O romance reconstitui, historicamente, a decadência da industrialização têxtil no país, a partir de uma experiência observada na cidade-fábrica de Paulista, localizada na região Metropolitana do Recife, em Pernambuco. Durante o seu apogeu, o município ostentou a condição de maior polo têxtil da América Latina, situação que o coloca como um indicador seguro para entendermos como este ciclo de industrialização se deu em todo o Brasil, pois as indústrias do Grupo Lundgren, em Paulista, se constituíam numa espécie de termômetro ou parâmetro seguro para avaliarmos o que ocorria neste setor da economia no país como um todo. Este é o terceiro dos romances tratando deste assunto, abarcando o ciclo da industrialização têxtil no município desde às suas origens, com o romance Menino de Vila Operária; apogeu, com o romance Memórias de uma Cidade Tecida; e, finalmente, Tramas do Silêncio.
Além de abordar o processo de decadência da indústria têxtil no município, o romance envereda pelas consequências daí decorrentes, uma vez que tudo, absolutamente tudo no município girava em torno dessa indústria, a Companhia de Tecidos Paulista. Como ficaria a cidade com o encerramento de suas atividades? O que fazer com o espólio de construções históricas do período? Qual a memória a ser preservada? A da oligarquia industrial – representada pelo clã da família Lundgren - ou a memória da luta dos trabalhadores e trabalhadoras por sua emancipação? A indústria fechou suas portas na década de 80 do século passado, mas, já na década de 60, refletia a crise no setor têxtil que se observava no plano nacional, de onde não haveria mais retorno, exceto pelo interregno da fase do Milagre Econômico Brasileiro, decorrente da fase inicial desenvolvimentista da ditadura militar implantada no país com o Golpe Civil-Militar de 1964. Milagre que durou muito pouco, pois o santo era de barro. O que perdurou por longos 21 anos foram os danos políticos e institucionais daí decorrentes, como a supressão de direitos, liberdades civis e a perseguição aos adversários, com seus reflexos no município, elementos que são, igualmente, tratados no romance.
O texto está dividido em três partes. Na primeira parte abordamos os problemas enfrentados pela indústria têxtil naquele período histórico específico, envolvendo, inclusive, as sucessivas greves ali verificadas, aguçando, até o limite do possível, o conflito entre capital e trabalho. A greve de 1962 é a mais emblemática entre elas, pois ocorre num ambiente político extremamente favorável à classe trabalhadora, significando conquistas importantes, embora não duradouras, pois, logo em seguida, dois anos depois, ocorreu o Golpe Civil-Militar de 1964. Naquela oportunidade perdida para que o país pudesse encontrar o seu verdadeiro rumo, tínhamos na Presidência da República João Goulart e no Ministério do Trabalho, Almino Afonso. No Governo do Estado de Pernambuco, Dr. Miguel Arraes, que proibiu a sua Polícia Militar de reprimir as manifestações legítimas dos trabalhadores.
A segunda parte enfoca as consequências da queda das atividades da indústria têxtil no município, pois existia um padrão de interdependência bastante acentuado entre esta indústria e os moradores locais, uma relação que extrapolava o caráter estritamente produtivo, atingido outras esferas, como a moradia - existia uma vila operária – assim como os roçados da companhia, que produziam alimentos para a população local. Naquele momento histórico específico, o município entrou numa fase de orfandade produtiva, talvez uma anomia social daí decorrente, pois a cadeia produtiva havia sido rompida. No seu período áureo, estima-se que a indústria têxtil do município chegou a empregar 20 mil trabalhadores em suas duas fábricas de tecidos. O cinema, o Clube dos "assustados", os festejos tradicionais, a exemplo do Natal, período em que as chaminés ficavam iluminada e com uma grande estrela, algo que permaneceu na memória dos moradores locais durante décadas.
Há uma discussão bastante interessante no texto sobre o papel das mulheres em todos os movimentos de contraposição entre capital e trabalho no município. Curiosíssimo este aspecto, uma vez que, ouvida pelo antropólogo José Sérgio Leite Lopes, uma fiandeira daquele período explica essa movimentação mais ativa das mulheres por uma razão aparentemente numérica. Afirma que sempre as mulheres foram maioria entre os empregados da companhia, uma explicação que não nos convenceu totalmente, principalmente quando se sabe que, mesmo o sindicato local sob intervenção, elas se dirigiam ao sindicato da Várzea para acompanharem as movimentações da categoria. Há até um fato emblemático aqui. Elas peitaram os coronéis para a liberação de uma hora nos seus turnos aos sábados para realizarem a feira.
Na terceira e última parte, abordamos o quadro de ebulição política que exista no país naquele momento, no início da década de 60, de muita agitação política, sindical e estudantil, em torno das reformas de base que país reclamava, que envolvia questões relativas à reforma agraria, educação de adultos, entre outras, e como tal momento se refletia no município. Historicamente, como se sabe, tais reformas foram abortadas pelo golpe de classe articulado pelas forças conservadoras consorciadas com os militares, produzindo longos dias de trevas para o país. Como esses acontecimentos se refletiram entre os moradores do município, que registra casos de torturados, mortos e desaparecidos no período? Um dos casos mais emblemáticos neste aspecto é o que ficaria conhecido como o Massacre da Granja São Bento, onde seis guerrilheiros da VPR foram mortos, entre eles a paraguaia Soledad Barrett, de quem reproduzimos no texto seu último poema, que ela dedicou a sua mãe.