A eleição, a TV, o jovem classe C e essa tal de internet
Por Renato Rovaiagosto 28, 2014 20:08
Passados quase 10 dias de programas eleitorais de TV e de rádio pouca coisa mudou no cenário político. As mudanças significativas tiveram mais relação com a entrada de Marina no jogo do que com a força do broadcasting.
Há algum tempo a TV aberta vem perdendo força no cenário comunicacional brasileiro. Audiências como a do Jornal Nacional que antes batiam na casa dos 80%, hoje quando muito chegam a 20%.
Nos EUA, isso já aconteceu há algum tempo. Aqui até que demorou.
As manifestações de junho não tiveram nada a ver com a TV. Mas houve gente que fez questão de dar um jeito de dizer que foi a Globo que organizou os protestos. A Globo pegou carona para não ser engolida por eles.
O fenômeno dos rolezinhos nos shoppings também surpreendeu muita gente. Aquela galera nunca tinha aparecido na TV. Mas existia e tinha imenso poder de organização.
Na eleição de 2012, a TV patinou mais ainda foi muito forte. E até por isso a classe política manteve boa parte de sua apostas no broadcasting. O marketing eleitoral idem. E quase todos os candidatos aguardavam o horário eleitoral para ver o que iria acontecer.
Em 2012, o Facebook tinha 40 milhões de páginas e perfis no Brasil. Agora, em 2014, são 90 milhões. O público que está nesta plataforma mais do que dobrou.
Mas isso não explica tudo.
O fenômeno da perda da força da TV na decisão do voto tem muito mais a ver com a mudança do poder de influência da formação de opinião na família.
E também com a mudança no padrão de vida das famílias brasileiras.
Quem manda nas eleições no Brasil a partir de agora é a classe C. Ela representa 55% do eleitorado brasileiro. É ela quem vai decidir o próximo presidente da República e os próximos governadores de Estado.
Antes de Lula, a maior parte do eleitorado era das classes D e E. Um eleitorado muito suscetível ao controle do voto pelas classes A e B. E também muito influenciado pela TV.
Nas classes D e E o poder de influência, em geral, não estava nem dentro da família. Estava do lado de fora, principalmente antes do Bolsa Família.
Era a patroa que pagava menos de um salário mínimo para a empregada mãe solteira, mas que lhe dava umas roupinhas de vez em quando, que lhe aconselhava o voto.
Era o “gato” que levava o boia-fria pra se esfalfar o dia inteiro cortando cana que lhe dizia em quem deveria votar.
Na classe C não é mais assim.
O voto passa a ter uma certa dignidade, mas isso não significa que ele terá um contorno popular ou de esquerda.
Os rolezinhos do funk ostentação são muito significativos deste fenômeno. O jovem Classe C quer ser. Ele não aceita ser tratado como um não-sujeito. E ele também quer ter. Não aceita não participar da sociedade do consumo. E ele quer dizer. Ele tem a auto-estima dos batalhadores e dos vencedores e por isso quer dar opinião.
Na classe A, não é incomum você encontrar um pai doutor, mestre ou muito rico e um jovem com menos estudo e um pouco perdido na vida. Sem saber pra onde ir do ponto de vista profissional e pessoal.
Na classe C, em geral, o jovem tem mais educação que o pai e a mãe e em boa parte das vezes ganha mais que eles. Até por ter mais estudo.
Este jovem em boa medida deve ter sido incluído nesse seu novo patamar por conta de programas do governo Lula e Dilma. Mas ele acha que chegou até onde está muito mais por conta dos seus méritos.
E aí vem a questão principal. Esse jovem vê muito menos TV do que seus pais e do que as gerações anteriores. E ele é o formador de opinião.
Ele passa muito mais tempo na internet vendo vídeos no youtube ou em games ou acessando o Facebook e outras redes.
Esse jovem quando assiste TV é para ver futebol ou uma novela na hora que a família inteira está em casa.
E ele é o mais respeitado da casa. E ele vai ser muito importante para a reflexão familiar e a decisão do voto. Até agora este jovem não está dando a mínima para a propaganda eleitoral.
Ele está noutra. O que não significa que não está nem aí para nada.
Esse jovem não tem a memória do governo FHC, mas ao mesmo tempo ele não é anti-petista. Ele gosta do Lula, mas não paga pau pra ele. Ele não teria grandes dramas em votar na Dilma, mas não sentiu ainda que ela está na pegada com ele.
Na verdade, ele não se sentiu compreendido por quase nenhum candidato e partido.
O universo dele não está nos programas de governo e nem nas propagandas eleitorais. Quando falam dele, só focam em emprego e educação. Coisas que de alguma forma ele vem conquistando. Ele quer se ver mais nas prioridades dos candidatos. Ele quer ser alcançado, mas a partir do seu universo real. Não do ilusionismo. E nem do marquetismo.
Quem entender melhor esse universo vai se dar melhor em 2014. Tanto nas eleições presidenciais quanto na dos estados. Todo mundo de alguma forma concorda que rolou um novo Brasil.
Mas na hora da campanha, os discursos, formatos e o uso dos meios de comunicação é o do Brasil que ficou pra trás.
O jovem classe C é a chave desta eleição. Ele e o seu universo.
(Renato Rovai no blog da Revista Fórum)