pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : fevereiro 2020
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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Editorial: Escalada autoritária


Há algum tempo visito com regularidade do Estado do Ceará, atraído por sua gastronomia, seus encantos naturais, sem deixar de registrar aqui a hospitalidade de sua gente. Na última incursão àquele Estado, lembrei bastante de uma crônica do Luiz Fernando Veríssimo intitulado: Tudo que vicia começa com “C”. Só agora me dei conta que Ceará também começa com “C” e, portanto, assim como sugere o cronista, também deve viciar. Até então, nosso lista incluía o suco de caju, a cajuína dele derivada, a castanha, o camarão, o carneiro, a galinha caipira, encontrada com muita facilidade naquela região que te leva à Vila de Jericoacorara. Se por um acaso o leitor(a) já leu a crônica do filho de Érico Veríssimo, sabe que a lista é robusta: Cigarro, cerveja, café, cocaína, crack, cannabis...

Não raro, o Estado do Ceará é sacudido por turbulências na esfera da segurança pública. Até recentemente o governador Camilo Santana festejava os êxitos obtidos contra as facções do crime organizado, que havia implantado um clima de terror no Estado, ordenando ataques ao comércio, às instituições públicas, incendiando coletivos, entre outras ações abjetas. Adotou-se à política de não ceder às suas exigências, transferindo suas lideranças do Estado, num esforço de queda de braço entre o aparelho de Estado e o crime organizado. No final, o Estado logrou êxito em suas medidas, aplicando a lei contra os apenados e contendo as ações de represária. Era bom saber que a situação estava minimamente sob controle, uma vez que manter sob estrito controle um sistema carcenário com as características do nosso é uma grande utopia. Este é um assunto que já tratamos por aqui em outras ocasiões, permitindo-nos o compromisso de voltar a abordá-lo com mais calma.

Nós da área de Ciência Política possuímos o hábito de juntar as peças para tentar extrair alguma previsão a partir dos fatos observados. Neste sentido, havia um colega tão radical que desprezava o trabalho dos jornalistas e historiadores porque esses profissionais exerciam seus trabalhos sempre nos pós-facto, ou seja, construíam suas narrativas sempre depois que os fatos ocorriam. Em respeito aos colegas, informo que este escriba não seria tão radical a este ponto. Três fatos no entanto corroboram com uma perspectiva bastante preocupante em relação à sua saúde de nossa já bastante fragilizada instituição da democracia: um presidente que se acerca cada vez mais dos militares; militares de perfil golpista que se pronunciam claramente contra a instituição congressual, um dos pilares dos três poderes, fundamental para o funcionamente do regime democrático, já que impede o desequilíbrio de forças que pode levar a derrocada do regime democrático e, finalmente, ações de grupos armados sublevados impondo o terror à população, como ocorre no Estado do Ceará, numa ação concatenada com outros estados da federação, hoje tendo ranquamwnrte de preferência aqueles governados pelas forças de oposição. A esses três fatos poderiamos acrescentar ainda, a greve dos petroleiros, com a possível adesão dos caminhoneiros. Somados, esses movimentos poderiam produzir o caos da desordem pública, abrindo o precedente para medidas autoritárias.




Editorial: Brasil: Uma democracia de alto risco


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O cientista político polonês, Adam Przeworski, possui dois estudos dos mais importantes para entendermos a dinâmica dos regimes democráticos. Um deles trata da transição da clandestinidade para a institucionalização dos partidos comunistas do Leste Europeu, um dos pilares para entendermos porque a opção pela democracia e, portanto, pela via da luta institucional, tornou-se inevitável para aqueles grêmios partidários, que passaram a atuar na luta pelo voto, dentro de um ambiente institucional onde a condição de clandestinos já não lhes facultavam nenhuma vantagem competitiva.



Num outro momento, o polonês debruça-se sobre as fragilidades de consolidação dos regimes democráticos  aqui na América Latina, numa empresa que também envolve outro grande estudioso do assunto, o argentino Guillerme O’Donnell, que cunhou a expressão “Democracia Delegada” para explicar o fenômeno da inanição democrática  no continente latino-americano, tendo como uma das referências de análise o seu próprio país, a Argentina. Argentina que, por sinal, avançou muito mais do que o Brasil, quando se discute, por exemplo, a punição aos violadores dos direitos humanos durante os estertores do período ditatorial. Um outro aspecto a ser destacado aqui é a chamada museologia da reparação no país vizinho, ou seja, a criação de instituições que realizam uma espécie de ajuste de contas com o passado sombrio, musealizando horrores que devem ser evitados.  



Em ambos os casos, fica evidente que assumir um compromisso com a democracia traz, no seu bojo, alguns princípios de conduta e procedimentos inerentes ao jogo democrático, seja na condição de um ator individual - um dirigente político - ou coletivo, um partido, por exemplo. Resumidamente, esse conjunto de pressupostos podem ser traduzidos em duas palavras: responsabilidade e responsibilidade, esta última mais voltada à chamada democracia econômica ou substantiva, onde o regime, além de manter o arcabouço legal e institucional em pleno funcionamento, também precisa responder às demandas da sociedade, proporcionando um equilíbrio desejável entre democracia política e democracia substantiva.
 

É certo que a democracia hoje, em nível global, diante de uma escalada conservadora, enfrenta sérios problemas, sobretudo quando se tem em mente a crise dos partidos políticos e, consequentemente, da representatividade, impondo arranjos de governança - como é o caso do Brasil, com seu precário modelo de presidencialismo de coalizão - nem sempre desejáveis. Uma série de livros foram publicados sobre este tema no último ano, apontando os equívocos  que podem levar uma democracia a uma morte agonizante. 



No caso brasileiro - como o problema da fragilidade de democracia pode ser classificado como crônico - autores até certo ponto díspares, como é o caso do sociólogo Gilberto Freyre e do historiador Sérgio Buarque de Hollanda, acabam convergindo sobre a impossibilidade da democracia entre nós, ambos apontando algumas características da formação da sociedade brasileira como as possíveis causas dessa inviabilidade. Para Sérgio, por exemplo, os vícios herdados da colonização portuguesa, forjada na exploração do trabalho escravo durante séculos; doações de glebas de terra aos vassalos donatários, apaniguados da Coroa; carta branca a esses senhores para exercerem o papel de Estado, assumindo a condição de delegados, juízes; a promiscuidade das fronteiras entre o público e o privado criaando um déficit de institucionalização incompatível com a formatação de um regime republicano ou democrático.



O fato concreto é que a nossa democracia vive de sobressaltos, solavancos, com ligeiros intervalos de funcionamento, mesmo assim bastante precário. Assim, se fizermos um levantamento sobre os momentos de pleno funcionamento das instituições democráticas no país, não surpreenderia ao pesquisador se encontrássemos algumas surpresas. No Brasil, o regular e constante, na realidade, são regimes fechados, ditatoriais. Isso aumenta, sobremaneira, a responsabilidade dos cidadãos e cidadãs de convicções democráticas fecharem trincheiras em sua defesa, em razão de sua baixa imunidade institucional, susceptível às mobilizações das vivandeiras dos quartéis.



Os leitores que desejarem aprofundarem-se sobre as causas desse fenômeno, conforme citamos antes, leiam os textos do O’Donnell e do Adam Przeworski, a princípio. São leituras essenciais para entendermos porque a democracia entre nós nunca passou de um grande mal-entendido, fazendo aqui um trocadilho com o grande historiador Sérgio Buarque de Hollanda.



Mais recentemente, notadamente depois do golpe institucional de 2016, nossas instituições democráticas passaram a ser violentamente assediadas, com a conivência de poderes que, em tese, teriam a prerrogativa legal e constitucional de impedir esses assédios. Precedentes são perigosos. Como se dizia no nosso tempo de criança,  esses "guardiões" engoliram a isca do arbítrio. Hoje, estão entalados com ela.



Já se disse que projetos autoritários não costumam estabelecer muita distinção entre os atores políticos. Os aliados de ontem podem ser os inimigos de hoje, consoantes as conveniências de ocasião. Abriu-se um precedente perigoso - utilizando-se de um instrumento previsto pelo próprio regime democrático para  apear do cargo um presidente legitimamente eleito, sem uma justificativa plausível e legalmente configurada - e, deste então, o assédio só se agrava, pondo em desequilíbrio a balança dos três poderes, um sistema de pesos e contrapesos fundamentais para impedir os impulsos autoritários e as tiranias. A que se prenuncia ainda mais preocupante, em razão do seu caráter fundamentalista, ancorada em apoios milicianos e neopentecostais.



Um governante eleito por um regime democrático jamais poderia perder de vista a responsabilidade assumida com a manutenção das regras do jogo, como o respeito aos adversários, aos três poderes, às prerrogativas do mandato, os limites impostos por ele, o respeito à Constituição do país, ao Estado Democrático de Direito, uma imprensa livre, eleições livres a cada período legalmente definido, direito de manifestações, enfim, a todo o arcabouço legal e institucional que caracteriza um regime democrático. Aqui não escapa nem a liturgia exigida pelo cargo que ocupa. O desrespeito a algum desses princípios põe em dúvida sua capacidade de continuar a exercer o cargo, tornando-se passível, inclusive, de um impedimento. Neste caso, legalmente configurado.

A charge publicada acima é do grande cartunista Laerte.
 

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

As filhas de Eva e a sociedade de classes

  

As filhas de Eva e a sociedade de classes
'O Estupro de Lucrécia', quadro de Ticiano (Foto: Reprodução)

Ao ensejo da abjeta agressão do ser que ocupa a presidência a uma jornalista, do carnaval e da proximidade do dia da mulher, algumas reflexões sobre a questão feminina.
Conta o historiador Tito Lívio a história, célebre na Antiguidade, de Lucrécia. Mulher de Colatino, tornou-se objeto de desejo obsessivo de Sexto Tarquínio, filho do rei Tarquínio, o Soberbo. Ele hospeda-se na casa de Lucrécia e Colatino e no meio da noite esgueira-se para o leito de Lucrécia. Confessa-lhe o desejo e a faz submeter-se diante da ameaça de colocar um escravo nu degolado ao lado do seu corpo para que parecesse ter sido morta em flagrante adultério.
Lucrécia conta ao marido e ao pai e em seguida crava-se um punhal no coração. Tornou-se símbolo na Antiguidade da mulher virtuosa pagã. As ideias estoicas teriam sido impulsionadas partir do episódio de Lucrécia, anota o jurista Giunio Rizzelli.
Mas como poderia uma pagã simbolizar a virtude? Séculos depois Lucrécia está presente na Cidade de Deus, de Agostinho. Ardilosamente o filósofo cogita: pode ter ocorrido de maneira voluntária. Poderia não ter acontecido se não houvesse algo de prazer da carne. Ou seja, não teria Lucrécia sentido prazer? E não teria se matado para punir-se pelo prazer sentido? Seria Lucrécia realmente casta? Uma mulher cristã realmente virtuosa não recorreria ao suicídio porque não teria do que se envergonhar.
O veneno de Agostinho atormenta ainda, tantos séculos depois, as mulheres vítimas de ataques sexuais. A figura do agressor não é o foco. Desloca-se para o comportamento da mulher. Sentiu prazer? Provocou? Insinuou-se? Então não teria sido propriamente um ataque sexual porque de algum modo o presumido prazer da mulher, ou sua conduta, dá foros de consentimento e faz do agressor, no limite, a vítima.
O episódio de Lucrécia e os comentários de Agostinho colho de um texto do jurista italiano Giunio Rizzelli (traduzido por mim e Sara Correa Fattori e publicado em 2008 nos Cadernos da Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado). Rizzelli conclui: “Agostinho argumenta baseado em ideias, provavelmente difundidas há longo tempo, que demonstram uma forte atenção à eventual coparticipação psicológica feminina no estupro e na forte valoração negativa da mesma. Atenção essa que não parece, de modo algum, estranha à reflexão jurídica, também da época precedente”.
Tal ideia, a da coparticipação feminina na violência sexual que, assim, deixa de ser violência na medida em que se lançam suspeitas sobre a conduta da mulher, é tanto uma forma de conferir algo de convencionalidade social, uma “normalização” do estupro, quanto de legalizá-lo por via oblíqua. Como sabem todos que operam da esfera jurídica, pode-se colher aos montes precedentes em que, no mínimo, algo da espécie se cogitou, foi argumento de defesa ou fundamento de decidir.
Não há outro crime em que o comportamento da vítima assuma tal dimensão ou se cogite com essa ênfase. A ninguém ocorre responsabilizar a vítima de um roubo por deixar a carteira disponível, ou de flanar pelas ruas com o celular nas mãos, ou a vítima de homicídio de não estar em casa ou fazendo alguma prece em alguma igreja em vez de oferecer o corpo para ser assassinado. Isto somente ocorre com a violência sexual contra a mulher.
A falácia de Agostinho persiste. A infâmia contra Lucrécia foi escrita por um filósofo em uma sociedade escravocrata e aqui e hoje, na estrutura capitalista, ocorre da mesma forma. A Marx e Engels não escaparam a relação entre dominação de classe e patriarcado. Em uma sociedade de classes, escravocrata ou capitalista, o poder não se exerce singela ou estritamente sobre os meios de produção ou sobre a força de trabalho alheia. 
Quem está no topo da pirâmide pode. Quem está no topo da pirâmide faz porque pode fazer, faz porque o poder social que deriva do poder de classe é amplo o suficiente e certas práticas contaminam todo o espectro social. A prova disso é o que Rizzelli denomina, eufemisticamente, de “reflexão jurídica” secular. Ela só tem sentido e função em uma sociedade patriarcal de classes que põe a seu serviço “reflexões jurídicas”.
Esta torpe “reflexão” amplia-se pela sociedade em círculos como ocorre com uma pedra jogada na água.  O papel de inferioridade reservado à mulher pela estrutura social a faz vítima de várias formas. Desde ser mão de obra barata, de ser relegada à condição de reprodutora para que a estrutura permaneça e se reproduza, até a ser objeto de prazer como um ser sem autonomia (subproduto da dita “reflexão jurídica”). Para isto tudo é útil também o mito de Eva, cuja irresponsabilidade nos furtou o paraíso. A mulher serve à teodiceia, à explicação para os males do mundo que isenta Deus de culpa.
Quando houve, pela primeira vez na História, a experiência de construir uma sociedade sem classes, a Revolução Bolchevique, não se podia deixar de cuidar da opressão feminina. Era óbvio, e espanta isto ser largamente ignorado quando se fala da emancipação da mulher, espanta que se possa buscar a libertação delas sem retirá-las da condição que a sociedade burguesa lhe reserva. Trotsky dizia que a família era uma pequena empresa, uma produção natural de serviços para garantir a força de trabalho (citado por Diana Assunção em A questão da mulher na Revolução Russa, Esquerda Diário). 
É essa pequena empresa e esse papel o encargo feminino em uma sociedade de classes e essa situação de inferioridade se reproduz em toda a esfera social. O exercício livre da sexualidade é um problema para essa pequena empresa. Ela não escolhe seu papel social, não escolhe quem toma seu corpo e sua sexualidade, se exercida, está sempre vinculada à diminuição da honra e do caráter, exatamente o contrário do que ocorre com os homens – e muitos de nós, mesmo com certo nível de consciência social, nem sempre nos damos conta de que reproduzimos algo que é da estrutura social que queremos transformar, e com isso a fortalecemos.

MARCIO SOTELO FELIPPE é advogado e foi procurador-geral do Estado de São Paulo.
(Artigo publicado originalmente no site da Revista Cult)

Michel Zaidan Filho: Vida além da morte


           



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                        O filósofo alemão Theodoro Adorno escreveu que os sobreviventes do Holocausto não tinham direito de viver. Deveriam ser solidários com os judeus que morreram nos campos de concentração. Esta reflexão desesperada diante de uma catástrofe indizível tornou-se o ponto de partida de uma séria meditação sobre o destino comum de todos nós, mortais, sobretudo diante da morte dos outros e mais ainda, dos nossos entes queridos. Qual o sentido de sobreviver à morte daqueles que amamos?

                Sendo ateu, não acredito em vida eterna ou na ressureição dos mortos, no dia do Juízo Final. Como Strindberg, penso que o inferno é aqui. E que morrer é se libertar do sofrimento. Não vou dizer, como Sartre, que o inferno são os outros. Porque há muita coisa valiosa na convivência humana, social e familiar. Mas o problema é a morte de quem se ama. Dizia um hegeliano espanhol, que a morte é um problema para quem fica vivo, não para quem se foi. Buscamos através das religiões, filosofias e livros de autoajuda explicações, justificativas ou racionalizações para a morte. Houve até um autor que disse que somos um ser para a morte.

                  Eu não penso assim.  A vida é uma espécie de jardim e nós, de jardineiros. Ela será bela ou feia, dependendo do que formos capazes de fazer dela. Não fizermos nada de belo, digno, humano ou justo, ela será uma aventura melancólica que talvez não tenha valido a pena. Mas se cultivarmos o jardim, certamente a vida terá valido muito a pena. Tenho pensado muito o que fazer com o resto da vida que ainda tenho. Por certo lamentar a morte dos meus entes queridos não basta. É preciso sobreviver à morte, à morte de cada ser humano que morre hoje em dia e das pessoas de que gostamos.

                  E o sentido dessa vida pós-morte – para mim – é ajudar os que sofrem, as vítimas da injustiça cotidiana, os que são explorados, humilhados e ignorados pela sociedade. Não vejo a acumulação de bens, prestigio social ou um bom padrão de vida como o principal objetivo dessa minha sobrevida. Mas lutar ou me indignar contra a injustiça social e pessoal, buscar contribuir para dignidade do ser humano e para que todos tenham uma vida digna, isto sim.

Será esta a minha razão de existir, sem naturalmente deixar de honrar todos os dias a memória dos que foram e nos legaram a vida.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do NEEPD-UFPE 

P.S.: A foto acima é da senhora Elizabete Gomes Zaidan, mãe do autor do texto, falecida recentemente. 

domingo, 16 de fevereiro de 2020

NOTA DE PESAR DO BLOG



O Blog Contexto Político, juntamente com os inúmeros admirador@s, amig@s, alun@s e ex-alun@s, se solidariza com a família do prof. Michel Zaidan Filho, neste momento difícil, em razão do falecimento de sua genitora. Receba as condolências e os sinceros sentimentos do amigo José Luiz Gomes da Silva, editor deste blog.

Charge! Jean Galvão via Folha de São Paulo

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sábado, 15 de fevereiro de 2020

Editorial: CPMI das Fake News




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Recentemente li um excelente artigo da filósofo Marcia Tiburi tratando das características do nosso incipiente projeto fascista. Como diria o teatrólogo Bertolt Brecht, o fascismo é uma cadela que está sempre no cio, com seus dispositivos prontos para serem acionados a qualquer momento. Marcia, no entanto, se referia a uma espécie de fascismo de um “novo tipo", caracterizado, entre outras coisas, pela velocidade com que suas teses são disseminadas junto à população, através dos instrumentos tecnológicos hoje disponíveis. Imaginem os leitores esse arsenal tecnológico de hoje disponível à época do Ministério da Propaganda Nazista, comandado pelo atarrancado Joseph Goebbels.

Acompanhei estarrecido a tentativa de censura a alguns autores clássicos da literatura brasileira - fato ocorrido em Rondônia - como Machado de Assis, Euclides de Cunha e até o insuspeito Franz Kafka, cujos livros estão empilhados na cabeceira da cama deste editor. Penso que se trata da primeira tentativa de censura ao maior escritor brasileiro, fundador da Academia Brasileira de Letras. Quanto ao livro “Os Sertões”, outro clássico de nossa literatura, trata-se de um texto, inclusive, que sofre severos reparos das inteligências do campo progressista, uma vez que foi escrito por um jornalista financiado por um jornal conservador e que se encontrava do lado "direito" da trincheira dos combatentes ao levante de Canudos, do Antonio Conselheiro. O livro de Euclides, por sinal, é usado em escolas militares. Li Machado ainda na adolescência, por recomendação de um professor de língua portuguesa, com quem debatemos seus textos. Um pouco depois, no CAC, da UFPE, inevitavelmente voltávamos à discussão sobre se Capitu, de fato, teria traído o Bentinho. Mas isso já são águas passadas. Privo os leitores das polêmicas suscitadas pelo texto machadiano. O que se condena aqui - de forma veementemente - é esta tentativa deliberada de censura, um precedente gravíssimo, que coloca nossa já fragilidade democracia na UTI, respirando com a ajuda de aparelhos.

Registro aqui o fato de que a filósofo Marcia Tiburi se encontrar fora do país, depois de sofrer violentos ataques difamatórios à sua honra, perpetrados pelas milícias digitais desses tempos bicudos que o país atravessa. Vocês podem calcular as infâmias dirigidas à então candidata a um cargo eletivo pelo Partido dos Trabalhadores num Estado como o Rio de Janeiro, onde a necropolítica ou o capitalismo gore estão irremediavelmente consolidados. Evito os detalhes porque eles são escabrosos, indignos de um mundo minimamente civilizado. Impublicáveis.

Este editor mantinha contato regular com o ex-presidente da Câmara dos Deputados, o gaúcho Ibsen Pinheiro, falecido recentemente. Acompanhei a via crucis deste cidadão - quando ainda ocupava o cargo de deputado federal - ao ser acusado injustamente de corrupção por uma revista de circulação nacional. À época, Ibsen foi vítima de uma espécie de “linchamento moral”, tendo perdido não apenas o cargo, mas a tranquilidade pessoal, em razão das injúrias a ele atribuída. Por razões naturais, incomodava-me bastante o drama vivido por Ibsen. Um pouco antes da revista sair às bancas, um checador observou que estava sendo cometida uma grande injustiça, mas seus editores calcularam os prejuízos materiais - e não morais infringidos ao cidadão Ibsen - e optaram por manter a matéria. Ibsen nunca processou a revista, tendo escrito uma longa mensagem para este editor explicando os motivos. Alguns trechos foram publicados aqui pelo blog. A revista, por sua vez, sequer soltou uma notinha reconhecendo o grave equívoco. Ibsen ainda tentaria uma volta à vida pública, mas sem a capilaridade de outrora, pela sua cidade de nascimento, São Borjas, no Rio Grande do Sul. Quando de sua morte, nenhum veículo de comunicação observou este fato. Fazemos justiça por aqui.

Tanto o caso da filósofa Marcia Tiburi quanto o caso de Ibsen Pinheiro ilustram bem os danos produzidos pela disseminação de notícias falsas, através da redes sociais, por expedientes hoje conhecidos  como milícias digitais. Este mecanismo contribuiu de forma decisiva para a eleição de alguns candidatos no último pleito, sendo, portanto, passível de uma rigorosa investigação pelos órgãos de fiscalização eleitoral, quiçá com a anulação de um pleito marcado por mentiras transformadas em verdade absolutas. Importante, igualmente, que esta CPI possa ter acesso irrestrito aos perfis e aos canais de veiculação dessas fake news, coibindo em definitivo essas práticas, com punição severa aos detratores profissionais, financiadas por empresas inescrupulosas, que pagaram os "disparos" de mentiras pelas redes sociais. Num país decente, sob regime democrático e ainda com as garantias de um Estado Democrático de Direito, um pleito "bichado" como este seria anulado. A questão é que, infelizmente, nós não vivemos num país decente.