Essa
expressão foi utilizada pela primeira vez, por um literato francês sobre
a reforma urbana patrocinada pelo Barão de Haussiman em Paris, depois
das barricadas de junho. 0 objetivo da reforma é sanear e embelezar a
cidade, colocando abaixo o velho casario e alargando as ruas e avenidas,
de forma que os carros de combate pudessem facilmente enfrentar os
"communards" e impedir as barricadas. 0 modelo da reforma urbana
francesa ganhou a imaginação urbanística do século XX, influenciando o
traçado urbanístico das principais capitais brasileiras. Para o bom
entendedor, o significado era claro: higienizar as cidades, expurgando o
centro urbano de pobres, miseráveis, lumpens etc. E criando excelentes
oportunidades de negócio para a especulação imobiliária, com o
indefectível apoio do poder público.
Foi o
sociólogo francês, Henri Lefebvre, quem cunhou a expressão "o direito à
cidade", como um dos maiores direitos que o cidadão citadino e urbano
podia ter. O direito à cidade se traduz no direito à moradia, ao
transporte, à saúde, ao lazer, ao trabalho e, naturalmente, na tomada de
decisões que afetem o cotidiano das massas urbanas. A especulação
imobiliária é exatamente a negação do direito (democrático) à cidade.
Esse direito não pode ser reduzido ao cidadão-consumidor, ao
especulador, aos ricos e apaniguados, amigos do Poder Público, de seus
planejadores,arquitetos e seus escritórios encarregados de "vender" o
produto ao mercado. Quando o direito à cidade é roubado, produz-se a
espoliação urbana e a expulsão dos cidadãos pobres para as periferias da
cidade.
0 que vem
ocorrendo com o Recife, desde as gestões do PT - sobretudo a última - é
um processo de espoliação urbana do centro histórico da cidade (o bairro
de São José). Uma imensa área localizada no Cais do Estelita,
pertencente à União foi comprada por um rico e poderoso consórcio
chamado de "Novo Recife", com o objetivo de construir naquela área um
condomínio de luxo, com 15 torres, cujo gabarito chega a 40 andares. Uma
imensa área que deveria ter sido tombada pelo patrimônio histórico e se
transformar em parques e praças públicas, vai se tornar numa área de
forte especulação imobiliária, sem nenhum proveito para a população do
Recife. Por que não prosperaram as tratativas entre a União, o Estado e o
Município no sentido de que a área fosse transformada em área pública
para o usufruto dos cidadãos e cidadãs recifenses? - Como foi que,
exatamente nas gestões petistas, que prometeram devolver à população a
cidade do Recife, ocorreu esse negociata que esbulha o direito à cidade
da grande massa da população? Quem ganharam com isso? Em troca de quê,
foi feita a espoliação urbana?
0 pior é que o processo se estendeu ao Pina, a
Brasília Teimosa, às reservas de manguezais, modificando drasticamente a
paisagem urbana. As obras viárias (caras) realizadas em beneficio de
condutores de automóveis privados, para acesso a grandes centros de
compra e de lazer, sem Reima/Ima, com isenção fiscal, com crédito
subsidiado do BNDES, onde antes só havia manguezais e residências
simples. Como foi que ocorreu tamanha mudança, depois de todo o
movimento da reforma urbana e da aprovação da lei do solo urbano?
Mais
triste é ver colegas, professores universitários, urbanistas e
arquitetos - contratados a peso de ouro - para convencer a opinião
pública de que essas obras vão trazer um enorme benefício para a cidade.
Deveriam ser mais honestos e ajudar a vender esses empreendimentos
privados, sem a máscara de pesquisadores ou gestores urbanos. Simples
vendedores do "peixe" das grandes construtoras imobiliárias do Recife,
que acham que o céu é o limite da especulação.
Michel Zaidan Filho é historiador, filósofo, cientista político e professor da Universidade Federal de Pernambuco.
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