publicado em 25 de fevereiro de 2015 às 22:35
Ódio sem fim ao PT
Manchete da Folha de São Paulo no
dia 12 de fevereiro de 2015: “Doleiro Afirma que José Dirceu Sabia de
Repasses de Desvios da Petrobrás ao PT”. Nenhum acusado por um criminoso
sob delação premiada mereceria uma primeira página. Exceto se ele for
do PT.
José Dirceu foi condenado e já cumpriu parte de sua pena. Aguarda sua
liberdade plena para pedir a revisão criminal de seu julgamento e,
eventualmente, apelar a tribunais internacionais. A sua condenação não
teve sustentação nos autos, como juristas de diferentes posicionamentos
ideológicos declararam.
Obviamente que Dirceu cometeu erros políticos que deveriam, em outras
circunstâncias, ser julgados pelo seu partido. Foi ele quem escolheu o
caminho de um partido social democrata de massas com alianças amplas
para chegar ao poder.
O PT entrou no governo pedindo licença – não precisava. Vinha
sustentado pelas ruas, com a identidade dos militantes dos sindicatos,
dos movimentos populares e da esquerda. Mas introjetou a ideia de que
tinha ganho a partir de uma artimanha publicitária, a Carta ao Povo
Brasileiro. Tanto que ao primeiro sinal de golpe em 2005, Lula colocou o
boné do MST e quer repetir a dose hoje com o MTST. Mas agora a nova
geração de lutadores sociais não levará borrachada por ele.
NEOPETISMO
Os dirigentes neopetistas1 até poderiam ter rifado Dirceu e
Genoíno para salvar a própria pele, mas não deveriam ter abandonado o
partido às hienas míopes para que a sua rebeldia, história e prontidão
fossem transformadas em moranguinhos2 e burocratas da estrutura do Estado.
Depois, o PT conseguiu a proeza de escolher os juízes que colocaram
na cadeia dois de seus ex-presidentes: Dirceu e Genoíno. Eles pagaram
pela ideologia do republicanismo periférico: aquele que considera
neutras instituições forjadas pela classe dominante apenas para seu uso
egoísta.
Mas José Dirceu também foi condenado pelo seu “sucesso” político.
Arquiteto da chegada do PT ao poder e oriundo da luta armada, os de cima
não o perdoariam jamais.
A causa disso é aquilo que Florestan Fernandes denominava a
resistência sociopática da burguesia periférica a qualquer mudancismo
social. A insistência na fabricação de escândalos como arma política e a
tentação recorrente de derrubar o PT de um governo para o qual foi
eleito legitimamente demonstram que nem mesmo as mudanças ordeiras
produzidas pelo neopetismo foram assimiladas.
A perseguição atinge até mesmo executivos de empresas no exercício de seu “sagrado” direito de financiar todos os
partidos em troca de favores públicos. Inconformados em suas celas,
perguntam-se: “O que fizemos de errado?”. A resposta é uma só:
juntaram-se ao PT. O objetivo da maioria do poder judiciário é secar as
fontes de financiamento do partido infligindo o pânico nos doadores de
campanha.
CAOS
No entanto, há um preço a se pagar. O PT foi a última chance da
burguesia legitimar sua “dominação democrática”. A derrocada “ética” do
PT e seu afastamento de práticas socialistas não ensejaram novas formas
permanentes de luta na esquerda. Junho ainda não decantou e as derrotas
populares de 2014 o comprovaram. O neopetismo, mistura de covardia
republicana e repressão aos novíssimos movimentos sociais colaborou com
aquelas derrotas.
O PT seguiu o caminho da água, o mais fácil, porque os neopetistas
não são leões famintos, mas lobos domesticados de estômago elástico.
Mesmo assim insultou com a sua mera presença na festa das figuras
medíocres da política nacional, da elite sem berço que vê o Brasil como
uma criança branca que volta de Miami carregada de brinquedos de
plástico.
O único que eles temiam, e temiam porque já teve um revolver na mão,
era Dirceu. Era preciso, portanto, reduzir a pedaços os seus nervos e a
sua vontade. Mas não conseguiram porque o ódio não tem data de validade.
O destino de José Dirceu é um símbolo do futuro de seu partido. À sua
direita o seu próprio governo; à sua esquerda, os reclamos de sua
militância desorganizada, sem núcleos e perdida nas ruas desde junho.
Dali ecoam cada vez menos discretamente os sons da insurreição.
Na encruzilhada, o PT hesita entre a debandada e outra revolta dos bagrinhos3.
Só que os bagrinhos de hoje estão nas ruas, ocupações, na educação
popular, nos mesmos lugares em que apanham sob o olhar cúmplice de
dirigentes que se calam para proteger seus glúteos recostados em
cadeiras irresistíveis.
NOTAS
1 O neopetismo não diz respeito a pessoas
que adentraram recentemente no partido. O PT mais que dobrou de tamanho
nos primeiros 3 anos de governo Lula, mas muitos jovens aderiram não
apenas por oportunidade de carreira, e sim porque a imagem do PT
continua incomodando as elites das classes dominantes. Por outro lado,
muitos dirigentes neopetistas são antigos membros do partido que
aderiram ao nepotismo, ao conservantismo e apoiam a repressão policial e
judiciária de manifestantes.
2 Primeira leva em massa de militantes pagos pelo PT em São Paulo.
3 Alusão à imagem de revolta interna da base petista nos anos 1980.
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Lincoln Secco é professor de História Contemporânea na USP. Publicou pela Boitempo a biografia de Caio Prado Júnior (2008), pela Coleção Pauliceia. É organizador, com Luiz Bernardo Pericás, da coletânea de ensaios inéditos Intérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados, e um dos autores do livro de intervenção da Boitempo inspirado em Junho Cidades rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil.
(Publicado originalmente no blog da Boitempo e Viomundo)