Em 2011, foram a Munique, Nice, Nova York e Crans-Montana, na Suíça, onde ele tem uma casa.
O apartamento de Luciana, no Leblon, se tornará um dos três escritórios da Villas-Boas & Moss --os outros serão em Nova York e Atlanta. Até o Nelson, um terrier de três anos, vai entrar no circuito Brasil-EUA-Suíça. "Nas férias, vou levá-lo para o 'hiking' na Suíça. Ele precisa treinar escalada."
Em janeiro, ao antecipar a notícia da saída de Luciana da Record, a "Ilustrada" informou que a movimentação teria a ver com um desgaste dela na editora após a casa perder, em 2011, a obra de Carlos Drummond de Andrade para a Companhia das Letras.
"Minha missão na Record era projetar uma imagem de compromisso com a boa ficção e a não ficção a partir da contratação de novos livros." Lidar com os herdeiros de Drummond, ela afirma, não estava entre suas atribuições.
Da pasta de fotos, pinça uma imagem dos tempos na Globo, de 1983, feita após uma entrevista com Leonel Brizola (1922-2004). "Olha o Leonel todo se engraçando", comenta.
Por um ano e meio, a partir de 1982, Luciana dividiu com Belisa Ribeiro e Renato Machado a bancada do "Jornal da Globo". O jornalismo foi um acidente de percurso, na visão dela: a ambição de virar historiadora foi interrompida em 1976, quando passou uma temporada em Londres. Lá, conseguiu o emprego na BBC, que abriu portas para outros trabalhos aqui no Brasil.
"Estar na TV me deixava insegura. Achava que, se não fosse para a mídia impressa, jamais seria levada a sério." O que não gosta de contar é que parte da insegurança se devia ao fato de ser "um mito pela beleza, uma diva de cinema italiano", como descreve Edney Silvestre, autor da Record que decidiu contratar os serviços da Villas-Boas & Moss antes mesmo de a agência existir.
"É uma das minhas amigas BIC (bonita, inteligente e competente) daqueles tempos", diz o jornalista Marcelo Tognozzi, que foi assistente de Luciana alguns anos depois, quando ela editava política no "JB".
TRANSIÇÕES
A passagem para o mercado editorial se deu em 1995, quando Luciana editava o caderno "Ideias/Livros". "Ela me entrevistou e me impressionou pelo nível de informação", lembra Sergio Machado, presidente da Record. "Eu precisava de alguém que trouxesse um tipo de livro que não tínhamos."
"O trabalho dela foi bom para a Record, não há dúvida", diz Luiz Schwarcz, editor da rival Companhia das Letras. Entre os bons autores que Luciana levou para a casa, estão os americanos Richard Sennett, convidado da Flip neste ano, Michael Sandel, do recente best-seller "Justiça", e a mais pop Helen Fielding, de "O Diário de Bridget Jones".
Mas, na era de "megassellers" como "Harry Potter" (Rocco) e "O Caçador de Pipas" (Nova Fronteira), a Record não emplacou nenhum dos maiores. "O Código da Vinci" chegou a cair nas mãos da diretora, que não teve autorização para continuar na disputa. "Paramos em US$ 10 mil [na oferta pelos direitos]. A Sextante levou por US$ 12 mil", lamenta.
O período na Record marcou uma transição ideológica de Luciana, que as fotos ajudam a ilustrar. Numa imagem de 1981, ela aparece sorridente ao lado de Fidel Castro. "Emir Sader me seduziu com uma viagem a Cuba", acha graça, referindo-se ao ex-marido, cientista político e pai de seus dois filhos, Maria Isabel, 22, e Miguel, 20.
O que mudou tudo foi o governo Lula, em quem votou em 2002. "A ferocidade com que o partido se aferrou ao poder me chocou. Não era o que pregávamos."
A guinada de Luciana coincidiu com a da editora. A casa, que já publicou a bíblia esquerdista "New Left Review", passou a ter entre seus autores opositores ao governo Lula, como Fernando Henrique Cardoso e os jornalistas Reinaldo Azevedo, Merval Pereira e o ex-redator-chefe da "Veja" Mario Sabino --que era namorado de Luciana.
NACIONAIS
"Ela deve ter sido quem mais editou autores brasileiros nos últimos anos", diz o curitibano Cristovão Tezza, que, em 2006, fechou contrato com a Record para a reedição de sua obra e o lançamento de "O Filho Eterno", livro que lhe renderia todos os grandes prêmios de 2008.
O grande sucesso foi Lya Luft, maior best-seller entre os autores nacionais vivos da Record. Luciana é defensora de narrativas "ao mesmo tempo sofisticadas e acessíveis", qualidade que vê em seus agenciados Edney Silvestre e Francisco Azevedo, cujas obras já vendeu a vários países. "Em geral, os estrangeiros acham a literatura feita aqui cabeça demais", diz.
A nova agência já representa nove autores brasileiros, a maior parte publicada pela Record, como Alberto Mussa e Miguel Sanches Neto.
O primeiro contrato de livro novo, no entanto, será com outra editora, que ela ainda não revela. Será uma reunião dos textos "A História de Mora", que o colunista do "Globo" Jorge Bastos Moreno vem publicando aos domingos, contando a história recente do país na voz fictícia de Mora Guimarães, mulher de Ulysses.
Outra aposta, ainda sem editora, é um livro de memórias fac-similar da pianista Jocy de Oliveira. E há conversas com agentes e editoras estrangeiros.
Se é "workaholic"? Luciana volta os olhos para o lado, apoia o queixo nas mãos, pensa um pouco.
"Acho que sou. Raymond certamente acha." Lembra que, semanas atrás, depois do jantar, ambos tomando suas taças de vinho, cada um parou na frente de seu laptop. "Somos um casal diferente, não? Trabalhando num sábado à noite", ela comentou.
"E ele me falou: 'Luciana, minha ideia de vida boa com você decerto não inclui trabalhar num sábado à noite'. Disse que o grande desafio será me fazer trabalhar menos."
A se julgar o entusiasmo com o qual ela fala da agência, o desafio será maior do que Moss imagina.