sexta-feira, 31 de dezembro de 2021
quinta-feira, 30 de dezembro de 2021
Editorial: Ah! como gostaríamos de trazer notícias boas para os nossos leitores e leitoras em 2022
quarta-feira, 29 de dezembro de 2021
Quem é e sobre o que escreve o autor brasileiro
Amanda Massuela
A professora Regina Dalcastagnè, doutora em Teoria Literária pela UNICAMP (Divulgação/UNB)
O perfil do romancista brasileiro publicado por grandes editoras se manteve o mesmo por pelo menos 43 anos. Ele é homem, branco, de classe média, nascido no eixo Rio-São Paulo. Seus narradores, protagonistas e coadjuvantes são em sua maioria homens, também brancos, de classe média, heterossexuais e moradores de grandes cidades.
A conclusão é resultado de um estudo iniciado em 2003 pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea da Universidade de Brasília, sob a coordenação da professora titular de literatura brasileira Regina Dalcastagnè, 50. Dividida em duas etapas – a primeira publicada em 2005 e a segunda com previsão de lançamento até abril de 2018 –, a pesquisa analisou um total de 692 romances escritos por 383 autores em três períodos distintos: de 1965 a 1979, de 1990 a 2004 e de 2005 a 2014. Ainda inéditos, os números anteriores à década de 1990 e posteriores a 2004 são publicados com exclusividade pela CULT.
Apesar de bastante homogêneos, os dados mostram um aumento de 12 pontos percentuais na publicação de romances escritos por mulheres – fato que, por sua vez, não produziu um crescimento significativo na quantidade de personagens femininas. O que salta aos olhos – mas não surpreende – é a falta de mulheres e homens negros tanto na posição de autores (2%) como na de personagens (6%). Mulheres negras aparecem como protagonistas em apenas seis ocasiões, e outras duas como narradoras das histórias. Mulheres brancas, por sua vez, ocuparam essas posições 136 e 44 vezes, respectivamente. Os autores vivem basicamente no Rio de Janeiro (33%), São Paulo (27%) e Rio Grande do Sul (9%)
Estudiosa do romance brasileiro, doutora em Teoria Literária pela UNICAMP e autora de Literatura brasileira contemporânea: um território contestado (2012), entre outros títulos, Dalcastagnè atribui esse desequilíbrio ao próprio campo literário, que produz um ciclo vicioso de publicações homogêneas, escritas do ponto de vista de uma classe média autorreferente e “entediante”. “Quando as grandes editoras publicam livros que tratam sempre dos mesmos temas e trazem um perfil de autor muito parecido, estão dizendo ao leitor o que é considerado literatura e quem pode ser chamado de escritor no Brasil”, critica.
O levantamento foi baseado apenas em lançamentos da Record, Companhia das Letras e Rocco, critério adotado com base em consultas a trinta ficcionistas, críticos e pesquisadores de diferentes estados. O estudo deve originar, ainda, um banco de dados aberto com informações mais detalhadas sobre cada romance analisado pelo grupo. Leia a seguir entrevista de Dalcastagnè à CULT.
Quase nada mudou em relação ao perfil do autor “típico” brasileiro publicado pelas grandes casas editoriais. O que mais lhe chamou a atenção nessa segunda fase do estudo?
Regina Dalcastagnè – A questão da autoria negra. Se olharmos para o primeiro período, de 1965/1979 a 1990/2004, há uma evolução significativa, por exemplo, no número de mulheres publicando. Mas é impressionante como há uma barreira para a questão da autoria negra. E não é que não haja produção – embora autores negros produzam mais contos, crônicas e poesia do que romance –, mas ainda assim há uma ausência muito gritante, tanto em relação à autoria como em relação às personagens. E não tem como escapar: não é possível tirar a literatura do contexto nacional do racismo e de exploração do trabalho. Não é um problema exclusivamente literário, embora eu ache que seja uma obrigação da literatura colocar o problema em discussão.
Mesmo quando são publicados, autores e autoras negras costumam ter sua produção deslocada do campo da literatura para o do “registro social”. A falta de legitimidade acadêmica impede a criação de um campo literário efetivamente diverso, seja do ponto de vista da autoria, seja do da temática?
Não é só um problema acadêmico, mas de mercado, do jornalismo, de tudo isso que chamo de “campo literário” – emprestando o conceito de Pierre Bourdieu: jornalistas, universitários, pesquisadores, leitores, bibliotecários, editores. É todo um conjunto de agentes que têm realmente um problema com a autoria negra. E não é uma questão individual, de acusar um editor especificamente, mas estrutural.
É uma exclusão que se retroalimenta dentro do mercado editorial?
Sim. O que essa pesquisa mostra é que quando as grandes editoras publicam livros que tratam sempre dos mesmos temas e trazem um perfil de autor muito parecido – e são esses livros que são resenhados nos jornais, que estão nas livrarias do país inteiro –, elas estão dizendo ao leitor o que é considerado literatura e quem pode ser chamado de escritor no Brasil. A presença dentro das livrarias e dos jornais é um carimbo do que é considerado literatura: se você quiser ser escritor, tem que se parecer com isso. O que é bastante perverso, principalmente quando se pensa na autoria de mulheres, de indígenas, de negros, periféricos ou pobres que estão longe deste circuito e que acreditam que têm algo a dizer, que acreditam que também podem expressar o mundo através da literatura, mas que acabam recusados de algum modo. O que está sendo dito, hoje, é que o que eles podem vir a fazer não é válido.
É uma questão que passa não só pela diversidade dos autores, mas dos profissionais que comandam o setor livreiro?
A verdade é que precisamos da presença das mulheres, como precisamos da presença de negros nos diferentes espaços sociais, inclusive no mercado editorial brasileiro, porque são essas pessoas que, de maneira geral, vão acabar chamando atenção para essas questões. Você pode pensar que uma mulher, em algum momento, vai se perguntar por que não há autoras mulheres num determinado conjunto de obras. Uma forma de alterar um pouco esse quadro é por meio disso que se pede tanto hoje, representatividade. É bom ter pessoas variadas nos espaços em que as coisas são decididas – porque, afinal de contas, é disso que se trata, decisão. A presença das mulheres no mercado editorial [nessas posições] é muito recente. Às vezes temos a impressão de que são muitas, mas elas não são. Será interessante acompanhar que tipo de modificação elas farão dentro desse mercado a partir de agora.
A literatura brasileira vem reproduzindo padrões de exclusão da própria sociedade?
Exato. Fala-se muito sobre isso no cinema, no jornalismo, na publicidade, mas não na literatura, como se ela estivesse à parte das críticas, como se fosse intocada, uma arte superior. Quando na verdade ela é mais um discurso social, mais um discurso que está aí para ser contestado e debatido. A pesquisa mostra como o perfil dos autores e das personagens é de classe média – e cada vez mais vemos como a classe média é entediante. É tudo muito repetitivo, os enredos, as preocupações, as cidades; muito pouco variado, sem graça. Por que temos tão poucos protagonistas cabeleireiros, manicures, bancários, motoristas de ônibus? Outros universos que não aqueles que já conhecemos, tão batidos. O terrível é que, quando essas personagens aparecem, são sempre colocadas em um papel inferior na narrativa, são subalternas, construídos de forma estereotipada, como se não tivessem outras preocupações que não envolvessem comida, emprego, dinheiro. Sempre me incomodo muito quando alguém diz que a pessoa é “simples” para dizer que ela é pobre. E é essa a ideia que aparece na literatura, uma vez que pessoas pobres são retratadas como personagens simples quando na verdade poderiam ser extremamente complexas. Isso não quer dizer que não haja personagens interessantes em alguns desses livros. Mas a perspectiva geral das obras é de classe média, e fala muito sobre como essas pessoas são vistas ou pouco vistas, porque no Brasil existe esse muro social. Convive-se pouco com pessoas de outras classes, e mesmo quando se convive, não se enxerga quem elas são.
Há autores que consideram essas preocupações uma espécie de “patrulha” literária.
Isso é triste, porque quando falamos que é importante ler mulheres, ler autoras e autores negros, muitos escritores homens e brancos se sentem ressentidos, como se estivéssemos dizendo que eles não devem ser lidos. É uma autodefesa desnecessária. Há espaço para todo mundo. O que se está dizendo é: vamos incluir outras coisas, ler outras coisas. A sua visão de mundo pode ser ótima e interessante, mas ela precisa compor um mosaico, não pode ser única. Algumas pessoas lidam com isso muito bem enquanto outras se sentem realmente ofendidas, como se estivessem sendo desprezadas. A questão é que se precisamos pensar em uma literatura brasileira, uma literatura que fale de nós, vivendo neste país, neste momento, precisamos pensá-la como um mosaico. Composta por várias perceptivas, vista de ângulos diferentes. Só isso pode enriquecer a nossa produção e dar conta, minimamente, da complexidade da vida contemporânea. Há uma ideia de literatura com “L” maiúsculo, que no final das contas não passa de uma literatura masculina e branca, já que toda a produção que não passa por esse lugar se torna adjetivada: feminina, negra, periférica, marginal. Insisto que temos que pensar em termos de literaturas, sem L maiúsculo, e acabar com essa ideia de literatura “universal” para pensar num conjunto muito mais vivo e pulsante.
O autor brasileiro retratado na pesquisa não quer ou não se sente “autorizado” a escrever ficção sob determinadas perspectivas sociais e de gênero?
As duas coisas. A minha impressão é que as pessoas acabam escrevendo apenas sobre o que conhecem. Então é claro que os homens se sentem mais à vontade para escrever protagonistas masculinos com personagens femininas um pouco mais estereotipadas. E se a gente for parar para pensar, uma vez que existe muito mais literatura sobre homens, talvez até as mulheres quando escrevem tenham mais facilidade para construir protagonistas homens mais consistentes do que os homens para escrever mulheres. A pesquisa mostra que quando a obra é escrita por mulheres, temos quase 50% de personagens homens. Mas talvez, neste contexto de escrever sobre o que se conhece, falte um pouco mais de pesquisa por parte dos autores, e um pouco mais de atenção das editoras à produção do Amazonas, do extremo sul do país, do interior do Nordeste.
A construção dessa literatura como “mosaico” está bastante ligada à questão da autoria, como mostra a pesquisa. Corre-se o risco de confinar mulheres e autoras e autores negros, por exemplo, a certos eixos temáticos?
Sem dúvida. É algo bastante complexo. A inclusão de outros nomes, de outras perspectivas, não implica a produção de um texto superior, autêntico. Eles podem inclusive repetir estereótipos. E me parece importante reforçar sempre que mulheres negras não deveriam ser obrigadas a escrever só sobre mulheres negras, da mesma forma que moradores do Nordeste não são obrigados a escrever sempre sobre essa região. A ideia é que as pessoas não falem só sobre a sua experiência, mas também tragam a sua perspectiva social sobre a experiência do outro. Por que uma mulher negra não poderia escrever um romance sobre mulheres e homens brancos de elite? O problema, hoje, é que aparentemente só homens brancos, de elite, de São Paulo e do Rio de Janeiro podem escrever sobre tudo, e isso é problemático.
A disseminação da agenda feminista e dos movimentos negros, na academia e fora dela, vem alterando o perfil de publicação e de consumo de literatura?
Acho que vem acontecendo. Talvez porque muitas coisas hoje não passem só pelas grandes editoras e por grandes jornais. Também tem a ver com a última década de investimento nas universidades públicas, com a política de cotas. Houve um avanço, há muitos alunos negros no mestrado, no doutorado, na graduação, algo que não existia há vinte anos. Eu entrava na sala de aula do curso de Letras da UnB e só tinha branco. Vemos mais mulheres, negros e pessoas vindas das periferias próximas deste universo de construção do discurso. E isso muda o perfil do interesse na literatura.
(Publicado originalmente no site da revista Cult)
Tijolinho: Permanece o impasse da escolha do nome do candidato do PSB.
Quando comandava os destinos dos socialistas aqui na província, o ex-governador Eduardo Campos regia a orquestra de forma firme, não permitindo que os comandados seguissem outra orientação que não fossem as emanadas a partir de suas decisões. Aliás, aqui no Estado, criou-se uma situação daquilo que tratávamos aqui pelo blog como Eduardismo, ou seja, sua liderança tornou-se hegemâonica aqui na província, o que atendia ao seu projeto presidencial de ter um céu de brigadeiro no Aeroporto Internacional dos Guararapes.
Diferenças com grandes adversários do passado, a exemplo de Jarbas Vasconcelos(MDB-PE), foram superadas nos convescotes dos almoços de finais de semana, em sua residência de veraneio,na praia do Janga, regadas aos famosos cozidos, tão ironizados pelo avô, Dr. Miguel Arraes no passado. Com a sua morte, conforme seria previsto, as coisas mudaram completamente. Os chamados quadros técnicos até tomaram gosto pela política, mas desejam, ao que parece, imiscuir-se ao máximo daquelas tomadas de decisões complicadas.
Geraldo Júlio(PSB-PE), atual Secretário de Desenvolvimento Econômico do Governo do Estado, tem afirmado que não deseja ser candidato ao governo, embora,segundo dizem, tem dado sinal verde para uma campanha nas redes sociais em favor de sua indicação. No momento, a indicação do seu nome enfrenta algumas dificuldades. Por outro lado, como comandante natural de sua sucessão, o governador Paulo Câmara(PSB-PE) tem sido cobrado - pressionado talvez fosse o termo mais correto - para bater o martelo sobre essa questão, que, de fato, está parecendo roteiro de novela mexicana.
Segundo dizem, supostamente, teria preferência pelo seu Secretário da Casa Civil, José Neto, um nome leve, limpo, de bom trânsito político dentro e fora das hostes socialistas, mas que encontra uma concorrência forte entre os socialistas raízes, do grupo político, que desejam indicar o nome. Um outro fator que conta - e muito - é o sinal verde da família do ex-governador, herdeira do seu espólio político. É muito provável que, em Janeiro de 2022, depois das festas de réveillon, portanto, essa expectativa seja quebrada, com a indicação do nome que deve concorrer ao Governo do Estado pelo PSB. É muito pouco provável que um outro nome da aliança seja escolhido, uma vez que os socialistas, para fecharem tais alianças no plano nacional, não abdicam da indicação do cabeça de chapa aqui no Estado.
Editorial: A coerência do cineasta Ken Loach
Durante o confinamento imposto pela pandemia, fizemos um curso sobre cinema e, num dos capítulos, sua obra foi discutida. Cinema não é bem a nossa praia, mas o mundo do trabalho é uma de nossas preocupações, como cientista político. Não raro, tratamos destes temas aqui pelo blog. Assim, a produção cinematográfica de Ken Louch acabou contribuindo - de forma bastante positiva - para essas nossas reflexões. Não apenas pelas contingências do curso - mas, sobretudo por prazer e identificação - acabamos assistindo a maioria dos seus filmes.
Li uma série de artigos sobre o cineasta, algumas entrevistas, e, no final, produzimos um ensaio sobre a sua obra, muito elogiado pelo professor, que sugeriu ampliá-lo para um livro sobre o autor de Eu, Daniel Blake. Ler e estudar foi uma das coisas boas desse confinamento. Ontem, recebi o link para imprimir o certificado sobre um curso de especialização sobre a América Latina, realizado de forma remota, pela Universidade Federal de Santa Catarina. Eu, Daniel Blake é uma espécie de obra-prima do cineasta britânico. Narra as agruras de um cidadão que, depois de acidentado, penetra no submundo da assistência social do Estado, que se tornou uma máquina engendrada para subtrair direitos e "dificultar as coisas" sob a perspectiva das políticas neoliberais.
Uma das grandes escolas de Ken Louch foi a sua experiência na BBC de Londres, numa época, segundo dizem, que conviveu com o jornalista brasileiro, Wladimir Herzog, morto nos porões da ditatura miitar instaurada com o golpe civil militar de 1964. Herzog fez um estágio na BBC. Mesmo com a idade já avançada, 76 anos, Ken Louch continua ativo, como um militante de grandes causas, como a crescente e ultrajante condição dos trabalhadores modernos, regidos pelas regras de um sistema atroz, que representa um grande retrocesso civilizatório, ao penalizar o respeito à sua dignidade.
É com este trabalhador que o cineasta britânico se identifica. Agora, por ocasião de sua premiação pelo conjunto de sua obra, outorgada pela Museu Nacional de Cinema de Turim, Itália, durante o Festival de Cinema de Turim, recusou o prêmio, argumentando solidariedade aos trabalhadores daquele museu, promotor do evento, que denunciaram as condições infringidas a eles a partir da terceirização dos serviços de manutenção. Seria algo assim incongruente com aquilo que ele discute em suas películas, de forma crítica. Um contrassenso. Louve-se aqui o trabalho e a coerência do grande cineasta britânico.
segunda-feira, 27 de dezembro de 2021
Editorial: Bolsonaro procura um vice terrivelmente evangélico
Hoje, no Brasil, o eleitorado evangélico - principalmente o formado pelas congregações pentecostais e neopentecostais - podem fazer uma diferença significativa numa eleição presidencial. Segundo estimativas, eles representam 20% do eleitorado e costumam votar "fechado", conforme a orientação dos seus pastores. Essas congregações estão organizadas em partidos, bancadas e com um projeto claro de poder. Uma das suas últimas conquistas foi a indicação do nome do ex-Ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, para o Supremo Tribunal Federal, um ministro, segundo eles mesmo definem, "terrivelmente evangélico". Na cerimônia daquela corte de justiça, por ocasião de sua posse, Mendonça, em seu discurso, fez questão de deixar claro sua origem evangélica.
O candidato do Podemos à Presidência da República, o ex-juiz Sérgio Moro, que tem sua origem política no bolsonarismo, prospecta uma maneira de como atingir esse eleitorado de forma bastante profissional, com interlocutores confiáveis, defesa de teses simpáticas a esses grupos - como a contraposição à liberação do aborto - e coisas assim. Ele sabe que, se conqusitar parte desse eleitorado, consolida-se como opção da terceira via. Lula, que no passado, conseguiu fechar acordos com líderes dessas congregações, hoje lamenta profundamento que, ao longo dos anos, o PT tenha perdido essa interlocução. Sérgio Moro já teria agendado um encontro com o pastor R.R.Soares.
Algo bastante controverso em relação a esses grupos neopentecostais é que, em sendo cristãos, eles acabem enveredeando em defesa de plataformas incongruentes com os seus princípios, como o flerte com o fascismo, por exemplo. Talvez a luta pelo poder esteja turvando a fé cristã dessa gente. Este é um fenômeno, aliás, que não se limita ao Brasil, mas estende-se pela América Latina. Na Bolívia deu-se um golpe de Estado com a Bíblia na mão, o que resultou, logo em seguida, numa caça às bruxas dirigidas contra as etnias tradicionais daquele país,como os indígenas. O Estado precisa ser laico e republicano. Nunca confessional. Não pode seguir orientação religiosa "A" ou "B". Na década de 40 do século passado, quando setores hegemônicos da Igreja Católica apoiaram a ditadura do Estado Novo, ocorreu uma grande perseguição aos evangélicos e às religiões de matriz africana. Fica a lição histórica, de preferência para que não se repita.
Trata-se de um poço de contradições perigosas em jogo, mas, infelizmente, este é o estágio em que o país se encontra. Estamos vivendo momentos de discórdias, agressões e ausências de consensos, o que, aliás, igualmente, vai de encontro à doutrina cristã.Preocupado ou não com essas questões, o fato concreto é que, segundo se informa, o presidente Jair Bolsonaro(PL) procura um vice terrivelmente evangélico, como uma forma de superar as primeiras dificuldades com a campanha e chegar ao segundo turno das eleições presidenciais de 2022. Seus principais interlocutores seriam, claro, pela ordem, o pastor Silas Malafaia e o bispo Edir Macedo. O nome escolhindo, certamente, deverá agregar densidade eleitoral à chapa.
domingo, 26 de dezembro de 2021
Editorial: O União Brasil tornou-se a noiva mais cobiçada pelos pré-candidatos presidenciais
sábado, 25 de dezembro de 2021
Tijolinho: Miguel Coelho poderá montar o palanque de Sérgio Moro em Pernambuco.
Mas, a rigor a rigor, pelo andar da carruagem política, está se desenhando uma possível aliança do União Brasil com o candidato Sérgio Moro, do Podemos, com o partido já dando sujestões de mudunças em sua estratégia de comunicação e negociando a indicação de um possível vice na chapa do ex-juiz da Lava Jato. O nome de maior projeção da legenda seria o seu Secretário Nacional, ACM Neto, ex-prefeito de Salvador e possível candidato ao Governo da Bahia nas eleiçoes de 2022.É muito pouco provável que ele abdique de seu projeto de retomar o poder naquele Estado, berço do carlismo, criado pelo seu avô, Antonio Carlos Magalhães. Outro nome da legenda teria que se apresentar para compor com Sérgio Moro.
Como temos reafirmado por aqui, a presença ou a ausência de um político no evento do outro pode remeter a determinadas conclusões importantes. Quando esteve aqui no Recife para o lançamemo do seu livro, Sérgio Moro foi prestigiado com a presença do ex-Ministro da Educação do Governo Temer, Mendonça Filho(UB-PE). Em sua retomada das andanças pelo Estado, o pré-candidato do União Brasil ao Governo do Estado, Miguel Coelho, prefeito de Petrolina, esteve ladeado pelo presidente da legenda, Luciano Bivar(UB-PE), cujo nome teria sido lembrado para vice de Moro. Miguel Coelho(UB-PE) tergirversa sobre o seu palanque presidencial, mas, pelo andar da carruagem política, Sérgio Moro é quem estaria mais próximo de conhecer o bodódromo de Petrolina. O médico Luiz Henrique Mandetta, que poderia vir a ser o candidato do partido à Presidência da República, não toparia esta parada?
Publisher: Among the candidates, Lula is the only one who knows the deep pillory.
A good exercise for researchers - whether in the area of Political Science or not - is to go into the reports of these polling intentions to know their details, far beyond the absolute numbers that indicate the performance of candidates "x" or "y ". Thus, we learn, for example, which social strata are more sympathetic to this or that applicant, their level of education or geographic region, age group, race and even gender issues can be inferred. It's a kind of x-ray of the research, from which, in fact, important conclusions can be drawn.
The most radical groups in the PT, for example, vehemently reject this alliance between Lula and former Toucan governor Geraldo Alckmin (No Party), but it is essential for the PT to reassure the market and manage to establish a link with the electorate more conservative, an important political seam, which contributed, for example, to the victory of the candidate of the left in the Chilean elections, Gabriel Boric. It is known that, if it reaches the Planalto, it will, in a certain way, govern with tied hands, within the strict limits established by our economic and political elite. Fundamental reforms for the country were not implemented during the PT coalition governments. On the other hand, a "pure blood" plate, formed by progressive sectors, would face enormous difficulties to succeed, mainly in the Brazilian political situation.
The PT candidate, no pun intended, also has a foot in the slave quarters, in the deep pillory of poverty and social inequalities in the country. Here is a happy expression of the educator Anísio Teixeira. Among the postulants who are there, Lula is the only one who knows the drama of poverty up close. Poverty that has even worsened in recent years, due to the pandemic, recession, unemployment and loss of income. Although they touch on this wound, like Sérgio Moro (Podemos) and João Dória (PSDB), it sounds artificial, coming from people from the Curitiba forums or from investors on Avenida Paulista. He is different from someone who knows the language of "Beco da Fome" or the Jequitinhonha Valley.
And it is exactly this differential of the PT – in relation to the other candidates – according to writer Thomas Traumann, from Veja magazine, that is making the difference. According to the last two surveys of voting intentions, carried out respectively by IPEC and Datafolha, Lula can settle the bill in the first round. Of course, a lot of water has yet to flow into the river for these upcoming presidential elections. Drawing definitive conclusions, at this point, would be rash, but the PT should maintain the primacy of communication with these poor people, a voter he knows so well, as well as their needs: From placing a child in a public university to that barbecue on the roof, with family and friends over a weekend. It doesn't even have to be rump steak, just a little chicken wing.
Editorial: Sérgio Moro não conhece o pelourinho profundo.
Não faz muito tempo que publicamos por aqui um editorial, onde o articulista da revista Veja, Thomas Traumann, alertava para a necessidade de que os candidatos presidenciais mantivessem uma estratégia de comunicação que atingisse os estratos mais socialmente fragilizados da sociedade brasileira. Do contrário, enfrentariam alguns problemas em relação às suas performances nas pesquisas, uma vez que se faz necessário, no Brasil, dialogar com a Avenida Paulista e com Cabrobó, se o candidato deseja vencer uma eleição presidencial.
Nas entrelinhas,o articulista sugere que isso poderia justificar, por exemplo, que o candidato do Partido dos Trabalhadores, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva(PT-SP), estivesse, até o momento, liderando todas as pesquisas de intenção de voto. Tomamos o mote como referência e produzimos um editorial por aqui, usando uma imagem do educador Anísio Teixeira sobre o país, onde o baiano - numa referência às desigualdades sociais - cunha uma expressão de grande significado: o Brasil possui um pelourinho profundo, numa referência, naturalmente, às demandas históricas das camadas sociais mais empobrecidas da sociedade brasileira.
Acabo de ler, neste momento, uma outra matéria, na mesma publicação, acerca da personalidade e da narrativa discursiva adotada pelo ex-ministro da Lava Jato, Sérgio Moro(Podemos), que tenta viabilizar-se como opção da terceira via. Há problemas nítidos com a sua imagem e com sua mensagem, dirigidas a segmentos específicos do eleitorado e, possivelmente, ignorada pelos eleitores dos estratos sociais mais fragilizados da nossa sociedade, esse eleitorado que perdeu o emprego; vendeu o carro por não ter condição de acompanhar os aumentos da gasolina; trocaram a costela de boi pelos pés e pescoços de frango; não mais realiza seus churrasquinhos na laje com os amigos e, em alguns casos, dependem do Aúxilo Brasil para adquirirem o básico para a sua sobrevivência.
Naquele editorial comentávamos que, de fato, Lula conhecia o pelourinho profundo, ao qual se referia o educador Anísio Teixeira. Aliás, para ser mais preciso, Lula vem do pelourinho profundo, pois passou fome, obteve pouca instrução, subiu num pau de arara e coisas assim. Na década de 80 do século passado, quando vinha ao Recife, seguia com o senador Humberto Costa(PT-PE) para Garanhuns, numa Brasília Amarela velha, para visitar os parentes. No caminho, uma parada para comer um capão, acompanhado de feijão verde e suco de umbu.
Por sua personalidade, por sua origem, nenhuma marqueteiro conseguiria a proeza de transformar Sérgio Moro num candidato de perfil popular. A única favela que ele conhece - e de passagem, registre-se - é uma que fica entre a sua residência e o fórum de Curitiba, onde trabalhava como juiz, conforme observava o articulista Thomas Traumann. Sérgio Moro pode até usar um chapéu de vaqueiro, deixar os paletós bem cortados para usar mangas de camisa, mas vai sempre soar estranho ver o ex-magistrado tomar uma lapada de cachaça com uma coxa de preá como tiragosto, algo tão comum no castigado Sertão Nordestino. Isso só a vida ensina.
Crédio da foto: Divulgação.
sexta-feira, 24 de dezembro de 2021
Editorial: Um editorial de Natal.
É evidente que não se deveriam criar obstáculos para a vacinação das nossas criancinhas,sobretudo quando se abre as expectativas de ampliação do retorno às aulas presenciais no próximo ano. Definitivamente, perdemos a perspectiva do diálogo, que poderia produzir os consensos fundamentais num regime democrático. Era o sociólogo jamaicano Stuart Hall quem alertava para os problemas decorrentes desses "binômios', onde um dos polos, inevitavelmente, deseja esmagar o outro. Creio que nem o Papai Noel, com sua vestimenta vermelha, deve ter escapado da sanha dos caçadores de "comunistas' neste Natal, um termo que deixou de ser um verbete dos dicionários de Ciência Política e foi parar nos boletins de ocorrências policiais, posto que alguns desejam "criminalizá-lo'.
Estamos num país cindido pela ideologia política ou, mais precisamente, por um tipo de "patologia política". Como diria o filósofo, dormimos o sono político que produziu o "monstro", que renasceu a partir das mobilizações de rua contrário ao aumento de centavos nas passagens do transporte coletivo e culminou com a ruptura institucional de 2016. O ódio disseminado pelas milícias digitais, aliado aos procedimentos jurídicos irregulares encarregaram-se de completar o serviço, destruindo reputações de pessoas e instituições, quebrando um dos pilares sagrados da convivência democrática, onde pressupõe-se as garantias das prerrogativas legais exaladas pelo Estado Democrático de Direito.
É assim que vamos terminar 2021, com instituições em conflito, um país dilacerado, sob uma baita crise social e econômica, que já jogou mais de 22 milhões de brasileiros na condição de extrema pobreza, ou de insegurança alimentar, catando restos de alimentos em caminhões de transporte de lixo e coisas assim. Mesmo num período como este - onde o desejável seria as mesas fartas para todas as famílias brasileiras - temos que falar da simbologia do "osso", que deixou uma marca "indelével" como símbolo da crise social que o país enfrenta neste momento.
Neste contexto, a única coisa que podemos desejar aos amigos e amigas que nos acompanham por aqui é o "discernimento' necessário para superarmos esses impasses em 2022, retomando terrenos democráticos perdidos, recuperando direitos surrupiados por tais políticas de corte neoliberal, o respeito e a tolerância com grupos indígenas, quilombolas, LGBTQIA+ e, principalmente, exigir a implemrntação de políticas públicas estruturadoras, que superem a crise econômica e permitam que os brasileiras e brasileiros excluídos voltem a comer três vezes por dia. Um Feliz Natal para os amigos e amigas que nos acompanham por aqui.
quinta-feira, 23 de dezembro de 2021
Editorial: As indefinições políticas de Brasília e seus reflexos em Pernambuco.
Por outro lado, o prefeito de Jaboatão dos Guararapes, dirigente do PL, continua integrado ao movimento Levanta Pernambuco, acompanhando a pré-candidata Raquel Lyra(PSDB-PE), prefeita de Caruaru, em suas andanças pelo Estado. Na realidade, ninguém tem moral suficiente para cobrar nada de ninguém. A velha guarda da Mangueira do MDB esteve num encontro recente com o candidato Lula, promovido pelo Grupo Prerrogativas, inclusive seu presidente nacional, Baleia Rossi(MDB-SP), quando o partido, em tese, tem candidato ao pleito presidencial de 2022, a senadora Simone Tebet(MDB-MS).
O PP, do senador Ciro Nogueira, da base de apoio bolsonarista, liberou seus parlamentares em São Paulo para apoiar o candidato de João Dória(PSDB-SP) ao Governo do Estado, Rodrigo Garcia(PSDB-SP). Hoje, João Dória é um dos maiores adversários de Jair Bolsonaro(PL). Para desespero dos petistas raízes, Lula entabula negociações com o ex-governador tucano, Geraldo Alckmin(Sem Partido), que ainda não se definiu se será o vice em sua chapa. Alckmin vive um dilema terrível, pois lidera todas as pesquisas de intenção de voto para o Governo Paulista até este momento.
Até ACM Neto, Secretário Nacional da legenda formada com a fusão do DEM com o PSL, União Brasil, que, em tese, teria um pré-candidato presidencial - o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta - anda com um canal de diálogo aberto com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva(PT-SP). Nem entro no mérito do PSB local, cujos dirigentes ainda não ajustaram as condições para uma aliança com PT no plano nacional, o que também produz reflexos, aqui no Estado, no tocante à definição do candidato que deverá concorrer ao Governo, pois Lula talvez interceda em favor do senador Humberto Costa(PT-PE), seu fiel escudeiro, uma hipótese improvável de ser aceita pela cúpula socialista local.
quarta-feira, 22 de dezembro de 2021
Editorial: O freio de arrumação da política brasileira nesta fase da disputa.
A expressão "freio de arrumação' é bastante conhecida dos brasileiros, principalmente daqueles que dependem do transporte público. Um freio brusco do motorista, leva as pessoas, por força da gravidade, a reestabelecerem suas posições no coletivo, numa espécie de "arrumação', no dizer popular. É mais ou menos isso o que está ocorrendo com a política brasileira neste momento, onde partidos e candidatos ao pleito presidencial de 2022 procuram definir ou redefinir suas posições e alianças políticas.
Estão ocorrendo alguns fatos inusitados por aqui, como uma janela de negociação entre o PT e o União Brasil, sob a chancela do neto de Antonio Carlos Magalhães, ACM Neto, Secretário Nacional da legenda formada pela fusão do DEM e do PSL. Surpresos? Não se surpreendam. Até mesmo uma improvável reaproximação entre Jair Bolsonaro(PL) e o ex-juiz da Lava Jato, Sérgio Moro(Podemos), já chegou a ser especulada. Imaginamos que tal hipótese não deve passar dos planos das especulações. O fato concreto, no entanto, quando estamos tratando da terceira via é que a mesma deverá passar por um processo natural de "decantação'. Nossa previsão está sendo confirmada pelas pesquisas de intenção de voto, que já demonstraram que só haverá espaço para um candidato. Se houver.
Se tal candidato "vingar", superando os obstáculos das dificuldades de viabilização desta via, que sempre existiram no cenário político brasileiro. Nesta fase da disputa tudo é possível, mesmo com os protestos dos radicais. Lula, por exemplo, precisa ampliar seu arco de alianças ao centro. Do contrário, a direita dará um jeito de tentar o quase impossível: Reaproximar Jair Bolsonaro(PL) de Sérgio Moro(Podemos). Não duvidem do que eles seriam capazes. Isso seria o de menos.
Até recentemente, grupos petistas mais autênticos lançaram um manifesto contra a inclusão do ex-governador Geraldo Alckimin(Sem Partido) na chapa de Lula, na condição de vice. Seria uma temeridade, algo semelhante ao que representou Michel Temer(MDB-SP) para a ex-presidente Dilma Rousseff(PT-MG). Não preciso entrar nos detalhes, para não ferir susceptibilidades. Fico imaginando o que eles não dirão dessas conversas do morubixaba petista com o neto de Antonio Carlos Magalhães.
Em São Paulo, mesmo com os mimos e afagos generosos do orçamento, o senador Cid Nogueira, do Centrão, liberou seu partido, o PP, para apoiar o candidato ao Governo do Estado de São Paulo, Rodrigo Garcia(PSDB-SP), que conta com o apoio de um arquiinimigo do presidente Jair Bolsonaro e candidato presidencial, o tucano João Dória(PSDB-SP). O curioso é que, até o momento, as faíscas não acenderam na capital federal. Aqui na província, depois do seu retorno efetivo ao périplo das caminhadas pelo Estado, o pré-candidato Miguel Coelho, do DEM ou UB, sempre tergirversa quando o assunto é o palanque presidencial que ele deverá montar no Estado. Afirma que o União Brasil ainda não se definiu. É verdade. Dizem que ACM Neto estaria muito preocupado em formalizar com o PT um pacto de não agressão em seu reduto político, a Bahia.
terça-feira, 21 de dezembro de 2021
A violência contra as mulheres é reacionária
(Foto: Reprodução)
por Betty Ruth Lozano e María Campo
O estupro de mulheres foi construído histórica e socialmente, legitimado e consentido desde o projeto colonial que Colombo inaugurou nestas terras e em nossos territórios. O estupro de mulheres faz parte do projeto colonizador que se impõe como uma “cultura” que responsabiliza a vítima e se materializa em um elevado número de mulheres vítimas de violência sexual em todas as esferas da sociedade e nos locais onde acreditamos estar seguras junto com nossos “camaradas em luta”, em coletivos, grupos, movimentos, processos e partidos, que se dizem ou se declaram alternativos, de esquerda, de/descoloniais, e por isso pretendem mudar a ordem existente, mas sem questionar as práticas patriarcais que são exercidas de dentro.
É impressionante o número elevado de mulheres que, nos últimos anos, ousaram divulgar seus casos de violência sexual, em alguns casos cometidos por vários homens, nessas organizações. A maioria mulheres muito jovens que vêm a esses processos com grande ilusão e entusiasmo, confiantes de que a vida de todas as pessoas está nas mãos de outros, portanto, não esperam ser abusadas enquanto estão inconscientes devido a alguns drinques compartilhados e, ainda menos, que essa inconsciência seja produzida propositalmente por um parceiro. As mulheres jovens veem seus pares masculinos como seus parceiros de luta, enquanto eles as veem como objetos para a satisfação de seus desejos. Os homens de esquerda permanecem ancorados na cultura cristã patriarcal que expropriou as mulheres de seus corpos. O corpo da mulher deve ser levado, acessado, abusado, violado, seu consentimento não é necessário, pois é um direito masculino. Todos podem decidir sobre o corpo da mulher: o Estado, a Igreja, o pai, o marido, o partido, o movimento, o companheiro de luta, exceto elas mesmas.
É dito a uma mulher que é violada em uma organização que ela não tem o direito de estar ali, que este não é o seu lugar, ou que ela está ali a serviço do desejo masculino, para discipliná-la e objetificá-la, especialmente se ela se declarar uma feminista. O estupro, o abuso sexual, as diferentes formas de violência contra a mulher, obrigam-nas a abandonar esses processos organizacionais, negando-as a possibilidade de contribuir com todo o seu potencial para essas lutas, retardando a possibilidade de transformação. Estabelecendo um feminicídio político.
A violência contra as mulheres é reacionária. Não se pode esperar justiça para as mulheres do Estado, nem daqueles que apenas lutam para substituí-lo ou simplesmente para encontrar um lugar nele. As mulheres não se contentam com a transformação de uma pequena parte do social, queremos mudar TUDO. A luta deve ser uma luta feminista antirracista, que vá às raízes de todas as opressões, não como um lenço da moda para obter votos; sem folclorização do indígena e do negro; reconhecendo e valorizando as diversidades sexuais e dissidências de gênero; sem condescendência em posar de politicamente correto.
O “proibido de esquecer” que é proclamado para os crimes de Estado não o é para mulheres estupradas, pois nos dizem: “Esqueça agora”, “já passou”, “deixe isso para trás”, “supere”, como nos disse um companheiro em uma jornada de reflexão em busca de construção de alternativas: “Que bom que os paramilitares não matam as mulheres, só as estupram”, mal menor. O “companheiro” não sabe que existem muitas maneiras de matar. Essas formas de violência são toleradas e, nesta medida, são legitimadas, não são percebidas como parte do sistema de opressões que enfrentamos apenas por sermos mulheres e que contribuem para a reprodução do sistema mundial capitalista patriarcal.
A cultura de estupro inaugurada pelos invasores não está em questão. Queremos dar de comer aos pobres, mas estupramos as mulheres pobres e quem quer que fique no caminho! e, como no estilo da Colônia, os homens das organizações ou grupos de esquerda ou progressistas exercem seu “Direito da primeira noite” sobre as mulheres, quer seja como ritual de iniciação à vida política ou para garantir a sua permanência na organização, o que evidencia a reprodução das estruturas de dominação patriarcal.
Vale lembrar que o “Direito da primeira noite” é uma prática histórica de abusos e servidão sexual exercida durante séculos por “senhores”, latifundiários, padres, mordomos, chefes políticos e patrões contra mulheres em condição de subordinação, dependência e obediência, como as negras, indígenas, camponesas, trabalhadoras domésticas, arrendatárias, entre outras.
Com esse modus operandi mostra-se que, tanto em seu discurso quanto na prática, gênero e sexo não entram como categorias de opressão dentro de suas bandeiras de luta e, por consequência, definem em uma espécie de seleção quem são seus pares políticos: é claro, os seus homólogos masculinos, visto que suas companheiras obviamente não são consideradas sujeitas políticas em igualdade de condições, pelo contrário, são subordinadas e, portanto, a violação não trará sanções morais ao vitimário nem ético-políticas para a organização, por se tratar de uma questão da esfera pessoal, o que não configura crime passível de denúncia. Nos casos em que a vítima se atreve a denunciar, a pouca efetividade da Procuradoria-Geral da Nação é inadmissível, o que facilita a perpetuação da impunidade, um dos maiores problemas da justiça colombiana. Prova disso é que, entre 2014 e 2018, o número de homens acusados de acesso carnal violento foi de 1.560, sendo apenas 969 condenados, 62%.
O estupro é uma forma brutal de acesso ao nosso corpo-território, é um crime. Agora, ao vincular essa prática predatória às organizações mistas de negros e indígenas da Colômbia, suas ações reivindicativas têm sido a garantia de direitos étnico-territoriais e coletivos, seja de reconhecimento ou de reparação; mas nessa tortura e com a prática patriarcal de estupro, os direitos das mulheres racializadas como negras ou indígenas ficaram invisíveis, e se não queremos falar de direitos porque marcamos no sistema político liberal, falemos dos fato de que as violações aniquilam a possibilidade de viver das mulheres, onde está a narrativa do que somos corpo-território? Aquilo que se interpela aos grupos armados: “as mulheres são saque de guerra”, também deverá ser questionado dentro dos movimentos, visto que, para manter o pacto de masculinidade e as hierarquias sexo-gênero nas organizações, é necessário demonstrar quem exerce poder: homens, e quem está em condição de subordinação: mulheres. Via de regra, é estabelecido o pacto doméstico, os estupradores não são denunciados e não são confrontados, pois a ordem patriarcal não pode ser alterada, há de acolher o agressor e expulsar as vítimas, se há denúncia, um atentado contra a vida organizativa, e quem se preocupa com a vida das mulheres? Com o agravante de que as mulheres que adquiriram lideranças nessas organizações não ousam questionar os agressores, pois são eles que as incentivam a serem líderes. Virar-se contra eles significa colocar em risco o status conquistado, tornando-se assim participantes do pacto patriarcal.
É um direito masculino inquestionável o acesso às mulheres que movem seu desejo, por quê? Por serem homens e os homens não podem controlar suas paixões e precisam desabafar sexualmente, como argumentou um juiz argentino em 2020 em uma audiência diante de uma acusação por crime de estupro, quão benevolente e acomodatícia o sistema judiciário tem sido com os homens! Portanto, como mulheres, não nos surpreendemos ao ouvir de alguns companheiros que o estupro é um mal menor. E os movimentos de esquerda? E o movimento social? Eles estão todos na trilha da campanha. A democracia é o sistema mais justo para os povos, para as mulheres? Eles afirmam que o acesso às instituições do Estado vai mudar o status quo, vai mudar? Certamente não para as mulheres. A eliminação da violência contra a mulher continua sendo atos comemorativos de certas datas ou discursos destinados à obtenção de votos e recursos. Mas na realidade concreta, a violência continua impune, os perpetradores continuam participando ativamente de suas organizações e mulheres condenadas ao exílio, revitimizadas até por outras mulheres, que temem que suas posições de liderança sejam afetadas se falarem contra os líderes agressores.
Organizações que se dizem revolucionárias na realidade o que desejam é melhorar os privilégios daqueles que já são privilegiados dentro do sistema patriarcal: os homens. O que essas organizações querem é que todos os homens tenham os privilégios de homens brancos de classe alta, proprietários, que tenham acesso e controle sobre todas as mulheres, em uma espécie de neocriollismo que não está realmente interessado em realizar transformações radicais na sociedade. Nessas organizações, as mulheres continuam a ser vistas como objetos a serem possuídos, usados, manipulados, a serviço do desejo masculino.
Nesse sistema patriarcal colonial, tudo o que representa o feminino ou feminizado deve ser possuído, aniquilado, destruído. Nos referimos às mulheres, às meninas, aos corpos feminilizados, às identidades não binárias, à terra. É assim que os estupros têm nexo com o capitalismo, mas há tanta miopia nos movimentos sociais que eles qualificam essa reflexão como um ataque contra eles, colocar as lentes para analisar e realizar ações para frear esse flagelo têm sido percebido como algo arriscado, e a quem denuncia como traidoras. À medida que avançam as agendas globais dos objetivos de desenvolvimento sustentável, as ODSs de combate às mudanças climáticas, a luta contra a desertificação e a seca, as reformas: tributária, sanitária, agrária, que fazem parte das agendas dos mais progressistas em tempos pré-eleitorais; assim mesmo, aumentam os números da violência contra as mulheres nas casas, nas ruas, nos escritórios, nos abrigos, nos conselhos comunitários e nas organizações onde militam. Na Colômbia não há lugar seguro para nós, falar de justiça não deixará de ser uma enteléquia, será meramente instrumental, contanto que as bases sobre as quais esta ordem patriarcal feminicida é construída não sejam minadas.
Para que ser mulher não seja um perigo mortal!