pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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sexta-feira, 5 de maio de 2017

Le Monde: O laboratório da guerra racial de alta letalidade no Brasil

DA APROPRIAÇÃO CULTURAL AOS GRUPOS DE EXTERMÍNIO

O LABORATÓRIO DA GUERRA RACIAL DE ALTA LETALIDADE NO BRASIL.

A guerra racial contra o povo negro vivida no Brasil não é contemporânea, mas, toma aspectos particulares na crise econômica desenvolvida no país, atualmente. Fortalecem-se uma vez que medidas econômicas adotadas são de precarização da vida para um país racialmente violento.
por: Willians Santos
4 de maio de 2017
Crédito da Imagem: Foto: Ubirajara Machado/MDS
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A hipervisibilidade em São Paulo do uso de turbante por uma jovem adoecida por câncer promovido na internet e imprensa televisa foi estratégico para a desmoralização de uma das pautas do movimento negro brasileiro agora taxado segregacionista, preconceituoso, violento. E funcional para a invisibilidade da experiência laboratorial da guerra racial de alta letalidade no Espírito Santo. São duas faces do mesmo projeto de Estado, da mesma conjuntura.
A guerra racial contra o povo negro (com devidas particularidades incluímos os povos originários) vivida no Brasil não é contemporânea, mas, toma aspectos particulares na crise econômica desenvolvida no país, atualmente. Fortalecem-se uma vez que medidas econômicas adotadas são de precarização da vida para um país racialmente violento.
Neste momento, até mais importante, crescem apelos por projetos de lei e estratégias para combater inimigos internos. Estes apelos não incluem em sua narrativa oficial categorias como negros, preto, favelado, índio, todavia, na formação histórica brasileira houveram concepções de raças perigosas ao Estado e a sociedade que fundamentaram as leis internas de opressão, massacre, etc.  Notamos que no discurso e na prática os projetos atuais se fortalecem mais uma vez a partir de certa concepção racializada dos inimigos. Já foram os quilombos, depois, os pobres e desempregados, os perigosos para a segurança, agora, são os\as contemplados\as da bolsa família, os mendigos, pichadores, os “bandidos”, os movimentos sociais, a macumba e os macumbeiros, os imigrantes da África e do Haiti.
A guerra as drogas já em curso desde os anos 1980, mais ou menos período de surgimento de grupos paramilitares de extermínio de pobres e que se utilizavam do armamento dos departamentos policiais para isto, como a escuderia Le Coq (nome afrancesado para “o galo”) no Espírito Santo, é a dimensão de ação do estado brasileiro aonde se pode verificar explicitamente a relação entre concepção de raça perigosa, justiça e segurança pública.
Os promotores da guerra as drogas se utilizam de termos referidos ao comportamento e não a cor ou origem social: “elemento perigoso”, “atividade suspeita”, “suspeito padrão”. Contudo, ao observar-se cor e condição socioeconômica do sujeito ao qual é atribuído este comportamento ele\a é majoritariamente negro\a. Aqui confluem a concepção de raça perigosa, inimigo a ser combatido e as ações criminosas a serem combatidas, efetivando-se, ao mesmo tempo, no monitoramento, aprisionamento em massa e mortalidade – nunca é redundante e importante recordar no Brasil são os negros, homens e mulheres, maioria nos presídios e mortos\as por armas de alta letalidade, mortalidade esta justificada juridicamente pelos atores do homicídio como resistência seguida de morte.
Portanto, a guerra as drogas é a versão contemporânea da fundação de um Estado baseado na opressão racial, é uma ideologia racial que caminha ao conjunto de agenciamentos que criam sujeitos a serem combatidos, presos, exterminados. A ideologia da guerra racial as drogas têm contribuído à difusão, neste momento de crise econômica e nacionalismo, do discurso de que há uma “crise da segurança pública” ocorrendo. Em conjunto, os\as atores desta militância produzem e fortalecem imaginário social de efeito prático de que “a bandidagem cresce”, vivenciamos caos na segurança, portanto, necessidade de investir nos fóruns criminais, em leis mais rigorosas, em armamento, equipar delegacias, prender em primeira instancia, permitir o comércio de armas.
Alta tecnologia, modernização da estrutura de monitoramento, presídios, crescimento do aparato militar policial ou uso do exército, desenvolve-se a dominação racial:
A guerra racial às drogas tem sido um recurso militar estatal de aniquilação racial que, tal como o dispositivo ideológico da democracia racial, tem o objetivo tático de encobrir o crime doloso fundacional do Estado Brasileiro: Genocídio (Eldridge Cleaver, 2017).
Os militantes engajados na construção da crise de segurança pública são beneficiados por ela, políticos profissionais (militares aposentados) das câmaras municipais e assembleias legislativas; delegados, policiais civis e militares ativos e seus familiares; repórteres e apresentadores de programas da imprensa especializada; juízes e promotores empregados nos fóruns criminais; advogados de policiais; empresas de segurança privada, a população de classe média, grandes e médios proprietários, latifundiários, em sua maioria branca, protegidos por este aparato (público ou privado). Na assembleia nacional estes militantes supremacistas brancos se articulam na presidência, nos governos estaduais e judiciário federal. Agenciam a estrutura jurídica para permitir o livre comércio de armas, de novos instrumentos e investimento na polícia, do fortalecimento jurídico da Abin e do exército para monitorar, encarcerar e matar em nome do Estado e da sociedade:
[…] polícia e exército tem uma funcionalidade: Os departamentos de polícia e as forças armadas são as duas armas da estrutura do poder, os músculos de controle e coação. Possuem armas terríveis para infligir a dor no corpo humano. Sabem como causar mortes horríveis. Tem cassetetes para espancar o corpo e cabeça. Tem balas e revolveres parar abrir buracos na carne, para pulverizar os ossos, para aleijar e matar. Empregam a força para lhe obrigar a fazer o que as autoridades decidiram que você deve fazer (Eldridge Cleaver, 2017).
Os episódios ocorridos em São Paulo e no Espírito Santo – o embranquecimento da cultura negra e o extermínio de corpos negros promovidos por grupos de extermínio denunciados federalmente – se relacionam no avanço histórico do genocídio expresso nesta ideologia da crise da segurança pública e da necessidade de resguardo da nação contra os inimigos internos (as raças perigosas).
No Rio de Janeiro policiais estão em greve junto a outros servidores públicos devido as medidas de recessão econômica, a poucos dias o exército foi mobilizado para realizar segurança local. No mesmo Estado alguns meses uma jovem de treze anos foi apedrejada na rua por andar com roupa de santo, ela usava turbante. O laboratório da guerra racial se fortalece com o investimento em aparatos jurídicos e materiais de alta letalidade e a partir da ideologia da crise da segurança pública. O Rio de Janeiro será a nova etapa da guerra racial contra o povo negro e demais minorias do estado supremacista branco brasileiro – a crise era a brecha que o sistema queria avisa o IML chegou o grande dia.

Willians Santos, doutorando em Ciências Sociais UNICAMP\FAPESP
(Publicado originalmente no site do Jornal Le Monde Diplmatique Brasil)

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Publisher: The liberation of José Dirceu


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Good judgment, especially in these times of institutional instability, recommends not to comment on judicial decisions. But, as with the Brazilian team - where every Brazilian is a technician - today social networks and the blogosphere have dawned full of legal "dispatches" signed by the most distinguished citizens, with their pronouncements - and verdicts - regarding the Release of the former Minister of the Civil House of the Lula Government, José Dirceu de Lima de Silva. For known reasons, there is no public pronouncement from that judge of the Federal Court of Paraná, but there is information behind the scenes that says he was stuck with the STF's decision, even because pretrial prisons - which translate into compliance with sentence , Even before the second instance conviction - have become a standard procedure in the course of Operation Lava Jato. Judgments always raise a lot of controversy and, incredible as it may seem, the ministers who voted against Dirceu's release, at times read part of the dispatches of the judge of Parana.

There are analyzes for all tastes and trends in an irreparably divided country. Some columnists report, for example, that Operation Lava Jet would be being sabotaged by the STF. Others come out not in defense of the former minister, but around the legality of the measure adopted by the STF, which could, in fact, temporize more than a third of the inmates of our prison system, who, like José Dirceu, are in the same condition , That is, held in custody pending trial. In this case, the premise is that, unlike José Dirceu, these prisoners do not have the legal "support" and the symbolic capital of the former minister. Ista is an unfortunate realization. A finding that testifies against our judicial system. This is so serious that it led the judge of Paraná to conclude that the problem of pre-trial detention, although it exists, perhaps the most relevant fact is even that the Paraná justice prisons harbor "illustrious prisoners."

From the strictly legal point of view, I consider salutary the relaxation of the imprisonment of former minister José Dirceu. The abuse of the preventive prisons case has emerged precisely in this "muted" political environment, converging with the prosecution of the protests and the erosion of the Democratic State of Law, that is, the establishment of a State of Exception. Incidentally, this judicialization or criminalization of social movements and street protests led to a lawsuit in São Paulo known as the "black bloc process" where hundreds of demonstrators have already been indicted, including the Russian anarchist philosopher Mikhail Baburin, tapped into a telephone conversation . Incidentally, it is also time to relax the arrest of the Russian anarchist. This gives a good measure of the absurdities that are committed in a State of Exception, where their minions feel at ease to act according to personal convictions. A State agent, for example, still in this inquiry, concluded as an "evidence of the crime" of an individual a copy of Friedrich Engels's Origin of Property. Does this remind you of anything?

Regardless of the political issues at stake, the decision of the second court of the Federal Supreme Court is very welcome, as it puts a sort of stopping the legal mess that some magistrates seem to adopt, judging hastily, without the legal and technical To orient their decisions in the scope of a Democratic State of Right, under republican aegis. As we have already said, these sharp political moments are also characterized by a kind of judicial activism. As one commentator observed one day, today all Brazilians and Brazilians know by heart that they are part of that Court, perhaps even being able to inform even the class of each minister. After the impeachment of former President Dilma Rousseff, that's for sure, we lost our illusions about the Supreme Court. The measure adopted on the release of former minister Jose Dirceu would certainly not be sufficient to regain the confidence of the Brazilian about that Court, but allows a credit in its condition to curb some typical romps of boys.

Editorial: Bandidos brincam de GTA em Pernambuco


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Cremos não haver algum motivo de surpresas entre os pernambucanos quando o assunto é a violência que assola o Estado. Tendo como referência um editorial do jornal Folha de São Paulo, registramos a ocorrência de 16 mortes por dia no Estado. O número foi tão surpreendente e pareceu-nos tão "irreal" que optamos por retirá-lo do editorial, em função da possibilidade de estarmos cometendo algum equívoco, pela ausência de uma checagem mais objetiva. O danado é que, ao checarmos, encontramos exatamente este índice absurdo: 16 homicídios, em média, são registrados a cada dia em Pernambuco, de acordo com dados divulgados pela própria Secretaria de Defesa Social. O cálculo é simples. Peguem seus aparelhos celulares e calculem 500 mortos por mês, divididos por 30 dias. Nos três primeiros meses do ano foram registrados algo próximo a 1.500 mortos. Como enfatizou o editorialista daquele jornal, Pernambuco teve uma década perdida em termos de segurança pública. Retroagimos ao ano de 2006, um pouco antes, portanto, da implantação do Pacto pela Vida, que retirou o Estado da triste condição de terceiro mais violento do país.

Hoje, pela manhã, uma outra surpresa. Ao checarmos o microblog Twitter, encontramos a hashtag Tamandaré ocupando um lugar de destaque no Trend Topics. A razão, então, mais uma vez, é o assombroso mundo da violência no Estado. Naquele município litorâneo do Estado, distante um pouco mais de 100 Km da capital Recife, uma quadrilha de assaltantes fortemente armados espalhou o terror na cidade, explodindo duas agências bancárias, a do Banco do Brasil e a do Bradesco. Na fuga, os bandidos fugiram de lancha, pelo litoral, algo mais uma vez cinematográfico, como, aliás, estão se tornando a ação dessas quadrilhas especializadas no Estado. A fuga inusitada provocou a reação de um público notadamente jovem, que começou a fazer postagem com referência ao jogo GTA, onde os bandidos, após um assalto, também fogem de lancha. Não se sabe ainda se esses bandidos assistiram e resolveram copiar o filme, mas não deixa de ser curioso esse fato ocorrido numa cidade até certo ponto pacata do nosso litoral. 

Para completar o dia de violência no Estado, na BR 423, mais um assalto praticado contra carro-forte de transporte de valores. Bandidos fortemente armados emboscaram um desses carros entre as cidades de  São Caetano e Cachoeirinha, trocaram tiros com os vigilantes e explodiram o blindado, que ficou parecendo mais com uma lata de Coca-Cola espremida. Nessas ocasiões, para desencorar novos aventureiros - imaginem se isso é mais possível - nunca se informa a quantia subtraída na ação. No caso do assalto recente ocorrido no Paraguai, realizado por uma quadrilha brasileira, por exemplo, a cifra antes anunciada logo teria sido "corrigida". Nossa compreensão é que foi, provavelmente, maior do que o anunciado. Foi o maior assalto a bancos já realizado naquele país, embora materializado no depósito de uma transportadora de valores. 

Como alertou um especialista em segurança pública no dia de ontem, as "coisas" fugiram completamente ao controle. Não é mais um problema localizado, regional ou estadual, o que impõe a necessidade de medidas de um alcance mais global, articuladas entre os diversos agentes do aparato repressor do Estado, em escala internacional. Os índices de violência hoje registrados no país são índices de países conflagrados por guerras civis. As ocorrências registradas no dia de ontem, no Estado do Rio de Janeiro, dissipam qualquer dúvida sobre o assunto. Claro que o "dever de casa" precisa se feito - e bem feito - mas, sem uma ação de inteligência, coordenada e bem articulada, envolvendo esses diversos atores, no plano local e nacional, os efeitos no tocante à diminuição desses índices talvez não sejam alcançados tão cedo. Grupo organizados controlam completamente o sistema prisional - onde o aparelho de Estado não passa de mais um refém - e estabelecem suas conexões internacionais, com ramificações já em diversos países. Há indícios de que bandidos brasileiros possam ter recebendo, por exemplo, treinamentos com armamentos pesados em países como a Bolívia.   


Publisher: Bandits play GTA in Pernambuco


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We believe there is no cause for surprise among Pernambucans when it comes to the violence that plagues the state. Based on an editorial in the Folha de São Paulo newspaper, we recorded 16 deaths per day in the state. The number was so surprising and it seemed so "unreal" that we chose to remove it from the editorial, due to the possibility of some misunderstanding, by the absence of a more objective check. The damned thing is that, on checking, we find exactly this absurd index: 16 homicides, on average, are registered every day in Pernambuco, according to data released by the Secretariat of Social Defense itself. The calculation is simple. Get your cell phones and calculate 500 dead a month, divided by 30 days. In the first three months of the year, some 1,500 people were reported dead. As the newspaper's editorialist emphasized, Pernambuco had a lost decade in terms of public safety. We moved back to 2006, a little before, therefore, the implementation of the Pact for Life, which removed the State from the sadness of being the third most violent in the country.

Today, in the morning, another surprise. When checking the Twitter microblog, we found the hashtag Tamandaré occupy a prominent place in Trend Topics. The reason, then, once again, is the staggering world of violence in the state. In that coastal municipality of the State, a little more than 100 km from the capital Recife, a gang of heavily armed robbers spread terror in the city, blowing up two banking branches, Banco do Brasil and Bradesco. In the escape, the bandits fled by boat, along the coast, something more cinematographic, as, in fact, are becoming the action of these specialized gangs in the State. The unusual escape provoked the reaction of a noticeably young public, that began to make post with reference to the game GTA, where the robbers, after a robbery, also flee of boat. It is not yet known if these thugs watched and decided to copy the film, but it is curious that this happened in a quiet town on our coast.

To complete the day of violence in the State, in BR 423, another assault against car-strong transport of values. Strongly armed bandits ambushed one of these cars between the cities of São Caetano and Cachoeirinha, exchanged shots with the vigilantes and blew up the armor, which was more like a smashed Coca-Cola bottle. At such times, to discourage new adventurers - imagine if this is more possible - the amount subtracted from the action is never reported. In the case of the recent assault in Paraguay, carried out by a Brazilian gang, for example, the previously announced figure would soon have been "corrected." Our understanding is that it was probably bigger than advertised. It was the largest bank robbery ever made in that country, although it materialized in the deposit of a securities carrier.

As one public security expert warned yesterday, "things" have completely escaped control. It is no longer a localized problem, regional or state, which imposes the need for measures of a more global scope, articulated among the various agents of the repressive apparatus of the State, on an international scale. The rates of violence recorded today in the country are indices of countries conflagrated by civil wars. The occurrences recorded yesterday, in the State of Rio de Janeiro, dispel any doubt on the subject. Of course, "homework" needs to be done - and well done - but without coordinated, well-articulated intelligence action involving these diverse actors at the local and national levels, the effects of decreasing these rates may not Achieved so soon. Organized group completely control the prison system - where the state apparatus is just another hostage - and establish their international connections, with branches already in several countries. There are indications that Brazilian bandits may have received, for example, training with heavy armaments in countries such as Bolivia.

Brasil tem movimentos de mulheres mais estruturados do mundo, diz pesquisadora


Brasil tem movimentos de mulheres mais estruturados do mundo, diz pesquisadora
Ato das mulheres em 8 de março de 2017, São Paulo (Foto: Mídia Ninja)

Organizadora do recém-lançado 50 anos de feminismo – Argentina, Brasil e ChileLúcia Avelar afirma que países com maior envolvimento da população na política tendem a ter feminismos mais organizados


Quando se fala em mulheres da América Latina, é comum fazer uma conexão imediata com números preocupantes de feminicídio, com a escassez de direitos e com uma forte cultura do estupro. Poucas vezes, porém, se fala das mudanças trazidas pela luta feminista em países como Brasil, Argentina e Chile – países que têm feito reformas interessantes em direção à igualdade de gênero, inclusive com reconhecimento e com a ajuda de órgãos internacionais como a ONU, e que tiveram, ao longo dos últimos 50 anos, governantes do sexo feminino.
Foi pensando nisso que as sociólogas Eva Alterman Blay e Lúcia Avelar iniciaram a pesquisa “50 Anos de Feminismo (1965-2015): Avanços e Desafios: Argentina, Brasil e Chile”, no Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, com a colaboração de autores de diversas universidades do Brasil e da América Latina.
O resultado está no livro 50 anos de feminismo – Argentina, Brasil e Chile (Edusp), cujo lançamento aconteceu nesta quinta (27), em São Paulo. A coletânea traz dez artigos que investigam as mudanças políticas e econômicas geradas pela luta feminina neste período, tratando de temas como a descriminalização do aborto, o papel das mulheres nas ditaduras, os movimentos das mulheres negras e a luta por direitos das pessoas queer.
Professora titular de Ciência Política na Universidade de Brasília e pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisa de Opinião Pública da Unicamp, Lúcia Avelar conversou com a CULT sobre os 50 anos de feminismos nesses países.

Ato de mulheres pela democracia em Santiago, durante o governo militar de Augusto Pinochet (1973-1990) (Foto: Kena Lorenzini/Wikimedia Commons)
Ato de mulheres pela democracia em Santiago, durante o governo militar de Augusto Pinochet (1973-1990) (Foto: Kena Lorenzini/Wikimedia Commons)

CULT – Por que escolher a América Latina como objeto de estudo?Lúcia Avelar – Na última década, houve um momento em que três mulheres ocupavam a Presidência da República na América do Sul: Cristina Kirchner na Argentina, Dilma Rousseff no Brasil e Michelle Bachelet no Chile. Todas foram eleitas pelo voto direto, em períodos democráticos. Além disso, os três países haviam passado por ditaduras militares, nas quais as mulheres também sofreram prisões, exílios, torturas. No entanto, fortaleceram-se em seus movimentos de base, tais como a luta por creches, por pagamento igual [ao masculino] pelo mesmo trabalho, na luta pelo fim da violência contra a mulher, por mais representatividade na sociedade e na política.
E por que o marco dos 50 anos de feminismo?Quisemos definir uma época de maior adensamento dos movimentos feministas e de mulheres, e há um relativo consenso de que foi a partir da década de 1960 que as mulheres tiveram maior acesso à educação, maior autonomia como cidadãs e puderam ousar imaginar uma vida cujo destino ficaria além da rotina doméstica. Para nós, foi a partir daí que a visão de um universo muito diferenciado começou a fazer parte do imaginário das mulheres.      
Na apresentação do livro, vocês dizem que o movimento de mulheres do Brasil, da Argentina e do Chile são “dos mais destacados nos círculos internacionais”. Por quê?Por motivos e contextos diferentes, os três países têm destacadas formas de organização das mulheres. A Argentina, ainda na década de 1990, conseguiu uma mudança na legislação eleitoral, passando de lista aberta para lista fechada e com a obrigatoriedade de 30% de mulheres alternando com os parceiros masculinos. O resultado é que, hoje, a Argentina apresenta a maior taxa de representação política feminina da América Latina e serve como referência para os demais do Cone Sul.
O Brasil, embora não seja de amplo conhecimento dos brasileiros – porque as mídias dão pouco espaço para os feminismos -, é conhecido como o país de maior nível organizacional dos movimentos de mulheres. Sua estrutura vai do municipal ao regional, estadual e nacional, articulando-se em uma multiplicidade de redes que por sua vez transitam nas várias instâncias governamentais nacionais e internacionais. Claro, seu diálogo com as máquinas do Estado depende muito do governo de plantão. Não chegamos ao ponto semelhante a alguns países europeus em que as chamadas Agências de Políticas para as Mulheres, que se situam entre os movimentos e o Estado, façam parte definitiva do Estado, como um Ministério da Educação, por exemplo, com um Ministério de Políticas para as Mulheres.
O Chile apresenta um contexto organizacional diferente: com fortes partidos socialistas tradicionais, muitas vezes os movimentos de mulheres se confundem com tais partidos, ou, então, como vemos no Serviço Nacional de Mulheres (SERNAM), os cargos daquela burocracia podem ter continuidade mesmo que se passe de um governo de Pinochet para um outro de natureza democrática. Claro, Michelle Bachelet, principalmente no seu primeiro mandato, levou feministas históricas para o SERNAM, elas se articulando com outros ministérios, realizando mudanças no mundo da aposentadoria, das creches para filhos de mães pobres, na luta contra o feminicídio. Embora muitas semelhanças, os três países devem ser vistos contextualizando historicamente seus avanços e desafios.     

Ato 'Ni una menos', em frente ao Congresso Nacional de Buenos Aires, na Argentina, em outubro de 2016 (Foto: Natacha Pisarenko/AP)
Ato ‘Ni una menos’, em frente ao Congresso Nacional de Buenos Aires, na Argentina, em outubro de 2016 (Foto: Natacha Pisarenko/AP)

Quais características do nosso feminismo levam a essas diferenças?O nível de institucionalização. O diálogo intra e inter movimentos, ONGs, redes de articulação, como a Articulação de Mulheres Brasileiras, a Marcha Mundial das Mulheres. Um dos momentos em que tal realidade se expressou foi na Conferência Nacional de Mulheres, nas várias delas. Ali havia representantes de todos os níveis para discutir quais políticas deveriam ser prioritárias para a melhoria do status das mulheres.  
Quais as diferenças entre o feminismo na América Latina e o de outras regiões periféricas do mundo?Poderíamos dizer que, como outros movimentos da sociedade, as organizações internacionais como a das Nações Unidas e Fundações público-privadas, em todo o mundo, dão suporte aos movimentos de mulheres. Mas a história conta muito: nos países com maior envolvimento da população na política tendem a ter feminismos mais densos e organizados. Se a Europa atravessou dois séculos de conflito político e social, as mulheres junto na construção democrática, por que elas não teriam forte influência nos arranjos do Estado de Bem-estar Social? Como é preciso admitir, apenas a democracia eleitoral não dá conta da representatividade dos “menos iguais”.
Costuma-se dizer que o Chile é o único país da América Latina em que o feminismo “funciona”. O que você acha disso?
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ão concordo. Discutimos isto muito em nosso livro e durante nossas reuniões de pesquisa. Talvez a contabilidade pública faça mais alarde de suas respostas aos movimentos feministas, como discutíamos durante o trabalho: um funcionário público contabiliza um bolsa-família como sendo um atendimento à autonomia das mulheres. Isto acontece e se não for pela accountability vertical dos movimentos, os governos podem nos enganar.
No livro, há apenas um autor homem, José Eustáquio Diniz Alves. Como você vê a participação masculina no movimento feminista?Temos muitos parceiros homens nos movimentos feministas, principalmente na geração mais jovem. Entre acadêmicos, ativistas de movimentos, pessoas que se socializaram nos anos mais recentes. Os homens começaram a entender que feminismo quer dizer direitos humanos, é muito positivo nas famílias porque as discriminações desequilibram os relacionamentos e todo mundo perde. Por exemplo, quem ganha com a proteção universal da saúde da mulher? Todo mundo.
Como você vê a apropriação do feminismo e de outras lutas por direitos sociais pela publicidade, artistas pop e marcas em geral?Só fortalece o movimento. Quanto mais comunidades organizadas, mais democracia para a construção de um país menos violento e desigual.
A prostituição é uma questão espinhosa dentro do feminismo, já que algumas vertentes defendem sua legalização e outras, sua criminalização total. Como você vê essa questão dentro da América Latina?A prostituição é um tema espinhoso sim. De um lado, é o direito de autonomia sobre seu corpo; de outro, uma luta pela sobrevivência. No período do Ministério de Políticas para as Mulheres no Brasil, o combate à prostituição e principalmente no recrutamento de jovens para trabalhar em outros países, crimes continuamente realizados por máfias da prostituição, foi possível contar com financiamentos que apoiavam o combate apontando para alguma solução. Havia mesmo a adesão de outras áreas ministeriais, como o Ministério das Relações Exteriores que faziam parceria com os movimentos de mulheres. É uma luta histórica e de difícil solução. É preciso muito investimento social.
Com um retorno ao conservadorismo, é possível que todo o avanço das últimas décadas, que vocês mencionam no livro, tenha sido em vão?A história é feita de ciclos e agora é um momento áureo do conservadorismo em todas as áreas. Os preconceitos afloraram com muito mais intensidade agora, se compararmos com o pós-guerra, quando um sentimento de solidariedade foi necessário para a reconstrução dos países destruídos. Uma parcela das sociedades, independentemente da época, é conservadora, não aceita o outro, o diferente. Mas agora parece que estamos vivendo um retorno aos valores de profundas diferenças de classe, como antes da vitória da burguesia sobre a aristocracia. As diferenças valorativas estão explícitas e se não trabalharmos para regimes políticos e sociedades mais tolerantes e democráticas, vamos retrocedendo. Esperamos que o feminismo ajude a construir maior universalismo e solidariedade nas relações humanas.  

(Publicado originalmente no site da revista Cult)

domingo, 30 de abril de 2017

Le Monde: Fotografia sem retoques do trabalho global

Mostra Contemporânea Internacional de Cinema Ecofalante não poderia ter sido mais feliz em sua escolha ao destacar um tema tão crucial para toda a humanidade hoje: o trabalho
por: Ricardo Antunes
26 de abril de 2017
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Nas últimas décadas do século passado floresceram muitos mitos acerca do trabalho. Com o avanço das tecnologias de informação e comunicação não foram poucos os que passaram a acreditar que uma nova era de felicidade se iniciava: trabalho online, digital, era informacional, enfim, adentrávamos finalmente o reino da felicidade. O capital global só precisava de um novo maquinário, agora descoberto.
O mundo do labor finalmente superava sua dimensão de sofrimento. A sociedade digitalizada e tecnologizada nos levaria ao paraíso. Sem tripalium e quiçá até mesmo sem trabalho. O mito eurocêntrico, que aqui foi repetido sem mediação e com pouca reflexão, parecia finalmente florescer.
Mas sabemos que o mundo real é muito diverso do seu desenho ideal. E a Mostra Contemporânea Internacional da Ecofalante não poderia ter sido mais feliz em sua escolha. Primeiro por destacar um tema crucial para toda a humanidade hoje: o trabalho. Segundo, por oferecer ao público uma série emblemática de filmes e documentários que além de contraditar e fazer desmoronar os mitos, oferece um mosaico do mundo do trabalho real que hoje se expande em escala planetária.
Se o universo do trabalho online e digital não para de se expandir em todos os cantos do mundo, é vital recordar que o primeiro passo para se chegar ao iPhone, iPad ou assemelhados, começa com a extração de minério, sem o qual o dito cujo – o celular – não pode ser produzido. E as minas de carvão mineral da China e em tantos outros países mostram que o ponto de partida do trabalho digital se encontra no brutal trabalho realizado pelos mineiros. Da extração até sua ebulição, assim caminha o trabalho no inferno mineral.
E é justamente esse o tema de Gigante, um filme devastador. Do formigueiro formado pelos caminhões à entrada das minas, até o trabalho sob temperatura mais que desertificada, Gigante mostra como as minas são uma verdadeira sucursal do inferno. Acidentes, contaminação, devastação do corpo produtivo, mortes – tudo isso ocorre na sociedade dos que imaginaram que as tecnologias de informação eliminariam o trabalho de mutilação.
A metáfora do diretor Zhao Liang mostra que a China das grandes e globais corporações não existe sem o trabalho brutal e manual em seus rincões e grotões. Ainda que tenha cidades fantasmas…
Consumido, de Richard Seymour, segue o mesmo percurso. Começa com o trabalho nas minas, passa pelo setor têxtil, avança para o espaço da produção digital, não sem mostrar o vilipêndio do trabalho imigrante, este exponencial segmento do proletariado global que é, simultânea e contraditoriamente, tão imprescindível quanto supérfluo, para o sistema do capital.
Mas se o mundo do trabalho digital começa no universo mineral, também na planta produtiva automatizada dos celulares e microeletrônicos viceja a exploração intensificada do labor.
Não é por acaso que o primeiro ministro da Índia propôs, pouco tempo atrás, aquele que deve ser o slogan do segundo país gigante do Oriente: assim como a China se celebrizou pelo Made in China, a Índia deve celebrizar-se pelo Make in Índia, uma vez que a exploração do trabalho do operariado chinês é café pequeno frente ao vilipêndio da superexploração no país das classes e das castas, dos bilionários e dos mais que miseráveis.
E é esse o mote do explosivo Máquinas, que nos oferece uma fotografia direta do mundo também infernal do trabalho nas indústrias de tingimento de tecidos, onde homens, mulheres, crianças, todos e todas, laboram diuturnamente para dar concretude ao Make in Índia. Jornadas de 12 horas ou mais, turnos infindáveis, locais de trabalhos indescritíveis e distâncias imensas a serem percorridas entre casa e trabalho: esse é o cotidiano vivenciado pelo povo indiano que consegue trabalho. Na outra ponta, um patronato invisível que sabe comandar com controle bem visível, através de panópticos televisivos. Tudo isso e muito mais aparece na peça primorosa do diretor Rahul Jain.
O operário que carrega galões de 220 kg e diz que seu trabalho é também um “exercício intelectual, cerebral”, os banhos para se limpar da sujeira diária das tintas; as mãos devastadas pelo calor das caldeiras; os corpos que são tragados pelas máquinas; as múltiplas formas de resistência e rebeldia do trabalho até a repressão do empresariado selvagem (que sempre quer saber “quem é o líder?”), Máquinas nos mostra um pouco (ou muito) de tudo.
E já que estamos falando do mundo asiático, Complexo Fabril, da Coreia do Sul, é também um primor. O mundo do trabalho feminino nos é apresentado em seu modo afetivo, delicado, qualificado, explosivo, forte, indignado. As opressões vão, uma a uma, sendo enfileiradas: demissões, humilhações, condições sub-humanas, resistências, tanto as individuais como as coletivas. O mito do trabalho na Samsung, agudamente denunciado, com seus adoecimentos e contaminações: com os assédios, baixos salários, superexploração e sempre forte repressão. As dificuldades para organizar sindicatos, o acontecimento das lutas das mulheres terceirizadas, suas greves, seus confrontos, como o May Day, dia de luta das trabalhadoras para denunciar suas condições nefastas de trabalho, a virulência policial, os assédios, os vilipêndios. Mas também as flores na vitória!
As transversalidades entre classe, gênero, etnia, geração, tudo aparece nas fábricas complexas. Nos call centers, na indústria de alimentos (corte de aves), na indústria têxtil, nos hipermercados. As tantas cenas presentes no universo feminino fazem desmoronar os mitos dos trabalhos brandos, tecnologizados, assépticos.
Mas que não se pense que essa seja uma realidade só do Oriente, do mundo asiático.
Nada disso. Embora na (nova?) divisão internacional do trabalho a indústria considerada “limpa” esteja preferencialmente no Norte do mundo e a indústria “suja”, poluidora e ainda mais destrutiva se encontre centralmente no Sul, a globalização nos leva a constatar que, assim como o Norte se esparrama pelo Sul, este também invade o centro do capitalismo tido como desenvolvido.
E Algo de Grandioso é exemplo exatamente disto, ao apresentar a realidade do trabalho na indústria da construção civil na França. A partir de cenas e depoimentos, a sensibilidade do trabalho vai transbordando. Tragédias, esperanças, expectativas, solidariedade, amizade – tudo isso aparece no mundo do trabalho duro, violento, perigoso da construção civil.
Chuva, tempestade, concretagem, acidentes, as cenas se sequenciam, mostrando como esse ramo combina o receituário taylorista do trabalho prescrito com a pragmática do envolvimento e manipulação que herdamos do toyotismo. Do primeiro, o taylorismo, vemos a preservação do despotismo e do segundo, o toyotismo, o exercício de fazer um pouco de tudo no trabalho, o que, além de aumentar a exploração, amplia os riscos de acidentes, em um setor onde ele já é de alta intensidade.
Brumário enfeixa o ciclo com um paralelismo também emblemático: reconstitui a história do trabalho em uma derradeira mina de carvão na França, que teve suas atividades encerradas. E apresenta também a história de uma jovem trabalhadora, filha de um operário da mineração, que trabalha no setor de serviços, em uma empresa de limpeza.
A dupla face do trabalho é exposta, com suas diferenças tão marcantes, que configuram as tantas heterogeneidades e fragmentações que povoam a classe-que-vive-do-trabalho em sua nova morfologia atual. A dos mineiros, quase todos homens, com suas histórias, combates, solidariedades, medos, riscos, adoecimentos. E a de uma jovem trabalhadora que vivencia o trabalho fragmentado, separado, individualizado, sem passado, sem projeto para o futuro, oferecendo uma bela pintura do passado europeu e sua nostalgia e do futuro nublado desse novo proletariado.
A vida na mina é uma vivência em uma cidade submersa. A escuridão, o risco do desmoronamento, o barulho repetitivo do subsolo mineiro que não tem luas, só luzes artificiais. (Um parêntese: uma única vez eu entrei, como sociólogo do trabalho, em uma mina de carvão na cidade de Criciúma, em Santa Catarina. Lá em baixo, não via a hora de voltar para o mundo visível e plano.)
A condição de mineiro, relata um dos depoentes, marca indelevelmente todas as suas outras dimensões da vida: a social, a família, a cultura, a política. A transmissão do savoir faire, de uma geração a outra, a solidão com o fim da mina e seu fechamento, as lutas e conquistas obtidas: e, posteriormente, com a aposentadoria ou fechamento da mina, vem a nostalgia, o desencanto.
A globalização levou indelevelmente ao fechamento da última mina de carvão na França, diz o depoimento do operário da mineração. Na nova divisão internacional do trabalho, isso passou a ser feito só no Sul do mundo. Na Colômbia, Chile, Venezuela, China, Congo etc.
Outro depoimento operário é cáustico: nestes países eles trabalham muito mais e ganham pouco. Se um dia a mina voltar para a França, acrescenta, será sob o controle da China…
A nostalgia em relação ao passado e o desencanto frente ao presente se encontram.
No outro polo do mundo do trabalho, a jovem trabalhadora, filha de um mineiro, recorda do passado de lutas do pai e de seu presente de isolamento. Seu trabalho individualizado, des-sociabilizado, sem a convivência com outros trabalhadores. Esse novo proletariado de serviços aparece neste personagem como descrente em relação ao futuro, resignado e descontente em relação ao presente.
Minas e escritórios, trabalho “sujo” e trabalho “limpo”, trabalho coletivo e labor invisibilizado, ontem e hoje, estes dois mundos do trabalho parecem desconectados. A jovem se recorda do pai e de suas lutas e não as vê no seu presente. Em seu tempo livre, cuida da casa. É uma jovem proletária sem a possibilidade de constituir uma prole, pois sua insegurança no trabalho não incentiva em sua vida reprodutiva.
Veja-se a experiência britânica do zero hour contract, este o novo sonho do empresariado do trabalho intermitente. É uma espécie de trabalho sem contrato, onde não há horas a cumprir e nem direitos a seguir. Quando há trabalho, basta uma chamada e o trabalhador/a deve estar online para atender o trabalho intermitente. E as corporações globais se aproveitam: expande-se a “uberização”, amplia-se a “pejotização”, florescendo uma nova modalidade de trabalho: o escravo digital. Tudo isso para disfarçar o assalariamento do trabalho.
Apesar de defenderem a “responsabilidade social e ambiental”, incontáveis corporações praticam mesmo a informalidade ampliada, a flexibilidade desmedida e a precarização acentuada. A exceção vai se tornando regra geral. Aqui e alhures.
Ficam muitas indagações: que estranho mito foi esse do fim do trabalho? Terá sido um sonho eurocêntrico? Por que o labor humano tem sido, predominantemente, espaço de sujeição, sofrimento, desumanização e precarização, numa era em que muitos imaginavam uma proximidade celestial? E ainda mais: por que, apesar de tudo isso, o trabalho carrega consigo coágulos de sociabilidade?
Estas e outras tantas indagações a 6ª Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental, nesta fotografia sem retoques do trabalho global, nos ajuda a refletir.

*Ricardo Antunes é Professor Titular de Sociologia do Trabalho na UNICAMP. Autor, entre outros livros, de Os Sentidos do Trabalho (Boitempo, publicado também na Itália, Inglaterra/Holanda, EUA, Portugal, Índia e Argentina); Adeus ao Trabalho? (Ed. Cortez, publicado também na Itália, Espanha, Argentina, Colômbia e Venezuela) e Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil (organizador, Boitempo), Vol. I, II e II. Coordena as Coleções Mundo do Trabalho, pela Boitempo e Trabalho e Emancipação, pela Expressão Popular e atualmente é Visiting Professor na Universidade Ca’Foscari em Veneza (Itália).

Sérgio Buarque de Holanda e a compreensão dos nexos do debate político brasileiro


Sérgio Buarque de Holanda e a compreensão dos nexos do debate político brasileiro
O historiador Sérgio Buarque de Holanda (Arte Revista CULT)

Para Pedro Meira Monteiro, professor de literatura brasileira em Princeton, conceitos do historiador ajudam a explicar as estruturas sociais e políticas do Brasil de hoje


Grande patriarca da historiografia nacional e pensador vital para compreender os nexos do debate político brasileiro: é assim que Pedro Meira Monteiro, doutor em teoria literária pela Unicamp e professor de literatura brasileira na Universidade de Princeton, se refere ao historiador paulista Sérgio Buarque de Holanda.
Para o professor, que organizou a edição crítica de Raízes do Brasil e as correspondências entre o historiador e Mário de Andrade, os conceitos de Sérgio Buarque, como o de ‘homem cordial’, ainda são fundamentais para entender as estruturas brasileiras.
A cordialidade, por exemplo, definida pelo historiador como a confusão entre o espaço público e o privado, está muito viva na opinião de Monteiro. “No plano macro, é o coronel, o político corrupto, o dono de empresa pronto a corromper quem quer que seja. No plano privado, é o marido violento, o sujeito moralista que é incapaz de pensar para além de um círculo estreito de valores, a pessoa que não paga impostos”, explica.
Sérgio Buarque é considerado um dos fundadores da moderna historiografia brasileira. Com apenas 34 anos, publicou Raízes do Brasil (1936), que viria a se tornar um marco historiográfico e ensaístico brasileiro. Além de professor, atuou como jornalista e crítico literário e foi, em 1980, um dos fundadores do PT. O último dia 24 marcou os 35 anos de sua morte.
Em entrevista à CULT, Pedro Monteiro fala sobre a importância do pensamento de Sérgio Buarque para entender o Brasil atual e suas renovações historiográficas.
CULT – Sérgio Buarque de Holanda, com o conceito de homem cordial, apontava principalmente essa mistura que o brasileiro faz entre o público e o privado. Esta ainda é uma chave interpretativa atual para entender o momento político do país?
Pedro Meira Monteiro – Mais que nunca. A despeito das críticas que se possa fazer às teses de Sérgio Buarque em Raízes do Brasil, a confusão entre o público e o privado ainda é um marco explicativo válido para a compreensão da vida em sociedade no Brasil. Os exemplos são muitos, mas basta pensar na relação de rapina que muitos dos nossos compatriotas têm com o espaço público, na grilagem das terras indígenas nos lugares mais remotos até o cidadão que constrói uma ligação clandestina de esgoto, o que aliás não é feito exclusivamente pelos mais pobres, como bem se sabe. Mesmo a relação conflituosa com os impostos, e a sofisticação com que se escapa deles, dos profissionais liberais às grandes empresas, é exemplo de desrespeito ao que é público. Isso sem contar a classe política brasileira, cujo baixo nível tem também a ver com essa mesma incapacidade de proteger o espaço público da ganância privatista e dos interesses mais restritos.
Esse é, talvez, um dos conceitos mais utilizados e citados de Sérgio Buarque. Acredita que ele é bem compreendido e usado? De que outras formas seu pensamento pode ajudar a entender os problemas políticos e sociais atuais?
O homem cordial de Sérgio Buarque é em geral muito mal compreendido, porque essa “bondade” é apenas uma face, talvez a mais enganosa, de um indivíduo incapaz de compreender as abstrações da política, sobretudo incapaz de representar algo que vá além do seu círculo de familiares e de apaniguados. O homem cordial, no plano macro, é o coronel, o político corrupto, o dono de empresa pronto a corromper quem quer que seja. No plano privado, é o marido violento, o sujeito moralista que é incapaz de pensar para além de um círculo estreito de valores, a pessoa que não paga impostos, o cidadão pronto a passar por cima do outro, e todos aqueles e todas aquelas que não toleram a diferença, porque só podem amar e compreender a sua própria imagem no espelho. Como diria Sérgio Buarque, lembrando Nietzsche, o “seu isolamento é um cativeiro”, isto é, ao não conseguir pensar para além do seu círculo de interesses e de valores, o homem cordial é presa de suas próprias limitações, incapaz de perceber que o mundo vai além dos interesses de um grupo cerrado ou dos desejos de uma única pessoa ou de uma única classe.
Em uma perspectiva talvez oposta à de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque aponta em Raízes do Brasil para uma modernização que seria a única saída para esse impasse da cordialidade brasileira. Você acredita nessa perspectiva?
Ao contrário do que pensam vários críticos, não acredito que em Raízes do Brasil a modernização seja um ponto de fuga absoluto, como se a industrialização e o mercado fossem necessariamente regeneradores para Sérgio Buarque. Raízes do Brasil é um livro cheio de ambiguidades e de impasses. Tem mais perguntas que respostas. O dilema do Brasil seria que a entrada nesse mundo do mercado e da indústria comprometeria uma certa forma de relacionamento “cordial”, isto é, mais pessoal e privada. Tal forma de relacionar-se é terrível (como ela vem o “jeitinho”, o drible na lei), mas é também interessante, porque criaria uma sociabilidade menos rígida, mais acomodatícia. Ou seja, pura ambiguidade. Já em Gilberto Freyre, essa falta de rigidez que supostamente nos distinguiria é objeto de puro elogio, como se o nosso futuro dependesse de uma sociabilidade menos dura, e a nossa fosse uma civilização menos violenta. Mas essa tese evidentemente não passa pelo teste da realidade.
Você acha que essa modernização é, efetivamente, uma saída para os problemas atávicos brasileiros?
Não a modernização como simples avanço do mercado ou da indústria, mas sim modernização como implantação de valores republicanos, que dependem da capacidade que temos de nos colocar acima dos interesses privados e, principalmente, acima dos interesses do próprio mercado. O mercado, deixado à solta, cria concentração de renda, violência e desigualdade. Mas quando é regulado, suas energias podem ser dirigidas para o bem comum. O dogma neoliberal que atualmente dá as cartas mundo afora, inclusive no Brasil, vai contra os valores republicanos que Sérgio Buarque defendia. Não tenho dúvidas de que, se fosse vivo, ele hoje seria um crítico feroz do golpe parlamentar que levou à destituição de Dilma Rousseff. O que prova, se não me engano, que sua ideia de “modernização” tinha menos a ver com o império do mercado e mais a ver com os valores republicanos que o “homem cordial” tem tanta dificuldade de reconhecer.
Como você observa as inovações historiográficas de Sérgio Buarque e sua importância para a constituição de um saber histórico brasileiro?
Ele foi uma espécie de grande patriarca da historiografia nacional, o que não deixa de ser irônico, já que ele era um grande crítico do patriarcalismo. Mas sua compreensão dos nexos do debate político, bem como sua atenção às fantasias do desenvolvimentismo e à criatividade do sujeito que avança por território desconhecido, são ainda hoje vitais. Mesmo quando discorda frontalmente dos seus argumentos, não há pesquisador que não se assombre com a inteligência crítica e com a seriedade do trabalho de Sérgio Buarque. Ele pode errar e acertar, mas é impressionante ver como os seus objetos são trabalhados em perspectiva, e como compreendidos numa dupla escala, tanto num plano interno e minúsculo, onde cada detalhe é importante, como num plano mais amplo, onde os nexos com o resto do mundo são o que realmente importa.
A geração de Sérgio Buarque parecia carregar uma preocupação em definir o que era o brasileiro, a identidade nacional. Acredita que esse é um problema resolvido? Há, atualmente, a constituição clara de um imaginário nacional e uma ideia de nação brasileira?
Acredito que não faz mais sentido buscar o “caráter nacional”. Sérgio Buarque sabe que a definição de uma coletividade é impossível e mesmo indesejável, porque o que interessa não são as raízes que nos prendem a uma origem, mas sim a fronteira em que somos levados a inventar algo sempre novo. Cabe ao historiador, em suma, ver a transformação acontecendo, deixando de lado o que é fixo. O fixo é sempre chato, bidimensional. O que vale é o movimento e a mudança, que definem o que somos em cada novo momento. A “nação brasileira” não é uma coisa fixa, a não ser na mente dos conservadores e dos reacionários, que em geral são os guardiões dos valores mais espúrios. Era sobre isso, também, que escrevia Sérgio Buarque: o discurso conservador enaltece a pátria para esconder o fato de que o futuro está sendo roubado, pouco a pouco, por aqueles mesmos que dizem defender o Brasil.

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

sábado, 29 de abril de 2017

General Strike: The sleep awakening the produced the monster


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Yesterday, April 28, the country stopped to protest against the labor and social security reforms, now under consideration in the Legislature. No surprise is the news of the newspapers of today, now pointing to the success of the stoppage organized by the workers, now treating it as a great fiasco, in line with the current status quo coup. Incredible as it may seem, perhaps the most conscientious reader should look for more unbiased information on the subject in the international press, which in general points out that the reckless government and the national congress are frightened by this mobilization, as well as its reflections on Approval of the neoliberal agenda that attempts to inflict on Brazilian workers, characterized by the subtraction of rights and minimization of the State.

According to Diap's political analyst, Antonio Augusto de Queiroz, this is the fourth attempt of the establishment to impose this reform on Brazilians. I could add here that at no other time did they find such favorable conditions, especially if we understand the apathy that Had taken care of the Brazilians, in a thesis attributed to Aristides Lobo, that the people watch everything bestialized. No longer. Brazilians seem to have realized the consequences of these reforms underway, with very clear purposes as regards the adoption of the infamous prescription of the Washington Consensus, of dire consequences for those who occupy the bottom floor of the social pyramid, who are absolutely unprotected By the state and at the mercy of the market, which only values ​​the so-called consumer citizens.

The mobilization of Brazilian workers around this general strike, which took place yesterday, brings us some important lessons. The first one concerns a kind of "deep sleep awakening that produced the monster," a happy reference of the philosopher Gabriel Cohen in addressing our "democratic anesthesia," that is, the mistaken conviction we had about the impossibility of a retrogression Institution. This time we had a coup d'état of a new type, with the dangerous component of the support of judicial activism, which interdicted "constitutional arbitration" as well as fomented the "criminalization" of the protests. Activists need to be aware of this new form of confrontation of the state apparatus. In this logic, "criminalization" brings a lower cost to the state apparatus and greater harm to the individual. In São Paulo there are dozens of political activists responding to lawsuits for having participated in those demonstrations of the June Days.

Another relevant point in this mobilization for the general strike on the 28th is the "qualification of the movement", that is, that feeling that this mobilization needs to be permanent, to achieve the necessary effects, pressing the Legislative and Executive with regard to These reforms now under way. May that our perception is correct, judging by the explicit denunciation of those parliamentarians who have been supporting this process, which means an inescapable burden in the next elections scheduled for October 2018. It is good that it be so. It is good that these popular pressures continue to haunt the legislature and an illegitimate, reckless government with widespread popular rejection.