pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
Powered By Blogger

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Michel Zaidan Filho: A liberdade de opinião ameaçada



                                               
 



Estamos vivendo no país aquilo que muito apropriadamente a professora Liana Lins, da Faculdade de Direito do Recife, denominou de “Estado de Exceção Episódico” (EEE). Não é uma Estado de exceção típico, com a supressão das liberdades civis e o precário funcionamento das instituições democráticas (Justiça, Legislativo). O EEE se expressa através de intervenções seletivas contra determinados públicos-alvo e certas ações, atitudes ou ideias professadas e manifestas pela sociedade civil. Há uma lei a ser sancionada pela Presidente da República, sobre o combate ao terrorismo; há um projeto de lei que proíbe críticas aos parlamentares; há outro contra o debate político-ideológico nas escolas. 

E há uma gama de projetos – oriundos da bancada evangélica – contra o direito das minorias. As pessoas estão sendo atacadas e desrespeitadas em ambientes públicos por hordas de criminosos, apenas por esposarem esta ou aquela ideia, concepção ou visão de mundo. Por vestirem vermelho, verde ou encarnado. Por andarem de calças ou saiotes. Esse é o país legado pelas eleições de 2014 em que nos cabe viver. Fala-se na introdução do ensino obrigatório das religiões na escolas públicas e o ensino do criacionismo como teoria científica. Nunca foi tão oportuna  a frase de um certo pensador alemão que diz ser “A religião o ópio do povo”. Pastores e ministros, travestidos de benfeitores da humanidade, à cata do voto de um eleitorado crédulo e ingênuo, transformado em mera massa de manobra para políticas obscurantistas, reacionárias, num claro atentado contra a laicidade do Estado Brasileiro. Tempos de intolerância e ódio!

Não menos grave é o atentado que vem sendo perpetrado contra os “democratas de ocasião” contra as liberdades civis, entre elas: a liberdade de opinião. São os hipócritas que defendem a liberdade de um semanário francês atacar a religião muçulmana, mas criminalizam os que defendem uma administração republicana da cidade ou do Estado. Será que é preciso dizer mil vezes que um mandato popular/eletivo/representativo não é semelhante a uma prebenda, um presente, um cheque em branco, que o gestor adquire por tantos reais e o utiliza  ao seu bel-prazer, sem dar ou prestar satisfação à sociedade, aos eleitores e aos contribuintes, do que é feito (e porque é feito) com o mandato. O dever da transparência, da publicidade, da moralidade está insculpido na Constituição de 1988. O cargo não é propriedade (patrimonium) do gestor, é uma incumbência pública, que lhe é confiada pela sociedade, e sobre a qual ele deve satisfações.

Quando se acumulam brumas e mais brumas sobre os negócios públicos, é obrigação do gestor prestar esclarecimentos (não à polícia ou à Justiça), mas à sociedade, aos contribuintes, aos eleitores. Crime é a propaganda enganosa, falsa, feita com muito dinheiro, para a promoção institucional da imagem dos governantes. A cobrança, a fiscalização, a responsabilização administrativa de um administrador é um direito sagrado dos cidadãos e cidadãs. Não é um beneplácito da autoridade dado aos bajuladores, apaniguados e favorecidos pelo gestor. 

O espaço público, onde as autoridades têm que se explicar (convincentemente) não é a corte exígua e melíflua dos marqueteiros-empresários, dos advogados-empresários, dos jornalistas de contracheque, das viúvas e órfãos ou dos primeiros cunhados. É o povo da cidade ou do Estado. Pelo visto, o espaço público dos liberticidas é o cárcere ou o tribunal. Eles pensam que podem ficar impunes e a salvo das críticas, intimidando os cidadãos e cidadãos de bem (não de bens), com o cargo, a entourage ou os publicistas de plantão, pagos a peso de ouro para destratarem os críticos e adversários.

A propósito, sabem os leitores o que se passou na Câmara Municipal do Recife, em relação à defesa da liberdade de opinião? – Foi aprovado pela maioria que só se pode falar em nosso estado a favor das autoridades. Foi extinto, pelos áulicos, o direito ao contraditório e a liberdade de opinião. Estaríamos, por acaso, no Egito?

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE

O Julgamento de Michel Zaidan



 


Amanhã, dia 11, às 14:00 horas, na 7ª Vara do Fórum Rodolfo Aureliano, que fica localizado na Joana Bezerra, teremos uma audiência de conciliação entre o governador do Estado de Pernambuco, Paulo Saraiva Câmara(PSB), e o Prof. Dr. Michel Zaidan Filho, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco. Para o bem do Estado Democrático de Direito, esperamos que as partes cheguem a um acordo e encerrem os procedimentos que se seguem a essas audiências de conciliação. Li e reli o artigo que possivelmente suscitou a interpelação do senhor Paulo Saraiva Câmara ao professor Michel Zaidan. 

Sinceramente, não vi ali nada que pudesse ser juridicamente tipificado como uma ataque à honra pessoal do senhor governador do Estado de Pernambuco. Já discutimos, em outras ocasiões, os equívocos primários cometidos durante esse "desatino', kafkaniano, traduzido em processar um professor titular da UFPE, apenas por um "delito de opinião", a partir de informações amplamente divulgadas pela imprensa, em matérias ou artigos escritos por respeitados nomes do campo jornalístico.  

Ao longo de sua carreira acadêmica, o professor Michel Zaidan Filho entrou em diversas polêmicas, o que apenas evidencia seu espírito combativo e a sua capacidade de indignação diante de fatos que depõem contra o interesse público; ou se interpõem às liberdades ou direitos individuais e coletivos. Quem teve o privilégio de ser alun@, orientand@ e amigo@ do professor Michel sabe perfeitamente porque ele tem sido vítima constante dos poderosos de turno; das carcomidas oligarquias locais; de áulicos e bajuladores - pelo que se especula alguns deles mantidos a soldo - para cumprirem o papel ridículo de desancá-lo, através de blogs e jornais locais.

A lista de polemistas com quem Michel estabeleceu  algum embate é extensa e, possivelmente, ocuparia todo o espaço desse editorial, sobretudo se entrássemos nos detalhes. Enfatize-se, entretanto, que os motivos que levaram o professor Zaidan a entrar nesses embates são princípios de natureza pública, sempre na defesa dos valores da democracia, da liberdade de expressão, em defesa do patrimônio público, da res publica, dos movimentos sociais de trabalhadores e estudantis, contra o mandonismo, o arbítrio, a oligarquização da política local, a privatização ou familiarização do bem público. 

Para conhecer Zaidan, basta ler seus artigos. Ali estão registrados os princípios que norteiam a sua conduta social. E olha que não há contradições. Seus advogados não terão muitas dificuldades em defendê-lo. Desde quando é crime defender o interesse público diante da ação de verdadeiras quadrilhas organizadas, especializadas em assaltar o erário, ora pela negligência, ora com a anuência dos agentes do Estado?Desde quando é crime apontar os limites do exercício do poder político ou invocar que os governantes não transformem a coisa pública - através de expedientes como nepotismo, favorecimentos ou familismo amoral - apenas numa extensão ou quintal da casa grande?
Sereno, Michel se mantém em seu reduto, orientando-se pela defesa dos caros princípios em que acredita, em sua salinha empilhada de livros e uma velha máquina Olivetti - onde, segundo comentário de um amigo em comum, até bem pouco tempo, escrevia seus artigos -, atendendo seus alun@s, acompanhando os movimentos estudantis, participando de barricadas, opinando sobre a política local e nacional, lendo as teses e dissertações dos seus orientandos, escrevendo seus livros, dando palestras, ministrando cursos. A ele não se aplica a crítica de Sartre a Maurice Merleau Ponty, a quem acusava de ser um intelectual de gabinete. Do mestre, pode-se dizer que é um ativista político, hoje já perfeitamente integrado às redes sociais.
Num momento em que ocupou a Coordenação do Mestrado em Ciência Política da UFPE, numa parceria com o saudoso professor Robinson Cavalcanti, além de todas essas atividades, quem ligasse para aquela Coordenação, ainda podia ter a surpresa de ter seu telefonema atendido pelo próprio Coordenador do Departamento. Em sua defesa aos ataques desferidos, manteve a serenidade, não esquecendo, inclusive, governador, de honrar a memória e a integridade política do Dr. Miguel Arraes - penso que ainda uma referência política para vocês socialistas - sobretudo num ponto nevrálgico, a defesa da redemocratização do país e a sensibilidade social. Recentemente, solidarizou-se com a vereadora Marília Arraes, ao confirmar as mentiras proferidas pelo senhor Fernando Henrique Cardoso, informado que Arraes havia apoiado a sua reeleição. Dr. Arraes, na realidade, sofreu o pão que o diabo amassou quando este cidadão era Presidente da República.E, quando se tratava da defesa de princípios, Arraes era um homem intransigente.     

Não sei se Vossa  Excelência leu o artigo que, possivelmente, invoca a necessidade de alguns esclarecimentos acercas dos problemas apontados pelo Polícia Federal em relação à construção da Arena Pernambuco.  Aliás, acionado, o próprio Estado, através da sua vice-governadoria, até recentemente, pediu uma ampliação dos prazos para o pedido de explicação que pretende apresentar à população acerca do assunto. Foi a única coisa que Michel pediu no artigo: uma explicação das autoridades que têm a obrigação constitucional de zelar pelo interesse público. Apenas isso. 

Em palestra na Fundação Joaquim Nabuco, o professor Antonio Paulo de Resende, da UFPE, comentou sobre os limites da democracia, argumentando que se tratava de uma grande utopia. De fato, nenhuma modelo de organização social, se houver algum exagero aqui nos corrijam - conseguiu conviver harmoniosamente e de forma plena com o exercício das práticas radicalmente democráticas, utilizando, em maior ou menor escala, os tradicionais mecanismos de controle social, discutidos pelo filósofo Michel Foucault. 

Foucault, inclusive, afirmava que algumas conquistas no terreno do exercício da democracia - obtidas através da luta dos movimentos sociais - seriam pontuais e meramente pontuais - jamais atingindo o âmago das relações de poder nos padrões de relações sociais mais amplos. Em certa medida, era um pessimista. Não quanto aos valores, mas sobre a materialização da democracia. Na nossa modesta opinião, penso que compete aos governantes preservar essas conquistas e lutar, tanto quanto possível, por sua ampliação e não pelo seu tolhimento. Tenho dúvidas sobre se temos aqui, num processo que depõe contra a liberdade de expressão, um bom exemplo para as futuras gerações.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Tijolinho do Jolugue: A partidarização da Polícia Federal.





Repercute bastante pelas redes sociais uma entrevista concedida pelo Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, à Revista IstoÉ, desta semana. Há quem diga que José Eduardo Cardozo seja um tucano enrustido. Ao se ler a matéria, pode-se ter certeza disso. Publicada numa revista como a IstoÉ, na realidade, não se poderia esperar que o teor da matéria deixasse de externar a linha editorial daquela publicação, marcadamente de oposição ao Governo da presidente Dilma Rousseff. Na realidade, um apanhado de informações que comprometem o Governo Dilma, Lula e o PT, como informa Antonio Melo, em artigo no site Viomundo. Cardozo tem uma sustentabilidade no Governo de coalizão petista que, não raro, nos surpreende. Já sobreviveu às diversas reformas ministeriais. 

Não controla a Polícia Federal. A Polícia Federal possui uma dinâmica própria, uma lógica de funcionamento específica, que foge ao controle do Ministério da Justiça, a quem deveria ser subordinada. Acontecem coisas por ali que fogem completamente a qualquer controle de quem quer que seja. Na proximidade das eleições passadas, um dos seus agentes expôs nas redes sociais a figura da presidente Dilma Rousseff como imagem do tiro ao "alvo", onde policiais são treinados. Dizem que era candidato a algum cargo público. 

Há um porta-voz da corporação que faz declarações abertamente contra o Governo Dilma e o PT. Essa "batida" numa das empresas do filho do ex-presidente Lula ocorreu por volta das 23 horas, segundo dizem, um procedimento nada usual, quiçá uma manobra que tinha o claro objetivo de burlar uma certa rotina. O sindicato que congrega os agentes é declaradamente tucano. Na realidade, a PF deveria, em tese, estar na defesa do Estado e das Instituições, cumprindo um papel eminentemente republicano, mas, em razão de inúmeras injunções, acaba sendo utilizada pelos governantes de turno serem blindados e atacarem adversários. 

É comum se saber por ali os delegados que nutrem simpatias por este ou aquele governante, assim como ocorre com o FBI americano, a Polícia Federal dos EUA. A queda do ex-presidente Richard Nixon pode ser atribuída, decisivamente, às intrigas internas da corporação. Mark Felt, o "Garganta Profunda", foi um cidadão preterido dentro da corporação, que resolveu entregar aos repórteres as falcatruas que conhecia na instituição, com o objetivo de atingir o diretor do órgão, indicado por Nixon. Arrastou o próprio Nixon para o cadafalso. Se Lula, como dizem, teria pedido explicações a presidente Dilma Rousseff sobre o ocorrido, errou. Ao afirmar que a Polícia Federal cumpre um papel estritamente republicano, Cardozo também errou. Errou feio.

O xadrez político das eleições municipais de 2016, no Recife: De Olinda, mais uma notícia que pode ter reflexos nas eleições do Recife. .





José Luiz Gomes

O caldeirão em ebulição em Brasília, com a sua "tempestade perfeita" - para usarmos uma expressão muito em voga na atualidade - parece mesmo que arrefeceu um pouco os ânimos em torno das eleições municipais de 2016, no Recife. Nada menos do que 80% dos municípios do Estado de Pernambuco já romperam os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal e estão encrencados com o TCE. Na realidade, os fatos 'novos" sobre as eleições do próximo ano em Recife, por incrível que possa parecer, vieram da cidade vizinha, de Olinda. 

Naquela cidade, depois de um longo processo de indisposições, o PT anuncia seu rompimento com o prefeito Renildo Calheiros. Não vamos aqui entrar nos detalhes da nota, uma vez que trata-se, tão somente, de um discurso oficial, com aqueles argumentos conhecidos. O ingrediente político que conta aqui são os bastidores desse rompimento, que podem indicar que o PT, de fato, pode, sim, lançar o nome da Deputada Estadual Teresa Leitão, como candidata nas eleições de 2016.

A despeito das adversidades - talvez até em razão disso - o PT em Pernambuco, depois dos reveses, aos poucos, vem procurando reaglutinar suas forças políticas no Estado. Isso não deixa de ser algo positivo para a agremiação. Outro dia elogiávamos o otimismo do senador Humberto Costa, que realizou um périplo pelo interior, mapeando a situação do partido. Agora vem o grito de alforria,emitido lá pelas Marim dos Caetés. A situação não é fácil. O vice de Renildo Calheiros, Enildo Arantes, é filiado ao PT. O líder do Governo na Câmara Municipal, vereador Marcelo Santa Cruz, também é filiado à legenda e já foi comunicado da decisão, o que o contingencia a entregar o cargo. Os cargos de confiança indicado pelo partido, poderão ainda continuar nos seus postos até o final do mês de dezembro, o que poderá garantir o queijo do reino (ops!) do Natal que se aproxima. 

Em declarações posteriores, o vereador Marcelo Santa Cruz informou que não acatará a decisão da executiva municipal da legenda e continuará à frente da liderança do Governo Municipal. A disputa pela Prefeitura de Olinda, em 2016, promete ser uma das mais acirradas. Ingredientes é o que não faltará. Há movimentos por todos os quadrantes políticos, desde forças conservadoras, até aos radiciais de esquerda. Esse arranjos de forças políticas, conforme afirmamos desde o início, reflete no que ocorre no Recife, sobretudo em função dos acordos celebrados entre os grêmios partidários que, em alguns casos, estiveram juntos nos dois municípios nas eleições municipais passadas, como é o caso do PCdoB e o PSB.

No Recife, o PT parece mais livre dessas amarras, embora, em Olinda, integre o governo do comunista Renildo Calheiros. No Recife, talvez devêssemos falar em PTs, uma vez que, membros ligados ao grupo do ex-prefeito João da Costa continuaram exercendo cargos de confiança na gestão do prefeito Geraldo Júlio, sob o patrocínio do ex-governador Eduardo Campos, creio que até bem pouco tempo. João da Costa voltou à ativa, sobretudo nas redes sociais, onde, pontualmente, vem realizando uma espécie de cotejo de gestões, apontando alguns equívocos da gestão socialista.

Diante da crise, com poucos recursos e margem de manobra apertada, o atual prefeito do Recife, Geraldo Júlio, vem fazendo das tripas coração para aparecer bem na fita. O contingenciamento das despesas públicas recursos é evidente. Outro dia li uma reclamação, aqui pelas redes sociais, que a circulação da agenda cultural havia atrasado em razão do não pagamento à gráfica que faz sua impressão. Imagina como é que não estão as coisas em relação às obras que exigem um grande aporte de recursos, inclusive federais. 10% do montante que seriam gastos na propaganda institucional poderiam viabilizar a reforma do Teatro do Parque, que se arrasta sem uma previsão de seu término. E o prefeito, continua aparecendo muito bem na fita, conforme dissemos, como mostra a foto acima, publicada por sua página oficial, da rede Facebook. 

  

Michel Zaidan Filho: Cidadãos acima de qualquer suspeita.







Existe no campo do Direito uma larga e profunda controvérsia sobre a natureza do sistema jurídico brasileiro: auto ou alopoiético? – Ou seja, é um sistema autônomo ou heterônimo, sujeito a influências político-partidárias? – Essa discussão vem muito a propósito das acusações de partidarismo ou espírito de facção do Judiciário e da Polícia Federal brasileiros. Até onde vai a jurisdição e a atuação da polícia, num Estado democrático de direito? Há dois pesos e duas medidas? Uma, para os subcidadãos e outra, para os cidadãos superepresentados nos meandros da administração do Estado brasileiro?

Nos anos setenta, um famoso diretor italiano de cinema chamado Eli Petri realizou um filme cujo título era precisamente “cidadão acima de qualquer suspeita” e trata da imputabilidade de um promotor que haveria cometido um crime passional. Ninguém era capaz de acusá-lo de nada, mesmo que tivesse cometido delitos.

Olhando a cena brasileira, em plena execução da operação Lava Jato (levada a cabo por juízes federais e membros da Polícia Federal), fica-se com a impressão ou de que alguns cidadãos têm um atestado de imunidade ou que outros são os alvos preferenciais da atuação legal e policial do Estado brasileiro. Isto é tanto mais nítido quando nos afastamos dos círculos próximos ao Poder Central e vamos nos aproximando do círculos estaduais e municipais de nosso país. O atestado de imunidade das autoridades provinciais ou regionais parece ter sido dado pela conivência dos órgãos de comunicação de massa (uns sobre controle de políticos, outros de empresários) e da delicada proximidade do Poder Judiciário em relação aos governantes.

É de se imaginar como é possível pensar em direitos e garantias individuais (o direito de ir e vir, o direito à privacidade e a inviolabilidade do lar, o direito à liberdade de expressão), quando uma certa tradição atávica de autoritarismo se mescla com servilismo de uns e o silêncio eloquente de quem deveria publicizar informações ou fiscalizar os atos da administração pública.Fala-se, ultimamente, em “Estado de Exceção” ou “medidas de uma Estado de exceção”, num contexto de criminalização do direito à oposição ou a simples indignação diante de atos do governo. 

É possível utilizar as instituições públicas para se blindar (e perseguir adversários) contra a insatisfação dos cidadãos diante de uma gestão- diga-se de passagem - que está longe de ser exemplar? - Como indagou o jovem oficial de Justiça, de certa feita, no exercício de suas competências, “está proibido fazer crítica em Pernambuco?”Essas considerações surgem diante das volumosas brumas que se acumulam sobre vários “negócios” e “negociatas” envolvendo recursos e grandes obras públicas, ora sob investigação da Justiça Federal e da Polícia Federal em nosso Estado. 

A primeira grande interrogação é quem se beneficiou com o “propinoduto” da Refinaria Abreu e Lima? – A segunda, quem estava e está envolvido nas falcatruas da desapropriação de terrenos e construção da Arena Pernambuco? – Terceira, quem foi o responsável pelo prejuízo de mais de 10.000.000 no leilão da venda dos terrenos do Cais José Estelita? E o presídio de Itaquitinga, o que fazer com ele? – Isso, para não falar na titularidade do “avião fantasma”, que vitimou o ex-governador do Estado.

Enfim, a sociedade e os contribuintes pernambucanos têm direito à uma explicação cabal e convincente – apoiada em provas – do que foi feito, por quem foi feito e quem se beneficiou dos malfeitos relacionados com essas obras. O imperativo da transparência, da moralidade e da legalidade da gestão pública obriga seus membros e representantes a prestarem essas informações ao distinto público pagante e reivindicante, sem medo de ser processado e preso no Estado de Pernambuco.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Editorial: Golpe não, Mourão!


Pelos idos da década de 60, chegou-se a um momento no país onde todas as dúvidas estavam dissipadas acerca da iminência de um golpe de Estado no Brasil. Hoje ninguém tem mais dúvidas sobre o papel exercido pela CIA naquele engendramento conspirador, assim como o suporte militar dos Estados Unidos -que não precisou ser usado - tampouco da ajuda de uma mídia de DNA golpista ontem e hoje. Comenta-se, até mesmo, que, num encontro na Casa Branca, o ex-presidente João Goulart teria chorado ao perceber o andamento irreversível daquele desfecho, sem condições de revertê-lo. Naquela época, segundo os especialistas no assunto, todos os ingredientes de um golpe militar estavam postos. Tanto no aspecto civil, quanto militar. Os golpes dependem de uma conjunção de fatores. 

Nesses últimos engendramentos, da Era Dilma, alguns ingredientes estão postos, mas os militares, salvo pela turma de pijama, estavam mantendo um certo distanciamento dessa crise econômica e institucional do país. "Estavam", registre-se. O elemento que faltava talvez tenha sido mesmo o "embaraço" criado com a morte do militar Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-CODE Paulista, um dos principais centros de tortura durante o regime militar. Ustra era um incorrigível. Jamais admitiu seus excessos ou equívocos. Morreu pregando que tudo que fez foi pelo "bem" do país. A Comissão da Verdade recolheu vários relatos de pessoas que foram torturadas por ele, inclusive a pernambucana Dulce Pandolfi.

Mas, para os militares, possivelmente aqueles da linha-dura, Ustra era um emblema. Saudado como um herói por alguns deles. É aqui que a porca torce o rabo, uma vez que a sua morte não foi ignorada pela tropa. Ocorreu uma homenagem a ele, realizada num quartel sob jurisdição do Comando Militar do Sul, sob a responsabilidade do general de 4 estrelas, Antonio Hamilton Martins Mourão. Soma-se isso, algumas declarações recentes do general, que envolvem diretamente a presidente Dilma Rousseff. O general foi exonerado do cargo e encaminhado para as funções burocráticas da pasta, em Brasília. Militares falam muito pouco. Por dever de ofício, são comedidos, mas, numa entrevista, Hamilton Martins pronunciou-se sobre o Governo Dilma Rousseff, sua chefe civil, a comandante maior da tropa. 

Entre outras razões, os militares falam pouco para não queimarem a língua. Em todo caso, há indícios de que eles começam a se pronunciar sobre a crise. Os quartéis dão indícios de que romperam aquele silêncio que os caracterizaram até recentemente, em nome da rigidez hierárquica. O próprio comandante geral da tropa, escolhido diretamente por Dilma, general Eduardo Villas Boas, já afirmou que, caso aconteçam distúrbios sociais, talvez seja o momento de as forças armadas entrarem em cena. A nomeação de um civil para o comando geral das forças armadas, como é o caso, em tese, do Ministério da Defesa, também sempre foi uma dor de cabeça no Brasil. 

Aparentemente, parece tudo sob controle, mas se sabe que, no país, essa subordinação dos militares ao poder civil não é algo muito simples. Por dever de ofício, o nome do comunista Aldo Rebelo para a Defesa foi muito bem recebido pelos comandantes militares, o que provocou uma certa ciumeira no Clube Militar, que reúne os militares da reserva. Muito improvável que alguém com o passado de Aldo Rebelo possa ser bem aceito por alguns setores do estamento militar. Atribuir a queda de Mourão a uma evidência de autoridade de Rebelo é de uma ingenuidade sem tamanho. O que há, de concreto, é que setores militares estão se pronunciando, o que indica alguma inquietação na tropa.

A despeito dos engendramentos, alguns historiadores preferem a tese de negar a "inevitabilidade" de um golpe militar em 1964. O golpe era apenas uma das possibilidades possíveis. Um dos primeiros comandantes militares, o general Castelo Branco - à época Comandante Militar do Nordeste - tomava cafezinhos e licores de pitanga na residência de um grande intelectual pernambucano. Do que é que eles tratavam? Eis aqui uma boa pergunta. certamente não seria sobre a vida nos engenhos do Estado, nos idos do século XVI. Mas os militares também cometeram alguns equívocos, como o fato de não avisar ao general Mourão Filho - outro Mourão. Que coincidência! - que apenas descesse com as suas tropas, de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro, conforme a programação, que seria no dia 31 de março. 

Mourão antecipou-se, descendo das Alterosas com um punhado de recrutas novos e inexperientes. Darcy Ribeiro, referindo-se ao episódio, afirmou que bastaria uma rajada de metralhadora para eles voltarem para o quartel correndo, à procura de abrigo, para limparem as fraudas. Infelizmente, as forças leais ao governo de João Goulart não tomarem nenhuma providência. Há um professor da Universidade Federal de Pernambuco que deve estar vibrando com essas escaramuças envolvendo os militares e os civis. E os fatos precisam ser analisados dentro dos quartéis mesmo. Jovens oficiais não embarcariam na aventura de um golpe militar. Hamilton caiu não em função da suposta autoridade de Rebelo nas caservas, mas em razão de um indicador de correlação de forças dentro da própria tropa.

Quando, na década de 70, os militares mais moderados resolveram que havia chegado o momento de começar a isolar os militares da linha dura e iniciar um processo de distensão lenta, gradual e segura, ocorreu um episódio curioso. O comandante do Exército era o temido general Sílvio Frota.O general Ernesto Geisel era o presidente da República. Num dia como o de hoje,feriado de finados, convidou Sílvio Frota para uma reunião em Brasília. Ao chegar ao seu gabinete, Sílvio Frota foi comunicado que estava exonerado do cargo. Sílvio se coçou, e coçou, mas não havia mais nada que pudesse ser feita. Não havia se dado conta da matreirice de Geisel. Era um feriado e as suas tropas não estavam nos quartéis. O general Antonio Hamilton, era o chefe do Comando Militar do Sul, onde se concentra o maior contingente de tropas. Assim como Frota, por aqueles idos, hoje não tem mais soldados. Administra papéis. 

P.S do Realpolitik: Entre os militares, não se pode negar que Geisel foi um dos principais artífices do processo de distensão do regime militar. Por outro lado, circunstancialmente, foi um dos mais cruéis perseguidores dos grupos que pegaram em armas contra a Ditadura. Institucionalmente preparava um processo de abertura, mas, nos estertores do regime, promovia uma espécie de "limpeza", eliminando, inclusive fisicamente, os integrantes da guerrilha.   

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Quem ganha com a onda ultra-conservadora que ameaça a democracia no Brasil?


Os conservadores convergem na defesa de menos Estado na regulação da economia e dos recursos naturais e menos subsídios aos setores mais vulneráveis


Flavia Biroli* - Blog da Boitempo
Wilson Dias / ABr
Um conjunto de retrocessos nos direitos das pessoas está em curso no Congresso Nacional hoje. Baseados em visões contrárias aos direitos dos trabalhadores, aos direitos humanos e aos direitos individuais que concernem a expressão, a sexualidade e a autonomia das mulheres, poderão anular décadas de conquistas e os passos dados para a construção de uma sociedade mais democrática e mais justa.
 
É para esse retrocesso, para a urgência de se fazer frente a eles em defesa da democracia e da cidadania, que procuro chamar a atenção neste texto.
 
Mesmo sendo diárias as investidas contra direitos fundamentais, não é disso que fala o noticiário político dos jornais e telejornais de maior circulação e público brasileiros. Neles, duas temáticas dão contorno à crise atual, a corrupção e a economia.
 
A primeira, apresentada de maneira seletiva, acaba expondo até certo ponto problemas de base das democracias contemporâneas. Isso ocorre a despeito de os noticiários serem restritos e alinhados a interesses que não são alheios a essa forma de realização da política.
 
Embora sirvam para alimentar reações à própria democracia e, pela forma seletiva como são apresentados, alimentem setores golpistas e desonestos da oposição, os casos de corrupção denunciados e noticiados expõem o fato de que o exercício de influência nas democracias é desigual e corresponde a padrões bem definidos. Fica claro quem tem acesso ao Estado, quais interesses se fazem valer e como são construídas as carreiras políticas em circunstâncias nas quais o financiamento privado é a ponta mais visível da colonização da política pelo capital.
 
É preciso muito esforço, mesmo para os mais aguerridos anti-petistas, para ver nos desvios de recursos e formas de financiamento das campanhas a obra de um partido ou de um punhado de atores políticos. Por outro lado, é preciso suspender a visão e os demais sentidos para acreditar que alguma transformação mais profunda poderá se dar sem que se rompa com a dinâmica pela qual o capital faz valer seus imperativos, investindo de protagonismo seus operadores e definindo os limites do possível na política.
 
A segunda temática que mencionei, predominante nos noticiários, é a economia. O discurso contra a corrupção no debate público brasileiro hoje se acomoda bem à ideia de que o deficit da política não seria de democracia, mas de gestão competente e de honestidade. A ligação com o problema da corrupção aparece na forma da crítica à amplitude do Estado e a concepções de desenvolvimento que lhe dão protagonismo.
 
O mercado, espaço de relações regido pelos imperativos do lucro e organizado numa lógica que potencializa as assimetrias, não é colocado em xeque na análise dos fatores que comprometeriam a democracia. A gestão política da economia é medida, por sua vez, não pelos efeitos que tem sobre as pessoas, mas pela avaliação que dela é feita pelos próprios agentes de mercado, em um círculo vicioso do exercício de influência desses agentes que é apresentado como um dado da natureza. As notas que orientam investimentos pelas agências “de classificação de risco” e as avaliações das consultorias de “gestão de investimentos”, com o peso dado a elas na construção do ambiente político-econômico, mostram isso claramente.
 
Chamo a atenção para o fato de que ao mesmo tempo que essas temáticas e enquadramentos são destacados, há uma dimensão da dinâmica política atual que tem sido negligenciada. Está em curso no Congresso Nacional uma investida contra os direitos que compromete as conquistas democráticas das últimas décadas.
 
Os grupos mais atingidos pelos retrocessos propostos ou já produzidos são trabalhadoras/es, indígenas, jovens, em especial a juventude negra, mulheres, lésbicas, gays. São os alvos preferenciais em um Congresso que desde a eleição de 2014 sabíamos mais conservador.
 
Sobretudo na Câmara dos Deputados, as alianças entre os setores conservadores têm sido mobilizadas para reduzir o tipo de regulação do Estado que permite ampliar os direitos, a dignidade e as condições para o exercício da liberdade.
 
É assim que vem atuando a aliança apelidada de BBB, feita de acordos entre as bancadas da bala, do boi e da bíblia, e apadrinhada pelo presidente da Câmara Eduardo Cunha – apadrinhamento que tem surtido efeito, vale dizer, uma vez que a apresentação sucessiva de provas contra ele, que incluem contas bem documentadas na Suíça para depósito de recursos provenientes de corrupção e o fato de ter mentido à CPI quando perguntado sobre essas contas, não foi até o momento que escrevo este texto suficiente para retirá-lo da presidência da Câmara.
 
Faço uma pausa para falar de Cunha. Patrono do financiamento de muitas campanhas, apoiado por partidos como PSDB e DEM, que vêm nele o fiador possível do impeachment de Dilma Rousseff, ele é um exemplo bem acabado de um tipo político que chega hoje com sucesso à Câmara dos Deputados. Apoia-se em redes de financiamento e influência que têm por base partidos (no caso de Cunha, o PMDB) e empresas que fazem apostas certas naqueles que, eleitos, lhes garantirão influência e lucros e em igrejas que se tornaram uma base renovada para a realização dessas carreiras.
 
As bancadas conservadoras que mencionei têm seus interesses específicos, mas convergem na defesa de menos Estado na regulação da economia e dos recursos naturais, na defesa da redução de políticas e de subsídios públicos para os setores mais vulneráveis da população. Ao mesmo tempo, querem mais Estado para ampliar os controles, reduzir a autonomia e criminalizar grupos específicos da população.
 
Do casamento entre neoliberalismo e moralismo ultra-conservador de base religiosa, tomam forma iniciativas que atingem de maneira direta mulheres e LGBTs, embora seus efeitos sejam abrangentes e não se restrinjam a esses grupos. A atuação de religiosos fundamentalistas confronta a laicidade do Estado e ganha identidade política justamente por meio de ações coordenadas para a retirada dos direitos desses setores da população.
 
A linha de frente de seu discurso público é uma ideia restrita e excludente de família, acompanhada de uma compreensão conservadora dos papéis desempenhados por mulheres e homens na sociedade. Na sua atuação, corroboram a redução de recursos para a saúde pública, para o desenvolvimento da educação pública de qualidade, para a garantia de direitos para os trabalhadores que permitiriam maior segurança para suas famílias.
 
Sua defesa da família atinge especialmente lésbicas e gays quando promove um Estatuto da Família (falo do PL 6583/2013, em tramitação na Câmara e já aprovado na Comissão Especial constituída para sua discussão) que os exclui diretamente.
 
Mas é importante compreender que se trata da promoção de privilégios, em uma sociedade na qual a vivência cotidiana dos afetos, da paternidade e da maternidade, da vida familiar é diversa e continuará a ser. O PL 6583/2013 exclui um enorme conjunto de famílias e de relações afetivas do reconhecimento público e do acesso aos direitos usufruídos pelas pessoas que se encaixam na concepção restrita de família que procura chancelar. Caso venha a ser aprovado, pessoas de todas as idades, inclusive as crianças, pessoas de diferentes orientações sexuais, e não apenas aquelas que estão unidas por afeto a outras do mesmo sexo, ficam potencialmente excluídas de direitos e do acesso a políticas públicas.
 
Outro projeto que mostra o que está em curso nessa suposta defesa dos valores familiares é o PL 5069/2013, de autoria de Eduardo Cunha, que pretende criminalizar a divulgação de informações e o auxílio às mulheres que desejem abortar “ainda que sob o pretexto de redução de danos”, isto é, em casos previstos na nossa legislação. Trocando em miúdos, o projeto cria obstáculos para que a mulher que foi estuprada recorra ao SUS para interromper uma gravidez resultante da agressão. Foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados no dia 21 de outubro e, caso siga adiante, revogará o atendimento integral no SUS para mulheres que sofreram violência sexual (Lei 12.845/2013).
 
Em outra frente, estão em curso ataques abertos à educação e aos professores. Nesse caso, convergem os grupos religiosos, que reagem a diretrizes que promovem a igualdade de gênero e o respeito à diversidade, e grupos ditos liberais, que reagem à maior presença do pensamento de esquerda e de reflexões favoráveis à justiça social e à equidade nas escolas e universidades brasileiras.
 
Nenhum desses grupos veio à disputa política a passeio. O primeiro, apoia-se no “pátrio poder”, na ideia de que famílias, como unidades privadas, devem definir o que é melhor para seus filhos. Seria assim, legítimo, considerarem inadequada uma educação que privilegia a tolerância e o respeito à diferença e educarem seus filhos para a homofobia ou para o que vem sendo chamado de “orgulho heterossexual”, numa fórmula que não disfarça a ironia calcada na violência contra a população LGBT.
 
Sua defesa de valores que seriam familiares nega a muitas e muitos a condição de pessoas. Por isso nada têm a dizer sobre a violência contra meninas e mulheres alimentada pelo machismo, que produz como legado índices vergonhosos de assassinatos contra mulheres no país; também não têm nada a dizer sobre a violência cotidiana contra pessoas identificadas como desviantes por serem lésbicas, gays, travestis ou transexuais. Que tipo de democracia permite essas diferenciações, entre quem merece respeito e garantias para sua integridade física e quem não merece? O que resta, quando essas exclusões são chanceladas, é um sistema político e de direitos muito distante mesmo de ideais democráticos pouco exigentes.
 
O segundo grupo, o dos que pretendem limpar a educação do esquerdismo, nem sempre está de acordo com os objetivos do primeiro. Mas estão se somando neste momento. A escola sem partido que defendem é prima-irmã da escola sem reflexão sobre gênero. Nos dois casos, definem como ideologia aquilo que não está na sua agenda. Esta seria neutra do ponto de vista partidário – embora claramente defenda a retração do Estado, dos direitos sociais e a ampliação do que definem como economia de mercado, expressão que lhes permite sonegar a informação de que se trata de ampliar os lucros de quem já está em situação privilegiada, reduzindo direitos dos trabalhadores e ampliando a liberdade das grandes corporações e agentes financeiros. Também seria neutra da perspectiva de gênero. Essa afirmação ilógica seria risível em outros tempos, mas o que buscam é justamente caracterizar como neutra uma concepção excludente de como devem viver as pessoas para que eu as respeite. Esta concepção, que querem apresentar como não marcada, embora só pare de pé amparada por crenças religiosas e preconceitos, é que estaria então definindo o ensino “neutro”, orientando conteúdos educacionais e as falas dos professores.
 
Eu dizia há pouco que não vieram a passeio. Nesse segundo grupo, fica clara a intenção presente em iniciativas do primeiro. Trata-se de criminalizar os professores, exigindo que conteúdos, posições e reflexões sobre cidadania e igualdade sejam banidos das escolas. O PL 1411/2015, proposto por um deputado do PSDB do Rio Grande do Norte, é um dos projetos em tramitação que assumem essa agenda. Ele “tipifica o crime de assédio ideológico”. Seu relator na Comissão de Educação é o deputado, também do PSDB, autor do Requerimento de Informação dirigido ao MEC em maio de 2015 que solicita a exclusão do que foi definido como “ideologia de gênero” do Plano Nacional de Educação, com os desdobramentos que já conhecemos – em uma ação coordenada em diferentes estados e municípios do país, foram retirados dos planos de educação as diretrizes para a igualdade e o respeito à diversidade de gênero. Este último é, ainda, o autor do PL 867/2015, contra o que define como ensino ideológico nas escolas, que vem sendo apelidado por educadoras e educadores de todo o Brasil de PL da Mordaça.
 
No texto do PL 1411/2015, a “defesa dos avanços nos direitos sociais”, assim como a defesa da igualdade de gênero e de raça e dos direitos da juventude, aparece como exemplo do que o deputado identifica como uma ação totalitária que seria comandada pelo PT. Com base nessas “ideologias” está presente neste projeto algo que é também a espinha dorsal do PL 867/2015: professoras e professores são identificados como manipuladores.
 
Assim, os avanços lentos nos direitos humanos e sociais no Brasil nas últimas décadas são colocados em questão. Cerca de três décadas depois da transição da ditadura para um regime democrático que preserva a liberdade de expressão, a análise crítica bem informada teórica e empiricamente, que pode permitir educar para a cidadania e estimular as reflexões sobre os problemas do país e do mundo, é vista como motivo para criminalizar professoras e professores.
 
Trata-se, de uma certa perspectiva, de política tout court, isto é, da disputa pela hegemonia, pelo acesso ao Estado, para fazer valer alguns interesses e reduzir o peso de interesses concorrentes. Deputados e senador do PSDB apresentam projetos para constranger e calar movimentos sociais e indivíduos que identificam como esquerdistas e como base política do petismo. Igrejas evangélicas definem estratégias, como vêm documentando estudos feitos nos últimos anos, para eleger parlamentares que defendam seus interesses institucionais – isenção de impostos, manutenção e ampliação de concessões de rádio e TV.
 
Mas há mais do que isso implicado nesses projetos. No primeiro caso, estão em questão a liberdade de cátedra e de crítica, a liberdade de expressão e, com ela, a democracia. No segundo caso, não se trata apenas de negócios das igrejas, mas de uma reação conservadora e obscurantista, articulada a ações da Igreja Católica, contra transformações ocorridas nas sociedades nas últimas décadas. Daí a definição de mulheres e da população LGBT como alvos. Mudanças profundas e a ampliação da legitimidade das lutas desses grupos por direitos transformaram a correlação de forças no Brasil e no mundo. É às transformações que assim foram produzidas que reagem os ultraconservadores, ainda que sem dúvida procurem mobilizar essa reação para fins eleitorais. O moralismo conservador serviria não apenas para angariar votos, mas também para ocultar ou ofuscar outras dimensões da sua atuação política. Algo semelhante pode estar se dando quando políticos do PSDB encontram em fórmulas fascistas de atuação política um caminho para angariar votos em um momento de polarização política, em que a oposição violenta ao PT e aos que são identificados como petistas é afirmada.
 
Parece-me necessário qualificar com clareza a agenda dos parlamentares vinculados a igrejas evangélicas e à católica e de seus aliados ultra-conservadores no Congresso hoje: combatem décadas de luta por respeito às pessoas independentemente do seu sexo e da forma como vivem sua sexualidade e seus afetos. Investem contra a construção lenta e difícil de processos educativos que promovam nas escolas um conhecimento atrelado à cidadania, visando a construção de uma sociedade na qual possamos reduzir a violência, promover a igualdade com respeito às diferenças e abrir caminhos para garantir mais dignidade para as pessoas.
 
Pergunto-me sobre o que pensam do “PL da Mordaça” os que são de fato liberais. Pergunto-me, também, se cidadãs e cidadãos religiosos, evangélicos ou católicos, estão cientes de que suas lideranças no Congresso promovem hoje retrocessos nos direitos humanos, criando leis e difundindo preconceitos que levarão a mais violência contra homossexuais e mulheres, a menos capacidade para a tolerância e a solidariedade, a uma sociedade que não vai se tornar menos plural, mas menos justa.
 
*Professora do Instituto de Ciência Política da UnB. É autora, entre outros, de "Feminismo e política: uma introdução" (Boitempo, 2014), escrito em co-autoria com Luis Felipe Miguel.

(Publicado originalmente no site Carta Maior)

Créditos da foto: Wilson Dias / ABr



Michel Zaidan Filho: A demonização do Estado no Brasil




Criticando a ideologia no novo municipalismo no Brasil, houve quem dissesse que é de coalizões políticas centralizadoras que os avanços sociais são conquistados no país. É como dizer que nada se espere do pleno funcionamento do Poder Legislativo e de suas infindáveis negociatas, se um Presidente desejar aprovar medidas de amplo interesse público e popular. Os positivistas republicanos sabiam disso quando propuseram a "ditadura republicana" na Constituinte de 1891, como forma de neutralizar os interesses das oligarquias estaduais. O governo provisório do Marechal Deodoro da Fonseca, Arthur Bernardes, e sobretudo, Getúlio Vargas - o pai do Estado novo - também aprenderam a lição. Legislaram em favor dos direitos trabalhistas, sem apoio do Congresso Nacional. Jango e suas reformas de base só avançaram num contexto de desinstitucionalização da política. O fato é que a descentralização e a clássica divisão de poderes no Brasil - para não falar na ideologia conservadora dos nossos parlamentares - tem sido um forte entrave na aprovação consensual de medidas de avanço social, entre nós.

O que nos autoriza dizer que é da ação público-estatal, em conjunturas de fraca atuação do Poder Legislativo, que decorrem as transformações sociais brasileiras. Quando a ação estatal beneficia as minorias organizadas na sociedade - que atuam através de "lobbies" e da imprensa - há um assentimento geral de que o Estado fez a coisa certa: socorrer a agro-indústria, os bancos, os agro-exportadores, as montadores de automóveis, as multinacionais que produzem os artigos da chamada "linha branca" etc. Agora, quando o Poder Executivo, através de um imenso programa de transferência de renda, crédito subsidiado, investimentos em infra-estrutura social, aumento de oportunidades para os mais pobres, age, aí o Estado é perdulário, populista, irresponsável, gastador, põe em risco o grau de investimento do país e por vai...

Pergunta ingênua: por que  o Estado brasileiro só é bom quando beneficia especuladores, banqueiros, agro-exportadores, empresas multinacionais, empresários nacionais? - O hipócrita e falso argumento da meritocracia esgrimido pelos estadofóbicos que diz ser o êxito e o sucesso profissional resultado  exclusivamente do mérito individual das pessoas, esquece que este mérito vem dos privilégios, das oportunidades, do chamado "capital simbólico" e do "habitus", como diz o sociólogo francês Bourdieu. Ou seja, ele está longe de ser meramente individual. Num país como o nosso, onde historicamente as oportunidades e os privilégios têm sido destinadas à classe média e aos ricos, é um crime de lesa-sociedade não adotar uma agenda pública que priorize o gasto social, o aumento da despesa com mais  educação, mais saúde, mais moradia, mais capacitação profissional, intercâmbios acadêmicos para os mais pobres e desafortunados. Essa é a ação prioritária do Estado: combater e diminuir a desigualdade social. Afinal os mais pobres não são apenas massa de manobra eleitoral ou mão-de-obra  farta e barata para a exploração brutal e desregulada do capital nacional ou multinacional.

O último self-made- man brasileiro morreu com Monteiro Lobato e sua crença no fordismo. O que nós temos na elite brasileira são modalidades da lei de Gerson, Airton Sena, Pelé e companhia ilimitada. Não se iludam com as catilinárias dirigidas - pelos ricos e bem sucedidos - contra o Estado brasileiro, sobretudo quando ele é acusado de gastar (muito) com a população mais pobre. Esta turma não está preocupada com o equilíbrio das contas públicas, o grau de investimento, ou a segurança jurídica para a realização dos negócios no país. Mas sim com os próprios interesses e a perpetuação do uso de recursos públicos para os próprios negócios.
 
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Emir Sader: A polícia brasileira, a mais violenta do mundo, mata em nosso nome.

 Brasil possui o triste recorde de ter a polícia mais violenta do mundo, a que mais mata. Deveria ser razão para se tornar o maior escândalo do pais.

por Emir Sader em 26/10/2015 às 10:58




Emir Sader
O Brasil possui o triste recorde de ter a polícia mais violenta do mundo, a que mais mata. Deveria ser razão para se tornar o maior escândalo do pais.
 
 Mas não é, porque é uma polícia que mata a jovens pobres e negros, com a delegação e a aprovação implícita de grandes setores da opinião publica. Carne barata, sangue que jorra das famílias pobres, funerais nas periferias anônimas.
 
 O Brasil passa, desde 2003, pelo maior processo de democratização social da sua historia. Os direitos das grandes maiorias são reconhecidos, nao há praticamente ninguém mais abandonado, excluído das políticas do Estado. 
 
 Como é possível que, nesse mesmo momento, essas mesmas famílias incorporadas a direitos sociais básicos, reconhecidas como cidadãos pelo governo, sejam vítimas do maior genocídio do Brasil contemporâneo – o dos jovens negros? Como é possível que isso exista em governos progressistas e como é possível que nós aceitemos passivamente esse genocídios, que diariamente ceifam a vida de dezenas de jovens negros?
 
 Uma parte pode ser atribuída à invisibilização do fenômeno promovida pela mídia, assim como pela criminalização dos jovens negros e pobres. Um procedimento como o controle e detenção de jovens negros e pobres que vão para as praias da zona sul do Rio é uma confirmação evidente dessa criminalização. Mas outras tantas manipulações se dão cotidianamente nos programas que comercializam o crime nas TVs e nos rádios, consolidados pelos jornais e revistas.
 
 Outra parte tem que ser entendida como o “medo dos pobres”, especialmente dos jovens negros, disseminado há décadas na nossa sociedade. O jovem negro e pobre virou fator de “risco” para a segurança da classe média e da burguesia, que prefere que eles sejam reprimidos, presos, mortos.
 
 Fundamentalmente, é a polícia matando jovens pobres e negros, todos os dias, pagos com os salários financiados pelos nossos impostos, usando uniformes que nós colocamos neles como autoridades que reconhecemos, com armas e munição compradas com os impostos de todos – para que os jovens pobres e negros sejam executados em nosso nome.
 
 Como não nos dispomos a ir nós mesmos matá-los, porque seria insuportável, contratamos policiais para fazer esse trabalho sujo por nós. Os corpos desaparecem ou são entregues na calada da noite para suas mães. Não vamos a seus funerais, nem sequer divulgamos seus nomes, suas fisionomias, os nomes e os rostos das suas mães, do seus irmãos, dos seus amigos. 
 
 E se, um dia não aguentarmos mais e passarmos a dizer: “Não em nosso nome.” ”Basta, não aguentamos mais. Chega!”? E se dissermos:  “Não pago mais impostos para financiar uma polícia que mata jovens negros e pobres todos os dias”? 

domingo, 25 de outubro de 2015

Michel Zaidan Filho: Lições de direito ao pequeno imperador





Segundo o Código de Direito Penal,uma interpelação judicial, TAMBÉM CHAMADA DE AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA,  interposta por uma das partes é um pedido de explicação sobre algum fato, referência  ou escrito em razão de ambiguidade, dubiedade ou equivocidade,por via judicial. O magistrado tem o dever de encaminhar o pedido da parte subscritora ao interpelado, estabelecendo prazo para a resposta. A rigor, esse pedido de explicação, via judicial, não é parte do processo criminal. 
A obrigação do juiz é intimar a parte destinatária da interpelação, com a queixa anexada, e aguardar, no prazo fixado, sua resposta, encaminhado-a - quando houver - a parte reclamante. O interpelado responde se quiser ou se achar conveniente, pois ele tem o direito de não produzir provas contra si ou auto-incriminar-se.Cessa ai  a atividade da Justiça Criminal. A autoridade judicial não pode e não deve obrigar, constranger o interpelado a fazer nada.
Ela simplesmente se reporta ao autor da petição, entregando-o o resultado da interpelação. A interpelação judicial é um expediente utilizado para produção de provas para, aí sim, dar  provimento a uma ação penal de injúria, calúnia e difamação (tipificados como crimes contra a honra), caso a parte reclamante não fique satisfeita com a resposta ou a ausência de resposta da parte reclamada. Não é normal, num pedido de interpelação judicial (mesmo em se tratando de uma autoridade pública), não se fixar prazo para a preparação e envio de uma defesa prévia, não se anexar o motivo da interpelação judicial,e em seguida, marcar-se uma audiência em juízo para ouvida ou pedido de explicação. 
Em se tratando de uma ação voluntária, o interpelado não é obrigado - por ninguém - a responder ou comparecer a qualquer audiência. Afinal, é só um pedido de explicação; não um processo criminal, que poderá se seguir à interpelação, a juizo da parte interessada. Caso a autoridade judicial insista com a interpelação, vencido o prazo decadencial e a prescrição, cabe mandato de segurança por conduta irregular do Poder Judiciário. 
 
Por outro lado, a lei da organização judiciária prevê que o chefe de secretária ou o responsável pela expedição dos mandados de citação estabeleça um prazo para  que o oficial de justiça entregue o mandado. Não é comum que, a volta do mandado de citação não entregue ao seu destinatário seja substituido por um, dois, três novos mandados, com o mesmo motivo e destinatário, sem que o mandado original tenha sido entregue e o mensageiro, interpelado pelo chefe da expedição sobre os motivos da não intimação, fixando um novo prazo para isso.
 
Há também a questão do prazo entre a ocorrência e a ciência do fato gerador da interpelação pelo reclamante e a data da intimação. A lei estabelece um prazo decadencial (6 meses) para essas ações, que não será interrompido nem pela interpelação nem por qualquer audiência marcada. O que pode levar a nulidade de qualquer ação futura sobre o mesmo fato ou ocorrência.
 
O oficial de Justiça sempre pode alegar excesso de trabalho, acúmulo de mandados de citação para entregar, falta de pessoal, greve no judiciário, péssimas condições de trabalho etc., para não ter entregue os mandados. Mas não se entende, assim, como é possível ocupar -ao mesmo tempo - três oficiais de justiça para fazer a mesma coisa, um deles fora do horário de trabalho, no espaço de menos de um mês. E em se tratando, não de um processo criminal, mais de um simples pedido de explicação, que pode ou não ser respondido.
 
Segundo o ministro Gilmar Mendes, respondendo a um pedido de interpelação de José Sarney a José Serra, através do Supremo Tribunal Federal, a mediação do magistrado cessa no momento em que é feita a intimação. Se vai haver resposta ou não, se o reclamante vai ficar satisfeito ou não e vai querer prolongar a querela, isso já não tem mais a ver com a Justiça. Cabe ao interessado ajuizar no poder Judiciário uma ação criminal, com base na tipificação penal dos crimes contra a honra, e aí começa tudo outra vez.
 
Porém, essa nova ação não pode mais ser feita a partir do mesmo fato gerador da petição inicial, pois o prazo decadencial impede que ela - a ação - possa ser embasada naquele fato. Haveria que se buscar outro fato para embasar a nova ação.
 
Tudo isso seria perfeitamente dispensável - no momento em que o Estado de Pernambuco apresenta para o mundo as piores masmorras prisionais do planeta- se as nossas autoridades públicas tivessem um "animus" democrático e aceitassem as críticas à sua gestão. Ou se conhecessem, não o código das contabilidade pública - mas a Constituição Federal, o Código de Processo Penal e a lei de Organização Judiciária. Mas é pedir muito a quem foi posto no cargo por outros, para fazer a política dos outros. E agora, José? Para onde?
 
 
PS. Os interessados em saber a titularidade do avião que vitimou o -ex governador de Pernambuco, podem ler com muito proveito a crônica de Jânio de Freitas, "Jato Silencioso", do dia 18 de agosto de 2015, lá se diz sobre a falta de vontade política de apurar as responsabilidades civis e penais decorrentes do sinistro do aeronave e as névoas que recobrem as transações para a compra da aeronave.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE.