Por Michel Zaidan
A semana passada foi pródiga em expor modelos de relacionamento dos meios de comunicação entre os fatos sociais e a política.
Toda e qualquer tentativa de regulamentação ou controle de conteúdo da
mídia e rejeitado liminarmente em nome da liberdade de expressão e dos
direitos e garantias constitucionais de cada cidadão. Ocorre que a
mídia, seja ela impressa, radiofônica ou televisiva, se comporta como
empresa, com patrocinadores, com trabalhadores assalariados e a
necessidade de obter lucros. Senão, fecha. Nesses casos, a imprensa não é
tão isenta ou imparcial, como diz que é. Vamos analisar dois exemplos
eloquentes da participação da mídia da veiculação de fatos ocorridos na
semana passada.
Primeiro, a questão da delinquência juvenil e a campanha televisiva
pela antecipação da maioridade penal. Só que nunca foi preso (ou acha
que nunca será) ou desconhece por completo o universo do sistema
carcerário brasileiro (inclusive aqueles destinados ao cumprimento de
medidas sócio-educativas por parte de menores de 18 anos) pode achar que
a cadeia antecipada é a solução ideal para os problemas da violência no
Brasil. Se há uma palavra de conteúdo semãntico indefinido, vago ou
inexistente, é o da palavra: "ressocialização". As cadeias do Brasil
servem para tudo ( e são escolas de primeiríssima linha) menos para
"ressocializar" quem quer que seja.
Tive oportunidade, como docente da pós-graduação de Direito, de
examinar uma tese sobre o sistema penitenciário de Pernambuco, de
autoria de uma brilhante defensora pública. O inferno de Dante perderia
em muito para o ambiente carcerário das nossas prisões. Superlotadas,
ociosas, para ali sobreviver os detentos ou apenados têm que se submeter
ao que a autora chama ded "cultura caracerária", ou uma espécie de
"ressocialização pelo aavesso", para terem cidadania nessas masmorras.
Não há esperanças, salvo raras exceções, para os que ali são enviados.
Se não morrerem, sairão piores do que entraram.
Por outro lado, não se discute nunca a causa da criminalidade (cada vez
mais precoce) no Brasil. Quem produz os criminosos, de todas as idades?
São chocadeiras especialmente criadas para isso? - Claro que não. Os
criminosos não são seres de outro mundo, são pessoas normais que saem de
lares normais e que, um dia, cometem delitos. Disse, uma vez, um
delegado da Polícia Civil, do alto de sua competencia policial: a
sociedade é em si mesmo CRIMINÓGENA. Ou seja, os seus valores, as suas
fórmulas de sucesso, de êxito ou reconhecimento social estimulam as
pessoas a cometerem crimes, sobretudo de acham que sairão impunes. De
nada adianta combater os efeitos, as consequências de uma patologia
social. É necessário buscar as causas do problema, como disse sabiamente
uma policial militar entrevistada na rua.
Fazer campanha explícita, como vêm fazendo algumas emissoras de
Televisão, em horário nobre, através de seus apresentadores pela redução
da maioridade penal é a confissão pública da impotência , do fracasso
no nosso modelo de família, de escola, de igreja e de trabalho. Se a
sociedade, pelos seus bem pensantes, só tiver a oferecer a cadeia (pior
do que a de Dante) para os nossos jovens e infantes, temos de convir que
falhamos enquanto sociedade civilizada. Oficializamos a guerra de todos
contra todos e transformamos o estado num mera guarda noturno à espera
do nosso chamado para prender e torturar esses jovens "delinquentes".
Pior a violência, a ilicitude, o roubo, a corrupção de autoridades
públicas, quando se trata para viabilizar acordos, contratos ou negócios
milionários, por parte de nossos "empresários" não merecem o mesmo
rigor, a mesma indignação por parte da sociedade que merece o roubo de
um celular por um "moleque". Certamente que os grandes ladrões do erário
público (de "colarinho branco", como se diz), como são amigos do rei,
merecem um tratamento diferenciado, mesmo que sejam corruptores, que se
apropriam de recursos públicos, através de relações promíscuas com o
Poder Público. Seria mais honesto por parte dos que defendem a
antecipação da maioridade penal, que defendessem a pena de morte, a
faxina social ou a eliminação pura e simples desses jovens "infratores".
Porque é isso que no íntimo eles defendem, mas não teêm coragem de
dizer.
O outro exemplo é a curiosa inversão que vem ocorrendo na relação entre
os meios de comunicação de massas (que são concessões do Poder Público)
e a fala dos governantes. Ao invés da cobrança, da fiscalização e da
responsabilização penal que deveriam fazer dos atos de governo, a
imprensa tornou-se o palco, o teatro, por excelência, das performances
retóricas e televisivas dos gestores públicos. Como se vivéssemos numa
ilha da fantasia (eletronica), os nossos telejornais foram inundados de
propaganda, farta publicidade da cidade do futuro, de belos corredores,
bons transportes, boas escolas, boa vida, tudo na propaganda, enquanto
os apresentadores se limitam a ouvir pacientemente as eternas promessas
que vão redimir o mal sobre a terra e implantar o paraíso terrestre em
Pernambuco.
Porque não se pedem a esses alquimistas dos dinheiro público que desçam
do palanque dourado da propaganda pré-eleitoral e vão trabalhar, com
discrição e competência, em prol dos interesses públicos? - Quando o
teórico alemão W. Benjamin vaticinou que os nossos homens públicos se
tornariam atores, em face do impacto da reprodução tecnológica na
sociedade moderna, certamente não tinha pensando ainda em nossos
prefeitos e governadores. A diferença é que existe atores e atores. Os
nossos governantes são péssimos atores, estipendiados com o dinheiro
público.