pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : março 2017
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sexta-feira, 31 de março de 2017

Ataque aos direitos dos trabalhadores são "desastre total" diz subprocurador geral do trabalho


Helena Borges

O “PRESIDENTE REFORMISTA” quer fechar o ano com seis reformas: entre elas, a da Previdência e a Trabalhista. Acompanhando de perto os movimentos palacianos — e muitas vezes demonstrando resistência a eles — o ex-procurador-geral do Trabalho e atual subprocurador-geral do Trabalho Luís Antônio Camargo de Melo participa de audiências no Congresso sobre a Reforma Trabalhista.
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O subprocurador-geral do Trabalho Luís Antônio Camargo de Melo.
 
Foto: Lúcio Bernardo Junior/Câmara dos Deputados
Testemunha do desmonte dos direitos dos trabalhadores, ele relata por telefone ao The Intercept Brasil o que tem presenciado e qual a sua perspectiva para o futuro, caso as reformas sejam aprovadas: “É um desastre para além do trabalhador, é um desastre total para a sociedade brasileira”.
Melo não se posiciona contra a terceirização, mas contra a precarização das condições de trabalho. Para o jurista, que também é professor de Direito do Trabalho no Centro Universitário IESB, a chegada de tais pautas é a conta das eleições: “elegemos representantes que defendem pontos de vista muito mais próximos daquilo que os empresários querem do que daquilo que os trabalhadores necessitam”.
“O direito do trabalho surgiu como uma necessidade”


The Intercept Brasil: Entre os ataques aos direitos do trabalhador, qual é o mais perigoso, na sua concepção?
Camargo de Melo: Essa proposta de terceirização sem limites. Quebra toda a construção de proteção, toda a construção do direito do trabalho.
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Greve Geral contra a reforma da previdência e a reforma trabalhista, em Belo Horizonte (MG), no dia 15 de março de 2017.
 
Foto: Mídia Ninja
O direito do trabalho não existe para fazer revolução. Surgiu como uma necessidade, como uma conquista de toda a sociedade para trazer um equilíbrio jurídico entre trabalhador e empregador, e evitar a exploração, ou diminuí-la.
A sociedade evoluiu buscando esse sistema de proteção. Isso não foi dado de graça. Foi conquistado com muito sangue, muito suor, muitas vidas dedicadas. E ainda estamos construindo esse sistema e todo o processo de valorização do trabalho, de proteção e de garantia da dignidade humana da pessoa trabalhando. É só olhar o artigo primeiro da Constituição da República. Está expressa a valorização do trabalho, a dignidade da pessoa humana de uma forma geral. É esse fundamento da República que está sendo desrespeitado. E isso é de ordem gravíssima.
TIB: Mas senhor diz que não é contra a terceirização, mas contra a precarização. Pode explicar isso melhor?
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No dia 21 de março de 2017, movimentos de trabalhadores organizam greve geral.
 
Foto: Mídia Ninja
CM: A terceirização é um instituto em que se aplica uma gestão de mão de obra: há uma organização de serviços, uma estruturação das empresas. No mundo inteiro se utiliza esse processo de gestão de pessoal, de administração, de produção. Então é inexorável, não é uma situação que seja minimamente razoável você ficar contra a terceirização porque ela é uma realidade.
E tem benefícios. Para aqueles que prestam serviços – desde que eles estejam regulares–, para as empresas, que adquirem um serviço de quem sabe produzir do jeito que a empresa quer. Vai ter um reflexo também para o consumidor: um produto de boa qualidade com um valor de mercado acessível. Então, esse processo é uma realidade e é bom para todo mundo, eu repito.
Agora, um outro processo é o que eu chamo de precarização. É quando você não compra o serviço, mas sim compra a mão de obra, buscando baratear o custo do processo produtivo. Aí se adquire mão de obra que não é qualificada, que não recebeu treinamento, que recebe um salário menor, uma mão de obra que trabalha mais. Ou seja, vem uma mão de obra que é precarizada.
Porque, se for para investir, você vai investir no seu pessoal. E não é razoável investir em pessoal se você quer reduzir o custo.
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Ocupação Ministério da Fazenda, no dia 15 de março de 2017.
 
Foto: Mídia Ninja
TIB: O que seria um exemplo da precarização?
CM: São inúmeros casos que se tem, hoje, na Justiça porque o setor de energia elétrica contrata pessoal e não o serviço. Pessoas que sobem nos postes para fazer manutenção e reparos, que não têm treinamento. Aí o sujeito toma um choque, perde o braço, perde a perna, perde a vida. Porque aquelas pessoas deveriam ser empregadas da empresa de energia, porque aquela ali é a finalidade da empresa, aquilo que ela entrega ao consumidor: um bom serviço de energia elétrica. Então, ela precisa ter pessoal dela, dos seus quadros, treinados, capacitados para desenvolver aquelas atividades.
Quando ela compra essa mão de obra, acaba estabelecendo uma linha de precarização. Tem inúmeros exemplos de trabalhadores que estão aí com as vidas destruídas porque prestaram serviços sem ter capacidade, sem ter qualificação, sem ter treinamento.
“Aí você tem um campo aberto para a fraude: a pejotização de forma geral.”
TIB: O projeto que foi votado libera a terceirização da atividade fim da empresa. É disso que o senhor está falando com esse exemplo?
CM: Eu não gosto dessa expressão. Sempre fui um crítico dessas expressões: atividade fim e atividade meio. Reconheço que a jurisprudência do TST cumpre uma finalidade, sem ela talvez nós tivéssemos a situação ainda mais prejudicial aos trabalhadores. Mas, essas expressões, atividade fim e atividade meio, não resolvem o nosso problema.
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Em mobilização contra a Reforma da Previdência, trabalhadores do campo e da cidade ocupam a sede do Ministério da Fazenda, em Brasília, na madrugada do dia 15 de março de 2016.
 
Foto: Mídia Ninja
Vamos ver as atividades de limpeza. Todo mundo entende atividade de limpeza como atividade meio. A própria legislação prevê, na súmula 331 do TST. Ou seja, há jurisprudência, tem uma situação entendida como absolutamente tranquila e legal: uma empresa contrata outra empresa e essa segunda põe o trabalhador, que é o terceirizado, para fazer a limpeza. Não tem problema. Agora, qualquer empresa funciona sem limpeza? Não. Se você tiver um local sujo, as pessoas não vão conseguir trabalhar, vão ficar doentes. Percebe? Não tem como se identificar uma atividade laboral como não importante. Todas são importantes. Então, esse paradigma, esse prisma não é o melhor. Essa divisão de atividade fim e atividade meio não resolve o problema, mas nós ainda não encontramos nada melhor.
Você precisa perceber aquilo que é fundamental no processo produtivo da empresa para enxergar e entender aquilo que a empresa entrega com o seu produto, com o produto que o consumidor enxerga dela.
TIB: A lei não viria apenas para regulamentar uma prática que se tornou comum, a pejotização?
CM: Aí você tem um campo aberto para a fraude: a pejotização de forma geral. Em algumas atividades, isso vai ser possível. Agora, isso eu posso comprar um serviço com dignidade, entendendo que aquela pessoa é importante dentro do processo produtivo. Mas, o viés que se apresenta não é esse.
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Dia Nacional de Luta contra a reforma da Previdência, 15 de março de 2017, em Brasília (DF).
Foto: Mídia Ninja
O viés apresentado é o de estabelecer condições para contratar pessoas que não são consideradas importantes, vistas como facilmente substituíveis, que não são colocadas naquele patamar de dignidade, porque elas talvez representem condições, atividades compreendidas como de menos importância. Esse é o viés que está sendo trabalhado.
A proposta que está sendo entregue à sociedade hoje pelos empresários, que estão comandando desse processo via Congresso Nacional. Estamos percebendo que, para eles, é importante mudar a legislação para que as pessoas possam ser precarizadas, para que os empresários possam contratar pessoas e considerar que elas não são importantes.
“Elegemos representantes que defendem pontos de vista muito mais próximos daquilo que os empresários querem do que daquilo que os trabalhadores necessitam”
TIB: É interessante quando o senhor fala dos empresários agindo via Congresso desta forma, numa época em que o empresário é visto como o bom político, o bom gestor. Não é paradoxal?
CM: Temos, hoje, uma das formações mais conservadoras da nossa história no Congresso Nacional. A atual legislatura tem uma diminuição significativa de representantes dos trabalhadores e um aumento significativo de representantes patronais. Por isso está acontecendo essa enorme possibilidade de alterar a legislação. Porque as representações populares, as representações de trabalhadores, as representações mais progressistas, mais combativas, diminuíram significativamente no Congresso.
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Protesto como parte da Greve Geral em Porto Alegre (RS), no dia 15 de março de 2015.
 
Foto: Mídia Ninja
Nós elegemos representantes que defendem pontos de vista muito mais próximos daquilo que os empresários querem do que daquilo que os trabalhadores necessitam.
Vamos verificar isso no Brasil inteiro: empresários que se elegem prefeitos, governadores, deputados, senadores. E, claro, se a representação é mais favorável ao empresário, a representação dos trabalhadores não está conseguindo fazer frente à enxurrada de propostas.
Mas uma coisa a história mostra: quando passa um rolo compressor, se destrói muita coisa boa, também. Essa enxurrada de projetos, uma vez aprovados, vai trazer um prejuízo para a sociedade. Os empresários também fazem parte dessa sociedade. Eles também vão sofrer lá na frente com os malefícios dessa enxurrada de projetos de lei com proposta precarizante.
TIB: Este empresário do qual falamos não é o pequeno empresário, o médio empresário, correto?
CM: Pois é. Mas veja que o pequeno e médio empresário são os que mais empregam. Então, para essas empresas, deve ser buscada uma forma de garantir que elas funcionem, que as pessoas possam empreender. É importante o empreendedorismo.
Estamos em um sistema capitalista de produção, então as empresas têm que produzir, que gerar lucro. Se a empresa cresce e gera lucro, gera emprego. Se a empresa não cresce, não gera lucro, ela fecha. Cadê o emprego? É essa lógica que não está sendo respeitada, uma lógica do mercado, uma lógica da sociedade capitalista de produção. Mas esse mercado, essa sociedade capitalista de produção não está respeitando a sua própria lógica. Vai pagar um preço caro lá na frente, não tenho dúvida disso.
“Essa história de que a CLT está ultrapassada, que é antiga, isso não é verdadeiro.”
TIB: O que o Senhor chama de precarização, o governo chama de flexibilização…
CM: A utilização dessa expressão flexibilização não é proibida, muito ao contrário. O próprio legislador da Constituinte de 1988 flexibilizou. A Constituição da República de 1988 trouxe várias situações de flexibilização. Está lá no texto constitucional, tem que ser respeitado, tem que ser defendido, tem que ser praticado.
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Trabalhadores de todos os setores paralisaram a capital paranaense contra as reformas, ato principal que reuniu cerca de 50 mil pessoas no dia 15 de março de 2017.
 
Foto: Mídia Ninja
Temos um direito do trabalho que já foi flexibilizado. Essa história de que a CLT está ultrapassada, que é antiga, isso não é verdadeiro. E essa história de que a CLT é ultrapassada vale apenas para a parte do direito sindical, a parte da estrutura sindical. Essa sim, é uma estrutura que vem da década de 1930 e que já deveria ter sido alterada.
TIB: O senhor tem participado ativamente das audiências sobre a reforma trabalhista. Qual tem sido sua percepção nestas reuniões?
CM: Tenho percebido uma resistência muito grande por parte dos setores conservadores que estão no Congresso Nacional, eles estão dispostos a alterar a legislação. Espero que as melhores propostas prevaleçam, mas o que, infelizmente, nós estamos vendo ultimamente é uma dificuldade muito grande por conta dessas propostas conservadoras.
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Trabalhadores se manifestam contra as reformas em Curitiba (PR), no dia 15 de março de 2017.
 
Foto: Mídia Ninja
Ouvi, outra semana, em uma audiência pública na Câmara, de uma parlamentar: “nós estamos aqui tentando diminuir os processos”. Eu disse: “ao contrário, vocês vão aumentar”. Tenho absoluta certeza que vai aumentar o número de processos. Vai aumentar o número de demandas, porque hoje os empresários já não pagam. Cerca de 60% das ações tramitando na justiça do trabalho representam créditos aos quais o trabalhador tem direito, sem maiores contestações, sem maiores discussões, mas que os empresários não pagam. O que trabalhador vai fazer? Ele vai buscar a justiça.
“Teremos pessoas no mercado de trabalho que vão perder emprego, que vão perder a condição de pagar o aluguel, a condição de pagar uma escola, de pagar uma conta de supermercado. ”
TIB: Em que ponto a reforma trabalhista o preocupa mais?
CM: A mim, preocupa estabelecer uma situação de precarização em relação aos trabalhadores, de diminuir o poder aquisitivo, diminuir a condição de vida. Teremos pessoas no mercado de trabalho que vão perder emprego, que vão perder a condição de pagar o aluguel, a condição de pagar uma escola, de pagar uma conta de supermercado. Isso vai acontecer, fatalmente.
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Trabalhadores de todos os setores paralisaram a capital paranaense contra as reformas em Curitiba (PR) no dia 15 de março de 2017.
 
Foto: Mídia Ninja
O que está sendo proposto é uma redução de custo de produção a partir da redução de benefícios e direitos dos trabalhadores. Isso vai trazer um enorme prejuízo para a sociedade.
Não sou economista, mas acredito que um raciocínio simples vai levar a uma preocupação enorme a médio prazo. Porque se esse trabalhador precarizado ganha menos. E vai consumir menos, também. Então todo o processo produtivo vai ter dificuldade lá na frente, porque não vamos ter pessoas para consumir esses produtos.
“É um desastre para além do trabalhador, é um desastre total para a sociedade brasileira.”
TIB: Existem outros projetos do governo, em relação ao direito dos trabalhadores, que o preocupam?
CM: Essa proposta de reforma da previdência. Pelo amor de Deus! É uma situação tão absurda que, se eu tivesse dormindo durante alguns anos e acordasse, de repente, e me dissessem que isso é realidade, eu diria: não acredito! Não acredito que nós caminhamos para esse retrocesso social.
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Manifestação contra as reformas da previdência e trabalhista em Florianópolis (SC), no dia 15 de março de 2017.
 
Foto: Mídia Ninja
Falar que a previdência é deficitária? Não é verdade! Vamos discutir em termos de sistema de seguridade social, que é superavitário. O legislador constituinte de 1988 criou receitas para garantir o sistema da seguridade. Tem jogos de loteria, só para dar um exemplo, que acumulam fortunas e que têm que ser usados também no sistema de seguridade social. Será que eles são usados realmente? Será que eles são destinados ao custeio do sistema de seguridade social? Tem inúmeras fraudes, empresas enormes que devem bilhões de reais para o sistema da seguridade social e não são cobradas.
Em contrapartida, você tem situações de adoecimento de trabalhadores por conta do processo produtivo. A empresa contrata o trabalhador, ele adoece no seu local de trabalho, se afasta e fica por conta da previdência. A empresa contrata outro trabalhador, não modifica o sistema produtivo, ele adoece também. Aí, você fica num círculo vicioso do qual não se escapa. E vai se jogar mais uma vez a conta no trabalhador.
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Greve Geral em Florianópolis (SC), no dia 15 de março de 2017.
 
Foto: Mídia Ninja
Imagina, trabalhar 49 anos?! Contribuir por 49 anos para poder se aposentar? É um absurdo! Você não vai conseguir se aposentar. As pessoas que estão trabalhando hoje, que estão no mercado de trabalho, não vão se aposentar. Está arriscado elas pararem de contribuir. Aí sim, vai começar a ter confusão e vai ser o limite se as pessoas pararem de contribuir, quando perceberem que não vão se aposentar.
TIB: Mas, depois dos primeiros anúncios, o governo passou a explicar que não seria necessário contribuir por 49 anos…
CM: “Não, não é bem assim. Você não precisa contribuir por 49 anos, você pode contribuir por 25 e se aposentar proporcionalmente.” Meu Deus, a maldade que está por trás disso é tamanha! Porque a pessoa que se aposenta proporcionalmente, logo, logo, fica completamente defasada. E o dinheiro que vai receber não dá para comprar pão na padaria de manhã. E são pessoas idosas, que gastam com remédio.
É um desastre para além do trabalhador, é um desastre total para a sociedade brasileira.

(publicado originalmente no site do Intercept Brasil)

O ar estava carregado de eletricidade: O relato de Jacob Gorender sobre o golpe de 1964

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Foto: Robson Martins/Fundação Perseu Abramo
Da Agência Pública
por Thiago Domenici
Nessa conversa de 15 anos atrás, o historiador comunista fala de detalhes do seu 31 de março de 1964, o dia crucial para o golpe, desfechado no dia 1.º de abril
Aos 53 anos do golpe militar, a Pública traz uma entrevista inédita com o historiador Jacob Gorender. Falecido em 2013, aos 90 anos, o militante comunista é autor de obras clássicas da historiografia nacional como O escravismo colonial Combate nas Trevas – A esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada.
Nessa conversa de 15 anos atrás, Gorender fala de detalhes do seu 31 de março de 1964, o dia crucial para o golpe, desfechado no dia 1 de abril. “Para mim, foi inesperado. Era impressão, não só minha, como de tanta gente que estava do lado democrático naquela época, que nós venceríamos a parada, que conseguiríamos realizar reformas importantes e levar o país para frente.”
O golpe jogou Gorender na clandestinidade por seis anos até ser preso em 1970. Nesta entrevista, ele fala das experiências vividas como militante durante o período de exceção (1964-1985). “Eu achava que a esquerda marxista não devia capitular como a direção do PCB, mas também não devia se precipitar em ações de assalto, que estavam custando muito caro”, diz o historiador.
Onde o senhor estava no dia 31 de março de 1964?
Eu estava num hotel e planejado para viajar de Goiânia a Brasília no dia seguinte. À noite no hotel, ouvi pelo rádio o discurso de Jango aos sargentos no Automóvel Clube. Eu tive um presságio de que a coisa estava muito esquentada.
O presságio veio quando o senhor ouviu o discurso?
Sim. O ar estava carregado de eletricidade. E no dia seguinte – eu conto isso no meu livro Combate nas trevas – tinha uma banca de jornal quase à porta do hotel, comprava lá os jornais que vinham do Rio, mas quando fui no 31 de março me disseram que os jornais não tinham chegado. Algo estranho, né? Pouco depois, eu estava cortando o cabelo na barbearia do hotel e me entregam o telefone. E um companheiro de Goiânia me diz: “Olha, acaba de haver um levante contra o governo do Jango”. Assim que o barbeiro terminou o serviço, eu, pelo telefone, avisei um companheiro para que viesse ao hotel me pegar de automóvel; arrumei minhas coisas, fechei a conta e saí. Eu compreendi ali que a coisa tinha virado.
À noite, Marco Antônio Coelho [dirigente do PCB e editor do jornal Voz Operária durante a ditadura militar] me ligou: “O governo está deposto”, disse. “O Jango saiu do Rio, veio pra Brasília e já foi para o Rio Grande do Sul. A Presidência foi declarada vacante.”
A partir daí começaram seis anos de clandestinidade até eu ser preso em janeiro de 1970.
Jango discursa no Automóvel Clube, no Rio de Janeiro, em 30 de março de 1964 (Foto: Divulgação/Dossiê Jango)
O senhor imaginava que haveria um golpe?
Para mim, foi inesperado. Era impressão, não só minha, como de tanta gente que estava do lado democrático naquela época, que nós venceríamos a parada, que conseguiríamos realizar reformas importantes e levar o país para frente.
A ideia de que daria certo não era muito otimista?
Nós tínhamos confiança. Antes de sair para Goiânia, eu assisti ao comício da Central do Brasil [abaixo, o áudio da convocação], no Rio de Janeiro, em que Jango foi o orador final e anunciou duas medidas importantíssimas. Havia um clima de que nós conseguiríamos projetar o Brasil no rumo de mudanças, que eram as chamadas reformas de base. Duas eram particularmente importantes. Uma limitava as remessas de lucro do capital estrangeiro. Tinha-se conseguido uma lei proposta pelo deputado Sérgio Magalhães, um nome hoje pouco lembrado, mas que naquela época tinha muita projeção, como deputado nacionalista… Ele tinha feito aprovar na Câmara um projeto segundo o qual as remessas se limitariam a 10% sobre o capital que vinha de fora investido no Brasil. Quer dizer, o excedente, o capital que aumentou à custa de lucros no Brasil, ficava fora do cálculo dos 10%. Uma medida que desagradou profundamente às multinacionais, suscitou protestos do embaixador americano, mas passou na Câmara. Por sinal, foi uma das primeiras leis revogadas assim que o golpe foi vitorioso. E a outra medida foi a da reforma agrária, a da limitação das propriedades na faixa de 10 km de cada lado das rodovias federais. Toda propriedade de mais de 100 hectares seria desapropriada além dos 30 hectares que fossem na margem de açudes e de outras obras financiadas pelo governo federal.
Isso colocou os fazendeiros possessos e estabeleceu a união deles de norte a sul para derrubar o governo.
Antes disso, é claro, Jango já tinha contra si todo o conjunto de forças conservadoras e ultrarreacionárias. Jango era um homem sabidamente discípulo do Getúlio Vargas, inclusive eram vizinhos estancieiros, como dizem no Rio Grande do Sul, em São Borja. Getúlio terminou tragicamente. As mesmas forças que levaram Getúlio ao suicídio, os coronéis e seu famoso manifesto, que já eram generais quando Jango assumiu o poder, se uniram contra ele. E entre elas, é claro, Carlos Lacerda, que já era o governador da Guanabara, que fez uma campanha violentíssima contra Jango.
Então Jango tinha à frente uma coalizão muito forte. Mas nós tínhamos esperança de que ele conseguiria realizar essas reformas e de que nós teríamos força para levar o país a mudanças e a um rumo progressista.
Quando o senhor diz que “nós” tínhamos esperança, quem o senhor inclui?
Nós, no caso, os comunistas. Naquela época era o Partido Comunista Brasileiro [PCB], já tinha o PCdoB [Partido Comunista do Brasil], que surgiu em 1962, mas ainda era um partido de menor influência e já pregava a luta armada, mas que naquele momento ainda não tinha significação. Além do PCB, existiam as forças que se agrupavam na chamada Frente Parlamentar Nacionalista (FPN), presidida pelo deputado Sérgio Magalhães. E aí entravam os comunistas e os nacionalistas em geral. Era assim que se chamavam na época aqueles que queriam reformas anti-imperialistas, contra o capital estrangeiro, contra as multinacionais, com uma política externa independente, uma frente latino-americana, enfim… que se contrapunham às forças conservadoras que não admitiam reforma agrária, as multinacionais que queriam seus interesses intocados, obviamente.
O grande capital estrangeiro e nacional que não admitia concessões aos sindicatos, aos trabalhadores. Uma das acusações que faziam a Jango e que propiciaram o golpe é que ele estava planejando introduzir no Brasil o que eles chamavam “a república sindicalista”.
Jango estimulou muito os sindicatos?
O Jango tinha muita ligação com os sindicatos, Getúlio tinha menos. O Jango, pessoalmente, era um homem muito acessível.
O senhor o conheceu?
Nunca estive com ele. O vi em comícios, mas no comitê central do partido eu não tinha essa tarefa. O Prestes [Luiz Carlos Prestes] esteve frequentemente com ele. Quando ele queria, o Jango o atendia. E também os sindicalistas, líderes sindicais, tinham acesso fácil ao Jango. O Getúlio era homem reservado, colocava as pessoas à distância, enquanto o Jango não. Já existia, acredito que foi fundado em 1962, o CGT, Comando Geral dos Trabalhadores, que unia os sindicatos, federações, justamente nessa luta pelas reformas de base, então também integrava a FPN.
Como foi sua vida após o golpe?
Quando eu saí do Rio depois do comício do dia 13 de março e fui pra Goiânia, eu estava tranquilo. Saí do Rio certo de que as coisas estavam marchando bem, de que nosso apoio ao Jango estava certo e que as reformas seriam realizadas, e nós triunfaríamos contra a frente conservadora, reacionária do Carlos Lacerda, dos generais e de toda a politicada conservadora da época. Eu tinha essa tranquilidade. E esse era também o estado de espírito do pessoal do comitê central do partido, dos dirigentes do partido e dos aliados. Era uma confiança de que nós iríamos triunfar.
A época também nos incitava a ter esse pensamento. Era 1964, mas em 1959 havia sido vitoriosa a revolução cubana e vários brasileiros e dirigentes tinham estado em Cuba, o que animava o ambiente. Teve também a luta pela independência na Argélia, que foi vitoriosa. A Guerra do Vietnã ainda estava nos seus primórdios, mas o fato é que nós víamos os americanos sendo batidos em várias frentes; governos socialistas vitoriosos na Itália, na França, tudo isso nos animava, tínhamos uma impressão favorável.
E mesmo na América Latina, o Chile era comandado pelo Eduardo Freire, que não era socialista mas era de esquerda. Na Argentina, a situação era periclitante, mas naquele momento era o Arturo Umberto Illia, um governo moderado, ainda não era a ditadura que depois matou 30 mil pessoas. No México era o Cárdenas, amigo que tinha atitude simpática em relação a Cuba e apoiava os movimentos progressistas da América Latina.
Então vocês foram surpreendidos?
A situação era de tal ordem que nós fomos pegos, como se diz, de calças curtas. Não tínhamos uma preparação no caso de uma virada brusca da situação. Não tínhamos aparelhos até para nos abrigar, ou seja, casas suficientemente resguardadas onde pudéssemos nos esconder. Então, assim que veio o golpe, pelo que me falaram – e acredito que seja verdade –, um grande foco do problema foi onde colocar o Prestes. Dizem que ele dormiu a primeira noite, de 31 de março para 1º de abril, num automóvel, não tinha onde levá-lo, até que procura daqui, procura de lá, encontraram uma casa onde ele podia ficar sem ser, momentaneamente, molestado. Foi um corre-corre para cada um encontrar um lugar onde se abrigar. Quer dizer, um despreparo completo. Em Goiânia também foi com dificuldade que me arranjaram um lugar onde eu pudesse me abrigar, uma espécie de sítio, onde eu fiquei quase um mês antes de viajar para São Paulo. Esse foi o ambiente em que o golpe se produziu. Quer dizer, o espírito de autoconfiança foi danoso e muito nocivo. Dificultou a rearticulação.
Quem o abrigou nesse primeiro mês?
O dono do sítio chamava Benigno, depois ele foi preso, não por causa da minha presença, mas ele ajudou outros também. O sítio era um lugar de moradia da amante dele.
Enquanto o senhor fugia, como teve acesso à informação do que estava acontecendo?
Eu fui de Goiânia a São Paulo de automóvel levado por um companheiro chamado Walter de Souza Ribeiro, que tinha sido oficial do Exército, mas, como ele deu um “Viva, Prestes” numa solenidade, foi excluído. Era segundo-tenente. É um dos desaparecidos. Figura entre as pessoas que tiveram um fim que ninguém sabe. Morreu, é claro. Ele me trouxe a São Paulo, e de lá eu fui colocado no segundo aparelho coordenado pelo Marco Antônio Tavares Coelho, deputado federal, lugar onde estavam os outros companheiros. Era uma casa onde a gente tinha que ficar em silêncio, não falar em voz alta, e tudo era difícil. Sanitário, tomar banho, alimentação…
Até que eu consegui um outro lugar para ficar. No fim, eu passei seis anos mudando de casa. Calculo que devo ter mudado umas 30 vezes, uma vida muito estressante. Ficava em casas de famílias, mas chegava um ponto que elas também ficavam enervadas e você tinha que sair porque já não havia ambiente favorável.
Quais os momentos de maior tensão nessa peregrinação até sua prisão em 1970?
Eu estava na lista dos cassados, mas consegui despistar. Eu não fiquei esses seis anos totalmente em São Paulo. Eu passei dois anos em Porto Alegre, fiquei de 1966 a 1968, como missão do partido, e me integrei na direção, no comitê estadual da cidade. Então atuei esses dois anos em Porto Alegre até que a minha situação também ficou inviável. Eu fui localizado, a polícia política já sabia que eu estava lá e tinha meus dados físicos, e certos erros cometidos pelos próprios companheiros tornaram inviável a minha permanência. Daí vim pra São Paulo e aqui fiquei. Em 1970 fui preso.
O senhor ficou quanto tempo preso?
Eu fiquei dois anos preso, até 1972. Por que os outros ficaram um tempo bem mais longo? Por que eu não participei de nenhum assalto, nenhum ato dessa natureza. Eu era contra isso, eu achava que a esquerda marxista não devia capitular como a direção do PCB que pregava uma linha, a nosso ver, conciliadora, a título de encontrar brechas na política da ditadura, mas também não devia se precipitar em ações de assalto, que estavam custando muito caro. Quer dizer, a repressão se organizava, tinha muito mais recursos em matéria de automóveis, agentes, pessoal treinado. Os assaltos terminavam, frequentemente, em tiroteio, prisões, e o balanço era negativo, na minha opinião. O que se obtinha de dinheiro numa agência bancária, no final das contas, tinha que pagar o pessoal que assaltava, que se tornava funcionário, tinha que ter uma integração total na vida. Enfim, à medida que mais se assaltava, mais dinheiro se precisava, e isso estava se tornando um ciclo vicioso prejudicial.
A minha opinião, a minha posição, se coaduna com a do Apolônio de Carvalho. Nós fundamos o PCBR. Como éramos dissidentes do PCB, então numa conferência clandestina, criamos um outro partido, mantendo a sigla PCB e acrescentando o R, Partido Comunista Brasileiro Revolucionário.
Apolônio de Carvalho fundou com Gorender o PCBR, uma dissidência do PCB (Foto: Divulgação/Memórias da Ditadura)
A luta armada então foi um erro?
A nossa posição era a de não entrar na onda dos assaltos naquele momento, era de considerar que uma atitude de participação na luta armada devia ter um certo sustento no movimento de massas, no movimento de opinião pública que não existia.
A nossa posição era utópica, porque movimento de opinião pública maciço nas condições da ditadura naquele momento era inviável. A censura era completa. A repressão, tremenda. Quer dizer, sindicatos sob intervenção. Os dirigentes sindicais que tinham sido eleitos foram depostos. Era uma posição realmente utópica. Nós teríamos que esperar, o que ia demorar anos para se formar. E outros companheiros não queriam essa espera. No nosso caso, quem apoiava a luta armada imediata era Mário Alves. Era um companheiro formidável, de grande prestígio pessoal, se comportou heroicamente em todo esse episódio, e morreu sob tortura, literalmente, no Rio de Janeiro, no quartel da Polícia do Exército, na rua Barão de Mesquita.
Enquanto nós deliberávamos, o Marighella, com a Ação Libertadora Nacional, já estava em ação, com assaltos e também outros grupos foram se formando, Vanguarda Armada Revolucionária Palmares [VAR-Palmares], Vanguarda Popular Revolucionária [VPR)]… aí foi o desastre da esquerda, se fragmentar em 20 ou 30 grupos. No meu livro Combate nas trevas, no final, tem um glossário de siglas, que dá uma relação dos grupos que se formaram para esse tipo de ação. Isso nos fragilizava tremendamente, a repressão foi aperfeiçoando seus aparelhos, colhendo informações. Enquanto nós perdíamos um companheiro preso ou morto e não tínhamos como substituir, a repressão sempre tinha como formar novos quadros. Criou a Oban, DOI-Codi, os centros de tortura… uma coisa terrível.

Nordeste: Uma vocação para a produção da desigualdade?



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José Luiz Gomes


A economista Tânia Bacelar (SUDENE, FUNDAJ, UFPE, Instituto Celso Furtado) é considerada uma das maiores especialistas em políticas regionais do país. Em sua fase de SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste) foi uma espécie de discípula do paraibano Celso Furtado que, no tocante às políticas regionais, dispensa maiores apresentações. É de Tânia Bacelar uma das expressões mais sintomáticas sobre a Região Nordeste. Em suas falas e em seus escritos, ela tem enfatizado o fato de a região guardar uma tendência de "vocação para a produção da desigualdade". Ao longo dos séculos, desde o Período Colonial, esta "sina", num linguajar regional, se repete na região. Mesmo quando o Nordeste alcançou picos de desenvolvimento econômico - com índices auspiciosos do seu PIB - não se verificaram melhorias significativas nos indicadores sociais regionais, salvo, melhor juízo, no período de governo da coalizão petista, sobretudo em razão das políticas redistributivas de renda adotadas, como o Programa Bolsa Família, que tirou 40 milhões de brasileiros da extrema pobreza. 

Como o Programa Bolsa Família estabelece critérios rígidos de concessão aos beneficiários - a partir de uma situação de fragilidade econômica e social comprovada - algo em torno de 70% dos contingentes populacionais atingidos se concentram nas regiões Norte de Nordeste do país, justamente aquelas regiões de população mais empobrecida. Daí se entender, como observa Tânia Bacelar que, mesmo que não houvesse uma política regional formal nos governos da coalizão petista, por vias tortuosas, o programa Bolsa Família acabou cumprindo esse papel. Do ponto de vista da matriz das políticas econômicas, obras do PAC também podem ser elencadas como importantes investimentos de infraestrutura regionais dos governos da coalizão petista, como as arrastadas obras de transposição das águas do Rio São Francisco. Pernambuco, por exemplo, ainda no governo de Eduardo Campos, chegou a abocanhar, sozinho, 25% dos recursos do PAC. 

Politicamente, nos governos da coalizão petista, a região Nordeste foi pensada.Estava na agenda da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, quando comandada pelo oráculo de Harvard, Roberto Mangabeira Unger. Havia ali um Projeto Nordeste, com planos estratégicos para a região, de certa forma ainda inspirados nas reflexões do economista Celso Furtado. Mas, já no tumultuado segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, as coisas começaram a "fazer água" (ops!). Um dos primeiros indícios de que algo não ia bem foi o pedido de exoneração do economista Marcelo Neri, que havia substituído Unger na SAE, um dos principais artífices das políticas de redistribuição de renda da era petista. Voltou a dar aulas na FGV, entendendo que as concessões constantes que a presidente Dilma Rousseff fazia aos seus opositores era um indicador dos estertores do seu governo. Premonição que, como se sabe, viria a concretizar-se, com o seu afastamento da Presidência da República.  

Historicamente, os programas desenvolvidos pela antiga SUDENE foram muito importantes para a região, criando as condições para o desenvolvimento de potenciais nichos de crescimento em diversos setores da economia. As causas "naturais" - como as estiagem prolongadas - por sua vez - como esta que estamos vivendo no momento, podem dizimar iniciativas econômicas importantes, como um outro pólo de fruticultura irrigada que estava sendo erguido no Estado da Paraíba, nas imediações da cidade de Souza, cujas plantações de coqueiros foram completamente perdida com a estiagem, criando um gravíssimo problema para  e economia local. Quem sabe, num futuro próximo, estaríamos diante de um novo pólo de fruticultura irrigada tão pungente, assim como já ocorre com o pólo de Açú, no Rio Grande do Norte, ou o do Vale do São Francisco, nos Estados de PE e Bahia. A situação geográfica privilegiada do Rio Grande do Norte, permitem que os frutos do mar e as frutas tropicais cheguem na Europa ainda fresquinhas.

As soluções para os problemas de estiagens prolongadas na região do semiárido nordestino - esta última já dua 06 anos, criando uma situação dramática - como as obras de transposição das águas do Rio São Francisco - até o momento, criaram enormes polêmicas de viabilidade técnica, assim como grassam denúncias de desvios de recursos públicos em sua construção. Por enquanto, em resumo, muito mais problemas do que solução, criando uma situação de insegurança hídrica, creio, nunca observada antes com tamanha intensidade.

São vários os fatores que interferem no processo de exportação de produtos ou serviços. A infraestrutura local; a situação da economia mundial; o gerenciamento do câmbio; a guerra fiscal; o padrão da política das relações exteriores, etc. Num passado bem distante, por exemplo, o Nordeste brasileiro tornou-se o maior exportador mundial de algodão, em função da Guerra de Secessão nos Estados Unidos. A crise da economia mundial recente, por sua vez, teve seus reflexos nos nossos padrões de exportações. Nos governos da coalizão petista, por razões ideológicas, foram ampliadas as nossas relações com os países do bloco econômico do Mercosul, o que deve sofrer um resfriamento na atual conjuntura política vivida pelo país, hoje francamente favorável ao estreitamente das relações com os Estados Unidos da América. Para ser mais preciso, a tendência é que voltemos a ser uma espécie de quintal dos Estados Unidos, como no passado. 

Na realidade, como a dinâmica econômica supera até mesmo as indisposições políticas dos governantes de turno, concretamente, os maiores parceiros comerciais do Nordeste são a China, União Europeia, Estados Unidos e Argentina. "A queda na participação dos Estados Unidos e União Europeia foi compreendida por Hidalgo e Feistel (2007) como uma mudança de eixo do comércio exterior da região. Além disso, as exportações regionais tornaram-se mais diversificadas. A estrutura das exportações da região revela queda na participação de grupos de alimentos, fumo e bebidas, enquanto eleva-se a exportação de produtos minerais e manufaturados de maior valor agregado, tais como produtos químicos, metais comuns, material de transporte, calçados e couros. Melo e Moreira (2010) analisam a introdução de produtos chineses na economia nordestina. O período analisado é de 2002 a 2007 e os setores selecionados são têxtil, vestuário e calçados, tradicionais na estrutura produtiva da região. As autoras ressaltam a importância da China como parceiro comercial do Nordeste e destacam que o crescimento do comércio entre a China e o Nordeste foi responsável pela expansão das vendas externas nesta região. No estudo Melo e Moreira (2010) utilizam o indicador de concentração setorial das exportações e das importações e o indicador de trocas intrassetoriais entre dois países, medidos pelo coeficiente de Gini-Hirschman e pelo indicador de comércio intrassetorial. Os dados foram oriundos do Sistema Alice do Ministério de Industria e Comércio."

"No período analisado por Melo e Moreira (2010) Bahia, Ceará, Paraíba e Pernambuco, são importantes importadores de produtos chineses, ao passo que Bahia e Maranhão são os dois estados do Nordeste em que há a maior concentração de vendas para a China. Considerando os setores selecionados, todos os estados do Nordeste, com exceção do Maranhão tiveram relações comerciais com a China, sendo que Paraíba concentra a maior parte das importações deste país. Quanto as exportações o setor mais representativo é o de calçados, com destaque para os produtos de couro e sintéticos. Galvão (2007) analisa a evolução no comércio exterior da região Nordeste entre os anos de 1960 e 2004. O autor ressalta o mau desempenho nordestino nas exportações, notadamente nas décadas de 1980 e 1990 e a recuperação da performance exportadora em 95 2002, sendo esta favorecida pela conjuntura mundial favorável e pela elevação dos preços das commodities. Galvão (2007) destaca a forma como foi implantada o parque industrial no Nordeste na década de 1960, por meio de incentivos da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e pelo Banco do Nordeste (BNB) e obedecendo a lógica do modelo de substituição de importações, além de que as políticas de incentivo às exportações adotadas na década de 1960 e 1970 eram direcionados a exportação de produtos primários como soja, suco de laranja e minérios e manufaturados como couro, calçados e produtos siderúrgicos. Neste sentido favoreceu a base produtiva do sudeste e centro oeste do país ao passo que restou ao Nordeste a exportação do excedente da agropecuária tradicional. Além disso as exportações de produtos da região Nordeste sofreram durante o período analisado muitas oscilações com elevações e quedas nas exportados, estes sempre acompanhados de elevação ou declínio no preço de suas commodities."

"Com relação aos parceiros comerciais da região Nordeste, Melo et. all. (2010) destacam o crescimento da participação da China nas exportações do Nordeste. Os autores ressaltam que as trocas comerciais da região Nordeste com esse parceiro ganharam impulso a partir de 2003. Em 2007 a China passou a ocupar o quarto lugar no ranking dos principais compradores de produtos região. No respectivo ano a região Nordeste foi responsável por 8,5% do total exportado pelo Brasil para este destino. Bahia e Maranhão, dois importantes produtores de commodities, produtos cuja demanda chinesa estava em expansão no período, responderam em 2007 por 96% do valor exportado pela região Nordeste para a China. O setor cobre e suas obras e minérios, escorias e cinzas foram responsáveis em 2007 respectivamente por 23% e 20% do que foi vendido para a China neste ano. Outro setor de destaque nos anos de 2002 a 2007 foi o de sementes e frutos oleaginosas, grãos, sementes, etc. A desconcentração da pauta de exportações nordestina por produtos e por destinos foi verificada por Cavalcante et al. (2012). O estudo analisa a trajetória das exportações dos estados da região Nordeste entre os anos de 1996 a 2010. O comportamento dos cinco principais produtos por seus destinos é evidenciado por meio de uma comparação entre os anos de 1996, 2003 e 2010. A metodologia consiste na utilização do Índice de HirschmanHerfindahl (IHH) como medida de concentração para as exportações dos estados da região Nordeste. O grau de concentração é avaliado conforme o valor do IHH, este quanto mais 98 próximo da unidade maior a concentração em um ou poucos produtos, ou em um ou poucos destinos. Os dados foram extraídos do sistema de informações do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Os resultados demonstraram que todos os estados da região Nordeste ampliaram o número de países de destino e a quantidade de produtos exportados. A maior quantidade de produtos foi verificada nos estados da Bahia, Ceará e Pernambuco. Com relação aos destinos, Alagoas, Ceará e Bahia, apresentaram maior quantidade de parceiros comerciais. Quanto a concentração por produtos, Maranhão, Ceará, Sergipe, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco apresentarão apresentaram um movimento de desconcentração da pauta, com redução no índice de concentração no período analisado. Em 2010 apenas Alagoas e Piauí apresentaram alta concentração por produto. Cavalcante et al. (2012) conclui que possa haver uma certa dependência quanto ao destino das exportações nordestinas, tendo em vista que não obstante a desconcentração por produtos e por destinos entre os anos de 1996 a 2010, os cinco principais produtos ainda apresentam moderada e alta concentração para seus destinos." 

As citações aspeadas acima são de uma tese de doutorado, defendida na UFU (Universidade Federal de Uberlândia), de autoria de Maria Elza de Andrade, que trata de um estudo sobre as exportações dos Estados do Nordeste. Como se observa, os chineses tornaram-se os nossos maiores parceiros comerciais. É hoje uma das economias mais pungentes e competitivas do planeta, a despeito - e também por isso - do fechamento do sistema político. Ninguém segura os chineses. Tem sido assim em todo o mundo. Empresas importantes da França - verdadeiros símbolos nacionais - hoje são controladas pelos chineses, que não altera os seus nomes, em razão dos ganhos de "marketing". Desde de Deng Xiauping, não importa a cor do gato, desde que ele cace o rato. 


(Este texto é resultado de uma demanda interna de trabalho)