Há uns dois anos atrás, o blogueiro e jornalista Décio Sá foi assassinado na região litorânea de São Luís, no Maranhão. Estava num bar, possivelmente tomando umas cervejinhas, quando foi abordado por um motoqueiro e um carona, que desferiu vários tiros contra ele. O crime alcançou repercussão nacional. Até os Sarney mexeram nos pauzinhos no sentido de que o crime fosse esclarecido. Décio mexia com interesses de gente graúda e várias possibilidades surgiram como motivação para o crime, entre as quais vingança contra as suas denúncias dos trens da alegria organizado por políticos locais com garotas de programa do Piauí. Mas, como sempre, seguindo o velho conselho do "Garganta Profunda", do Escândalo Watergate, convém seguir o dinheiro. A polícia do Estado agiu e conseguiu identificar e prender os executores do crime. A justiça julgou-os e condenou-os. Réus confesso. Quanto aos mandantes... aí a porca torce o rabo, como sempre. Até hoje as malhas da Justiça não conseguiu alcançá-los. Hoje, o Estado amanheceu em polvorosa. A partir da agenda deixada pelo ex-jornalista, foi possível destrinchar mais um enredo de corrupção na máquina pública, desta vez envolvendo o financiamento de campanha. Mais de 40 prefeituras do Estado estão envolvidas na maracutaia. Há, naquele Estado, uma relação curiosa, que envolve uma espécie de agiotagem com dinheiro público. Segundo um colega das terras dos Sarney, o Maranhão é dominado pela agiotagem. Acontece mais ou menos assim: um cidadão se candidata à prefeitura de um município, recebe recursos de campanha de um agiota e, depois, o caboclo cobra a fatura, por vezes paga com dinheiro público, nos casos em que o candidato foi eleito. Até o Fundo de Participação dos Municípios foi usado com essa finalidade. Isso dispensa qualquer comentário.
terça-feira, 31 de março de 2015
Tijolinho Real: Primeiro as novas salas, depois cuida-se dos acervos.
Passei a ler com mais assiduidade o jornalista Elio Gaspari depois de uma série de livros publicados por ele sobre a Ditadura Militar no Brasil. Já havia lido muita gente boa sobre o assunto, mas fiquei impressionado com a qualidade das informações que ele reuniu a respeito do assunto. Logo em seguida fiquei sabendo que ele foi contemplado com uma bolsa de estudos e mergulhou fundo nos arquivos de uma dessas instituições americanas. Sabe-se que um bom material de pesquisa é fundamental para a produção acadêmica. Estava explicado porque seus livros apresentavam informações até então desconhecidas pelos leitores. No último domingo, li sua coluna semanal, publicada originalmente no Globo. Nela, além dos escândalos no coração - ou seria melhor cérebro - da Receita Federal, uma matéria sobre a abertura de novas salas de museus no Rio de Janeiro. Com a carência que temos de equipamentos culturais para a população, este país precisa de milhares de bibliotecas, cinemas e museus. Há centenas de municípios no país que não possuem sequer um desses equipamentos, sobretudo em regiões como o Norte e o Nordeste. O Sudeste, a rigor, é uma região relativamente privilegiada. No Rio estão sendo construídos dois novos museus, enquanto o Museu da Cidade está fechado desde 2011. Segundo Gaspari, cuida-se primeiro dos prédios e somente depois - muito depois - do acervo. Talvez fosse o caso de inverter essa ordem.
segunda-feira, 30 de março de 2015
Mais Paulo Freire, menos Paulo Coelho
Antes do golpe militar,
lá no Nordeste, Freire foi conversar com um grupo de camponeses. Em
poucos minutos eles se calaram e houve um grande silêncio. Até que um
deles falou:
— O senhor me desculpe, mas é o senhor que deve falar, e não nós.
— Por quê? Perguntei eu.
— Porque o senhor é o que sabe, e nós não sabemos.
— Aceito. Eu sei e vocês não sabem! Mas por que é que eu sei e vocês não sabem?
— O senhor sabe porque foi à escola, e nós não.
— Aceito. Fui à escola e vocês não foram. Mas por que é que eu fui à escola e vocês não foram?
— Ah, foi porque seus pais puderam, e os nossos não.
— Concordo. Mas porque seus pais tinham condição, bom trabalho, bom emprego, e os nossos não.
— Tá certo. Mas, por que os meus tinham e os de vocês não?
— Porque os nossos eram camponeses. Meu avô era camponês, meu pai era camponês, eu sou camponês, meu filho é camponês, meu neto vai ser camponês.
(Aí, a concepção fatalista da história)
— O que é ser camponês?
— Ah, é não ter nada, é ser explorado.
— Mas, o que é que explica isso tudo?
— Ah, é Deus! Deus quis que o senhor tivesse e nós não.
— Tá certo, concordo. Deus é um cara bacana, um sujeito poderoso! Agora, eu queria fazer uma pergunta: quem aqui é pai? Todo mundo era. Olhei para um e disse:
— Você tem quantos filhos?
— Tenho seis, disse ele.
— Você seria capaz de botar cinco filhos aqui no trabalho forçado e mandar um pra capital com comida, hotel, pra ele estudar e ser doutor, e os outros cinco morrendo no porrete e no sol?
— Não, não fazia isso não!
— Então você acha que Deus é poderoso, que é pai, ia tirar essa oportunidade de vocês? Será que pode? Houve um silêncio e por fim um falou:
— É não, não é Deus nada! É o patrão!
— O senhor me desculpe, mas é o senhor que deve falar, e não nós.
— Por quê? Perguntei eu.
— Porque o senhor é o que sabe, e nós não sabemos.
— Aceito. Eu sei e vocês não sabem! Mas por que é que eu sei e vocês não sabem?
— O senhor sabe porque foi à escola, e nós não.
— Aceito. Fui à escola e vocês não foram. Mas por que é que eu fui à escola e vocês não foram?
— Ah, foi porque seus pais puderam, e os nossos não.
— Concordo. Mas porque seus pais tinham condição, bom trabalho, bom emprego, e os nossos não.
— Tá certo. Mas, por que os meus tinham e os de vocês não?
— Porque os nossos eram camponeses. Meu avô era camponês, meu pai era camponês, eu sou camponês, meu filho é camponês, meu neto vai ser camponês.
(Aí, a concepção fatalista da história)
— O que é ser camponês?
— Ah, é não ter nada, é ser explorado.
— Mas, o que é que explica isso tudo?
— Ah, é Deus! Deus quis que o senhor tivesse e nós não.
— Tá certo, concordo. Deus é um cara bacana, um sujeito poderoso! Agora, eu queria fazer uma pergunta: quem aqui é pai? Todo mundo era. Olhei para um e disse:
— Você tem quantos filhos?
— Tenho seis, disse ele.
— Você seria capaz de botar cinco filhos aqui no trabalho forçado e mandar um pra capital com comida, hotel, pra ele estudar e ser doutor, e os outros cinco morrendo no porrete e no sol?
— Não, não fazia isso não!
— Então você acha que Deus é poderoso, que é pai, ia tirar essa oportunidade de vocês? Será que pode? Houve um silêncio e por fim um falou:
— É não, não é Deus nada! É o patrão!
(Publicado hoje, no perfil do cartunista Vitor, que teve a charge dos gladiadores censurada pela Igreja Universal)
Tijolinho Real: Governo deixa SINTEPE de fora do convescote sobre educação.
Tenho a impressão de que a ausência de um diálogo sereno do Governo do Estado com a categoria dos professores pode nos conduzir a uma situação de greve nos próximos dias, o que seria extremamente prejudicial à estudantada. Ainda em jogo está a questão do piso salarial, um eterno problema entre a categoria e os gestores públicos. Tudo seria mais simples se os Governos Estaduais resolvessem cumprir logo a decisão de honrar o pagamento desse piso salarial. Ocorre que, entre a decisão já aprovada e o seu cumprimento, vai aí uma longa novela, com alguns enredos curiosos, recheadas de artifícios. O último deles é que o Governo do Estado de Pernambuco resolveu adotar um critério "seletivo" para o seu cumprimento, acenando que pagaria o piso apenas aos professores que tiverem o curso de magistério, o que se constitui num grave equívoco. Uma simples consulta à sua assessoria jurídica o informaria sobre a irregularidade.
Não sei como esse imbróglio será resolvido, mas até o Ministério Público Estadual já convidou o Secretário de Administração, Milton Coelho, para dar um explicação sobre o assunto. Em meio a essa falta de diálogo, o Governador Paulo Câmara (PSB) cometeu mais um erro estratégico. Oferece um almoço a uma série de entidades para debater a educação no Estado - Encontro dos Amigos da Educação - excluindo o SINTEPE, o Sindicato dos Trabalhadores da Educação em Pernambuco. Fundação Lemann, Institutos Airton Sena, Unibanco e Natura estão entre os convidados. Um time de reformadores empresariais da educação para ninguém botar defeito. Fico sempre com um pé atrás quando você envolve negócios de Estado com "essa gente". Não vai aqui nenhum preconceito, penso até que, em alguns casos, a parceria público-privada é muito bem-vinda.
Ocorre, porém, que, aqui na província, normalmente, isso não vem dando em boa coisa. Tanto do ponto de vista das "negociações em curso", quanto dos reais interesses que deveriam nortear o tema, inserido num Estado com as dificuldades educacionais como o nosso. Quando você deixa de fora desse "Pic-Nic" o sindicato da categoria e segmentos sociais profundamente interessados no tema, aí a porca torce o rabo. Fred Amâncio, o Secretário de Educação, ficará encarregado de fazer uma exposição sobre os avanços conquistados pela educação no Estado nos últimos anos e as projeções para o futuro. Possivelmente, a razão para não se convidar o SINTEPE - e outras entidades do "trabalho" que lidam com o assunto - está relacionada a um confronto de ideias inevitáveis.
Com essa atitude, o governador Paulo Câmara parece convidar a categoria para um embate. Por outro lado, observa-se, nitidamente, a construção de estratégias - muito ao gosto do governo anterior, do seu padrinho - que alimentam, isto sim, a grande parafernália midiática que ancora a publicidade institucional do Estado. Logo em seguida surgem aquelas medidas de impacto - causadoras de um certo emocionalismo - mas, na prática, quando se procuram resultados concretos sobre a melhoria da qualidade social da educação no Estado, esses ficam bem distantes.
Michel Zaidan Filho: A IGREJA REFORMADA NO BRASIL
É de um grande estudioso, de confissão presbiteriana, a
tese de que a recepção do Cristianismo reformado no Brasil foi muito
prejudicada pelo conservadorismo, já que veio na bagagem missionária de
religiosos americanos batistas com o zelo catequético, sem muito espaço
para a liberdade de consciência que caracterizou a grande reforma
cultural de Martinho Lutero na Europa. Ao contrário da revolução que
representou na constituição da subjetividade humana, na constituição do
capitalismo e nas origens dos valores democráticos do Ocidente, entre
nós, a chegada da Igreja reformada já veio subsumida a objetivos
catequéticos, comunitários e sociais. Perdeu-se a principal conquista da
reforma protestante na História: a criação do indivíduo e da
subjetividade moderna, com a chamada liberdade de consciência e o
livre-exame das escrituras sagradas.
Entre nós, grosso modo, a Igreja
reformada divide-se entre um ramo de elite (mais rico e esclarecido) os
Presbiterianos, Anglicanos ou Episcopais; um segundo ligado às classes
médias, os batistas e um terceiro ramo, os pentecostais e
neopentecostais, associados ao povo, aos pobres, às pessoas mais
humildes. Longe de mim, que nem sociólogo sou, diminuir ou minimizar a
importância social dessas Igrejas na socialização das pessoas, sobretudo
de seus vínculos comunitários e na ética puritana do trabalho, pela
valorização a vida cotidiana como ascese religiosa.
No entanto, é preciso destacar duas características dessas
Igrejas que incomodam muito àqueles que não professam seus cultos e
dogmas. No que diz respeito às Igrejas pentecostais e neopentecostais, o
zelo missionário deu lugar a uma atitude fundamentalista, dogmática,
auto-suficiente que se traduz rapidamente em intolerância religiosa e
civil. Aqueles incréus e pagãos que não rezam pela sua cartilha estão
errados e serão condenados ao eterno fogo do inferno. Já no que tange à
certas igrejas episcopais, aí impera uma atitude de prepotência,
arrogância e desprezo pelos que não fazem parte da sua Igreja. Acham que
podem tudo, inclusive desrespeitar as leis do país e os mais comezinhos
direitos dos demais cidadãos "incréus".
Digo isso com tristeza, não com satisfação. Não sei como
juntar a grande transformação ética do Cristianismo com provas de
incivilidade, falta de urbanismo, cortesia e sensibilidade social.
Existe há muito tempo, uma igreja reformada no bairro dos Aflitos que
em tudo se parece com uma dessas casas de evento. O templo cristão foi
transformado em palco iluminado para a realização de festas, cerimônias e
atividades sociais. Acredito que remuneradas, dada a pompa e o glamour
dessas festividades mais sociais do que religiosas. Nesses dias de
glamour, a rua é praticamente interditada, com carros enormes sobre as
calçadas. Motoristas que dirigem na contramão de uma das principais
avenidas dos Aflitos, com a conivência de flanelinhas e dos dirigentes
da Igreja, que segundo se apurou, aproveita o prestígio e a posição
social de seus membros para "solicitar" às autoridades que abrandem a
fiscalização e as penalidades.
Ouviu-se, de um feita, de guardas da
Ciretran que estavam próximos ao templo, que estavam ali a serviço de
um casamento milionário, a pedido de um figurão ligado à Igreja, fosse
se queixar em outra freguesia. 0 cume de todos esses abusos impiedosos e
não cristãos foi a realização, no sábado passado, no estacionamento da
Igreja, a céu aberto, até às 22:00, de uma imenso, barulhento show
Gospel, procedido de culto de Louvor e tudo. A vizinhança sofreu, sofreu
muito com o estrondoso som das guitarras elétricas, bateria e outros
instrumentos. De nada adiantou reclamar do incômodo da vizinhança e da
poluição sonora, em zona residencial, a céus aberto, noite à dentro. A
resposta dos "maurícios" e suas acompanhantes era de que a Igreja tinha
obtido permissão (de quem?) para realizar a algazarra pseudo-religiosa,
até as 22:00, com música, e até as 24:00 sem música.
É de se clamar aos céus como é possível que pessoas que se
dizem cristãs (e ricas materialmente) não possuem o menor senso de
respeito pelos outros, pelo sossego alheio. Essa fé deve ser produto da
arrogância social, com o auto-convencimento religioso e da necessidade de
exposição pública. Que Deus, Alá, Buda, Confúncio tenha condescedência
com esses fariseus, ou como dizia Cristo, sepulcros caiados.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
A alta modernidade de Machado de Assis
por Luis Dolhnikoff, editor.
Em 1895, Sigmund Freud publicou em Viena Estudos sobre a histeria,
e em 1899, aquele que seria considerado o livro inaugural de sua
topografia psíquica (baseada na ponta do “iceberg” do ego emerso do
profundo oceano do inconsciente), A interpretação dos sonhos. Entre as duas datas, saía no Brasil, em 1896, Várias estórias,
de Machado de Assis, contendo alguns dos melhores contos já escritos em
língua portuguesa. E entre eles, aquele que provavelmente é a
obra-prima insuperável do conto brasileiro, “O cônego ou a metafísica do estilo”.
Mas o que tem a ver Freud com Machado, além da coincidência das
datas? Nada. Porém, invertendo-se a frase – o que tem a ver Machado com
Freud –, a resposta seria... nada, se não fosse quase tudo. Ao menos, no
caso de “O cônego".
Não haveria tempo hábil para Machado ler uma obra publicada em Viena
em 1895 e escrever e publicar um livro por ela influenciada em 1896.
Quanto à data de 1899, apesar de Machado ser conhecido como o “bruxo do
Cosme Velho”, isto se deve ao poder quase miraculoso de seu estilo, não a
reais capacidades mágicas, como viajar no tempo. Portanto, a topografia
psicocerebral descrita no conto de Machado só pode ser atribuída ao zeitgeist,
ao “espírito da época”, em que as primeiras pesquisas e teorias a
respeito – incluindo as do próprio Freud – estamos sendo feitas. Ainda
assim, o pequeno e imenso conto de Machado é quase inexplicável em sua
radical modernidade.
Uma modernidade múltipla, baseada no uso da metalinguagem, na topografia da mente e no humor linguístico, entre outros.
“Enquanto o cônego cuida em cousas estranhas, eles [o substantivo e
o adjetivo] prosseguem em busca um do outro, sem que ele saiba nem
suspeite nada. Agora, porém, o caminho é escuro. Passamos da consciência
para a inconsciência onde se faz a elaboração confusa das ideias, onde
as reminiscências dormem ou cochilam. Aqui pulula a vida sem formas, os
germens e os detritos, os rudimentos e os sedimentos; é o desvão imenso
do espírito. Aqui caíram eles, à procura um do outro, chamando e
suspirando. Dê-me a leitora a mão, agarre-se o leitor a mim, e
escorreguemos também. Vasto mundo incógnito. [Eles] rompem por entre
embriões e ruínas. Grupos de ideias, deduzindo-se à maneira de
silogismos, perdem-se no tumulto de reminiscências da infância e do
seminário. Outras ideias, grávidas de ideias, arrastam-se pesadamente,
amparadas por outras ideias virgens. Cousas e homens amalgamam-se;
Platão traz os óculos de um escrivão da câmara eclesiástica; mandarins
de todas as classes distribuem moedas etruscas e chilenas, livros
ingleses e rosas pálidas; tão pálidas, que não parecem as mesmas que a
mãe do cônego plantou quando ele era criança. Memórias pias e familiares
cruzam-se e confundem-se. Cá estão as vozes remotas da primeira missa;
cá estão as cantigas da roça que ele ouvia cantar às pretas, em casa;
farrapos de sensações esvaídas, aqui um medo, ali um gosto, acolá um
fastio de cousas que vieram cada uma por sua vez, e que ora jazem na
grande unidade impalpável e obscura.”
Faltou dizer, sobre esse texto imenso em sua exiguidade (quatro
páginas ou menos, a depender da edição), que os personagens principais
são um substantivo e um adjetivo, que se procuram ora na consciência,
ora no inconsciente de um padre que tenta fechar a frase de um sermão
(quando ele se distrai do trabalho).
“Matias vai escrevendo, ora devagar, ora depressa. As tiras
saem-lhe das mãos, animadas e polidas. Algumas trazem poucas emendas ou
nenhumas. De repente, indo escrever um adjetivo, suspende-se; escreve
outro e risca-o; mais outro, que não tem melhor fortuna. Aqui é o centro
do idílio. Subamos à cabeça do cônego.
Upa! Cá estamos. Custou-te, não, leitor amigo? É para que não
acredites nas pessoas que vão ao Corcovado, e dizem que ali a impressão
da altura é tal, que o homem fica sendo cousa nenhuma. Opinião pânica e
falsa, falsa como Judas e outros diamantes. Não creias tu nisso, leitor
amado. Nem Corcovados, nem Himalaias valem muita cousa ao pé da tua
cabeça, que os mede. Cá estamos. Olha bem que é a cabeça do cônego.
Temos à escolha um ou outro dos hemisférios cerebrais; mas vamos por
este, que é onde nascem os substantivos. Os adjetivos nascem no da
esquerda. Descoberta minha, que ainda assim não é a principal, mas a
base dela, como se vai ver. Sim, meu senhor, os adjetivos nascem de um
lado, e os substantivos de outro, e toda a sorte de vocábulos está assim
dividida por motivo da diferença sexual...
— Sexual?
Sim, minha senhora, sexual. As palavras têm sexo. Estou acabando a minha grande memória psico-léxico-lógica, em que exponho e demonstro esta descoberta. Palavra tem sexo.
— Mas, então, amam-se umas às outras?
Amam-se umas às outras. E casam-se. O casamento delas é o que chamamos estilo. Senhora minha, confesse que não entendeu nada.
— Confesso que não.
— Sexual?
Sim, minha senhora, sexual. As palavras têm sexo. Estou acabando a minha grande memória psico-léxico-lógica, em que exponho e demonstro esta descoberta. Palavra tem sexo.
— Mas, então, amam-se umas às outras?
Amam-se umas às outras. E casam-se. O casamento delas é o que chamamos estilo. Senhora minha, confesse que não entendeu nada.
— Confesso que não.
Pois entre aqui também na cabeça do cônego. Estão justamente a
suspirar deste lado. Sabe quem é que suspira? É o substantivo de há
pouco, o tal que o cônego escreveu no papel, quando suspendeu a pena.
Chama por certo adjetivo, que lhe não aparece: ‘Vem do Líbano, vem...’ E
fala assim, pois está em cabeça de padre; se fosse de qualquer pessoa
do século, a linguagem seria a de Romeu: ‘Julieta é o sol... ergue-te,
lindo sol.’ Mas em cérebro eclesiástico, a linguagem é a das Escrituras.
Ao cabo, que importam fórmulas? Namorados de Verona ou de Judá falam
todos o mesmo idioma, como acontece com o thaler ou o dólar, o florim ou
a libra que é tudo o mesmo dinheiro. Portanto, vamos lá por essas
circunvoluções do cérebro eclesiástico, atrás do substantivo que procura
o adjetivo.”
“Vem do Líbano, vem...”: trata-se do conhecido estribilho de O Cântico dos cânticos de Salomão, seguido de uma referência a Shakespeare,
que Machado então aproxima, numa síncope quase pop, do mercado
financeiro. É quase irresistível, a este respeito, dizer que pouco antes
que ele citara James Joyce,
não fosse, mais uma vez, a absoluta impossibilidade temporal. Joyce:
“Onde as mãos do homem nunca pôs os pés”. Machado: “Nem Corcovados, nem
Himalaias valem muita cousa ao pé da tua cabeça, que os mede”.
Ao menos, sem afrontar a irreversibilidade da seta do tempo, podemos
afirmar que este conto de Machado certamente influenciou o argentino
Júlio Cortázar, além de Borges, para inciar uma longuíssima lista. Muito menos conhecido do outras grandes obras de sua pena, como O Alienista, “O cônego ou a metafícia do estilo”
representa, provavelmente, o cume altíssimo de sua contística, ou, para
falar como o próprio, o Everest de uma obra feita toda ela das mais
elevadas altitudes literárias.
Publicado originalmente no site www.hedra.com.br
Produtor cultural reafirma críticas à Fundarpe e vê má gestão no Funcultura e desprestígio com cultura.
Prezado Jamildo,
Em resposta ao pronunciamento do Sr. Gustavo Araújo, Superintendente de Gestão do Funcultura, informo que o Levantamento apresentado na matéria veiculada pelo Blog do Jamildo em 28/07/2015 teve como fonte os dados fornecidos pela própria FUNDARPE ao Portal da Transparência do Governo do Estado de Pernambuco, no período de 23 a 27 de março de 2015.
Qualquer atualização posterior a esse período ou falha na informação dos supostos empenhos realizados que somam R$ 2.342.082,85, podem ter ocasionado a diferença nos valores apresentados.
Ainda assim, é lamentável que após 06 meses da divulgação do resultado do Edital Funcultura Independente 2013/2014, a Fundarpe, gestora do FUNCULTURA, apenas tenha executado 13,30% do orçamento previsto para um ano, pagando apenas 82 projetos dos 289 projetos aprovados – o que demonstra o grande prestígio e atenção que a Cultura tem recebido na atual gestão.
Não obstante os números pífios apresentados, a expectativa de resolução do problema que é apresentada pelo Superintendente de Gestão do Funcultura, conflita com resposta encaminhada pelo próprio Atendimento do Funcultura à produtora cultural Lia Miceli (abaixo).
Na mensagem, a Fundarpe assume os cancelamentos de empenho realizados no exercício de 2014 e faz previsão de pagamento dos projetos que não receberam sequer a primeira parcela, para o longínquo mês de maio de 2015. Ou seja: nove meses após a divulgação do resultado do Edital Funcultura 2013/2014, faltando apenas 03 meses para completar aniversário de 01 ano de atraso.
Não obstante o prognóstico negativo apresentado pelo gestor do Funcultura, cabe chamar atenção para o prazo estipulado por lei, para a prestação de contas do exercício anterior do Funcultura, que é 31 de março de 2015, terça-feira, conforme determina a LEI Nº 13.407, DE 14 DE MARÇO DE 2008, in verbis:
“§ 1º A cada final de exercício financeiro, os recursos depositados no FUNCULTURA, não utilizados, serão transferidos para o exercício financeiro subseqüente, sendo mantidos na conta do Fundo para utilização.
§ 2º O Poder Executivo, na forma do decreto, ficará obrigado a divulgar, anualmente:
I – demonstrativo contábil informando:
a) recursos arrecadados/recebidos no período;
b) recursos disponíveis;
c) recursos utilizados no período;
d) relação das empresas que contribuíram com recursos próprios para o FUNCULTURA.
II – relatório discriminado contendo:
a) número de projetos culturais beneficiados;
b) objeto e valores de cada um dos projetos beneficiados;
c) responsáveis pelos projetos;
d) número de empregos diretos e indiretos previstos.
I – demonstrativo contábil informando:
a) recursos arrecadados/recebidos no período;
b) recursos disponíveis;
c) recursos utilizados no período;
d) relação das empresas que contribuíram com recursos próprios para o FUNCULTURA.
II – relatório discriminado contendo:
a) número de projetos culturais beneficiados;
b) objeto e valores de cada um dos projetos beneficiados;
c) responsáveis pelos projetos;
d) número de empregos diretos e indiretos previstos.
§ 3º O Poder Executivo, na forma do decreto, divulgará, anualmente, até o dia 31 de março do exercício financeiro seguinte, resumo global dos itens previstos nos §§ 1º e 2º deste artigo.”
Se a gestão é incapaz de apresentar os dados no dia 29/03/2015 para subsidiar sua própria defesa do indefensável, resta aos cidadãos torcer para que em dois dias, até o dia 31 de março de 2015, seja feito o trabalho que em seis meses não foi realizado. Cabe, indubitavelmente, o bom olhar da fiscalização dos órgãos estaduais de Controle, tal qual o Ministério Público do Estado de Pernambuco e Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco.
Restou ainda esclarecer o seguinte:
1 – Por que tantos projetos ainda estão sem pagamento depois de 06 meses?
2 – Qual o motivo dos cancelamentos dos empenhos realizados em 2014? Se não foi falta de recursos, contingenciamento ou travamento, o que foi?
3 – Por que após seis meses ainda tem produtor sem Termo de Compromisso assinado?
4 – Por que a Fundarpe vem desrespeitando cronograma de desembolso firmado nos Termos de Compromisso assinados com produtores culturais ainda em 2014, expondo a administração pública à processos civis por quebra de cláusula contratual?
Assim, tendo em vista a clara má gestão desse importante mecanismo de fomento à Cultura, que é o FUNCULTURA, patrimônio do povo pernambucano, muitos produtores estão se mobilizando para realizar, após o dia 31 de março de 2015, protesto afim de que, o prestígio de que supostamente goza a Cultura junto ao Governador do Estado de Pernambuco, se transforme, enfim, em ações concretas em prol de Pernambuco e de sua população.
Agradecemos desde já a oportunidade de esclarecer alguns pontos levantados pelo Superintendente de Gestão do Funcultura, e de poder reforçar perguntas infelizmente não esclarecidas pelas autoridades responsáveis.
Atenciosamente,
Thiago Dantas.
Veja a resposta encaminhada para a produtora Lia Miceli pelo Atendimento do Funcultura, há 10 dias.
“Acusamos o recebimento do seu pedido de informação. Informamos que a cada final de exercício financeiro e orçamentário ocorre um hiato entre os meses de janeiro e fevereiro para nova execução financeira e orçamentária no sistema de pagamentos do Governo. Particularmente esse ano, muitos empenhos realizados no final do ano de 2014 foram anulados exigindo retrabalho para confecção de novos empenhos. Esse trabalho seguiu a ordem de programação financeira e empenho para os projetos já em execução que perderam seus empenhos. Durante a segunda quinzena do mês de fevereiro, quando o E-Fisco permitiu realização de programação financeira para posteriores empenhos, colocamos em ordem os empenhamentos antigos e iniciamos os novos de acordo com a ordem de protocolização que o projeto recebeu (1605/14). No presente momento estamos com programações financeiras para serem aprovadas pela Secretaria da Fazenda que somam mais de R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais). Nossa expectativa é a de que ao longo do mês de março e decorrer do mês de abril, tais programações estejam em situação de liberação para os novos empenhos e confecção dos Termos de Compromissos dos projetos, de forma que na última semana de abril e começo do mês de maio esses projetos tenham suas parcelas iniciais liberadas. Agradecemos sua compreensão e nos colocaremos para informações complementares que se fizerem necessárias.”
(Publicado originalmente no blog de Jamildo)
domingo, 29 de março de 2015
Professor dispensa script da Globo sobre corrupção e dá baile me apresentador
publicado em 29 de março de 2015 às 17:42
Doutor em Ciência Política fala, ao vivo, na Globo, o que a emissora não queria ouvir
Casos de convidados da Rede Globo que fogem do script da emissora para tratar de temas delicados não são comuns – previamente selecionados, os convidados, normalmente, reforçam os posicionamentos da maior rede de TV da América Latina. O mais recente caso de fuga de script aconteceu no Bom Dia ES, programa de afiliada da Globo no Espírito Santo exibido pela manhã [vídeo acima].
O professor Vitor Amorim de Angelo foi confrontado, ao vivo, com temas que envolviam desde a corrupção na Petrobras até as manifestações do último dia 15/03. Abriu mão do simplismo e teve a ousadia de discordar de Míriam Leitão – jornalista referência na emissora – quando questionado sobre a possível participação de eleitores de Dilma nos protestos pró-impeachment.
Corrupção
“A corrupção é um problema complexo e, como tal, merece ser tratada com complexidade […] atinge todas as esferas do poder: Executivo, Legislativo, setor público e setor privado”, disse Vitor, causando algum desconforto em um apresentador que carregava consigo a missão de reforçar maniqueísmos políticos e responsabilizar um único partido por tudo de ruim que há no Brasil.
O acadêmico destacou ainda a importância das manifestações populares, mas mandou um recado para aqueles que nutrem uma sanha golpista: “A democracia é um regime de confiança, não de adesão.
Portanto, não é uma opção aderir ou não ao resultado. Você faz parte desse sistema político no qual ela é presidente. O inverso também é verdadeiro: você venceu, mas não pode deixar de governar para aqueles que não te elegeram”.
Ao dispensar o script da moralidade seletiva e tratar os meandros da política profissional com racionalidade, Vitor Amorim incomodou a Rede Globo.
Vitor Amorim de Angelo é professor de Sociologia, formado em História, com mestrado e doutorado em Ciência Política, membro do Laboratório de Estudos de História Política e das Ideias, com passagem pelo Centre d’Histoire do Institut d’Études Politiques de Paris (SciencesPo) e pesquisador do Institut des Sciences Sociales du Politique da Université de Paris Ouest-Nanterre La Défense.
(Publicado originalmente no site Viomundo)
Tijolinho Real: Funcultura deixa de repassar R$ 20 milhões aos produtores culturais do Estado.
A partir do relatório de uma empresa contratada para realizar uma auditoria em suas contas, ontem, dia 28/03, um blog local publicou uma extensa matéria sobre o Funcultura - o fundo pernambucano de incentivo a cultura - carro-chefe do fomento e difusão cultural do Estado de Pernambuco. O que a empresa de auditoria constatou foi uma espécie de "maquiagem nas contas", que envolveu jogar um exercício dentro do outro, atrasar o pagamento de notas de empenhos já empenhadas, o que significou, no final das contas, o atraso no pagamento de algo em torno de R$ 20 milhões de reais aos produtores culturais. Quero deixar claro que não estamos falando aqui de desvios ou malversação de recursos públicos, mas , sim, um contingenciamento no uso desses recursos que, em última análise, devem ter penalizado bastante os produtores culturais do Estado, que não receberam - em tempo hábil e no exercício específico - os recursos para projetos então já aprovados pelo Funcultura. Em todo caso, cabe aqui outros considerações, como o descompromisso da Secretaria de Cultura com os produtores culturais do Estado; a forma como o Estado vem tratando o principal programa de fomento às atividades culturais; a incompetência do órgão em honrar os compromissos já assumidos. Informo que a empresa foi contratada por produtores culturais interessados em conhecer mais detalhes sobre as contas do Funcultura. O blog apenas teve acesso ao relatório.
sábado, 28 de março de 2015
Rodrigo Vianna: Costurando uma frente de esquerda para enfrentar o avanço conservador
publicado em 25 de março de 2015 às 17:44
Boulos, PSOL e petistas defendem Frente Popular para barrar avanço conservador
O debate ocorrido neste fim-de-semana em São Paulo, numa quadra da CUT, foi simbólico por muitos motivos.
Primeiro, mostrou o grau de esgotamento do PT, como força renovadora de esquerda. Sob impacto do avanço da direita no Brasil, militantes de esquerda se reuniram atraídos pelo tema: “Direitos Sociais e Ameaça conservadora”.
Mas não foi um debate organizado pelo Partido dos Trabalhadores – principal alvo da fúria direitista do dia 15. O PT segue acuado, quase mudo. Havia na plateia do debate muitos petistas, mas sem camisas nem símbolos petistas. Isso tudo num evento organizado pelo PSOL
Mais que isso: na mesa, estavam dois ex-auxiliares de Lula – Frei Beto e André Singer (hoje, professor da USP, e que segue filiado ao PT). O debate, realizado na “Quadra dos Bancários” (histórico ponto de encontro dos militantes da CUT e do PT), reuniu quase mil pessoas no sábado à tarde.
Foi o deputado federal Ivan Valente (do PSOL) quem cumpriu o papel de criar aquele espaço de reflexão, abrindo o microfone também para Guilherme Boulos (MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e Berna Menezes (sindicalista ligada ao PSOL).
As críticas ao governo Dilma foram duras. E generalizadas. Boulos disse que “o governo é indefensável”, e foi mais longe: “ou o governo reverte o modelo, baseado no ajuste liberal, ou em breve o golpismo terá base popular nas ruas”.
A avaliação do líder do MTST é de que, apesar da queda de popularidade de Dilma, quem está na rua por enquanto protestando contra o PT é um setor mais radicalizado de direita e comandado pela classe média. Boulos, no entanto, diz que um ponto deveria preocupar os petistas: “a massa trabalhadora, que votava no PT até hoje, ficou em casa dia 15, mas aplaudiu os protestos porque não aguenta mais”.
Ele reconheceu os avanços sociais da era Lula, mas reafirmou a posição do MTST de que o modelo de conciliação do lulismo se esgotou. “2013 foi um aviso, mas parece que o PT não entendeu”.
Boulos se mostrou preocupado com o “desfilar de preconceito e ideias fascistas” ocorrido no dia 15. E mostrou clareza de que não se trata de um ataque ao PT, apenas: “o petismo deixou de ser de esquerda, mas o antipetismo é um movimento contra toda a esquerda, é anti-movimentos sociais, anti-esquerda, anti-vermelho. Temos uma direita venezuelana, e um governo covarde. Mas vamos enfrentar essa turminha que destila ódio. Com fascismo, não se conversa; fascismo, se enfrenta.”
Andre Singer concordou com a avaliação de que o início do governo Dilma é desastroso para a esquerda. Até porque o ajuste de Levy deve provocar desemprego, enfraquecendo os trabalhadores – que são a base social da esquerda.
O professor da USP, porém, discordou de Boulos na avaliação do dia 15. “Considero que a manifestação foi majoritariamente de centro. Havia, sim, setores de extrema-direita, golpistas. E havia ainda uma direita radicalizada a favor do impeachment, mas as pesquisas mostram que a maioria estava ali para rechaçar a corrupção”.
Singer acha que é possível “dialogar” com esses setores de centro. Mas foi contestado no debate por gente da plateia. O dia 15, disse o professor Gilberto Maringoni (PSOL) foi, sim, “tendencialmente” em favor da extrema-direita, abrindo espaço para ex-torturadores e golpistas na Paulista. O dia 15, lembraram outros, significou a proibição para que qualquer cidadão vestisse vermelho num amplo raio em torno da Paulista. Essa não é atitude de “centro”, disse um militante anônimo.
Frei Beto definiu as manifestações do dia 15 (e também as de junho de 2013) como “manifestações de protesto, mas não de proposta.” E ressaltou que o PT colhe os frutos por ter governado 12 anos, sem ter feito – nem encaminhado – uma reforma estrutural sequer.
A sindicalista Berna Menezes destacou que não se pode igualar os governos FHC e Lula/Dilma, mas lembrou que o PT é responsável pelo avanço da direita, porque jamais enfrentou a mídia, nem fez uma Reforma Tributária em favor dos trabalhadores.
Outra avaliação comum entre os presentes: a crise será longa, pode durar 4 anos ou mais. Boulos disse que há riscos de ruptura pela direita, devido à “forte presença de setores golpistas” nas ruas. Já Singer, não vê riscos imediatos de ruptura. “A turbulência será grande, o estresse democrático é parecido com 64, mas não há mais a Guerra Fria”.
Não há mesmo? O que os Estados Unidos fazem no Oriente Médio e na Ucrânia é o que? Hum…
Os debatedores defenderam uma “Frente Social”, ou uma “Frente Popular”, para combater o avanço da direita. Uma frente que não seja dos partidos de esquerda, mas agregue amplos setores em defesa de uma pauta mínima.
“O meu partido, o PT, não tem mais condições para dar direção à esquerda. É preciso formar logo essa frente“, disse Singer.
Ele lamentou que o PSOL e o MTST não tenham ido ao ato do dia 13 na Paulista. “Com uma formação mais ampla, poderíamos ter chegado a cem mil pessoas, e não 40 mil, como tivemos”, afirmou. A lembrança de Singer indica as dificuldades que ainda impedem as forças de esquerda e os movimentos sociais de agirem juntos – num momento de forte avanço conservador.
O deputado Ivan Valente listou cinco pontos em torno dos quais poderia ser construída essa frente, aberta a entidades, partidos e cidadãos interessados em barrar a direita – dentro e fora do governo:
– combate ao ajuste fiscal de Levy;
– democratização dos meios de Comunicação;
– reforma agrária e combate ao latifúndio;
– defesa da Democracia e rechaço ao golpismo;
– defesa dos direitos trabalhistas.
Formou-se, entre os debatedores, um consenso de que é possível unificar a esquerda. Não contra o governo Dilma, que em nenhum momento foi citado como inimigo principal. Mas contra o ajuste de direita – que significa o sequestro, pela direita, de um governo eleito com discurso de esquerda. E, especialmente, contra a direita que baba de ódio nas ruas e no Congresso.
Ivan Valente disse que é preciso levar pras ruas “os nomes de Cunha e Renan, como parte da corrupção que se precisa derrotar.” O deputado do PSOL lembrou que o discurso udenista, de falso moralismo, hoje é o mesmo de 54 e 64. Mas dessa vez, lembrou, parte importante da direita está afundada na lama da corrupção: “há 33 parlamentares indiciados, inclusive os presidentes da Câmara e do Senado – que não podem ser poupados, como a direita tentou fazer no dia 15.”
Foi um encontro curioso, em que a turma do PSOL usou a ‘”casa” da CUT e do PT. Um encontro em que o PSOL se definiu claramente contra o impeachment, e fez questão de ressaltar que PT e PSDB não são iguais. Um encontro em que petistas ou ex-petistas não tiveram dúvidas em atacar o ajuste de Levy – ainda que isso significasse atacar frontalmente o governo Dilma.
Havia uma presença de militantes de esquerda, para além do PSOL. E havia a certeza de que a Frente Popular vai nascer com ou sem o governo. Vai nascer nas ruas. E parte importante da base social do PT vai ajudar a compor essa frente – ainda que o partido, como lembrou Singer, tenha perdido a capacidade de liderar a esquerda.
Já não se trata de defender o governo ou o PT. Mas de recompor o campo da esquerda, e impedir a completa restauração conservadora no Brasil.
(Publicado originalmente no site Viomundo)
PS do Viomundo: Apresentamos em primeira mão os vídeos do debate, aqui.
Michel Zaidan Filho: Era tão bom se fosse mentira.
Essa foi a reação da ex-presidenta da Petrobrás, Graça Foster, quando inquerida sobre o propinoduto descoberto nos contratos da estatal com um cartel de empreiteiras. Disse ela que foi surpreendida, quando estava no comando da empresa, e se sentia envergonhada com as propinas pagas a políticos e funcionários públicos pela construção da refinaria Abeu e Lima em Pernambuco.
Seria tão bom, se fosse mentira que Paulo Roberto Costa, o delator premiado, não tivesse confessado à Polícia Federal de Curitiba que teria pago ao ex-presidente do PSDB, o pernambucano Sérgio Guerra, velho conhecido de outra CPI, a bagatela de 10.000.000 para que este abafasse a criação de uma CPI no Congresso Nacional. Seria tão bom se não fosse verdade que o mesmo indivíduo não tivesse confessado ter repassado para o ex-governador de Pernambuco, Eduardo Aciolly Campos, 20.000.000, através do hoje senador Fernando Bezerra Coelho, pelos contratos da Refinaria Abreu Lima; dinheirama usado para financiar as campanhas eleitorais do político do PSB, em 2010-2011. Seria tão bom se o atual governador do Estado não tivesse intermediado a compra do avião do ex-governador que caiu em São Paulo....
0 fato é que tudo isso aconteceu e as responsabilidades civis e penais têm de ser apuradas. Quem foi pego com a mão na cumbuca que responda pelas acusações que estão sendo feitas pelos delatores da Operação-Lava-a-jato. Não é crível nem aceitável que a impunidade se estabeleça sobre esses políticos. A eleição de ninguém serve como indulto ou remissão dos pecadilhos cometidos pelos financiadores públicos e privados de campanhas eleitorais no Brasil. Gestores e parlamentares eleitos através de propinas oficializadas através de doações "legais" não podem posar de líderes impolutos, preocupados, somente, com o interesse público. A impunidade é a mãe de todos os males no Brasil. Como é que campanhas eleitorais que se desenvolvem no meio de todas as suspeitas de caixa dois podem ser ignoradas pela Justiça Eleitoral, só porque os candidatos deste ou daquele partido foram eleitos?
Mais grave é quando o chefe da Oposição, ele próprio se elege num palanque financiado por caixa dois. E o presidente de seu partido (DEM) é denunciado e investigado por ter recebido uma propina de 1.000.000 de reais de uma empresário potiguar! Com que autoridade moral pode falar esse líder, com o dedo sujo, manchado da corrupção eleitoral. 0 nosso país está se tornando um circo de horrores, onde só se apresentam bandidos e criaturas teratológicas (ocupando, aliás, cargos da mais alta importância). É como diz a música popular: "se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão". Pelo visto aqueles que se investiram da função de fiscais da moralidade pública são os mais sujos e indignos.
É necessário acreditar que a Justiça Federal, o Ministério Público e a Policia sejam capazes de fazer o seu trabalho até o fim, sem medo e sem ódio, para que o exemplo da prática da corrupção pública não alimente a corrupção privada. E o imaginário social do povo brasileiro continue a achar que o crime compensa. Sobretudo o crime de colarinho branco.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
"Contando o passado, tecendo a saudade"
Acabo de receber o livro de Diego Fernandes, "Contando o passado, tecendo a saudade". Como sou um homem de raízes; do Cariri; do cacto retorcido; do calango se arrastando pela terra quente; da carne de sol "chorando" sobre o braseiro; do suco de araçás silvestres ou das pitangas roxas; do mel de engenho com cuscuz; da cana braba com coxas de arribaçãs;de todo o universo conhecido como Nordeste Brasileiro, logo me interessei pelo trabalho de Diego Fernandes, orientado pelo professor Durval Muniz Jr. Ambos, orientador e orientando, realizaram suas pesquisas utilizando, em parte, o acerco da Fundação Joaquim Nabuco. O paraibano Durval com um livro que se tornou clássico, publicado até nos states: A Invenção do Nordeste e Outros Mitos. A Fundação Joaquim Nabuco tem um dos acervos mais importantes do país. Como costumo enfatizar, independentemente de questões ideológicas, ele vai do PCB à Rede Globo, passando por Josué de Castro. Durval é um habitué da Instituição. Seja como pesquisador, seja como agraciado com premiação - sua dissertação de mestrado recebeu o prêmio Nelson Chaves - seja como palestrante, seja como consultor para "assuntos de Nordeste", o que não se constitui, convenhamos, numa tarefa simples. Ainda não li o livro de Diego, mas, o que mais me impressiona nele é que se trata de um dos primeiros resultados de um grupo de estudos constituído pelo professor para estudar a saudade. Aliado ao universo de José Lins, que embalou minhas leituras de adolescentes, essa questão da "saudade" também nos instigou à leitura do trabalho de Diego. O Museu DoHomem DoNordeste, da Fundação Joaquim Nabuco, teve sua primeira Exposição de Longa Duração montada em 1979, realizada com um grande esforço dos seus servidores, concebida a quatro mãos, pelo museólogo Aécio de Oliveira e o sociólogo Gilberto Freyre. Inegavelmente, mesmo que anpassant, você encontra - dizem os estudiosos do assunto - as digitais de Aécio de Oliveira naquela exposição, considerada um marco na museologia. Diríamos que apenas do ponto de vista da museologia. Do ponto de vista do discurso ideológico, torna-se irrefutável, onipresenca do sociólogo Gilberto Freyre ou, mais precisamente, da sua "brasilidade nordestina", para lembrar um termo muito ao gosto do professor Michel Zaidan Filho. Ali existia, sobretudo, a leitura e o discurso da aristocracia açucareira sobre a região Nordeste. Até mesmo o "recorte representativo" estava limitado à Zona da Mata ,onde se concentravam os canaviais da região. A receita do famoso Bolo Souza Leão, exposta em sua exposição, não nos permitem dúvidas sobre o assunto. Não exista a luta de classes; não existia as contradições sociais; não existia os movimentos sociais; frações ou segmentos sociais estavam suprimidos de representação naquele espaço. Ainda lembro do grande impacto produzido por uma bandeira do MST naquele circuito expositivo, quando se sabe que, embora surgido no Sul, aqui na região concentra-se uma forte presença do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra. Em 2008, com a exposição: "Nordestes: Territórios Plurais, Culturais, Direitos Coletivos", fez-se uma tentativa de superação desse discurso constituído sob o olhar da Casa Grande. Há alguns questionamentos sobre se o projeto teria sido bem-sucedido. Na nossa modesta opinião foi, embora essa visão "bipolar" da nossa sociedade, em certa medida, nos deixem de alcançar a real dimensão dos problemas. Pude constatar isso com as aulas da professora Danielle de Peron Rocha Pitta. Tivemos uma participação importante nesse processo, sobretudo quando esteve em debate a inserção das comunidades quilombolas no circuito expositivo do MUHNE. Mas, o que nos inquieta é que as pessoas passaram a sentir "saudades". Não raro, os visitantes deixam registros desses sentimentos, informando que gostariam de ver na exposição um determinado acervo relativo, quase sempre, ao período do apogeu dos engenhos de cana-de-açúcar na região. Em palestra na sala Calouste Gulbenkian, Durval já nos alertava sobre a necessidade de clivagens sobre o "resgate desse passado". Aliás, lembrava ele, resgate é coisa de SAMU ou do Corpo de Bombeiros. Por outro lado, é fundamentalmente importante entender o que significa essa tal "saudade". Projetos como o que o professor está desenvolvendo - dos quais esse livro é o primeiro fruto - talvez nos ajudem a entender melhor essa questão. Vamos começar pela leitura do livro do Diego Fernandes. Um bom começo. Aliás, um começo com gosto de cuscuz ensopado no guizado de bode.
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