pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : agosto 2016
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quarta-feira, 31 de agosto de 2016

O xadrez político das eleições de 2016, no Recife: Uma eleição a ser decidida na articulação da sociedade civil. Ganha as eleições quem conseguir demonstrar que cuidará melhor do recifense.



Resultado de imagem para cidadania

José Luiz Gomes

Já comentamos por aqui, em nosso último artigo sobre o assunto, que essas eleições municipais de 2016 serão eleições atípicas, mas ainda não dimensionava corretamente a sua importância para a retomada da luta pela cidadania, conforme advoga o editorialista Sílvio Caccia Bava, editor do Le Monde Diplomatique Brasil, num dos seus últimos editoriais. Caccia começa o texto desconstruindo aquela velha máxima sobre a democracia, onde, até bem pouco tempo, para enfatizarmos as suas vantagens sobre as outras formas de organização política, costumávamos afirmar que era um governo do povo, pelo povo e para o povo. Pelo andar da carruagem política, vão longe esses tempos. Hoje, não seria exagero afirmar que a democracia tornou-se um governo de corporações de interesses e, portanto, a antiga máxima pode ser perfeitamente substituída por governo das corporações, pelas corporações e para as corporações. 

O sociólogo catalão Manuel Castells já havia alertado para o problema, apontando as redes sociais como um mecanismo pelo qual a cidadania poderia vir a ser exercida, de certa forma, substituindo os partidos políticos como mediadores da relação com o aparelho de Estado. Na medida em que o sistema político passa a operar unicamente na defesa e consoante os interesses das grandes corporações, o cidadão comum vê vetadas as possibilidades de atendimentos de suas demandas. Até mesmo numa leitura mais teórica, isso significa a falência do sistema político. Não por acaso, o prestígio dos partidos políticos encontra-se mais baixo do que poleiro de pato. E este é um fenômeno generalizado, observado praticamente em todo o mundo. No Brasil, um dos grupos que se aproximou bastante do sociólogo Manuel Castells foi o grupo ligado a irmã Marina, que, com base nesses pressupostos, chegou a decretar o "fim" da política, o que, convenhamos parece ser mesmo um exagero. 

À medida em que se aproxima o afastamento final da presidente Dilma Rousseff e se aprofundam as medidas anti-sociais do governo ainda interino do senhor Michel Temer, é possível perceber, com clareza, o agravamento dos problemas políticos e sociais, que devem ser acompanhados de protestos daqui para frente. Esses protestos serão necessários, mas a tendência, em clima de Estado de Exceção, é que sejam duramente respondidos através de cassetetes, jatos d'água e balas de efeito moral, além, claro, da banalização de instrumentos como prisão preventiva e "presunção" de culpa, mais ou menos, nos mesmo termos do que ocorreu durante as mobilizações das Jornadas de Junho de 2013. Jornadas que, aliás, em sua agenda previa uma reforma política que acabou não acontecendo e o PT tem lá sua parcela de culpa no cartório da história. 

A "tempestade perfeita" de uma crise aguda na economia, na política e de caráter institucional - com um judiciário como fonte de exceção e não de direitos - poderá mergulhar o país num impasse de consequências imprevisíveis. Por enquanto, antes de uma reforma estrutural, é este o sistema político que temos, com as corporações muito bem representadas, através da bancada da Bíblia, da bala, dos bois, dos bancos, da berlinda. Se quisermos, esses são os atores "políticos" do golpe institucional ora em curso no país. Como adverte Sílvio Caccia, também é chegada a hora de fortalecermos uma "bancada da cidadania", formada por representantes que se vinculem e articulem a sociedade civil através dos sindicatos, dos coletivos, das associações de bairros, dos núcleos populares etc. Na percepção de Caccia, em razão do desgaste dos partidos, uma bancada suprapartidária, com membros de diversas organizações políticas. 

É chegado o momento, então, de estabelecermos as conexões dessas reflexões com as próximas eleições municipais do Recife, o que, mais uma vez, deve dar uma injeção de ânimo entre os petistas da terrinha. Apenas á quiza de informações, não custa lembrar aqui a atipicidade dessas eleições, com eleitores desestimulados, com poucos recursos em razão das restrições de financiamento e sem atrair a atenção da grande mídia, concentrada na impeachment e na Operação Lava Jato. Com base nesses indicadores, é possível tirarmos algumas conclusões. Vamos a elas.

1.1 - No nosso último artigo discutíamos o profundo desgaste de imagem do Partido dos Trabalhadores, vitima preferencial de uma onda persecutória infligida por setores do judiciário e pela "grande" mídia golpista. Vale aqui a ressalva que o desgaste dos partidos políticos é generalizado, aqui e alhures, sem distinção de ideologias. A imagem dos partidos políticos junto á população é caótica, chegando atingir índices superiores a 80% de rejeição. Portanto, se é um fato que o PT anda com o prestigio mais baixo do que poleiro de pato, o prestigio dos demais partidos também não vai muito bem assim. Então aquela tese de que o eleitor, no Brasil, vota mais no candidato do que no partido, sobretudo nessas próximas eleições municipais, tende a se confirmar e atores políticos como João Paulo, por exemplo, podem não sentir o o fardo tão pesado de carregar nas costas as mazelas do PT. Talvez fosse o caso de o comando de campanha dar toda a carga no João, colocando o partido num plano menor. João, aliás, é um ator político que não tem envolvimento com os escândalos de corrupção no qual o PT vem sendo prioritariamente investigado, como no caso da Operação Lava Jato. Talvez não possamos dizer o mesmo em relação ao "amarelinho", cujo padrinho político saiu de cena com o conceito mais sujo do que pau de galinheiro.  

1.2 - Estrategicamente, a luta social e comunitária deve sr fortalecida nessas eleições, sobretudo se considerarmos o caráter antipovo deste governo golpista, que investe pesado no corte de políticas públicas que beneficiavam os mais desfavorecidos. Mais do que nunca, o diálogo de base com os movimentos sociais, sindicatos, associações devem ser fortalecidos no sentido de escolha de atores políticos identificados com a luta pela reconstrução da cidadania, profundamente afetada por este governo. Aqui, como partido de massa e não de quadros, em tese, o PT poderia ser favorecido pois, historicamente, sempre manteve vínculos orgânicos com esses movimentos desde a sua fundação. Aliás, foram esses movimentos de base que ajudaram a criar o próprio partido. Acontece, entretanto, que, em seu processo de burocratização e oligarquização, o partido descolou-se desses movimentos, priorizando a luta eleitoral pelo poder no parlamento. Esse foi um dos erros estratégicos do PT, posto que, quando a presidente Dilma Rousseff precisou desse apoio, ele já não foi mais foi possível dada a sua desmobilização. Em todo caso, ainda assim, como partido de massa, o PT reúne melhores condições de retomar este diálogo. Neste aspecto, João conta hoje com um forte aliado, um outro João, o João da Costa, de quem mantinha um distanciamento até recentemente. Hoje eles estão juntos e, como já afirmei em outras ocasiões, o João da Costa parece que gostava desse "cheiro de povo e de máquina". Infligiu duas derrotas aos burocratas da agremiação em disputas internas. Hoje, passa a ser um forte aliado de João, com chances reais de tornar-se um representante do partido na Casa de José Mariano.

1.3 - Arrisco-me a fazer um prognóstico. Para fatores que vão até além das razões apresentadas acima, deverá ganhar as eleições do Recife aquele candidato que conseguir convencer os eleitores que cuidou ou cuidará melhor do recifense. Lembro que o slogan da administração de João Paulo era "A maior obra é cuidar das pessoas". O que se diz é que o candidato amarelo gosta mesmo é de cuidar dos "coxinhas", dos bairros de classe média do Recife. Eleitoralmente, João Paulo tem uma forte inserção nos bairros de periferia. Nas eleições onde ele desbancou o candidato da União por Pernambuco, Roberto Magalhães, as zonas eleitorais do "país" de Casa Amarela foram fundamentais para a sua vitória. Isso talvez explique o ainda baixo desempenho do candidato tucano, Daniel Coelho(PSDB), um candidato praticamente desprovido desse vínculo orgânico com as organizações de base da população. Por mais que se esforce, a gente sabe que Geraldo Júlio(PSB) não tem esse cheiro de povo. Quem mais se identifica com este perfil é o ex-prefeito João Paulo. Em termos de comunicação, no entanto, é preciso que seu comando de campanha deixe claro que "cuidar das pessoas" é um compromisso, algo que está muito além de um simples slogan.

1.4 - No final, acrescentaria aqui que, do ponto de vista estrito das políticas de intervenções urbanas no Recife, principalmente aqueles atores políticos que estiveram ocupando o Palácio Antonio Farias, deverão assumir algum ônus pela precariedade de discussões coletivas sobre o encaminhamento dessas questões; o caráter higienista e excludente do processo - creio que uma herança ainda da década de 40, da Liga Contra os Mocambos, do interventor Agamenon Magalhães -; além, claro, das relações promíscuas entre o poder público e as empreiteiras. A própria justiça já apontou inúmeras irregularidades envolvendo essas transações. Embora o PT tenha cometido os seus pecados por aqui, deverá caber ao atual gestor, Geraldo Júlio(PSB), na condição de governante, o ônus maior. Quem corre solto nessa raia é o candidato do PSOL, Edilson Silva, que sempre esteve do lado dos movimentos sociais e do povo nesta luta. Mas é preciso dizer que o candidato do PSOL entrou nessa briga para preservar o seu capital político e ampliar o do partido.  


P.S.:Do Realpolitik: Este artigo foi escrito nas primeiras horas da manhã de hoje, dia 31, prazo final para a segunda votação no Senado Federal, que determinou o afastamento definitivo da presidente Dilma Rousseff da Presidência da República. Creio que mais ou menos por volta de 13:00 horas de hoje, fui surpreendido com o barulho de fogos de artifícios e uma espécie de "buzinaço". Logo percebi que eram os "coxinhas" comemorando a deposição da presidente Dilma Rousseff, num dos seus redutos, o bairro de Casa Forte. Não mudei as referências, no artigo, que trata Temer ainda como um presidente interino. Para mim, ele deixa de ser "interino", mas permanecerá ilegítimo.   


domingo, 28 de agosto de 2016

100 facetas de Paulo Emílio Sales Gomes

100 facetas de Paulo Emílio Sales Gomes

Seminário 100 Paulo Emílio discute o amálgama que foi o crítico cinematográfico
Cinemateca Brasileira, Divulgação
Cinemateca Brasileira, Divulgação
por Eric Campi

Nos dias 24 e 25 de agosto, o Itaú Cultural realiza o seminário 100 Paulo Emílio em comemoração ao centenário do cineasta, escritor, professor universitário e crítico de cinema Paulo Emílio Sales Gomes, em parceria com a Cinemateca Brasileira, a Sociedade de Amigos da Cinemateca, o CINUSP e a ECA/USP. A curadoria é do professor da ECA Carlos Augusto Calil, organizador e editor da coletânea O cinema no século da Companhia das Letras.
O seminário, que conta com a participação de professores, cineastas e intelectuais, visa à análise e ao debate de todos os desdobramentos da figura Paulo Emílio, desde o engajamento político às diversas funções exercidas por ele no universo do audiovisual e da escrita. Entre as principais mesas, estão a palestra História e ideologia em Paulo Emílio, de Julierme Morais, que pretende discutir o ensaio Cinema: trajetória no subdesenvolvimento, célebre trabalho do historiador amador; Paulo Emílio e o moderno cinema brasileiro, sobre a conversão do autor ao Cinema Novo; O cômico popular na ficção de Paulo Emílio, analisando seu único romance ficcional, Três mulheres de três pppes; e Permanência de Paulo Emílioque convida o público a debater o legado emiliano nas instituições, na crítica, no pensamento, na universidade e na política.
A diferença temática entre os assuntos abordados pelo seminário se explica através das diversas facetas assumidas pelo paulistano. Ainda jovem, Paulo Emílio foi preso pela ditadura varguista por participar da organização Juventude Comunista, “porque o destino natural de um subversivo numa ditadura é mesmo a prisão”, nas palavras da esposa Lygia Fagundes Telles. Fugindo “por um túnel cavado nos subterrâneos do próprio presídio e que ia dar Deus sabe onde”, o escritor mudou-se para França, justamente o país em que se apaixonou pela obra do cineasta Jean Vigo, sobre o qual escreveu uma biografia, aclamada até por François Truffaut: “Passou por minhas mãos o manuscrito do mais belo livro de cinema que já li”.
Em 1941, já de volta ao Brasil, fundou a revista Clima com alguns amigos da FFLCH: Décio de Almeida Prado, Antonio Cândido, Rui Coelho, Gilda de Mello e Souza e Lourival Gomes Machado. Foi na Clima que Paulo Emílio começou a escrever críticas cinematográficas, da mesma forma que Décio de Almeida virou crítico teatral e Antonio Cândido literário, pelas quais tornou-se internacionalmente reconhecido.
Deixando de lado o método impressionista, as análises emilianas não carregam a pontualidade dos escritos jornalísticos, mas se caracterizam como uma mistura de crítica, crônica e ensaio, com inserção de relatos pessoais e narrativas de fatos históricos, casos e perfis. A linguagem se apresenta pedagógica sem se tornar superficial, o que aproxima ainda mais leitor e autor. Dessa forma, os textos têm fôlego para servir como verdadeiros testemunhos analíticos dos movimentos cinematográficos, como a Nouvelle Vague, o Cinema Novo, o Neorrealismo italiano e o Expressionismo alemão.
Ainda está em seu nome o posto de fundador da Cinemateca Brasileira que, apesar de orgulho, trouxe preocupação e desgosto para o crítico, inconformado com a falta de recursos e dificuldade em manter o acervo. No texto que fecha a série dedicada a Eisenstein, escreveu: “Desde o início do ano passado a Cinemateca Brasileira projetara para esta ocasião uma retrospectiva da obra completa do cineasta russo. A situação de penúria em que se encontra, obrigou, porém, o adiamento do projeto”. O que pensaria o escritor, hoje, se soubesse do corte de gastos promovido pelo presidente interino Michel Temer e a nomeação de diretor para Marcelo Calero, réu por estelionato?
Por fim, a primeira ficção, Três mulheres de três pppes, foi lançada em 1977, confirmando a crítica como gênero literário, a habilidade do professor universitário para a escrita e completando o amálgama que configura Paulo Emílio Sales Gomes.


Seminário 100 Paulo Emílio
Onde: Sala Itaú Cultural (Avenida Paulista, 149
Quando: 24 e 25 de agosto, das 15h às 21h30
Quanto: Grátis
Info: www.itaucultural.org.br/seminario-100-paulo-emilio
(Publicado originalmente no site da revista Cult)

    Le Monde: O golpe é patriarcal, sexista, capitalista e midiático.


    Quem são os articuladores desse golpe em vigência? São homens brancos, ricos, violentos e vorazes, os quais se explicitaram como estruturantes do patriarcado brasileiro, que une gênero, raça e classe
    por Eleonora Menicucci


    N
    a vigência de um golpe patriarcal, machista, sexista, capitalista, fundamentalista, midiático e parlamentar, que retirou da Presidência da República a primeira mulher eleita e reeleita com mais de 54 milhões de votos, como ficam os direitos conquistados e a cidadania das mulheres?
    Quem são os articuladores desse golpe em vigência? São homens brancos, ricos, violentos e vorazes, os quais se explicitaram como estruturantes do patriarcado brasileiro, que une gênero, raça e classe. Desmontam as políticas sociais que sustentam a vida cotidiana, eliminam direitos civis, sociais e trabalhistas que garantem a cidadania e privatizam com a maior velocidade já vista todos os bens públicos.
    A relação entre o patriarcado e o ultraliberalismo econômico se mostra com muito vigor no atual contexto golpista fascista, explicitado pelo fundamentalismo do Congresso Nacional, em especial da Câmara dos Deputados.
    Um retrospecto na linha do tempo do golpe, que teve início com as manifestações de 2013, deixa claro que o capital, que rege os envolvidos e a Fiesp, aproveitou e financiou as manifestações de direita, conhecidas como dos “coxinh@s”. A marca do tempo se deu com a violência sexual explícita contra a presidenta na abertura da Copa do Mundo em 2014, quando a mandaram “tomar no cu”.
    O governo da presidenta Dilma priorizou a autonomia das mulheres, garantindo o viver numa sociedade onde cada pessoa exerça o direito de ir e vir sem se expor a nenhum tipo de violência, discriminação e preconceito. Assim, combatemos com firmeza a cultura patriarcal da violência e do estupro com o Programa Mulher, Viver sem Violência, uma das exigências da Lei Maria da Penha, e com a Lei do Feminicídio, que tornou crime hediondo o estupro e alterou no Código Penal a tipificação da morte de mulher por sua condição de mulher como feminicídio, e não homicídio.
    As mulheres estão em alerta e em luta contra os retrocessos nas políticas do governo golpista: transformar a Secretaria de Políticas para as Mulheres em “puxadinho” no Ministério da Justiça e criar um departamento de mulheres na Polícia Federal significa voltar às trevas dos anos 1970, quando todas as ações para o enfrentamento da violência contra as mulheres eram tratadas como caso de polícia.
    Veio, depois, a nomeação para a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres de uma pessoa que, além de envolvida em esquema de corrupção, declarou ser contra o aborto nos casos legais.
    Idade das trevas, fundamentalista, em que opinião e religião interferem na gestão das políticas. E para onde vão as mulheres estupradas, violentadas e massacradas.
    Na resistência contra a efetivação do golpe, as mulheres têm assumido um protagonismo fundamental. Estão nas ruas, nas cidades, no campo, na floresta e em todos os lugares, porque sabem o que significou ter direito de ir e vir, acesso a oportunidades e cidadania.
    Sabemos que nossa democracia pode ser transformada num sistema fascista, no qual se rompem os direitos, com a imposição da cultura do medo decorrente do fato de rasgarem a Constituição.
    Estamos em um confronto incontornável com o patriarcado para resgatar o mandato da presidenta Dilma, com a afirmação de uma agenda política e social voltada para a superação das desigualdades sociais e garantias de todos os direitos individuais, civis, sociais, econômicos, culturais.
    Eu e minha geração, que vivemos o golpe de 1964, conhecemos as barbaridades sofridas pelas torturas e sabemos que o golpe de hoje se apresenta como muito perigoso por sua forma dissimulada e fascista: entrando o dia inteiro na casa das pessoas pelas TVs com informações seletivas e distorcidas.

    Eleonora Menicucci
    Eleonora Menicucci é ex-ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres do governo da presidenta Dilma Rousseff e professora titular de Saúde Coletiva da Unifesp

    Ilustração: Renato Aroeira

    The New York Times: É golpe!

    Charge!Aroeira via Facebook

    Zizek: Hillary e o triunfo da ideologia


    Žižek: Hillary e o triunfo da ideologia

    Julian Assange está certo em sua cruzada contra Hillary, e os liberais que o criticam por atacar a única figura que pode nos salvar de Trump estão errados. O alvo a ser atacado e solapado agora é precisamente esse consenso democrático contra o “vilão”.


    hilary ideologia zizekPor Slavoj Žižek.

    Alfred Hitchock disse certa vez que um filme é tão bom quanto seu vilão. Isso quer dizer que as atuais eleições nos EUA serão boas já que o “malvado” (Donald Trump) é quase um vilão ideal? Sim, mas num sentido muito problemático… Para a maioria liberal, as eleições de 2016 nos apresentam diante uma escolha bem clara e definida. A figura de Trump é evidentemente um excesso ridículo, uma figura vulgar que explora nossos piores preconceitos racistas e sexistas, um porco chauvinista sem um mínimo de decência. Até grandes nomes Republicanos estão o abandonando aos montes. Se Trump de fato permanecer o candidato Republicano, ficaremos com umas eleições de levantar o ânimo: a sensação será de que, apensar de nossos problemas e disputas internas, onde há uma verdadeira ameaça, temos a capacidade de todos nos unir em defesa de nossos valores democráticos básicos… como a França fez após os ataques terroristas.
    No entanto, é exatamente esse confortável consenso democrático que deveria nos preocupar. Devemos dar um passo atrás e voltar o olhar para nós mesmos. Afinal, qual é mesmo a coloração dessa ampla unidade democrática? Todo mundo está lá, dos partidários de Wall Street aos apoiadores de Sanders junto com o que sobrou do movimento Occupy, das grandes corporações aos sindicatos, dos veteranos do exército aos militantes LGBT+, de ecologistas horrorizados pela negação de Trump do aquecimento global a feministas felizes com a perspectiva de uma primeira presidenta mulher nos EUA passando pelas figuras “decentes” do establishment Republicano espantadas pelas inconsistências de Trump e suas irresponsáveis propostas “demagógicas”.
    Mas o que desaparece nesse conglomerado que aparenta englobar a tudo e a todos? É preciso lembrar que a raiva popular que deu origem ao fenômeno Trump também produziu Sanders. Apesar de ambos expressarem o descontentamento social e político generalizado, eles o fazem em sentidos opostos. Um através do populismo direitista e outro optando pelo grito esquerdista por justiça. E aqui está o truque: o clamor da esquerda por justiça se associa a lutas pelos direitos das mulheres, das minorias, da população LGBT+, por multiculturalismo e contra o racismo, etc. O objetivo estratégico do consenso de Clinton é claramente o de buscar dissociar todas essas pautas do horizonte esquerdista de justiça. É por isso que o emblema vivo desse consenso é Tim Cook, o CEO da Apple que orgulhosamente assinou a carta pro-LGBT e que agora pode facilmente ignorar as centenas de milhares de trabalhadores da Foxconn sendo esfolados em condições análogas à da escravidão na linha de montagem da Apple na China – seu grande gesto de solidariedade para com os “não-privilegiados” se limitou à exigência da abolição à segregação de gênero… Como geralmente costuma acontecer, as grandes empresas se colocam em profundo alinhamento com a teoria politicamente correta.
    Essa mesma postura foi levada ao extremo com Madeleine Albright, uma grade apoiadora “feminista” de Clinton. No programa 60 Minutes do canal CBS (12/5/1996, assista aqui), a jornalista a questiona sobre a Guerra no Iraque: “Ouvimos que meio milhão de crianças morreu. Quer dizer, isso é maior do que o número de crianças que morreu em Hiroshima. E, enfim, será que o custo de uma guerra como essa compensa?.” Albright responde prontamente: “Acho que é uma escolha muito difícil, mas o custo – nós consideramos que vale a pena arcar com ele.” Ignoremos as inúmeras questões que essa resposta levanta (incluindo o interessante deslocamento do “eu” para o “nós”: eu considero uma questão difícil, mas nós avaliamos que compensa), e foquemos apenas no seguinte aspecto: imagine só o descalabro que não seria se o mesmo comentário saísse da boca de alguém como Putin, ou o Presidente Chinês Xi, ou o Presidente do Irã! Será que eles não seriam imediatamente bombardeados por todas as nossas manchetes os condenando como monstros frios, bárbaros e sem pudor? Durante a campanha para Hillary, Albright ainda disse: “Há um lugar especial no inferno para mulheres que não ajudam umas às outras!” (Leia-se: que vão votar em Sanders e não em Clinton.) Talvez devamos corrigir essa afirmação: há um lugar especial no inferno para mulheres (e homens) que pensam que meio milhão de crianças mortas é um preço razoável a se pagar por uma intervenção militar que arruína um país, e que ao mesmo tempo calorosamente apoiam os direitos das mulheres e das minorias em casa…
    Trump não é a água suja que devemos jogar for a para preservar o bebê saudável da democracia estadunidense. Ele é o próprio bebê sujo que deve ser despejado para obnubilar a verdadeira água suja das relações sociais que sustentam o consenso Hillary. A mensagem que e consenso passa à esquerda é o seguinte: “você pode ficar com o que quiser, nós só queremos o essencial, o livre funcionamento do capitalismo global”. O “Sim, nós podemos!” do Presidente Obama adquire agora um novo significado: “sim, nós podemos ceder a todas as suas demandas culturais… contanto que a economia global de mercado não seja comprometida – então não há motivo algum para medidas econômicas radicais”. Ou, como Todd McGowan colocou (em uma comunicação privada): “O consenso das ‘pessoas que pensam direito’ em oposição a Trump é assustador. É como se seu excesso autorizasse o verdadeiro consenso global capitalista a emergir e a se autocongratular a respeito de seus valores de abertura.”
    É por isso que Julian Assange está certo em sua cruzada contra Hillary, e os liberais que o criticam por atacar a única figura que pode nos salvar de Trump estão errados: o alvo a ser atacado e solapado agora é precisamente esse consenso liberal-democrático forjado de cima para baixo para combater o vilão ideal.”
    E o pobre Bernie Sanders? Infelizmente, Trump acertou em cheio quando comparou seu apoio a Hillary com um integrante do movimento Occupy apoiando os Lehman Brothers. Ele deveria ter simplesmente se retirado e ter permanecido na dignidade do silêncio para que sua ausência pesasse fortemente sobre as celebrações de Hillary, nos lembrando do que ficou de fora nessa festa de consenso e, dessa forma, preservando o espaço para alternativas futuras mais radicais.
    * Texto enviado pelo autor diretamente ao Blog da Boitempo. A tradução é de Artur Renzo.
    ***
    (Publicado originalmente no blog da Boitempo)

    sábado, 27 de agosto de 2016

    Paulo Rocha faz um resumo da ópera bufa: sem provas, é pura política.

    26 de agosto de 2016 às 10h11


    Captura de Tela 2016-08-26 às 10.10.00
    Senador Paulo Rocha fez um Resumo da Ópera Bufa com Final Trágico
    sugerido por Franco Atirador
    Sr. Presidente, eu queria, inicialmente, parabenizá-lo pela forma de magistrado em estar processando aqui este julgamento, saudar a nossa Mesa e saudar, respeitosamente, o nosso informante.
    Presidente, mais do que perguntar, eu queria fazer algumas afirmações políticas aqui, porque, sinceramente, este julgamento não tem nada a ver mais com o jurídico ou com as pedaladas ou com o que estão se preocupando aqui em tentar.
    A própria Acusação já fugiu disso, os próprios acusadores já fugiram disso.
    Eles não conseguiram, ao longo desse tempo, provar, mesmo com a competência do técnico [Procurador do MP no TCU Júlio Marcelo].
    O próprio Relator, o nobre Senador Anastasia, a quem respeito, com toda a sua competência, com todos os seus conhecimentos jurídicos, teve que fazer todo um desvio, umas articulações, um malabarismo, para fazer um relatório capaz de comprovar.
    E há até preliminar para poder verificar se ele não acrescentou mais alguma coisa, se ele não foi buscar outra coisa que não estava no processo.
    Aqui, durante o dia, o senhor sempre fez algumas intervenções exigindo que as pessoas não levassem para o político etc.
    Porém, aqui é plenamente um julgamento político, Presidente.
    Estamos vivendo um momento no País que é um processo em que não se precisa mais das armas dos militares para se interromper a democracia do nosso País.
    Aqui é uma combinação de processo político, que vai em busca de uma criminalização de quem está no Poder, e uso dos técnicos bem preparados e a imprensa como processante disso.
    Hoje, o que vemos é que tudo está sendo politizado.
    Está aqui um técnico que é verdadeiro militante político, e o militante político tem lado, assim como também a imprensa tem lado.
    Dentro do próprio Judiciário, os juizes não falam mais só sobre o julgamento, mas fazem declarações e exposições políticas.
    Dentro do Ministério Público, a Lava Jato, por exemplo, começou como uma boa investigação para combater a corrupção, mas, na metade do caminho, politizaram as investigações, usaram a delação [para selecionar Acusados]…
    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) – Mais 30 segundos para V. Exª.
    O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT – PA) – Para descontar na próxima intervenção.
    O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT – PA) – O próprio Ministério Público politizou, na medida em que usa a delação para direcionar só a alguns setores políticos ou ao Partido que está no Poder.
    Presidente, agora, um bom técnico é usado para também estar nessa mola.
    Com toda a militância que ele tem na boa gestão pública, eu não o vi se manifestar nas próprias denúncias dentro do TCU.
    Há denúncia, inclusive, de Ministros que têm relações com advocacias para processar os julgamentos que existem lá. Então, é julgamento político aqui, Presidente.
    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) – V. Exª não fez nenhuma pergunta ao Dr. Júlio Marcelo, mas, respeitando o ponto de vista de V. Exª, no que tange ao Poder Judiciário, quero reafirmar a independência, a autonomia e a isenção dos magistrados brasileiros. V. Exª tem mais uma oportunidade de se manifestar.
    O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT – PA) – Perdoe-me, Sr. Presidente.
    Como instituição, respeito o Supremo. Inclusive, já fui julgado lá [e Absolvido], e foi exatamente no julgamento do tal do Mensalão que se expressaram ali posições políticas.
    Há um Ministro claramente – e ele nem esconde isso –, que é o Ministro Gilmar Mendes, que tem posição política clara, com julgamento sem nenhuma independência.
    Ele faz questão de publicamente fazer esse debate político, com partidos políticos, inclusive.
    Eu queria dizer o seguinte: aqui é uma disputa eminentemente política e uma maioria política que se formou para poder cassar a Presidenta da República.
    E agora saem da questão da denúncia, e a estão julgando pelo conjunto da obra.
    O conjunto da obra, na visão deles, é que, além das pedaladas, que não conseguem provar, eles dizem que ela não é uma boa política, não se relaciona bem com sua base, não se relaciona bem com o Parlamento etc. Esse é o conjunto da obra.
    Eu queria dizer a todos aqui, Presidente, que, da nossa parte, o conjunto da obra é o seguinte: nos últimos tempos dos governos que começamos a implementar, nós fizemos políticas para poder dar oportunidade para todos, melhoramos a vida da população, melhoramos a perspectiva de oportunidades do País.
    E aqui uso, inclusive, o meu exemplo: só tenho o segundo grau e virei grande liderança política do meu Estado por causa da minha militância política pela democracia, porque não tive oportunidade de estudar, lá no meu interior.
    Hoje, lá no interior do meu Estado, o conjunto da nossa obra é que agora o filho do trabalhador pode ser doutor neste País, o filho do negro pode ser doutor neste País.
    O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT – PA) – Este é o conjunto da nossa obra. Por isso, o julgamento aqui é político.
    Presidente, quando o senhor vir aqui que, em nossa intervenção, há uma intervenção política, mas os partidos estão fazendo silenciosamente uma posição política, não querem ouvir testemunhas.
    O próprio PSDB aqui tirou só seu Líder para falar por todos, o PMDB fez a mesma coisa.
    Há uma ação política silenciosa, porque já há uma maioria política aqui para poder tomar uma decisão no dia 30. Eles não vêm para cá agora fazer o debate político.
    Então, aqui é uma posição política, não somos juízes só. Há uma posição política aqui, porque, se fôssemos juízes, cada Parlamentar teria que vir aqui para poder ouvir testemunhos, para formar sua opinião, mas os próprios partidos que nos acusam estão agora manipulando o tempo para poder [cassar mais rápido a Presidente]…
    (Publicado originalmente no site Viomundo)

    Charge!Aroeira via Facebook

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    sexta-feira, 26 de agosto de 2016

    Michel Zaidan Filho: O julgamento de Dilma




    Diz um conhecido provérbio:"o tempo é o senhor da razão". Com certeza o julgamento definitivo dos atos da Presidente Dilma Rousseff será feito pelo tribunal da história. O tribunal que a julgará, no Senado Federal, não tem a isenção necessária para fazer este julgamento. Parece um tribunal de exceção. É como se fosse uma justiça partidária, num processo que carece de base jurídica e legal. Dilma Rousseff será julgada porque perdeu a apoio do Congresso Nacional, como disse um trânsfuga partidário, em busca de uma justificativa para condená-la. Pelo visto, no regime presidencialista que nos coube viver, o maior pecado do governante é se incompatibilizar com o Congresso, seus líderes e seus parlamentares. E a maior virtude é lhes fazer todas as vontades, mesmo à custa do erário público. Dilma está pagando o alto preço de não ter aliciado o Congresso, como fez Fernando Henrique Cardoso ou como está fazendo o interino, sentado em sua cadeira.

    Mas a História apresentará um veredicto diferente para o desfecho desta aventura golpista, travestida de "impeachment". Desde 2012 as forças privatizantes, neoliberais, filoamericanas, associadas à imprensa golpista e ao Poder Judiciário, voltaram a se articular no Brasil, com o objetivo de levar adiante a privataria tucana, interrompida com a eleição de Lula, em 2002. Essa escusa coligação de interesses anti-nacionais e anti-populares aproveitou, como pode, os efeitos da crise econômica sobre o país, para atribuir ao governo petista a responsabilidade pelo atoleiro da economia do Brasil. A política anticíclica posta em prática pela Presidente da República surtiu seus efeitos no curto prazo, mas a crise internacional é profunda e permaneceu no cenário econômico deprimindo o preço das nossas "commodities". O erro da Dilma foi achar que a agenda do "ajuste fiscal" agradaria à oposição, derrotada nas eleições, e lhe daria uma trégua no Congresso. O movimento não foi combinado com sua base de apoio: sobretudo os trabalhadores, os pequenos agricultores, os servidores públicos etc. Nem uma coisa, nem outra. Os adversários farejaram o momento de fraqueza política e avançaram sobre a fragilidade base de apoio parlamentar do governo. E os apoiadores de Dilma foram surpreendidos com uma agenda hostil a eles.

    Aí entra em cena "a bucha de canhão" de todos os golpes políticos no Brasil: as classes médias urbanas, sempre elas. Ameaçadas pelo espectro da proletarização ou do assédio dos de baixo, estes setores sempre conspiraram contra as instituições democráticas. Serviram de estopim da crise política, convenientemente explorado pela mídia, a cata de factóides. Não é a primeira vez que o verde-amarelo aparece como manifestação filo-fascista no Brasil. Os integralistas também vestiam essa mescla colorida. Também eles falavam em defesa da Nação, da Família, da Fé Cristã contra os comunistas à serviço de Moscou. Nacionalista (moralizante) de direita que aplicam, sem mediação, a ética das convicções à política, como se o País fosse a Igreja ou a casa da família. Acrescente-se a isso, a cruzada ultraconservadora das Igrejas neo-pentecostais, com suas Marchas para Jesus Cristo e seus cultos de Louvores cacofônicos e impertinentes.

    Mas nada disso se compara à aliança entre os meios de comunicação de massa e o ativismo judicial dos ministros da Suprema Corte. O juiz investiga e a mídia divulga e condena. Existem os vazamento prós e os contras. Os que são convenientes, mesmo fora da lei, são bem-vindos. Os que ameaçam os interesses golpistas em curso, são apagados. É a política torta, ambivalente, suspeitosa da aliança da mídia com o judiciário.Pode-se esperar alguma coisa de um tal Poder?

    A história há de revelar que se afastou uma Presidente da República, sem crime de responsabilidade. Mas que era o caminho mais curto para o desmonte das políticas de transferência de renda, da política externa independente, do avanço dos direitos das minorias, da criação de oportunidades sociais para os mais pobres e para o resgate da auto-estima do povo brasileiro, no concerto das nações.

    Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE. 

    terça-feira, 23 de agosto de 2016

    O xadrez político das eleições de 2016, no Recife: Ibope aponta João Paulo na dianteira, mas tudo pode acontecer, inclusive nada.



    José Luiz Gomes


    É justo esclarecer que esta não seria a primeira pesquisa de intenção de voto entre os candidatos que disputam as próximas eleições municipais do Recife. O jornal Folha de Pernambuco já teria encomendado pesquisa do gênero ao Instituto Ipespe, com direito a artigo analítico do cientista político Antonio Lavareda. Interessante observar, entretanto, as semelhanças de resultados entre essas duas pesquisas, que apontam para um empate técnico entre os candidatos João Paulo(PT) e o candidato Geraldo Júlio(PSB). Dentro da margem de erro, Geraldo ainda liderava na pesquisa do Ipespe, mas aparece agora um pouco abaixo de João Paulo, mas tudo ainda dentro da margem de erro, o que quer dizer que ambos estão tecnicamente empatados. Este dado deve estar sendo muito bem comemorado nas hostes petistas, por razões óbvias. 

    O linchamento midiático do Partido dos Trabalhadores é algo sem similar e pode ser constatado, cotidianamente, através daqueles canais "competentes", identificados com a sigla PIG. Os fatos são tão grotescos que o partido preparou até uma cartilha para denunciar a perseguição aos organismos internacionais, o que já foi lido como uma tentativa, imaginem, de macular a imagem do país no exterior. É curioso isso, porque esses órgãos que promoveram o linchamento do partido e dos seus líderes não publicaram uma única nota pedindo desculpas ao senhor Luiz Inácio Lula da Silva, à sua família e à sociedade brasileira, pelas calúnias e difamações proferidas, ao atribuir a ele, indevidamente, a propriedade do tríplex do Guarujá. 

    Com o suporte de uma mídia "comprometida" como a nossa, o PT perdeu feio a batalha de comunicação e, supostamente, isso pode ter sérios reflexos nessas eleições municipais, de acordo com 10 entre 10 analistas. Antes que nos condenem, quero esclarecer aqui que não desconhecemos fatos concretos desabonadores da conduta do partido na condução dos negócios públicos e que estes fatos contribuem, igualmente, para "descredenciar" o PT junto a alguns estratos do eleitorado. De imediato, há um consenso de que o PT enfrentará as eleições mais difíceis de sua história. É bom ter sempre em mente que as dificuldades existem, sobretudo em eleições atípicas como esta, com sérias restrições de financiamentos, realizadas em plena "ebulição política" no país.

    O Brasil, entretanto, é um país muito atípico, e o Recife, nas palavras de Agamenon Magalhães, em certas circunstâncias, pode se constituir numa cidade cruel. O "China Gordo" dizia isso em relação a algumas "refregas" eleitorais sofridas aqui no Recife, mesmo quando sua "máquina" apresentava bom desempenho nos grotões. Mas, historicamente, a capital pernambucana sempre se notabilizou como uma arena de disputas políticas renhidas. Os dados apresentados por essas duas últimas pesquisas parecem nos indicar uma disputa, voto a voto, até a eleição de outubro, com uma possibilidade concreta, hoje, de um segundo turno. Nos últimos comentários que fizemos sobre o assunto, levantamos a hipótese dessas eleições municipais, sobretudo em praças como o Recife, assumirem um caráter plebiscitário sobre o golpe institucional ora em curso no país, assim como, em épocas passadas, algumas dessas eleições contribuíram para informar aos militares que já estava na hora deles voltarem às casernas. 

    Dizíamos também que talvez uma boa estratégia do comando de campanha do PT fosse canalizar esse sentimento da população recifense através da candidatura do ator político João Paulo. Há, entretanto, muitas outras coisas em jogo nas eleições do Recife e a sugestão, como disse, é apenas um sugestão. Uma sugestão que até poderia ser considerada, uma vez que o prefeito Geraldo Júlio, desde o início, nunca escondeu de ninguém que apoiou o processo, digamos assim, de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Ele e os principais adversários de João Paulo, a exemplo de Daniel Coelho(PSDB), que aparece com 11% na pesquisa do Ibope, e Priscila Krause, do DEM, que pontua com 8% das intenções de voto. O tucano continua assumindo o papel de "fiel" da balança num eventual segundo turno. A Democrata Priscila Krause avançou bastante em relação à primeira pesquisa do Ipespe, o que indica um certo potencial de crescimento de sua candidatura. 

    João Paulo, pelo que observamos, vem se concentrado bastante numa espécie de "cotejo de gestões", estabelecendo algumas "marcas" a até "índices" com a gestão do prefeito Geraldo Júlio. Nesta luta, desta vez, conta com um outro grande aliado, o também ex-prefeito João da Costa(PT), candidato a vereador do Recife. Estratégias são estratégias e João Paulo montou uma espécie de "conselho político" tão grande que mal dá para ouvir todo mundo. Uma das teclas em que ele sempre bate é que cuidou melhor dos recifenses do que o socialista, notadamente dos recifenses habitante da periferia e dos alagados. 

    Mas, como disse antes e volto a repetir, nem o experiente Antonio Lavareda, ao comentar a pesquisa do Ipespe, quis arriscar algum prognóstico sobre as eleições do Recife, afirmando que estava tudo muito embolado. Lembrando o poeta, Lavareda informou que tudo seria possível de ocorrer nas eleições do Recife, inclusive nada. Pelo andar da carruagem política e considerando os escores apresentados pelo última pesquisa do Instituto Ibope, tudo nos remetem ao fato de que esta frase do Antonio Lavareda continue dando o mote dessas eleições até o próximo dia 02 de outubro. 



    domingo, 21 de agosto de 2016

    Charge! Renato Aroeira via Facebook

    As desconstruções de Jacques Fux

    O trabalho de Jacques Fux mostra-se extremamente importante para o desenvolvimento dos estudos literários contemporâneos
    fux
    por Roniere Menezes
    Jacques Fux é um jovem escritor e ensaísta de rara potência criativa. Suas obras inauguram um lugar diferencial no campo literário brasileiro. Fux é autor dos livros Antiterapias, de 2012, que venceu o Prêmio São Paulo de Literatura de 2013 e Brochadas, de 2015, que recebeu menção honrosa no Prêmio Cidade de Belo Horizonte, e lança, em agosto de 2016, oLiteratura e matemática: Jorge Luís Borges, Georges Perec e o OULIPO, pela Editora Perspectiva, fruto de premiada tese de doutorado defendida na Faculdade de Letras da UFMG em cotutela com a Universidade de Lille 3, na França.
    O trabalho de Jacques Fux mostra-se extremamente importante para o desenvolvimento dos estudos literários contemporâneos, inclusive se pensarmos na noção de literatura como campo expandido, não circunscrito apenas à imanência estético-discursiva. Os textos de Fux apontam para uma grande intimidade com cânone literário nacional e internacional, com pesquisas filosóficas, matemáticas e históricas. Em suas narrativas, de forte caráter ensaístico, o autor transita entre memórias, discussões literárias, culturais e políticas – sem se esquecer dos dramas cotidianos do homem comum. Os textos vêm sempre acompanhados de jogos, chistes e tons humorísticos. As múltiplas perspectivas adotadas relacionam-se aos vários gêneros empregados; entre esses, cabe ressaltar o emprego de cartas e e-mails na construção ficcional de Brochadas.
    A noção de transdisciplinaridade – além do comparativismo literário –  ecoa em todo o percurso do autor. Um forte dado a ressaltar é a importância dada por Jacques Fux, em seu livro Literatura e matemática, ao lugar da fabulação, da imaginação, em qualquer trabalho acadêmico ou produção humana. Em A partilha do sensível, o filósofo Jacques Rancière dialoga com essa questão levantada pelo escritor-ensaísta. Segundo Rancière, “O real precisa ser ficcionado para ser pensado”. (RANCIÉRE, 2009, p. 58) e continua: “A política e a arte, tanto quanto os saberes, constroem “ficções”, isto é, rearranjos materiais dos signos e das imagens (…).” (RANCIÉRE, 2009, p. 59).
    Chamam-nos a atenção a clareza e a precisão matemáticas na escrita de Fux, o cuidado com a elaboração de frases curtas, onde estampam palavras bem escolhidas. O narrador convida o leitor a experimentar jogos, aproximações inusitadas entre campos de saberes distintos;apresenta reflexões sobre conflitos existentes nas relações humanas;aborda diálogos entre matemática e literatura, mas sempre com leveza – característica cara a Ítalo Calvino, como sabemos. Os textos lidam extremamente bem com o humor, a ironia e a auto-ironia, desconstroem paradigmas e recalques relativos à sexualidade e trazem novas visões sobre a questão judaica na contemporaneidade.
    Em seus livros de ficção Antiterapias Brochadas, Fux traz para o campo literário algumas das discussões e propostas artísticas presentes no seu inaugural Literatura e matemática:Jorge Luís Borges, Georges Perec e o OULIPO, como a questão do jogo, do método de trabalho criativo, das limitações da escrita que contribuem para estimular a criação, da formulação de listas etc.
    A lógica matemática, o pensamento libertário e a desconstrução de paradigmas associam-se, em Jacques Fux, à busca de uma comunicação franca com o público leitor. O autor produz textos densos, complexos, dotados de citações eruditas, mas ao mesmo tempo preocupa-se com o entendimento e a fruição da recepção. Como ávido leitor e bom conhecedor das tramas do discurso literário, Fux almeja, em sua escrita,estabelecer interessantes pactos narrativos com a recepção; muitas vezes o narrador trata o leitor como um velho conhecido. Essa estratégia rompe com alguns distanciamentos mais convencionais existentes entre autor e leitor. Em Fux, o que parece brincadeira, abre novas clareiras para nossas percepções de mundo; o que parece sério,revela-se marcado pelo caráter lúdico da linguagem. Nesse diálogo, o leitor não quer deixar o livro que começou a ler e segue sua rota de aprendizagens e surpresas, conduzido pelas experientes mãos do narrador, o que não impede a construção de trajetos singulares de interpretação.
    A autoficção, a memória e a relação desta com a ficção aparecem na produção literária de Fux paralelamente a questionamentos metalinguísticos. Nesse sentido, vale ressaltar a tranquilidade que o narrador demonstra ao retirar aspas em diversas citações clássicas da literatura, “esquecendo-se” do nome do antigo autor. Fazendo assim, o narrador aproxima, mais uma vez, sua escrita de uma conversa amigável com o leitor, lembrando diálogos em que são citadas frases ou versos de importantes autores. Além disso, essa estratégia ficcional de Fux explicita aquilo que é comum a toda obra literária: a relação com outras obras, a eleição de textos e autores que seguirão como imprescindíveis parceiros de caminhada. Como sabemos, Jorge Luís Borges assinalou, em “Pierre Menard, autor de Quixote”: “Pensar, analisar, inventar” passam pelo critério de “entesourar antigos e alheios pensamentos” (BORGES, 1986, p, 38). Não há aí nada de anormal ou condenável, pois a inteligência respira normalmente dessa forma.Mário de Andrade também defendia a criação literária (e musical) como jogo, como paródia e paráfrase de outras obras. A rapsódia Macunaíma é um exemplo dessa proposta.
    A ampla rede intertextual construída por Jacques Fux desvela um jovem autor totalmente imerso na cultura letrada, dotado de amplas e sofisticadas referências. A obra de Fux ajuda combater o receio que diversos leitores iniciantes têm da filosofia, da matemática, da história – e da própria literatura. Os livros ampliam nossas percepções a respeito dos campos disciplinares ao propor novas possibilidades de interação entre áreas diversas. Em seus textos, as tramas sensíveis e bem articuladas possibilitam-nos enxergar as fronteiras como instâncias de porosidade, de trocas, e não como lugar de impedimento ao livre trânsito de experiências e saberes.
    A produção literária de Jacques Fux apresenta, em suas nuanças, uma ideia que tem sido resgatada na contemporaneidade: a noção de comum. Seus textos literários e ensaísticos – distantes de facilidades empobrecedoras – contribuem para que diversas produções da arte, da literatura e da ciência sejam mais bem partilhadas e se tornem um direito comunitário. Para isso, entram em cena a imaginação, o humor, o apuro técnico e a linguagem desconstrutora de convenções morais, sociais e disciplinares. A literatura expandida realizada por esse inquieto escritor, além de sua força linguístico-expressiva, termina por propor a construção de novos espaços éticos e estéticos no corpo social.

    (Publicado originalmente no site da Revista Cult)

    sábado, 20 de agosto de 2016

    Charge!Renato Aroeira via Facebook

    Quem é o doutrinador?


    Acusação a Paulo Freire erra o alvo: sua pedagogia prima pela autonomia do educando na construção dos saberes

    Paulo Cavalcante e Yllan de Mattos
    1/9/2015  
    • Agência Brasil / Foto José Cruz
      Agência Brasil / Foto José Cruz
      “Chega de doutrinação marxista. Basta de Paulo Freire”. Espanto geral. O que o nome do educador Paulo Freire estaria fazendo em uma manifestação contra a presidente Dilma Rousseff e o PT? 
       
      Era março de 2015, e os protestos se davam no rastro da crise econômica, da desarticulação política das bases de sustentação do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff e da corrosão de sua credibilidade. Mas a caixa de Pandora da vida política nacional havia sido destampada dois anos antes, nas manifestações de 2013, que liberaram das conhecidas amarras cordiais os males do autoritarismo, do ódio, da intolerância, do preconceito e do desapreço à democracia.
       
      Haveria na obra de Paulo Freire alguma mensagem capaz de autorizar tamanha indignação e reprovação?
       
      “Doutrinador” é aquele que prega, instrui, incute em alguém uma crença, um ponto de vista ou um princípio sectário, ou seja, realiza uma transferência de conteúdos, de si para o objeto de sua doutrinação. Nada está mais distante do pensamento pedagógico de Paulo Freire do que isto. Ele repele com contundência qualquer procedimento doutrinador: “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”, escreveu em Pedagogia da autonomia.
       
      Suas recomendações sobre os saberes necessários à prática educativa são claras. Desde logo, e sempre, a prática: “A educação como prática da liberdade, ao contrário daquela que é prática da dominação, implica na negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim como também na negação do mundo como uma realidade ausente de homens”, ensinou em Pedagogia do oprimido. O homem em suas relações com o mundo. Este é o pressuposto de toda compreensão e de toda ação educativa capaz de promover a autonomia e a libertação das pessoas. Não é que o mundo seja necessariamente uma prisão. Ele até pode ser, e muitas vezes é. O que importa aqui é pôr o homem em seu contexto, rompendo o aparente curso natural das coisas e identificando o conjunto de suas relações. Colocadas em perspectiva, elas se reconfiguram e geram conhecimento histórico sobre si e sobre o mundo, para si e para o mundo.
       
      Promover a tomada de consciência e a transformação do indivíduo em sujeito qualificado de sua própria história: eis a prática (práxis) educativa de Paulo Freire. Ele assim o diz, sobre si mesmo, em Educação como prática da liberdade: “Todo o empenho do Autor se fixou na busca desse homem-sujeito que, necessariamente, implicaria em uma sociedade também sujeito. Sempre lhe pareceu, dentro das condições históricas de sua sociedade, inadiável e indispensável uma ampla conscientização das massas brasileiras, através de uma educação que as colocasse numa postura de autorreflexão e de reflexão sobre o seu tempo e espaço. (...) Autorreflexão que as levará ao aprofundamento consequente de sua tomada de consciência e de que resultará sua inserção na História, não mais como espectadoras, mas como figurantes e autoras”.
       
      Onde encontrar o ímpeto doutrinador em alguém que, em vez de pregar e impor, pergunta e escuta para compreender? Quando Paulo Freire retornou ao Brasil, em agosto de 1979, uma avalanche de repórteres cercou-o para saber sua opinião sobre a situação do país na época. Ele respondeu: “Vim  para reaprender o Brasil e, enquanto estiver no processo de reaprendizagem, de reconhecimento do Brasil, não tenho muito a dizer. Tenho mais o que perguntar”. Sua atitude, antes de ser dogmática e taxativa, demonstra uma abertura irrestrita para o mundo, como aprendiz. 
       
      A chave para compreendermos a acusação de “doutrinador marxista” contra Paulo Freire não está em sua obra. Encontra-se na mentalidade daqueles que produziram a mensagem, em sua compreensão estreita do que é educação e do que é ensinar. Essas pessoas acreditam piamente no mito da neutralidade da ação docente, segundo o qual o professor não tem cara, não tem lado, não toma partido, não pensa nem intervém de modo transformador na realidade social. Para elas, o professor deve estar unicamente comprometido com a sagrada missão de transmitir conteúdos anonimamente escolhidos, aparentemente desinteressados e oficialmente listados. Conteúdos supostamente eficazes, pragmáticos e destinados a aplacar a sanha competitiva por boas posições escolares e universitárias que tenham o condão de assegurar condições ideais de disputa nas escassas oportunidades de uma sociedade excludente. Na verdade, o acusador grita contra o espelho. É ele, e não Paulo Freire, quem prega a doutrinação. Qual? Diríamos, sem medo de errar: a “doutrinação bancária”, aquela que transfere “ao outro, tomado como paciente de seu pensar, a inteligibilidade das coisas, dos fatos, dos conceitos”.
       
      O caminho da autonomia e da liberdade aberto por Freire não foi concebido para o educando como doação de uma inteligência superior que se compraz na realização daquilo que considera ser o bem, ou seja, como alguém (sujeito) que sabe o que é melhor para o outro (objeto). A grandeza do pensamento de Freire está na redução da distância em relação ao educando, na disponibilidade para escutá-lo em suas diferenças, na abertura de dialógica para a transformação recíproca: são dois sujeitos em troca aberta, franca e transformadora. Enfim, o caminho é partilhado com o educando: “Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. (...) A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser”.
       
      A mentalidade conservadora dos acusadores rechaça a dimensão política da pedagogia concebida e posta em prática por Paulo Freire. “Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica”, esclarece o educador. É por conta disso, provavelmente, que a mensagem no protesto decide ir além de uma doutrinação qualquer, e a qualifica: Freire estaria ligado a uma “doutrinação marxista”. Talvez sem saber, o acusador reedita uma crítica conservadora muito antiga contra Paulo Freire, baseada no fato de que seu trabalho é tão pedagógico como político. Mas é isso mesmo. Como afirmou Moacir Gadotti, o educador é político enquanto educador e o político é educador pelo próprio fato de ser político. Freire complementa: “seria uma ingenuidade reduzir todo o político ao pedagógico, assim como seria ingênuo fazer o contrário. (...) quando se descobre uma certa e possível especificidade do político, percebe-se também que essa especificidade não foi suficiente para proibir a presença do pedagógico nela. Quando se descobre por sua vez a especificidade do pedagógico, nota-se que não lhe é possível proibir a entrada do político”.
       
      Quanto à alcunha de “marxista”, pretensamente desqualificadora, é preciso dizer que Paulo Freire jamais deixou de destacar o papel emancipatório atribuído por Karl Marx à ciência e à pesquisa. Além disso, juntamente com outros intelectuais marxistas, como Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho, o educador não só foi crítico de posições dogmáticas e mecanicistas, como reconheceu o valor universal da democracia e lutou intensamente para o seu desenvolvimento no Brasil. Sobre os confrontos em torno do seu legado, o próprio Marx certa vez disse: “O diabo os leve! O que sei é que eu não sou marxista”.
       
      A pedagogia de Paulo Freire é radical, isto é, vem da e vai à raiz das coisas. Privilegia a cultura, os saberes e os valores dos educandos como ponto de partida e chegada de uma educação como prática da liberdade e da transformação. Quando lecionou a primeira aula em Angicos, no interior do Rio Grande do Norte, em 1963, Freire falou sobre o universo que cercava os estudantes: a leitura do mundo precede a leitura da palavra. No quadro negro, não escreveu “Ivo viu a uva”. Escreveu coisas oriundas daquele cotidiano popular, como “tijolo”. De imediato, o educando reconheceu-se naquela palavra e naquele contexto. Nada mais lhe era alheio: ele havia se tornado sujeito da aula. 
       
      Esse encontro cultural acolheu e inseriu o educando, abrindo o caminho para a sua transformação. Por isso mesmo, é um ato político em seu sentido histórico: a discussão da polis em que vivemos e na qual queremos viver. Este talvez seja um dos pontos centrais da famosa citação do educador, replicada nas redes sociais como resposta dada pela Unesco ao cartaz levantado contra Paulo Freire: “Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”.
       
      Paulo Cavalcante é professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e do Mestrado Profissional em Ensino de História em Rede Nacional – ProfHistória.
      Yllan de Mattos é professor da Universidade Estadual Paulista e autor de A Inquisição Contestada (Mauad-X/Faperj, 2014).
       
      Saiba Mais
       
      GADOTTI, Moacir; FREIRE, Paulo & GUIMARÃES, Sérgio. Pedagogia: diálogo e conflito. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2006. 
      FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 20. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
      FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 24. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
      FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 44. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.
    (Publicado originalmente no site da Revista de História da Biblioteca Nacional)