sexta-feira, 30 de julho de 2021
quarta-feira, 28 de julho de 2021
Pérolas do Millôr
Auto-crítica.
"Toda vez que, na intimidade do banheiro, ela ficava nua, morria de rir dos seus admiradores"
Editorial: Qual, afinal, a real identidade do Centrão?
O presidencialismo de coalizão no Brasil se constitue numa grande dor de cabeça para qualquer chefe do poder Executivo. Mas, a rigor, não há outras alternativas para o ocupante do Palácio do Planalto - seja ele quem for - que não a de alinhar-se a essas forças políticas, sob pena de ver seu mandato minguar inexoravelmente, culminando com seu afastamento do cargo. Com um olho na missa e o outro no padre, especula que, mesmo na condição de real gestor da máquina pública no governo atual, os atores políticos ligados a este grupo - que controla um terço do Legislatico - não fecharam as portas para futuros pretendentes a inquilinos do Planalto, como é o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O Centrão pode não ter endereço, CNPJ ou CPF, carteira de identidade, mas tem, certamente, um DNA bastante conhecido dos brasileiros : o do fisiologismo visceral.
Eles, matreiramente, comem o mingau quente pelas beiradas, esperam pacientemente a crise de governabilidade instalar-se e, aí, apresentam a fatura, quase sempre muito cara, sem que qualquer garantia seja dada ao governante de turno, que passa a ser refém dessas forças. Em tais circunstâncias, quando o governante entrega os anéis para não perder os dedos, a rigor, já podemos concluir que o governo caiu. A tropa tem um apetite voraz.
Constitue-se numa tarefa das mais complexas governar um país em tais circunstâncias, com uma margem de manobra bastante limitada ao chefe do Executivo. Outro dia, li um cientista político afirmar que "ceder" poderia ser uma estratégia ótima. Será? Para quem? Talvez unicamente para os atores vinculados a esta coalzão de forças denominada de Centrão, beneficiadas com liberação polpudas de emendas, cargos e penduricalhos outros. Trata-se de um grupo político frio e calculista, o que não se traduz numa novidade no mundo da política. Eles pressionam com o cérebro e empastelam-se com o estômago. E haja canapés para satisfazer esses apetites.
Houve um tempo em que se falou bastante sobre a necessidade de uma reforma política. Hoje este assunto encontra-se em standy by. Há quem reclame - não sem alguma razão - que a coalizão de governo liderada pelo PT perdeu uma ótima oportunidade de convocá-la. Credita-se aqui uma grande oportunidade perdida pela coalizão, que poderia, igualmente, ter implementado outras reformas importantes para o país, como a reforma tributária, a reforma agrária, dos meios de comunicação, para ficarmos entre as prioritárias. O problema é que esta coalizão já chegou ao poder comprometida até a medula com forças que nunca desejaram mudar nada neste país. Já está se desenhando o mesmo cenário para as próximas eleições, caso tal conjunto de forças volte a ocupar o Palácio do Planalto.
Talvez não tenhamos mais chances de retomar este debate. Uma alternativa seria a convocação de uma constituinte exclusiva para debater uma reforma política que pudesse reestruturar esses padrões de relação entre o Executivo e o Legislativo, mas, pelo andar da carruagem política, é pouco provável que saiamos desse círculo vicioso, sobretudo se entendermos que ele não chega a ser assim tão ruim para alguns segmentos políticos. É ruim mesmo para a sociedade brasileira, para a nossa frágil e incipiente experiência democrática, que sofre uma inanição profunda de práticas de caráter republicano.
sábado, 24 de julho de 2021
Tijolinho: Duas mulheres arretadas. Até aqui concordamos.
Surprendeu-nos, entretanto, uma espécie de "chamamento' de Liana Cirne no sentido de definir os projetos políticos de Marília Arraes para as próximas eleições, onde as duas deveriam disputar uma vaga na Câmara Federal. Não tenho dúvidas de que o Estado de Pernambuco estaria muito bem representado por essas duas mulheres agueridas, mas o mundo político pernambucano sentiu aqui uma manobra da direção do PT local no sentido de rifar, mais uma vez, as pretensões majoritárias de Marília Arraes. Faz algum tempo que essas tecituras estão sendo engendradas, de novo, sob o pretexto de alianças entre socialistas e petistas, visando as eleições presidenciais de 2022. É aguardada, com grande expectativa, a presença de Lula aqui na província, com o propósito de alinhavar as costuras, proceder os arremates finais, mesmo depois das feridas abertas pelas última campanha à Prefeitura da Cidade do Recife, onde seu nome foi enxovalhado para dá suporte a uma determinada candidatura.
Acostumado a engolir sapos - e tomar cachaça com tiragosto de preá quando vinha aqui na província visitar seus parentes - Lula aprendeu deste cedo que em política não existem as palavras "nunca" nem "jamais", conforme ensinava o ex-governador Paulo Guerra. Esta aberto às negociações mesmo diante das vicissitudes, com as quais ele con viveu durante toda a vida. É, igualmente, uma pessoa eternamente grata ao senador Humberto Costa(PT), desde os tempos da Brasília Amarela. O senador é a bússola política do cacique petista aqui no Estado. Isso significa dizer que o partido não terá candidato a governador nas eleições de 2022. Haja resiliência para a neta do Dr. Miguel Arraes.
Editorial: O pandemônio da corrupção na pandemia
Acompanhamos, com muita atenção, o desenrolar dos trabalhos da CPI da pandemia. Aliás, essas duas semanas de recesso estão parecendo uma eternidade. Com as pessoas em casa, essa CPI tornou-se um verdadeiro espetáculo, digno de uma Copa do Mundo ou dos desfiles das escolas de samba do primeiro grupo, no Rio de Janeiro. Como o país está polarizado, as torcidas estão bem divididas. Há os torcedores que se identificam com o G-7 e os torcedores que se encantaram com o Rolex daquele senador da base aliada, que faz uma defesa enfática do governo. Este editor, particularmente, se declara satisfeito com a condução dos trabalhos daquela comissão. É salutar, inclusive, que as instituições democráticas do país assegurem seu perfeito funcionamento, como uma prerrogativa inerente do próprio sistema, ou seja, a do Poder Legislativo fiscalizar os atos do Poder Executivo, como recomenda os bons manuais dos regimes democráticos.
Num ponto, porém, vou concordar aqui com os senadores da situação, que exigem que os desvios de recursos públicos durante a pandemia sejam investigados não apenas no plano federal, mas nos Estados e capitais do país. Há motivos robustos para que um pente fino seja aplicado no tocante a possíveis malversação desses recursos, seja na aquisição de insumos, uso de verbas federais ou construção de hospitais de campanha. Faciliataria bastante o trabalho da CPI o fato de a Polícia Federal já ter realizado várias operações concernentes a este assunto. A própria Polícia Federal estima que um montante superior a 4 bilhões de reais tenham sido desviados de suas finalidades republicanas. Caberia, tão somente, a CPI articular-se melhor com a PF, que já possui eventuais inquérios abertos sobre o assunto.
Uma CPI que iniciou seus trabalhos para investigar a conduta do governo federal no que concerne à vacinação contra a Covid-19, hoje, debruça-se sobre eventuais desvios de recursos públicos em operações nebulsos e a conduta de agentes públicos e privados nessas tecituras pandêmicas. Circunstâncias políticas excepcionais, tornaram esta CPI um termômetro de nossa saúde democrática. Aliás, uma saúde democrática, como afirmei em editoriais anteriores, bastante fragilizada. Aqui, analogicamente, convém sempre deixar claro que a nossa democracia nunca esteve completamente imunizada contra as aventuras autoritárias. Eis aqui um vírus que nunca esteve completamente erradicado num país como o nosso, de comprovado déficit institucional e profundas desigualdades sociais.
sexta-feira, 23 de julho de 2021
A medicina manguebeat de Josué de Castro
Escrito por Rômulo de Paula Andrade
Ô Josué, nunca vi tamanha desgraça[…]
Com a barriga vazia não consigo dormir
E com o bucho mais cheio, comecei a pensar
Que eu me organizando posso desorganizar
Que eu desorganizando posso me organizar
(Nação Zumbi, Da lama ao caos)
O olhar de Francisco de Assis França a respeito das desigualdades e particularidades da cidade do Recife foi construído a partir de diversas referências, com destaque especial para uma: a visão transformadora que Josué Apolônio de Castro (1908–1973) trouxe dos mangues e de seus caranguejos “com cérebro”. Os mangues, “fervilhando de caranguejos e povoado de seres humanos feitos de carne de caranguejo, pensando e sentindo como caranguejo” foram, em suas próprias palavras, a Sorbonne do médico pernambucano. Tal qual uma lente que focaliza a imagem de modo a torná-la mais nítida, seu pensamento sobre a fome e o espaço urbano exerceram grande influência nas canções de Chico Science, que enxergava no mangue a força vital que movimentava a capital pernambucana.
No manifesto do movimento Manguebeat, de Fred Zero Quatro, fica evidente o papel de Josué de Castro como membro ilustre de um mosaico pop warholiano (acompanhado por Jackson do Pandeiro, Os Simpsons e Malcolm McLaren, o "inventor" da banda Sex Pistols) que mobilizou a efervescente cena cultural da capital pernambucana no início dos anos 1990. A maior influência foi, sem sombra de dúvidas, o romance Homens e caranguejos (1967) de Josué, no qual a ideia do mangue como o “paraíso de cor negra dos caranguejos” foi criada. Mas os conceitos e a visão científica que deram base a essa perspectiva transformadora vieram do clássico do pensamento social brasileiro Geografia da fome (1946), cujo lançamento completa 75 anos em 2021.
Josué, através de um diálogo com diversos campos do conhecimento, se consolidou como herdeiro intelectual de uma tradição transformadora da Geografia. Sua reflexão apontou as agruras e as causas da desigualdade social que imperava na capital pernambucana e no restante do país. No entanto, diferentemente do determinismo predominante no pensamento social brasileiro da época — segundo o qual o clima seria a principal razão para a “decadência” da civilização brasileira —, propôs caminhos para a superação dessa chaga. Em Geografia da fome, trouxe para o centro do debate um tema incômodo para um país que se pretendia moderno e urbano: a fome. Mais do que isso: ofereceu, por meio de sua medicina voltada para a pobreza, uma interpretação do Brasil. Onde muitos autores viam impossibilidades, Josué enxergava transformação, pois, para ele, “o mal era de fome e não de raça”. Fugindo das teses que relacionavam a mistura racial brasileira a uma suposta degeneração inescapável, afirmou que “a degenerescência do povo é o resultado mais da organização econômico-social do que de sangue e de clima”. Assim, alinhava-se com outros intelectuais, como Roquette-Pinto (1884-1954), Capistrano de Abreu (1853-1927) e Gilberto Freyre (1900-1987), que deslocaram o debate racial de um contexto biológico-fatalista para uma perspectiva cultural. Os inimigos não seriam o meio ou a “raça”, mas as dietas precárias, as más condições de habitação e de higiene, que proporcionariam às doenças rurais um terreno fértil de proliferação. O acesso à saúde seria um meio de redenção, relegando definitivamente as teorias racistas à obsolescência. Em termos atuais, poderíamos chamar a medicina defendida por Josué de Castro de antirracista.
No 75º ano de lançamento de Geografia da fome, é importante lembrar da urgência que Josué possuía para lançá-lo. Hoje também urge trazê-lo novamente para o debate público, pois a fome retornou à pauta do dia, infelizmente. Para o médico pernambucano, ela era um elemento central para a história do Brasil e, do mesmo modo, um aspecto estruturante do mundo moderno. O historiador James Vernon aponta que, na Inglaterra imperial, a fome era vista como uma punição aos preguiçosos e aos mendicantes, além de disciplinadora: ensinaria a essas pessoas a moral do trabalho. O que teria causado essa mudança de paradigma em relação à fome e, consequentemente, à pobreza? Uma boa pista é observar a particularidade do momento no qual Geografia foi lançado. O uso da fome como arma de guerra não era novo, haja vista as políticas colonialistas dos países europeus em territórios asiáticos e africanos (como destacou Mike Davis no devastador Holocaustos coloniais). Mas o trauma provocado pelas imagens de corpos famintos assassinados na Segunda Guerra Mundial despertou os dirigentes, políticos e sobreviventes para as trágicas consequências destes atos. Não à toa, desde 1943 os países aliados já discutiam a criação de agências internacionais voltadas especificamente para o combate à fome e à desnutrição, como a agência de alimentação e agricultura das Nações Unidas, a FAO.
Um dos principais argumentos da obra é a centralidade da fome frente às outras doenças e à própria história humana: ela seria a causa principal das guerras e das grandes epidemias. Dessa forma, o fenômeno da alimentação, segundo o pernambucano, seria ponto de referência para o estudo ecológico das ações e reações dos seres vivos diante das condições impostas pelo meio. O diagnóstico do problema dos hábitos alimentares passava também pelos (poucos) estudos encontrados sobre o assunto: enfatizavam apenas aspectos parciais do processo e nunca suas relações econômicas, biológicas e sociais. O estudo total da fome e da alimentação foi a grande contribuição de Josué de Castro. Para tanto, lançou mão do método geográfico interpretativo de Vidal de La Blache e Carl Ritter, a fim de delimitar e analisar o fenômeno da fome no Brasil. A “revalorização fisiológica do homem” passaria pelo estudo das mais diversas fomes: desde a fome total, que atingia áreas de extrema miséria em contingências excepcionais, até a fome oculta, entendida como a falta de determinados nutrientes fundamentais — ou seja, levando à morte lenta e silenciosa populações inteiras, por mais que comessem diariamente. Por isso mesmo, era considerada a forma mais grave de privação alimentar.
Logo, estruturas econômicas e sociais teriam seríssimas consequências biológicas: o latifúndio e a monocultura eram causadores da fome. Para compreender essas deficiências em suas diversidades regionais, ele dividiu o Brasil em cinco áreas alimentares: Amazônia, Mata do Nordeste, Sertão do Nordeste, Centro-Oeste e Extremo-Sul. As três primeiras, por terem mais da metade da população em estado carencial, estariam nas áreas de fome. Com Geografia, Josué colaborou com a interpretação de um Brasil doente, o “imenso hospital” proclamado pelo médico Miguel Pereira em 1918, cujas doenças não teriam origem apenas na pobreza, mas também na desnutrição e nos maus hábitos alimentares. Em seus projetos iniciais, esse seria o primeiro de cinco volumes dedicados às manifestações da fome em outras áreas: América espanhola e inglesa, África, Oriente e Europa, respectivamente. Não conseguiu concretizar seu intento, porém publicou outro livro de grande prestígio internacional, no qual deu continuidade às suas reflexões. Geopolítica da fome, de 1951, representou o seu esforço de compreender o assunto em perspectiva comparada com outros países.
O Brasil, nas tintas do intelectual pernambucano, seria um lugar onde a desigualdade reinante encontraria na fome sua consequência mais trágica, mas também sua redenção. Além de apontar o problema, Josué, assim como outros cientistas de sua geração, buscou as soluções. Os anos após a ditadura do Estado Novo (1937–1945) foram pródigos em projetos para o país. Alguns destes, como os que ele defendia, tinham como objetivo superar o subdesenvolvimento do país e a dependência do mercado externo. Subdesenvolvimento esse que, para Josué, não seria a ausência de desenvolvimento, mas sim o produto de um tipo de desenvolvimento mal conduzido e mal distribuído, fruto da concentração de renda. Ele viu na política a possibilidade de levar adiante essas transformações. E pagou por isso. Geografia da fome acompanhou essa ascensão política e intelectual de seu autor, e, em virtude das muitas mudanças pelas quais passava o país, sofreu alterações ao longo das edições. Isso nos revela seus investimentos na compreensão do Brasil dos anos 1950 e 1960: um Estado desejoso de se tornar urbano e que investia na construção de uma imagem — nacional e internacionalmente — de modernidade, em contraponto com seu passado rural. Em seus mandatos parlamentares, Josué de Castro defendeu a reforma agrária e o combate aos latifúndios como forma de vencer a fome. Quando, na edição de 1958, o subtítulo O dilema brasileiro: Pão ou aço foi inserido no livro, o propósito consistia em abordar outra questão incômoda: diante dos avanços da tecnologia agrícola e das possibilidades que uma digna redistribuição das terras poderia oferecer, a fome se constituiria como uma escolha política e histórica. Uma escolha por um projeto de país que o expulsou, em 1964, na primeira lista do Ato Institucional nº 1 e que o levou ao exílio até a morte em 1973.
Por fim, importante registrar que mesmo com a celebração dos 75 anos desta obra icônica e com a aproximação dos 50 anos do falecimento de seu autor, Geografia da fome encontra-se esgotado. Sua última edição foi lançada pela editora Civilização Brasileira em 2008, com texto de apresentação redigido pelo geógrafo Milton Santos. Fica aqui um manifesto: é hora de novas edições, novas releituras e novas celebrações para Josué e sua produção. Este hiato talvez se relacione com o que está escrito no prefácio da primeira edição de Geografia: os preconceitos de ordem moral, política e econômica da civilização ocidental, cuja pretensa racionalidade não se interessa e pouco se sensibiliza por um instinto tão primário como o fenômeno da fome. O grito de Chico Science ao fim de Cidadão do mundo parece ser, mais do que nunca, oportuno: “é o zum-zum-zum da capital/ só tem caranguejo esperto/ saindo desse manguezal/ eu pulei, eu pulei/ corria no coice macio/ encontrei o cidadão do mundo/ no manguezal da beira do rio/ Josué!”
(Publicado originalmente no site do Suplemento Pernambuco)
Pérolas do Millôr
CESTA BÁSICA
"Eles foram perfeitamente honestos chamando essa coisa de sexta-básica. No sábado já está completamente vazia."
Millôr Fernandes
quinta-feira, 22 de julho de 2021
Publisher: Brazil: A democracy in the ICU?
In recent years, some new ingredients have emerged to compose this scenario, such as the authoritarian arrangements articulated through the institutional instances of the so-called democratic framework, which has come to be called coups of a new type - without the executioners of democratic regimes needing to be expose or get their hands dirty - and also meet the legal conditions to criminalize those who express themselves in these terms on the subject. The gap between political democracy and economic or substantive democracy, in turn, as shown by numerous studies, is responsible for putting down the institutional edifice of democracy. It is the so-called last shovel of earth. Since the 1960s, French sociologist Claude Leffort has warned us: "A democracy that does not expand tends to die of starvation."
The conservative and right-wing "wave" that sweeps the world from one quadrant to another, although it has faced some ebbs in recent clashes, such as in Chile, for example, is still well built. Democracy thanks the Chilean people, who mostly rejected an authoritarian constitution and placed Elisa Lancon, a Mapuche Indian, in the presidency of the work that will formulate the country's new constitutional charter, which should be plural, citizen and, above all, preserve the values of democracy in a country that has already faced bloody democratic setbacks.
We apologize to the readers and readers for the tautologies, but we still find it very difficult to understand how these insurgent political currents - of right - achieve the alchemy of reconciling, at first, excluding variables, such as, for example, uniting militias and neo-Pentecostalism in the same political project .There are indications about members of neo-Pentecostal churches involved even in drug trafficking in Rio de Janeiro. Transgressions are possible at any institution. Strange, however, the recurrence. Some analyzes point to a dangerous geographical proximity to these "herds" - poor, black and slum dwellings in urban centers such as Rio de Janeiro - but it seems to us that political "motivation" is a more enlightening variable to clarify this phenomenon. of time, not infrequently, help us to understand certain political events. On this one in particular, it should not be different. There are good studies in progress on this issue and, whenever possible, we will bring them here.
The concrete fact is that we slept the political sleep that produced the monster. We failed to take care of our democracy and, today, we suffer from a setback of gigantic dimensions, with almost daily damage to our democratic institutions. And, as I said before, our pillars have always been very fragile. If the rope is kept taut, I think it will break. Initiatives taken by the STF in the sense of summoning the political actors representing the three powers to adjust the conversations are important and necessary, in order to contain the rapes and re-establish the limits of each one of them. Even more important, apply the rigors of the law to prevent anti-democratic demonstrations and preaching, such as fake news, true machines to destroy reputations.
Tijolinho: O adubo dos Coelho
Sob o argumento de "pautas administrativas", tem sido recorrentes os encontros entre integrantes da família Coelho e os ocupantes do Palácio do Campo das Princesas. Amiúde, comenta-se sobre a possibilidade concreta de articulações políticas de olhos nas eleições de 2022. Hoje, o capital político da família Coelho interessaria a qualquer força política no Estado. Durante os últimos anos, eles adubaram bem as bases nas diversas microrregiões do Estado, pavimentaram as estradas, de olho, inclusive, num projeto majoritário de um dos herdeiros do clã familiar, Miguel Coelho(MDB), atual prefeito de Patrolina. Consoante determinados arranjos, no entanto, o herdeiro do clã pode esperar um pouco mais para viabilizar seu principal projeto político. Ainda é muito jovem. O pai, o senador Fernando Bezerra Coelho(MDB), por exemplo, tem sido resiliente desde os tempos do ex-governador Eduardo Campos, que, matreiramente, para evitar eventuais perda de controle do grupo, indicou técnicos de sua estrita confiança para a ocupação de cargos majoritários do Estado, a exemplo do próprio Paulo Câmara.
Ainda é prematuro afirmar que esses acordos já estariam sendo costurados, mas não se pode descatá-los, uma vez que a disputa no campo das oposições também apresenta alguns complicadores, como, por exemplo, definir os ungidos do grupo para as vagas em disputa, compondo a chapa majoritária, o que implica em váriáveis quase sempre de difícil controle. Soma-se a isso, as eleições presidenciais tambem em curso, o que faz de Pernambuco um Estado submetido a constantes assédios de pretendentes ao Palácio do Planalto, como Ciro Gomes(PDT) e Lula(PT). Como são eleições casadas, as articulações nacionais tem reflexos nos arranjos políticos estaduais. O Deputado Federal Marcelo Freixo, por exemplo, desembarcou no PSB, no contexto de uma costura que prevê o apoio do PT à sua candidatura ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, em 2022, que contaria com o apoio do PT, mediante acordos aqui na província com o PSB.
Animal político de faro aguçado, não surpreende que o chefe do clã dos Coelhos, o senador Fernando Bezerra Coelho(MDB), tenha reaberto este diálogo com o Palácio do Campo das Princesas. Uma possível aliança entre o grupo Coelho e o Palácio do campo das Princesas emprestaria uma musculatura política invejável a esta coalizão de forças, uma vez, que, como dissemos no início, a família Coelho vem adubando suas bases políticas religiosamente em todos os quadrantes do Estado. Um complicador poderia ser o alinhamento do senador, no plano nacional, com correntes políticas adversárias dos socialistas.
Editorial: A subordinação do poder militar ao poder civil no Brasil.
Talvez não possamos afirmar o mesmo em relação à democracia brasileira, tutelada, eternamente inconclusa, vulnerável aos suspiros autoritários. Para usarmos uma expressão do historiador Sérgio Buarque de Holanda, a democracia entre nós, na realidade, nunca passou de um grande mal-entendido. O processo de colonização português, forjado no trabalho escravo das capitanias hereditárias, certamente, em nada contribuiu para forjar o respeito ao "outro", a sensibilidade social, a institucionalização dos nossos espaços públicos. Gostamos - e sempre citamos - essa expressão do Sérgio Buarque de Holanda porque ela é muito elucidativa para entendermos a nossa realidade política. O Brasil oficial, aquele de nossa elite tacanha e mesquinha nunca deixou a Casa Grande. Frequenta seus arredores unicamente nos carnavais e durante os jogos de futebol da seleção canarinha. E, sempre que seus interesses são contrariados, convoca os algozes para manter a "ordem", o que caracteriza que temos um simulacro de democracia, do tipo "sob medida', consoante externamos no nosso último editorial. Curioso que, para tais finalidades, são comuns os acordos entre militares e civis.
Em 1985 fizemos uma transição precária para um suspiro de democracia política, que permitiu que ficassem no seu rastro um punhado de entulhos autoritários, acionados sempre que a ocasião permite ou a temperatura política aumenta, colocando em lados opostos o poder civil e o poder militar. No Brasil, essa relação, a rigor, nunca foi pacífica, exceto em raros momentos onde o contingencioso foi momentaneamente contido. Vejam, por exemplo, a batalha campal que foi travada para se colocar no Ministério da Defesa uma autoridade civil. Esta prerrogativa, enfim, seria uma grande conquista da Carta Constitucional de 1985. Até recentemente, essa pasta voltou a ser ocupada por um militar. Existem vários fatores ou variáveis para se aferir a saúde de uma democracia. A subordinação do poder militar ao poder civil é uma delas. Eleições regulares, harmonia entre os três poderes, respeito às minorias também são bem-vindas.
Nos útimos meses, embates e rusgas entre os poderes civil e militar no Brasil se tornaram recorrentes, o que, em si, é um indicador da fragilização do nosso processo democrático. Alguns atores políticos, como o presidente do STF, Luiz Fux, estão assumindo o papel de bombeiros, conciliadores e árbitros, o que é bastante salutar no sentido de conter os arroubos e evitar situações limites para o nosso tecido institucional. Infelizmente, este bom exemplo, não tem sido a regra de procedimento de outros atores relevantes, que preferem esticar a corda. E essa corda, como afirmamos em editoral anterior, é bastante frágil. Não se pode brincar com coisas tão sérias.
P.S.: Na foto acima, o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim, um dos poucos civis a ocuparem a pasta da Defesa.
terça-feira, 20 de julho de 2021
Tijolinho: PSB: Esse estranho objeto do desejo.
A possível chapa prevê que Humberto Costa(PT) seja candidato a vice-governador, Paulo Câmara(PSB) concorreria ao senado e Lula emprestaria seu apoio à candidatura do ex-prefeito Geraldo Júlio(PSB) ao Governo do Estado. Há quem observe uma ligeira desvantagem do PT nesta composição, mas, por outro lado, uma vez eleito, Paulo Câmara assumiria a condição de integrar a base governista,numa eventual eleição de Lula. Os radares dos caciques socialistas locais já detectaram ruídos no tocante à candidatura do ex-prefeito Geraldo Júlio(PSB) ao Governo do Estado. O apoio de Lula poderia contribuir para minimizar esses ruídos ou aparar essas arestas em razão do grande capital político do petista aqui na província, sua terra natal. Aliás, esses ruídos nas hostes socialistas já acenaram até mesmo para o "trabalho' de outros postulantes do partido ao Palácio do Campo das Princesas. Não há unanimidade em torno do nome do ex-prefeito Geraldo Júlio, sobretudo em razão dessas dificuldades. A questão é que, quem apoia Geraldo Júlio tem o martelo.
Uma revista de circulação nacional, em sua edição desta semana, traz uma informação importante sobre a arena política pernambucana, envolvendo as hostes socialistas. Segundo aquela revista, dois presidenciáveis, Lula e Ciro, estariam disputando o apoio do PSB, numa briga fratricida, fundamental para os planos políticos de cada um deles. Pelo o andar da carruagem política - e pelos movimentos recentes de atores políticos como Flávio Dino, governador do Maranhão e Marcelo Freixo, Deputado Federal do Rio de Janeiro - que recentemente se filiaram ao PSB, é mais provável que o PT, de fato, feche o acordo com os socialistas. Há algum tempo atrás, quando o partido tinha em seus quadros atores políticos como o Dr. Miguel Arraes, o filósofo Walteir Silva, João Mangabeira, Evandro Lins e Silva, Rubem Braga faria algum sentido chamá-lo de objeto dos desejos. Hoje, não mais.
Donald Winnincott no Brasil em 2021
Tales Ab´Sáber
Donald Winnicott é o psicanalista da vida. Só quem conheceu como próprios os meandros produtivos da psicanálise, que ele chamava de fundamentalmente criativa, poderia dizer um dia que “a vida é mais importante que a análise”. Para ele, sem abrir mão da teoria do inconsciente que recebeu de sua tradição, a psicanálise sempre foi de fato vida. Tendo anos de análise pessoal com James Strachey, que se analisou com Freud em Viena, e de estudos com Melanie Klein, que se analisou por sua vez com Sándor Ferenczi e Karl Abraham, Winnicott soube fazer seu tudo aquilo que recebeu, bem como, em sonhos, Goethe propôs a Freud. Ao seu modo altamente idiomático, ele reinventou a psicanálise, o objeto cultural que tanto amava, no mesmo movimento em que a incorporou. E foi exatamente esta ética de civilização como criação que ele ofereceu aos milhares de crianças e bebês que teve no colo, durante cinquenta anos, em sua clínica psicanalítica pediátrica que acontecia no hospital público inglês. Talvez por isso elas transformassem de modo tão vivo suas dores e seus medos junto a ele, junto à sua zona de ilusão.
Passando por baixo e indo além de todo caráter contratual que estrutura grande parte da vida social da psicanálise no mundo, como Gilles Deleuze dizia sobre ele, sendo o primeiro a nos ensinar a “a ir até lá”, como o filósofo completava, observando, como também dizia Giorgio Agamben dele, o modo com que o objeto põe o humano para ser nele próprio, como os índios, as crianças e os artistas sabiam, Winnicott é, por estas e por outras, para muitos de nós, depois de Freud, o psicanalista dos psicanalistas. Com ele aprendemos a respeitar, e a desrespeitar, todo o cânone ao mesmo tempo. Passamos a pensar, ou melhor, a viver, em um mundo “entre os mundos” e a partilhar, em suas palavras rigorosas, a origem temporal do simbolismo.
Pensamentos, experiências e concepções de clínica diretamente “inspiradas” nele foram os de Marion Milner, M. Masud Kahn, Margaret Little, Jean-Bertrand Pontalis, Christopher Bollas, Harold Searles, René Kaës, René Roussillon, Adam Phillips, entre tantos. Jessica Benjamin e Axel Honneth o estudaram bastante e o consideraram, ambos, como uma espécie de último limite de uma teoria ética e ontológica, desde a psicanálise, do reconhecimento: o mundo fundante de um humano como ser político e de cultura. Ele próprio tinha um vínculo de afinidade eletiva especial, de pai para filho inconsciente poderíamos dizer, com o pensamento do então bem censurado da psicanálise Sándor Ferenczi, com o qual entrou em contato através de seu amigo psicanalista Michael Ballint, analisado por Ferenczi e guardião do mítico “diário clínico” do genial discípulo húngaro de Freud.
No Brasil, seu trabalho frutificou como em poucos centros da psicanálise de hoje e deu origem, entre outros, ao inspirador pensamento de Gilberto Safra, altamente humanista. O meu próprio trabalho com a Clínica Aberta de Psicanálise, e nosso grupo analista, nosso coletivo de psicanalistas sociais na Casa do Povo em São Paulo, só pôde existir porque em 1930 Winnicott se ajoelhou com uma criança em um corredor de hospital em Londres e eles desenharam juntos belas figuras, enquanto ela lhe contava seus sonhos… A Clínica Aberta se sustenta articulando uma série, aberta, inventada pelo paciente, de “consultas terapêuticas”, a poeticidade psicanalítica muito especial do encontro único, verdadeiro mundo clínico descoberto por Winnicott.
Certa vez Rodrigo Naves me disse desconfiar que os “objetos relacionais” de Lygia Clark tinham inspiração e base no objeto e fenômeno transicional de Winnicott, que ela teria aprendido na época diretamente em Londres, quando morou lá… Perto do fim da vida, Winnicott nos contou sobre um clube de amigos que lhe aparecia em sonhos, no qual costumava se encontrar e conversar com C. Gustav Jung. Ao mesmo tempo, ele nos mostrava todo o valor do “sem sentido” em psicanálise; enquanto pedia a Mohammed Masud Khan que fosse com a sua roupa de cavaleiro atender uma moça anoréxica que amava cavalos…
Há pacientes lacanianos como há pacientes kleinianos. Pode-se rastrear os termos da teorização freudiana em todas as suas coordenadas e conceitos e fazer ainda mais mil e um mapas dos grafos de Lacan. Mas qualquer coisa do tipo perde o principal em Winnicott, o momento fulgurante de um acontecimento em psicanálise, disse dele Pontalis. Psicanalista do potencial, dos “mundos sem fim”, ele inverteu o valor e o sinal da ideia ocidental de ilusão e nos mostrou um pouco como “viver o paradoxo”. O paradoxo para Winnicott: verdadeira fonte de devir, antes de julgá-lo como qualquer modo de significação ou de significante. Por isso ele foi lido por alguns com Espinosa, por outros com Heidegger, e com Merleau-Ponty, quando foi de fato apenas um psicanalista pediatra que partilhou sonhos, e brincadeiras, com crianças. E com bebês, que adoravam o seu snack bar, a sua lanchonete, como ele chamava seu consultório no hospital, onde eles devoravam a espátula de prata, e voltavam à vida em seu colo.
Médico de aldeia, mesmo que a aldeia fosse Londres, diferente do mestre político Freud e da necessidade espetacular de reconhecimento de Lacan, só viemos a saber tudo o que ele era e tudo o que pensava após a sua morte. Definiu sua obra prima clínica, o “jogo do rabisco”, como “o jogo sem nenhuma regra”. Porque “o analista que não sabe brincar não sabe analisar”, e a vida é mais importante que a análise, “esta forma altamente civilizada que o século 20 inventou de… brincar”! Pode? Por saber brincar e por amar tanto a psicanálise, que o fez tanto quanto ele a fez, foi mesmo o animador da vaquinha entre os psicanalistas ingleses que instalou a estátua de Freud, de Oscar Nemon, em Swiss Cotage.
Salve Winnicott, nosso guia e bom sonho, analista da potência criativa que tomou a vida ocidental como cultura, e como contra-cultura!…, até outro dia. O brincar e a realidade é o duplo, interior da psicanálise, desde a clínica, do radical e utópico discurso político, desde a cultura, que foi Eros e civilização. E nem Marcuse, nem Winnicott, rigorosamente contemporâneos, ouviram falar um do outro enquanto levavam a psicanálise na mesma direção. Ofereço esse ensaio, este estudo e retrato, Winnicott, experiência e paradoxo, a todos os meus amigos que mantêm o humano vivo e íntegro, deste ou daquele modo, de todos os modos, de todos os mundos, nestes tempos tristes de pobreza psíquica, mercadoria como sujeito e violência como cultura. Tempo em que homens do sonho, do reconhecimento, da criação e da democracia, como Winnicott, são tidos por inimigos.
Agradeço muito à Florencia Ferrari, e aos amigos da Ubu editora, que me deram a responsabilidade feliz de acompanhar com esta apresentação e ensaio a sua nova e fundamental coleção Donald Winnicott. E agradeço a todos os colegas que estão presentes em mim. Estou disponível para conversar com quem quiser falar sobre este livro, que foi escrito para todos. Evoé, DWW.
Tales Ab’Sáber é psicanalista e ensaísta, doutor em Psicologia Clínica pela USP e professor da Unifesp. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
(Publicado originalmente no site da Revista Cult)
Editorial: Brasil: uma democracia na UTI?
sábado, 3 de julho de 2021
Estudo mostra diversidade de práticas sexuais entre indígenas no Brasil pré-colonial
Arte sobre litografia: Índio Camacã Mongoió, de Jean Baptiste Debret, 1834 (Revista CULT/Reprodução)
A diversidade sexual no Brasil pode parecer uma pauta nascida na atualidade, mas é muito mais antiga: ela existe, pelo menos, desde antes da época colonial. É o que mostram os antropólogos Estevão Rafael Fernandes e Barbara Arisi no estudo Gay Indians in Brazil: Untold Stories of the Colonization of Indigenous Sexualities (“Índios gays no Brasil: Histórias não contadas da colonização das sexualidades indígenas”).
Analisando dezenas de registros das diferentes formas de sexualidade e de relacionamentos entre os índios brasileiros no período colonial, a dupla concluiu que foi a homofobia, e não a homossexualidade, que desembarcou na América com os colonizadores europeus.
Recém-publicada em inglês pela editora alemã Springer, a pesquisa traz exemplos da diversidade de práticas sexuais que datam de muito antes dos processos de colonização: homossexualidade, poligamia e até mesmo algo semelhante à transgeneridade e ao não-binarismo. “As famílias tradicionais brasileiras que os portugueses encontraram quando desembarcaram aqui não eram homofóbicas”, afirma o antropólogo Estevão Rafael Fernandes.
Os pesquisadores partiram de relatos e crônicas históricas dos exploradores europeus. Encontraram um grande número de acusações de “perversão sexual”, “sodomia” e “pederastia”. “São histórias de como a Cruz, a Coroa e o Estado tentaram (e tentam) controlar os corpos indígenas, e de como eles resistem e persistem”, define Barbara Arisi.
Segundo Fernandes, é possível afirmar que a liberdade sexual não costumava ser motivo de preconceito entre os próprios indígenas até a chegada dos colonizadores. É o que mostram casos como o de um nativo que, tido como “hermafrodita” pelos europeus, foi amarrado à boca de um canhão prestes a ser disparado.
Uma vez que a proposta dos autores não era a de publicar uma leitura “exótica” dos costumes sexuais indígenas, a pesquisa investigou principalmente como se deu a colonização sexual e corporal dessas comunidades – e como sua diversidade vem sendo apagada e reestruturada desde a chegada dos europeus no continente americano até os dias de hoje.
De acordo com os antropólogos, os processos de colonização vão muito além dos aparatos burocrático e administrativo, englobando também “o manejo da subjetividade, da afetividade e da corporalidade”, nas palavras de Arisi. A colonização, portanto, se fez muito mais no cotidiano do que em nível de governo, cortando, pouco a pouco, costumes, crenças e práticas culturais dos povos indígenas.
“A colonização baseia-se em um conjunto de relações de poder que opera em relação a noções como raça, gênero e povo, por exemplo, e a partir de práticas desde as quais estas noções são construídas e mantidas justamente para manutenção destas relações de poder”, afirma Fernandes.
Ecos da colonização
Partindo da colonização sexual, os autores abordam também a sexualidade indígena atual, mostrando que os processos de colonização jamais pararam de acontecer: “Se falar em ‘homossexualidade indígena’ choca nos dias de hoje, é necessário ter em mente que tanto a questão da sexualidade quanto a da etnicidade são moldadas historicamente”, diz Fernandes.
Os autores afirmam que existe atualmente uma visão preconceituosa de que o homem branco teria “corrompido” as populações indígenas ao apresentar outras formas de interação sexual e amorosa além da heterossexual e monogâmica.
Essa noção teria começado a circular no Brasil nos anos 1970, quando se consolidou de forma mais organizada o movimento pelos direitos indígenas no país. “É um discurso de que a homossexualidade equivaleria à ‘perda da cultura’, ou seja, de que o indígena LGBT seria ‘menos indígena’ do que o heterossexual”, afirma o pesquisador.
A ideia foi incorporada, inclusive, pelos próprios líderes das aldeias ao longo do processo de colonização, discurso que segundo o antropólogo se relaciona com ideias que ainda hoje chegam às aldeias por meio de agentes de instituições oficiais ou de igrejas. “É como se a homossexualidade se transmitisse por contágio, como doença, levando à perda da identidade cultural”, diz.
O resultado: altas taxas de suicídio entre os índios LGBT, assassinatos por homofobia e pouca visibilidade para o assunto, já que muitos preferem calar do que lutar, prezando pela própria segurança. “Hoje, afirmar-se índio e gay é uma dupla luta pela sobrevivência”, pontua Fernandes.
(Publicado originalmente no site da Revista Cult)