pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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terça-feira, 29 de agosto de 2017

Michel Zaidan: Pragmatismo político e movimento social

domingo, 27 de agosto de 2017

O xadrez político das eleições estaduais de 2018, em Pernambuco: Coelhos e Pombinhas em campos opostos.



José Luiz Gomes da Silva
Cientista Político


Neste domingo, num hotel da zona sul do Recife, o PSB realizou o seu 14° Encontro. Nos últimos dias, a política pernambucana parece ter passado por alguns freios de arrumação. Não se pode dizer que o PSB não tenha tomada algumas decisões equivocadas ao longo de sua história. Ter apoiado o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff foi uma delas. Ao longo dos anos, houve, sim, um processo de decomposição ideológica que o afastou sensivelmente de sua matriz ideológica original, identificada com atores políticos como o ex-governador Miguel Arraes. Outro dia, através de um artigo aqui publicado, lamentei profundamente que ele já não estivesse entre nós. Um político com a sua estatura moral seria muito importante para o país - num momento político dos mais delicados - onde o patrimônio nacional vem sendo liquidado para atender as desígnios e interesses de uma agenda neoliberal nefasta, razão principal do golpe institucional de 2016.

O alento é que essa marcha da insensatez não foi acompanhada por todos os integrantes da legenda. Aqui e ali, o "sotaque" socialista foi mantido. Salvo melhor juízo, 16 membros do partido estão na mira de fogo de sua Comissão de Ética, em razão de terem votado contra o prosseguimento da investigação do presidente Michel Temer(PMDB). O Deputado Federal Danilo Cabral, do PSB pernambucano, lidera um movimento que objetiva recolher assinaturas de parlamentares no sentido de impedir a privatização da CHESF, o que equivale dizer privatizar o Rio São Francisco, conforme alertava Arraes à época do Governo Fernando Henrique Cardoso. Essas contingências políticas estão compelindo os atores da legenda a "afinarem" o discurso, fechar alguns portas e abrir outras.

Quando de sua visita ao Estado, na semana passada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, esteve conversando com a senhora Renata Campos(PSB), esposa do ex-governador Eduardo Campos. Tiveram um jantar indigesto do ponto de vista político, posto que pouco assimilado por lideranças políticas petistas locais, tampouco por atores políticos que compõem a aliança política palaciana, de olho nas eleições de 2018. O Deputado Federal Jarbas Vasconcelos(PMDB-PE) é, de longas datas, um dos mais ferrenhos opositores da legenda. Já disse que deixaria a aliança, em caso da retomada das negociações políticas entre o PSB e o PT. Quando esteve aqui no Recife, o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, também foi recebido em audiência pelo governador Paulo Câmara(PSB), que declarou que as portas ainda estão abertas. 

Como afirmamos em artigos anteriores, a recomposição dessa aliança não é uma tarefa política das mais simples, em razão de inúmeros fatores, que vão muito além de possíveis ressentimentos da ala peemedebista afinada com o Palácio do Campo das Princesas. Num passado recente, o PT pernambucano "eduardolizou-se" e, em vez de ganhar capilaridade política, perdeu-a. Entendia-se a aliança naquele momento político específico, mas seria necessária negociá-la em outros termos. Trata-se de uma decisão que precisa ser muito bem amadurecida. Se for para repetir os equívocos do passado, melhor seria seguir em raia própria, com Marília Arraes(PT-PE). Conforme observou o ex-prefeito João Paulo(PT-PE), o rabo não pode abanar o cachorro. Por outro lado, sabe-se que, se o "cachorrão" decidir, está decidido.

O Encontro do PSB já esboçou - ainda que timidamente - um "Fora, Temer", ratificando o afastamento definitivo da legenda da base aliada do presidente Michel Temer. Essa posição parece-nos mais pragmática - antes de pensarmos que movida por princípios - embora o pacote de privatizações do Governo tenha apressado-a. A despeito dos movimentos das aves tucanas locais, lideranças do PSB e do PSDB entabulam negociações de olhos nas eleições presidenciais de 2018. Convém frisar, no entanto, que as escaramuças orquestradas pelo presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves(PSDB-MG), também contribuíram para ampliar as divergências entre alas fortes do tucanato e o Palácio do Planalto. Isso ajuda nas negociações entre os socialistas e petistas na quadra local? Talvez.

Esse "freio de arrumação" também serviu para "acomodar" alguns atores políticos do Estado, como é o caso da família Coelho, que mantém "rusgas" antigas com o partido socialista. Eles não compareceram ao encontro, numa clara demonstração de que Coelhos e Pombinhas já não coabitam o mesmo espaço partidário. Ao contrário, é cada vez maior a "afinidade" entre os integrantes dessa família e o ministro da Educação, Mendonça Filho(DEM), que liberou verbas do MEC para a construção do Campus de Salgueiro, da UNIVASF, que havia sido prometido pelo senador Fernando Bezerra Coelho, em visita àquela cidade. Embora com o "abacaxi" das privatizações em mãos, o que se comenta por aqui é que o ministro das Minas e Energias, Fernando Filho, pode se tornar candidato ao Governo do Estado nas eleições de 2018.  

Charge! Duke via O Dia

sábado, 26 de agosto de 2017

O xadrez político das eleições estaduais de 2018, em Pernambuco: Jantar politico indigesto entre Lula e Renata Campos.

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Em viagem ao Estado da Bahia, Lula praticamente definiu qual seria a chapa encabeçada pelo PT para disputar as eleições presidenciais de 2018. O ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad(PT), encabeçaria a chapa, enquanto o ex-governador daquele Estado, Jacques Wagner(PT), seria o vice. Como se vê, uma chapa puro-sangue. Animal político arguto, Lula sabe qual o real propósito dos seus algozes, ou seja, o de inviabilizá-lo politicamente. A sentença proferida pelo juiz Sérgio Moro, certamente, será confirmada. Com uma taxa de rejeição que beira os 50%, Lula sabe que precisa cativar ainda mais o reduto tradicional do partido, o Nordeste brasileiro, responsável pelas últimas vitórias petistas, ao superar tradicionais redutos conservadores. Este equilíbrio de forças é fundamental para o partido continuar alimentando as expectativas de voltar ao poder algum dia. 

Essas viagens, no entanto, tem retomado os velhos dilemas da agremiação petista, como a política de alianças ou a famigerada conciliação de classes, que deixam sequelas até o dia de hoje. Como se sabe, o PT chegou ao poder somente depois de um grande acordão de classes, que envolvia amplos setores da elite política e econômica. A quem advogue que, de outra forma, não seria possível a chegada do partido ao poder. Por outro lado, há aqueles que apontam os equívocos dessa estratégia, que impediram a implementação de algumas reformas importantes, assim como oportunizou-se a esses grupos a retomada do poder no momento seguinte, através de um expediente político nada democrático ou republicano, sem que fosse possível um esboço de reação à altura. Como agravante, um grade retrocesso, que colocaram por terra as conquistas sociais e de direitos civis que se tornaram possíveis através daquela conciliação de classes.

Com um capital político ainda pouco comprometido aqui na região, as caravanas de Lula tem conseguido um feito inusitado, ou seja, atrair adversários políticos petistas aos seu palanque, numa manobra clara de oportunismo político. Os governadores Jackson Barreto, de Sergipe, assim como Renan Calheiros Filho, Alagoas, ambos do PMDB, são dois bons exemplos do que acabamos de afirmar. As saias-justas, naturalmente, são frequentes. Trata-se, naturalmente, de uma manobra de pragmatismo político, sem qualquer outro conteúdo. Em Alagoas, por exemplo, o projeto é o de reeleição de Renan Filho, assim como a recondução do pai ao Senado Federal. Essa plasticidade de Lula, por sua vez, cria algumas arestas entre membros da agremiação. Renan Sarney, por exemplo, participou ativamente do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Os petistas mais radicais têm ele atravessado na traqueia. 

Ao desembarcar, no dia de ontem, aqui no Recife. As polêmicas continuaram, em razão de Lula ter comparecido à mansão do ex-governador Eduardo Campos, no Bairro de Dois Irmãos, atendendo a um convite da senhora Renata Campos(PSB-PE), para um jantar. Amabilidades à parte, o que ficou no ar mesmo foi o "gesto" político carregado de simbolismos. Comenta-se, nas coxias, que as portas ainda continuam abertas para uma possível reaproximação entre petistas e socialistas, numa reedição da Frente Brasil Popular. Fechado esse suposto acordo, uma das vagas ao senado seria destinada ao PT na chapa governista. Em política nada é impossível, mas há vários obstáculos a serem transpostos e algumas rusgas superadas. As rusgas são mais simples. Os problemas maiores são os obstáculos políticos criados. Ao longo do anos, setores da agremiação petista, finalmente, chagaram à conclusão de que a política aliancista adotada pelo PT no Estado esteve marcada por alguns equívocos. A retomada desse diálogo precisa ser algo muito bem pensado pelo partido. 

Justamente aqui na província, a ala peemedebista aliada ao Campo das Princesas é inimiga figadal do PT. O PMDB local é comandado por Raul Henry, vice governador, tendo na figura do Deputado Federal Jarbas Vasconcelos a sua principal liderança. Há quem garanta que uma das vagas ao Senado Federal na chapa governista está reservada ao deputado. Creio que, nem mesmo para tentar retomar seu mandato de senador, há alguma possibilidade do deputado caminhar junto com os petistas. Ele já afirmou quem se o PT entrar, ele sai. Um outro complicador é que as lideranças locais do partido veem com bastante reticência a possibilidade de reedição de uma aliança com o PSB. Soma-se o fato de o partido ter apoiado o processo de afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff da Presidência da República. 

Quando esteve aqui no Recife, em semana anterior, o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, também manteve um encontro com o governador Paulo Câmara, no Palácio do Campo das Princesas. O teor dessas conversas, por razões óbvias, nunca vazam para a imprensa, exceto por alguma indiscrição de algum conviva. Certamente, os bons resultados obtidos pelo Estado no IDEB não se constituiu no fulcro desse diálogo. Lula também não teria ido à mansão de Dois Irmãos para relembrar daqueles velhos tempos das comidas regionais, da típica cachaça da terra, do suco bem nordestino de pitangas, da sobremesa de rapadura, tampouco dos causos de Ariano Suassuna, que já está num outro plano. Como disse antes, esse gesto é um gesto carregado de simbolismo. Uma reaproximação entre o PT e o PSB é um deles. Vamos aguardar um pouco, mas insisto que caminhar com Marília Arraes seria o caminho mais correto.


Editorial: O escárnio da privatização do Rio São Francisco.


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Em artigo publicado num blog local, o vice-prefeito do Recife, Luciano Siqueira(PCdoB), aborda a proposta governamental de privatização da CHESF, que, na prática, significaria, igualmente, a privatização de um bem público da maior importância, o Rio São Francisco. Neste artigo, Luciano retoma a uma proposta semelhante, da época do Governo Fernando Henrique Cardoso, o que provocou pronunciamentos contundentes do saudoso governador Miguel Arraes de Alencar, um dos raros homens público de conduta irrepreensível. Difícil calcular a falta que faz um político com a sua envergadura moral nesses momentos bicudos que o país atravessa, onde, para se viabilizarem politicamente consoante as regras ditadas por essa nefasta agenda neoliberal, os atores políticos - inconsequentemente - se submetem às manobras mais vis, subtraindo direitos dos trabalhadores e dilapidando o que ainda resta do patrimônio nacional. Além dessa agenda de privatizações anunciadas, no dia de ontem, o Governo Temer desabilitou uma área de reserva ambiental no Pará - para exploração mineral - equivalente em tamanho ao Estado do Espírito Santo. De uma canetada só, tomou uma medida capaz de provocar consequências ambientais de dimensões incalculáveis.  

Como isso tornou-se possível? Eis aqui uma pergunta que os brasileiros precisam responder o quanto antes. Em entrevista concedida a uma rádio local, o ex-prefeito de Petrolina, Júlio Lócio, indaga sobre a legitimidade deste governo para a adoção dessas medidas. De fato, legitimidade não há, mas é justamente este aspecto que permite a aplicação de uma agenda tão danosa aos interesses dos brasileiros. São medidas típicas de Governos de Exceção. Jamais poderiam ser negociada em praça pública, referendada através das urnas. Se, numa ponta, o ministro que propõe a privatização da CHESF ainda continua filiado ao PSB, na outra ponta o Deputado Federal Danilo Cabral(PSB) está propondo uma frente parlamentar contrária à medida. É preciso muita habilidade política para definir as formas corretas de enfrentamento, em razão das condições tão desfavoráveis em que se encontram as forças de oposição a este Governo, a população de um modo geral, assim como os movimentos sociais identificados com a soberania popular, ainda não recuperadas do duro golpe.

Alinhamento programático no país é uma grande utopia. Desde o início que se sabia qual era a agenda de prioridades desse Governo. A bandeira de combate à corrupção, como se sabe, era um pano de fundo da pior cueca, dessas vendidos pelos camelôs nas pontes do Recife. As atitudes de alguns socialistas do PSB - salvo raras e honrosas exceções - parecem indicar que eles estão diante de falsos dilemas. Apoiaram o afastamento da presidente Dilma Rousseff(PT), num processo de impeachment dos mais controversos, assim como emprestaram apoio ao Governo em diversos momentos de votação de pautas congressuais. Apenas mais recentemente é que sua direção resolveu endurecer o discurso contra os parlamentares governistas da legenda, aqueles que votaram pelo não prosseguimento da denúncia de corrupção passiva formulada pela PGR contra o presidente Michel Temer. O processo é tão dantesco que esses deputados dissidentes, liderados pelo senador pernambucano Fernando Bezerra Coelho(PSB), já estão de malas prontas para desembarcarem numa outra legenda, para se sentirem mais confortáveis com essa agenda. 

Profundo conhecedor desse mitiê fisiologista, o presidente Michel Temer (PMDB) manobra com uma desenvoltura incomum. Ele é doutor em direito constitucional, mas nas manhas peemedebistas ele já deve ter concluído alguns pós-doctor. O assédio aos dissidentes socialistas, por exemplo, criou uma rusga dentro da própria base governista, mais precisamente com os Democratas, que desejam os seus passes. Ao se sentir em apuros - em razão da dissidência de deputados tucanos paulistas que ameaçavam votar pelo prosseguimento da denúncia contra ele - procurou o governador Geraldo Alckmin para socorrê-lo. Refeito, no momento seguinte, aproxima-se perigosamente de sua cria política, o prefeito João Dória Jr.(PSDB), com o propósito de convidá-lo para integrar a legenda peemedebista e concorrer à Presidência da República nas eleições de 2018. Em momentos assim, quando sofria uma refrega implacável dos seus algozes, a ex-presidente Dilma Rousseff(PT) resignava-se às circunstâncias políticas das quais era vítima.

Como se sabe, o Rio São Francisco é um rio que agoniza. Perdeu mais da metade das espécies de peixes que habitavam as suas águas; a mata ciliar que o protegia foi brutalmente comprometida; a vazão e a qualidade de sua água foi sensivelmente alterada ao longo dos anos. Não é incomum o encalhe de embarcações que tentam navegar em suas águas. Antes mesmo do início das obras de transposição, já havia um conjunto de técnicos que se contrapunham à medida, alegando, justamente, sua inviabilidade. Hoje já se fala até mesmo que outros rios - como o Tocantins - possa suprir suas necessidades hídricas. Mas, como tudo que está ruim ainda pode piorar, agora vem a proposta governamental de privatização da CHESF que, em última análise, incorre na privatização das águas do velho Chico. Naqueles "tempos", o ex-governador Miguel Arraes já alertava para esse escárnio.  

A princípio, a proposta do Ministro das Minas e Energias, Fernando Filho(PSB), atende a alguns pressupostos claros. O primeiro deles diz respeito ao cumprimento de uma agenda neoliberal que prevê, entre outras coisas, a minimização do aparelho de Estado, com a privatização dos seus ativos. O novo pacote de privatizações é extenso, atingindo a Eletrobras, estradas, aeroportos e até a Casa da Moeda. Visam cobrir o rombo nas contas públicas, provocados, em algum sentido, pela corrupção endêmica do país. Essa história de que as tarifas poderão baixar com a privatização é uma grande balela. Na realidade, o ônus político a ser pago pela privatização de uma empresa como a CHESF será muito alto para a família Coelho, um clã que atua na vida política do Estado há décadas, notadamente na região do Sertão do São Francisco. 

Apenas uma grande mobilização popular de atores e instituições poderiam reverter essa situação. Por incrível que possa parecer, no momento, a única resistência enfrentada pelo Governo Temer diz respeito à sua base fisiologista, preocupadas com os "cargos" - indicados politicamente - que serão perdidos com o processo de privatizações dessas estatais. A Eletrobras, inclusive, era um feudo da oligarquia comandada pelo ex-presidente José Sarney, do PMDB do Maranhão. Ações como as do Deputado Federal Danilo Cabral no sentido de recolher assinaturas de parlamentares contra a medida, assim como a ação movida pelo Instituto Miguel Arraes, comandado pelo escritor Antonio Campos, que visam impedir a privatização da estatal, são muito bem-vindas. Vamos aguardar agora a mobilização dos movimentos sociais, dos parlamentares pernambucanos, assim como do atuante sindicado da categoria. Vamos arregaçar as mangas, Fernando Ferro. 

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Editorial: O racha no ninho tucano.


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O termo "partido político" está tão desgastado que nem os próprios partidos o suportam mais. Praticamente todos os grêmios partidários estão a procura de um mecanismo pelo qual possam se apresentar melhor ao eleitorado, numa espécie, digamos assim, com uma roupagem nova. Todos sabem que o conteúdo continuará sendo o mesmo, mas, com uma nova roupagem - aliada às verbas do fundo partidário e uma boa campanha publicitária - pode-se operar milagres.Por incrível que possa parecer, esta tendência ainda não se tornou perceptível no ninho tucano, quem sabe em razão dos problemas provocados pelas divisões internas do grupo. Ontem, em sua coluna, numa expressão feliz, o jornalista Josias de Souza observou que talvez devêssemos usar a expressão "ninho de víboras" ao invés de ninho tucano, dado o teor do veneno das escaramuças ali perpetradas. 

Ao analisarmos o andar da carruagem política, certamente não encontraremos algum exagero nas palavras do jornalista. Houve um tempo em que a briga no ninho tucano era uma briga de café com leite, envolvendo as pretensões presidenciais de dois nomes felpudos da legenda. Um outro dado é que essas disputas eram decididas pelos próprios tucanos, através das instâncias partidárias pertinentes. Hoje, há alguns estranhos no ninho como, por exemplo, o presidente Michel Temer, que resolveu alinhar-se - ou aninhar-se? - com setores daquela agremiação, tramando contra seus adversários que controlam a máquina partidária, num processo legitimado pelos companheiros, como é o caso do senador cearense, Tasso Jereissati. 

As constantes conversas entre o senador Aécio Neves(PSDB-MG) e o Presidente da República, Michel Temer(PMDB), como não poderia ser diferente, provocaram um grande tsunami no ninho tucano. Vieram à tona algumas notas "duras", emitidas pela regional paulista do partido, sugerindo ao senador mineiro que, primeiro, tratasse de provar sua inocência - numa referência aos grampos da JBS - antes de negociar pelo partido, uma prerrogativa indevida a quem foi afastado da direção e afastado do próprio cargo que ocupa, retomando-o após uma decisão do STF. O episódio tem provocado uma onda de apoio de aves emplumadas do ninho tucano ao senador cearense.Até opositores de outros grêmios partidários, como é o caso do deputado federal Jarbas Vasconcelos, emprestaram sua solidariedade a Tasso Jereissati. 

Uma outra frente de batalha são as eleições presidenciais de 2018. Criador e criatura disputam palmo a palmo a indicação do partido para concorrer àquelas eleições. Estamos tratando aqui, naturalmente, do governador Geraldo Alckmin e do prefeito João Dória Junior. O problema assume uma grande complexidade, uma vez que o andar da carruagem política indica não apenas uma disputa nas hostes partidárias, mas extrapola para outros interesses em jogo, como a "unção" do capital sobre o nome do empresário João Dória, que vem se configurando numa espécie de novo Maurício Macri - sob a perspectiva do stablishment,  um nome ideal para substituir Michel Temer - com a vantagem de vir a ser "legitimado" pelas urnas, assim como ocorreu naquele país, quando a direita chegou ao poder através de eleições "livres". 

Sabedor desses afagos, Dória já se movimenta como candidato, independentemente das rusgas internas que poderão ser geradas no interior da agremiação tucana. Não descarto a hipótese de que ambos, Dória e Alckmin, possam bater chapa nas próximas eleições presidenciais. Nem mal esquentou a cadeira de prefeito, o empresário já vem programando essas viagens pelo país, numa demonstração inequívoca de que a possibilidade de uma candidatura o agrada.  

Charge! Laerte via Folha de São Paulo

Laerte

O xadrez político das eleições estaduais de 2018, em Pernambuco: Os aliados pernambucanos do engomadinho




José Luiz Gomes da Silva

Cientista Político



Ainda repercute bastante um artigo publicado aqui pelo blog no último final de semana, tratando das próximas eleições estaduais de 2018. Creio que o interesse se justifica, sobretudo, em razão de abordarmos, naquele artigo, uma espécie de rearranjo na correlação de forças que devem disputar, pela oposição, o Palácio do Campo das Princesas, em 2018. Não há ainda uma confirmação oficial sobre o que escrevemos, mas, a rigor, os últimos movimentos dos atores políticos relevantes aqui no província sugerem que possamos estar certos sobre as nossas conclusões mais gerais, com algum equívoco pontual, perfeitamente assimilável. E olha que esses atores foram capazes de movimentos expressivos no tabuleiro do xadrez da política pernambucana. A conjuntura política nacional, por sua vez, em alguns casos, converge com esses movimentos provincianos.
 
Nem o governador Paulo Câmara(PSB), tampouco o prefeito do Recife, Geraldo Júlio(PSB) estiveram prestigiando a homenagem do Lide-PE ao prefeito de São Paulo, João Dória Júnior(PSDB), ocorrida recentemente, quando de sua visita ao Recife. Um gesto que pode ser lido como um alinhamento com o governador Geraldo Alckmin(PSDB), caso seja firmado algum acordo aliancista entre os tucanos e os socialistas, num contexto de uma eventual candidatura presidencial, com reflexos aqui noa província. Vão longe aqueles tempos em que as rusgas no ninho tucano se resumiam a um embate de café com leite. O partido está cada vez mais cindido, sobretudo depois das indisposições provocadas pelos encontros nadas fortuitos entre o presidente Michel Temer e o senador mineiro, Aécio Neves(PSDB), que não responde mais pela direção da legenda, mas se arvora de articulador e interlocutor do partido. A direção paulista da legenda emitiu uma dura nota, repudiando o comportamento do senador mineiro, insinuando que ele tratasse primeiro de provar sua inocência antes de falar pela agremiação.

 
Existe uma ala governista no partido e outra que aconselha o desembarque do Governo Temer. Seus parlamentares estão cindidos praticamente pela metade. O partido ainda ocupa 04 ministérios e isso também está provocando um grande desconforto entre os fieis escudeiros do presidente Michel Temer(PMDB). O baixo clero fisiológico que apoiou a rejeição do pedido de investigação que corria na Câmara dos Deputados contra o presidente, preiteiam um melhor tratamento que, neste caso, se confunde com verbas e cargos. É a única linguagem que esses parlamentares entendem. Há apenas duas leituras possíveis dessas articulações entre o presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves: uma retomada do controle da legenda pela ala favorável ao Governo, apeando o senador Tasso Jereissati de suas funções; ou a debandada do grupo para outro grêmio partidário - quiçá o PMDB - para que eles continuem onde sempre estiveram, alinhando-se a uma coalizão palaciana de apoio a um possível sucessor de Temer.

 
Não alheio o que se passa em Brasília, o Ministro das Cidades, Bruno Araújo(PSDB) já se movimenta como candidato, dizem, ao Senado Federal nas eleições estaduais de 2018. A configuração de forças que está agregada a essa possível chapa que concorrerá ao Governo do Estado nas eleições de 2018, pela oposição, reúne, a rigor, nomes bastante ligados ao Palácio do Planalto, como o Ministro da Educação, Mendonça Filho(DEM); Armando Monteiro(PTB), que votou a favor do Governo na Reforma Trabalhista; o senador Fernando Bezerra Coelho(ainda PSB), apoiador inconteste do Governo Temer, razão pela qual abriu uma dissidência no próprio partido; e o Deputado Federal Augusto Coutinho, do Solidariedade. Boa parte desse grupo esteve presente na homenagem ao prefeito João Dória Júnior(PSDB) e num simbólico encontro num restaurante recifense, possivelmente arrematando a composição da chapa, discutida em nosso último artigo de monitoramento das próximas eleições estaduais. 

 
Como afirmamos em editorial, o prefeito paulista parece ser mesmo o nome "ungido" pelo conjunto de forças que chegaram ao poder através do golpe institucional de 2016. Seu nome já está viabilizado como concorrente, sendo apenas um detalhe a escolha do grêmio partidário pelo qual ele deve disputar a Presidência da República. Convites já foram formulados pelo PMDB e pelo DEM, que poderá vir a ser chamado de "Mude", seja lá o que isso possa representar para um partido de DNA conservador, alinhavado às forças golpistas desde sempre. Um representante da família Lyra, de Caruaru, João Lyra Neto, esteve presente às homenagens ao prefeito paulista, o que nos levam a concluir que o grupo, apesar das últimas mudanças, continua afinado com a Conspiração Macambirense, que poderia ter agora um outro nome como cabeça de chapa, uma vez que um representante do clã dos Coelhos assume a liderança da chapa. 


Tudo nos levam a concluir que esse realinhamento das forças oposicionistas do Estado estão umbilicalmente alicerçado num possível projeto presidencial do prefeito de São Paulo, João Dória Júnior(PSDB). Como disse, praticamente o prefeito paulista corre em raia própria, independentemente das divisões internas do ninho tucano. Convém sempre ficar atento ao fato de que o presidente Michel Temer(PMDB) é do ramo e articula-se o tempo todo. Quando esteve com a cabeça a prêmio, pediu socorro ao governador Geraldo Alckmin, que apoia o respeito às prerrogativas de Tasso Jereissati como presidente do partido. Num lance seguinte, sempre de acordo com as conveniências de ocasião, procurou o senador Aécio Neves para tratar dos problemas relacionados à CEMIG, ou seja, dar uma rasteira em Tasso. Mesmo sabendo que o DEM entabulava negociações com os dissidentes socialistas, não se fez de rogado em oferecer aos dissidentes abrigos no PMDB. 

Michel Zaidan: Escola de partidos, sem partido ou de partido único?





 
Acabamos de realizar, na semana que passou, um grande seminário sobre o "Centenário da Revolução  Russa" (vide o balanço dessa extraordinária experiência histórica nos  portais Astrojildo Pereira e Maurício Grabois). Foi um evento que contou com a participação de inúmeros estudiosos e pesquisadores das idéias políticas oriundos de várias universidades da região (UFRN,UFAL,UFCG, UFRPE e UFPE). Discutiu-se de uma perspectiva crítica os desdobramentos e desvios daquela   grande   revolução, com as idéias inspiradoras do movimento. No entanto, o que mais chamou a atenção foi a atitude de um grupo de jovens libertários (anarco punk) que, de maneira muito enfática e agressiva, acusava a mesa de "doutrinação ideológica" pelo simples fato de discutir a ocorrência da revolução e as idéias que ajudaram a fazê-la. Na  mesa, havia defensores  dos anarquistas e críticos da repressão ao movimento anarquista na Rússia.

Apesar disso, foi  trocado o embate franco e honesto de concepções e idéias pela acusação de partidarismo. É bom lembrar que, conforme a lição de um pensador italiano, a escola é o lugar por excelência da  disputa sadia de projetos de hegemonia. Nunca a imposição de uma único projeto. Neste sentido, não existe uma escola neutra. O aparelho escolar, como outros aliás, são atravessados de ponta a ponta pelo conflito de concepções e idéias. E o triunfo de uma delas é sempre provisório, não definitivo. A cada projeto de hegemonia política ou cultural, corresponde um contra-projeto. E assim a luta recomeça. A acusação dos jovens anarquistas serve como uma luva aos defensores da chamada "escola sem partido", pois ignora ou subestima o processo de disputas ideológicas e culturais que existe no interior das instituições públicas ou privadas. Mais ainda, no campo ciências humanas, também chamadas de "hermenêuticas" ou " interpretativas", porque lidam com valores, com a tradição e o horizonte cultural da   humanidade. Querer uma escola asséptica, arredia à disputa sadia das idéias, aí sim é uma ideologia totalitária, disfarçada de "escola sem partido".  Talvez devêssemos dizer "escola de partido único", que vai empurrar "goela abaixo"  dos estudantes a sua ideologia "sem ideologia".

É preciso  muito calma, nesses tempos sombrios e obscurantistas, com esse debate. Num momento em que se discute a intolerância e a falta de respeito pelo diferente, a imposição, sem debate ou discussão, de qualquer projeto ou ideia é um grande risco para a liberdade de pensamento e de expressão. Todas as idéias são convidadas a se apresentar ao debate, de preferência com bons e sólidos argumentos. Que  a comunidade dialógica dos cidadãos e cidadãs as ouça e tire suas conclusões. A isso se chama o processo racional de formação da vontade política da sociedade. A esse processo está associado a noção de "espaço público", lugar de preferência onde se formam os consensos em torno de agendas públicas. Naturalmente, essa noção não se confunde com o trabalho dos meios de comunicação de massa, numa economia de mercado desregulada como a nossa. Estas agências ideológicas - também chamadas de  "indústria cultural" - estão a serviço do mercado e de interesses não necessariamente republicanos,  embora disfarce a sua pregação com a aparência de produtoras de material informativo e neutro.

A neutralidade dessas agências é parecida com a da "escola sem partido": ou seja é uma pseudo-neutralidade; é uma neutralidade a serviço de um imperativo de poder bem definido, mas que aparece como uma opção, entre várias. É mais necessário do que nunca questionar essa aparente neutralidade. E defender com unhas e dentes  as liberdades civis no País, entre elas a livre manifestação do pensamento, sob pena de sucumbirmos diante de uma noite longa, onde aparentemente todos os gatos serão pardos e miam do mesmo jeito.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Editorial: O muro da vergonha.




A edição de hoje, 21, do jornal Folha de São Paulo, traz uma matéria que, certamente, irá suscitar muitos debates dentro e fora dos círculos acadêmicos. Trata-se um grandioso muro, de 10 metros de altura, que está sendo erguido na capital do Peru, Lima, cujo objetivo é separar os contingentes de pobres favelados e ricos que ocupam a mesmo altiplano. Em última análise, visa proteger os ricaços de possíveis investidas da população mais empobrecida que divide aquele mesmo território. Consoante o raciocínio desses últimos, naturalmente.  Se considerarmos a atual conjuntura político-econômica pela qual passamos, a tendência é que "experimentos" do gênero talvez se espalhem por outras praças, uma vez que cada vez mais parcelas significativas da sociedade estão sendo literalmente abandonadas, como consequência da radicalização da adoção de uma agenda neoliberal que não denota o menor comprometimento com a construção da cidadania. 

Existem alguns outros "Muros da Vergonha" construídos pelo mundo, mas este nos parece mais "vergonhoso", uma vez que tem origem no apartheid social, fomentador de uma grande onda de preconceito e intolerância contra índios, pobres, negros, mestiços, favelados e outras minorias sociais. A motivação de erguer os outros muros da vergonha estão mais associadas às questões de natureza política, como o construído pelo Estado de Israel, assim como aquele que pretende ser construído pelo presidente americano, Donald Trump, sob o pretexto de controlar  o fluxo de migração irregular pela fronteira do país vizinho, o México. A novidade deste muro construído no Peru é que, no final e ao cabo, ele ratifica ou institucionaliza a vergonhosa acumulação desproporcional dos recursos produzidos socialmente, o que gera essas distorções entre pobres e ricos. 

O mais grave é que este muro está sendo construído com o beneplácito do aparelho de Estado, hoje completamente aprisionado pelos interesses mais vis do capital, através das grandes corporações financeiras, não raro sob regimes políticos de exceção. Como se sabe, o Estado está em processo de desoneração de suas funções mais elementares, suprimindo direitos, abandonando completamente a perspectiva de cuidar dos contingentes sociais mais desfavorecidos, proporcionando um mínimo de justiça social que seja. O Estado de bem-estar social, que conheceu seu apogeu no continente em décadas passadas,hoje, enfrenta um grave assédio da elite econômica, que conseguiu subjugar a política e o judiciário consoante os seus interesses mais mesquinhos. 

Talvez anda haja algum fôlego aos organismos de direitos humanos internacionais para interferirem nessa questão, tomando medidas contra o Governo peruano, no sentido coibir a construção desse Muro da Vergonha. O direito à cidade - o que equivale dizer o direito à cidadania - a princípio deveria ser um direito de todos, pobres ou ricos. É importante ressaltar que essas práticas de corte higienista na ocupação do traçado urbano remontam a um passado remoto e nebuloso - salvo melhor juízo no bojo dos enfrentamentos aos movimentos insurgentes franceses, que tanto inspiram Karl Marx - sempre concebidas como estratégia de limpeza do espaço urbano, facultando, inclusive, a mobilidade do aparato repressor do Estado,em sua repressão contra aqueles que resolveram ocupar, legitimamente, esses espaços, lutando por seus direitos. As chamadas "barricadas" de Paris constituem-se num bom exemplo do que estamos afirmando. 

Movido por este mesmo ódio, os chamados filhinhos de papai saem por aí agredindo empregadas domésticas, ateando fogo em índios, assassinando crianças em situação de rua, matando homossexuais ou "nordestinos", em práticas identificadas com o fascismo. Em seminário recente na Fundação Joaquim Nabuco, um palestrante observou que, somente neste período do ano, 244 LGBTTs já foram assassinados, numa média de um por dia. Estupros coletivos já atingem a média de 10 por dia. Na atual conjuntura, cabe a pergunta: A quem caberá o exercício do poder moderador nesse retorno à barbárie?  

domingo, 20 de agosto de 2017

Paranoia sexual

                                 
Edição do mês

Paranoia sexual
Arte Andreia Freire


Há alguns meses foi publicado nos Estados Unidos um livro tão interessante quanto preocupante: Unwanted advances: sexual paranoia comes to Campus, da professora feminista Laura Kipnis. O livro é uma mistura de ensaio e relato de tribunal; no caso, o tribunal em curso nas universidades americanas, fruto de uma mudança recente numa legislação específica para os campi. Um tribunal que só produz julgamentos de exceção, mantidos na obscuridade porque se revelam insustentáveis sob o escrutínio público. Laura Kipnis compara o que está acontecendo nessas universidades a momentos inglórios da história americana, períodos de delírio coletivo em que perseguições e punições são instauradas por meras delações, os indivíduos perdem direitos fundamentais, as instituições fraquejam e reina uma violência arbitrária e oficialmente sancionada.
O livro nasceu de um caso concreto, que envolveu a própria autora. No começo de 2015, ela publicou, num veículo de sua universidade, Northwestern (onde dá aulas de cinema), um artigo sobre o que ela identificava como uma onda de paranoia sexual nas universidades americanas. A autora criticava uma recente mudança na legislação, que, combinada a certa perspectiva feminista, vinha “infantilizando os estudantes”, subindo o “clima de acusação” e “aumentando largamente o poder dos administradores da universidade sobre nossas vidas”. Explico. Já há várias décadas existe nos Estados Unidos uma legislação chamada Title IX, sob responsabilidade do Departamento de Educação, e originalmente criada para regular questões de igualdade de gênero nas universidades americanas. Em 2011, entretanto, promoveu-se uma mudança na lei, que passou a abranger também problemas de relações sexuais nos campi: desde estupros, passando por qualquer forma de avanços sexuais indesejados, até, como veremos, o mero uso de linguagem sexual.
Concomitante a essa mudança, estabeleceu-se nas universidades uma perspectiva feminista que enfatiza a passividade da mulher, sua fragilidade, sua posição desfavorecida nas relações de poder, e, assim, as consequentes incapacidades de tomar decisões, exposição a manipulações psicológicas e até inabilidade de consentir relações sexuais. Era essa a articulação criticada por Laura Kipnis. A legislação imprecisa e overreaching somada à perspectiva passiva da mulher teria criado um clima de paranoia sexual nas universidades.
Semanas após a publicação do texto, ela recebeu um comunicado da universidade dizendo que duas alunas haviam instaurado um processo contra ela, dentro da legislação Title IX. Vejam bem: um processo contra um artigo. As práticas de no platform (tentar impedir determinadas falas em âmbito universitário) não são novidade. Mas elas se voltam contra falas escancaradamente preconceituosas (os Bolsonaros da vida), contra posições cerceadoras de direitos, contra visões antimodernas, tradicionalistas, desigualitárias. Nesse caso, alunas feministas tentavam censurar ideias de uma professora feminista. Além do processo, houve um protesto no campus contra o artigo. As estudantes marcharam até a reitoria e exigiram uma “condenação pronta e oficial” do texto.
Foi a partir desse episódio que Kipnis tomou contato com o mundo secreto do Title IX. A notificação do processo vinha acompanhada de um ameaçador aviso de confidencialidade, sob pena de expulsão da universidade. À medida que o processo foi se desdobrando, a autora percebeu que estava distante dos termos de um due process; antes estava diante de um julgamento de exceção, em que o acusado não sabe que acusações pesam contra ele até o momento de ser interrogado; não tem direito a ser acompanhado por um advogado; não pode gravar as sessões; em algumas universidades não pode apresentar material (como mensagens de texto etc.) em seu favor; não pode confrontar testemunhas; e não pode falar publicamente sobre o caso. A confidencialidade é, portanto, parte de uma estratégia de intimidação por parte dos acusadores, e de blindagem por parte dos burocratas que o conduzem. Assim, com medo, nenhum professor antes havia tornado público um processo como esse. Pois o livro de Kipnis abre essa caixa de Pandora.
O sentido geral do livro é o de uma denúncia grave. A distorção radical de problemas e princípios instaurou uma dimensão de exceção na vida universitária americana, em que professores e alunos são severamente punidos em julgamentos farsescos, de cartas marcadas. O campus se tornou “uma secreta cornucópia de acusações”. E essas acusações são tratadas como verdades acima de qualquer suspeita, não importando o quanto as evidências concretas atestem sua inconsistência.
Nesse clima, pululam casos como os seguintes. Um estudante de graduação que entrou com uma ação contra uma professora por ela ter dançado “muito provocativamente” numa festa off-campus. Uma professora que levou um processo acusada de ter feito “contato visual suspeito” com duas estudantes de graduação, enquanto sussurrava em seus ouvidos (acontece que isso se deu numa biblioteca). O caso em que um aluno e uma aluna tiveram sexo consensual, mas uma terceira pessoa avistou uma mancha roxa (o popular “chupão”) no pescoço dela e entrou com um processo de abuso sexual, mesmo contra o interesse da aluna (o rapaz, negro, foi suspenso por vários anos e teve sua carreira como atleta encerrada). Etc., etc.
Mas, como sempre, são os casos-padrão que assustam mais (os caricatos são, afinal, supostamente a exceção). E é um deles o centro do livro de Kipnis.
Um professor de filosofia de Northwestern foi acusado por uma aluna de a ter forçado a se embriagar, de a ter agarrado e, em consequência disso, de ser responsável por ela ter se atirado num lago, tentando o suicídio. Seria impossível aqui retomar o exame detalhado que Kipnis faz do caso, revelando sua inconsistência. Alguns dados: a estudante em nenhum momento foi propriamente forçada a beber; apenas alega ter “se sentido” obrigada. Ela acusa o professor de tê-la agarrado no elevador do prédio dele. Ele nega. Mas, como o processo é extremamente desigual, ele não pôde requisitar a prova material das imagens da câmara de segurança, para provar o contrário (nada de due process: é tudo feito para não dar qualquer chance ao acusado). Já no julgamento civil, fora do campus, no qual o acusador também é interrogado, a suposta cena da tentativa de suicídio revelou-se bastante inconsistente: a aluna não lembrava que roupa usava, se o lago estava congelado, e a suposta testemunha que a ajudou a sair do lago nunca apareceu. Entre diversas outras inconsistências.
Enquanto se desenrolava esse caso, outra aluna processou o mesmo professor. Dessa vez, a acusação foi de estupro. Eis o contexto. Professor e aluna (ela era aluna da mesma universidade, mas não dos cursos dele) mantiveram uma relação amorosa durante três meses. A aluna negaria isso, diria que a relação era estritamente de amizade e orientação intelectual. Entretanto há dezenas de mensagens de texto provando o contrário: “Eu te amo”, “Te amo tanto”, “Nós fomos feitos um para o outro”. Certa noite, eles haviam bebido e tiveram uma discussão (porque a aluna tinha um namorado fora da cidade e estava em dúvidas sobre com quem ficar). Ela acusa o professor de a ter estuprado nessa noite, porque acordou na cama dele, sem roupa. Ela não lembra se houve sexo, mas acha que houve, e acha que não consentiu.
Pois bem, o professor foi dormir em um hotel nessa noite por causa da briga. Ele apresentou o recibo do pernoite no hotel. Apresentou também as mensagens dela no dia seguinte, mensagens amorosas, que nada revelam de anormal. E o que faz a juíza do caso? Conclui que houve estupro. Antes de o processo chegar ao fim, o professor pediu demissão, foi morar no México e teve sua carreira universitária encerrada.
Para Kipnis, o que está acontecendo é da ordem de uma profecia autocumprida. Existe um ideário de fundo: “sexo é perigoso, pode traumatizar para sempre”, que acaba produzindo episódios de “abuso sexual”, que de outro modo jamais seriam assim considerados. Coisas absurdas mesmo, desde piadas sexuais, passando pelo mero uso de termos sexuais, até retiradas retrospectivas de consenso. Sim, pois sob essa perspectiva de um feminismo passivo, no contexto de uma sociedade patriarcal, as condições de produção de consenso são ilegítimas, logo o consentimento ao sexo pode ser sempre retirado après coup – e assim todo homem que fez sexo consentido com uma mulher pode de repente descobrir que a estuprou. E ser criminalizado por isso.
Opondo-se a esse estado de coisas, Kipnis propõe uma perspectiva feminista que não perca a agenda da mulher dona de seu desejo, empoderada – em vez de, como um personagem nietzschiano, exercer um poder triste por meio do papel do desempoderamento.

(Publicado originalmente no site oficial da revista Cult)

Le Monde: Os povos indígenas, emparedados pela crise política no Brasil

 

Os direitos dos povos indígenas às suas terras foram garantidos por todas Constituições brasileiras desde 1934, e eles foram declarados mesmo nos tempos coloniais. A Constituição de 1988 declara que os direitos indígenas são “originários”, isto é, ela reconhece que eles preexistem, como os diferentes cantões suíços, ao próprio Estado. O papel deste não é o de garantir aos povos indígenas direitos territoriais, e sim o de reconhecê-los.
por: Manuela Carneiro da Cunha
18 de agosto de 2017
Crédito da Imagem: Agência Brasil


Após duas décadas de ditadura militar, a  Constituição de 1988 consagrou os direitos humanos e a proteção do meio ambiente. Apelidada de Constituição Cidadã, expressou a esperança de um regime de justiça e democracia. Trinta anos depois, ela já sofreu múltiplas distorções: seus termos não são observadose, mais grave ainda, emendas constitucionais e outras normas tentaram desfigurá-la.

Conflitos de terra são endêmicos.
Muitos conflitos envolvem a terra e o seu uso, e a que está fora do mercado é especialmente cobiçada: isso inclui as terras indígenas e dos quilombos, unidades de conservação , bem como lotes distribuídos pelo programa nacional de reforma agrária. Todas essas terras são agora alvo de novas propostas legislativas.
Na Amazônia, vários atores invadem  as terras protegidas; os grileiros, que as tomam ilegalmente falsificando documentos; os madeireiros clandestinos, que pilham as madeiras nobres, e prospectam a região com métodos cada vez mais sofisticados; os mineradores de ouro, bauxita,  e de outras riquezas.         O agronegócio, soja e gado à frente, reclama cada vez mais espaço para suas atividades. Ele já ocupa a maior parte de outro ecossistema valioso, o Cerrado, e afeta poderosamente a Amazônia ocidental, especialmente o Pará.
Em outras áreas, os conflitos surgem também de evicções mais antigas. Esse é o caso do Centro-Oeste, que inclui o Mato Grosso do Sul, e também do oeste do Paraná. Esse território foi colonizado com apoio do governo durante a década de 1940. O povo Guarani foi violentamente removido e confinado em pequenas reservas. Tentou por décadas recuperar suas terras. Os atuais ocupantes, com ajuda de milícias privadas, estão lutando contra eles. O resultado é uma série de assassinatos. Esta tragédia foi bem documentada no recente filme de Vincent Carelli, “Martírio”.
Tais conflitos são endêmicos, e não apenas o resultado de invasões recentes de terra pública.  Durante os debates da última Constituinte, os direitos dos povos indígenas já sofriam oposição das mineradoras e dos  interessados no setor de infraestrutura. Vieram recentemente a público as lucrativas propinas envolvidas na construção de usinas hidrelétricas e as ligações entre os partidos políticos e os promotores disto que, no Brasil, ainda se chama de “desenvolvimento”.
Violando cada vez mais as terras dos povos indígenas, a política da construção de hidrelétricas remonta aos anos 1970 e ao período da ditadura militar. Essa política é importante particularmente para a indústria da mineração e o agronegócio. Ela foi ressuscitada perto do fim do segundo mandato do Presidente Lula, com a usina hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu e duas usinas no rio Madeira, que, novamente, impactaram sociedades indígenas e as comunidades dos ribeirinhos. A atual crise econômica suspendeu o plano de mais cinco grandes usinas na bacia do Tapajós, que afetariam diretamente o povo Munduruku.
Algumas propostas de emenda constitucional (PEC) foram deixadas em suspenso por anos ou décadas, esperando o momento propício para entrarem na agenda da Câmara dos Deputados. A PEC 215, uma das piores que atualmente ameaçam as terras indígenas, foi proposta originalmente no ano de 2000. Decisões sobre demarcação dessas  terras sempre foram atribuição do Poder Executivo, porém a PEC 215 daria esse poder ao Legislativo, no qual o agronegócio – em aberta oposição aos interesses dos povos indígenas – é fortemente representado. A emenda exigiria até mesmo que o Congresso ratificasse as terras indígenas que já estão demarcadas. Rejeitada quando originalmente passou pela Comissão de Constituição e Justiça, a proposta de emenda foi ressuscitada quinze anos depois pelo Presidente da Câmara dos Deputados, atualmente preso e condenado por corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, e enviada novamente para a Comissão. Não foi surpresa que ela fosse aprovada dessa vez.
 
Um  nível de violência crescente.
Para entender o aumento da violênciano Brasil rural, é necessário ter em mente o contexto: uma crise política sem precedentes. Essa crise causa estragos em várias áreas da vida no Brasil, e as populações tradicionais e o meio ambiente estão sendo especialmente afetados.
De forma crescente, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal têm sido ocupados por um número de deputados e senadores que – independentemente de suas filiações partidárias –  votam como um bloco em certos projetos legislativos Esses representantes eleitos constituem a Frente Parlamentar da Agropecuária,  que é conhecida  como “bancada ruralista”. Esta expressa os interesses dos grandes proprietários de terras, envolvidos principalmente em pecuária extensiva e grandes plantações de soja, milho e cana-de-açúcar, que são a face pública do agronegócio brasileiro, mas que inclui também setores de insumos e de distribuição com  Cargill, Bunge, Syngenta e outras empresas. Sob a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), os grandes proprietários de terra apresentam-se como atores chave econômicos, que trazem divisas estrangeiras em um período caracterizado pela recessão e pelo desemprego massiçoque, pela primeira vez, ultrapassou 13%. Seu poder econômico traduz-se em poder político, especialmente na legislatura. Sua plataforma inclui o fim de novas demarcações de terras indígenas, a extinção da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), uma redução no tamanho das áreas de conservação ambiental e o afrouxamento do direito ambiental.
Ao longo dos últimos 10 anos, enquanto a bancada ruralista ganhava em poder parlamentar, as populações tradicionais e o meio ambiente sofriam ataques cada vez mais robustos. Associações de defesa do meio ambiente e os povos indígenas sofreram também derrotas notáveis como a adoção em 2012 de um novo Código Florestal e a anistia de crimes ambientais já cometidos. Tudo se passa como se, nos últimos seis mandatos presidenciais – de Fernando Henrique e Lula a Dilma Rousseff – as áreas das Teras Indígenas demarcadas fossem inversamente proporcionais ao crescimento do poder econômico e político do agronegócio. Fernando Henrique quebrou recordes na escala de demarcação de terras indígenas, beneficiando-se do apoio financeiro do governo alemão para esse fim. Lula, em seu primeiro mandato, aumentou o número de unidades de conservação. Ele também ajudou a resolver uma disputa de 30 anos, o que permitiu a remoção dos invasores das terras dos Macuxis, em Roraima. No entanto, o governo de Dilma Rousseff deu poucas indicações de favorecer o meio ambiente, os assentamentos agrários, ou os direitos dos povos indígenas e dos quilombolas.
A atual situação não é portanto nova. O que mudou no jogo foi o impeachment de Dilma Rousseff e a ascensão ao poder do vice-presidente, Michel Temer. Com taxas de popularidade extremamente baixas e acusações de corrupção, ele continua, até o presente momento, mantido no posto pelos setores financeiros e industriais. Como não precisa preocupar-se com a popularidade que nunca teve, e conhecido por seu talento em armar acordos dentro do Congresso, o Presidente Temer tem-se mostrado capaz de impor mudanças altamente impopulares, em especial as reformas trabalhista e previdenciária.
Dos 513 membros da Câmara dos Deputados, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) conta hoje com 231 deputados de diversos partidos. Dos 81 senadores, 25 são da FPA. Além disso, há dois aliados poderosos: os deputados evangélicos e os que defendem o armamento civil. Unidos, esses três formam o que é conhecido como a Bancada BBB, isto é, do Boi, da Bíblia e da Bala. O Presidente Temer busca apoio na Câmara e no Senado distribuindo cargos nos ministérios para partidos aliados e, em particular, concedendo favores à FPA. Seguindo uma prática de Dilma Rousseff, ele se tornou conhecido por editar medidas provisórias, normas editadas pelo Presidente da República que precisam ser aprovadas pelo Congresso Nacional e retornar à Presidência para sanção. Essas medidas abrangem uma grande variedade de assuntos, mas sua característica neste caso é a eliminação de proteção e o afrouxamento da regulação ambiental. Por exemplo, os bancos seriam dispensados de verificar se os projetos que financiam respeitam as normas ambientais.
Uma medida provisória, a 756, amputava grande parte do Parque Nacional e da Floresta (Flona) de Jamanxim na Amazônia Oriental, esta a unidade de conservação mais desmatada do país e com alto grau de conflitos .  O governo acabou por a MP de sua própria autoria citando o apelo de Gisele Bündchen e sem mencionar que seis ex-Ministros do Meio Ambiente e aproximadamente 70 ONGs se haviam manifestado contra a proposta. Como a presidente do STF, Ministra Carmen Lúcia acaba de manifestar  em 16.8.2017um voto segundo o qual a proteção ambiental não pode ser diminuída por medidas Provisórias, pareceria que o presidente Temer se antecipou. Com efeito, ao veto da MP 756 sucedeu um projeto de Lei enviado pelo Executivo em caráter de urgência para recortar a Floresta do Jamanxim. No Congresso, a MP756 já havia aprovado um corte de quase 500.000 hectares na Flona. O projeto de lei que a substituiu em julho propunha amputar a Flona em uns 350.000 hectares, 30% a menos.  Apesar de um acordo prévio da presidencia com o PSDB do Pará, os deputados não se ativeram ao combinado e emendas várias já tentam ampliar o estrago não só na Flona do Jamanxim mas em várias outras unidades de conservação que fazem parte do mosaico criado em 2006 para proteger as florestas e a exploração destrutiva ao longo da BR 163, que permite que a soja do Mato Grosso seja escoada de Cuiabá até o porto de grãos de Santarém, no rio Amazonas. Era previsível que essa estrada, que estava em vias de ser asfaltada,  serviria de ponta de lança para mais destruição da floresta. O governo prometeu que, desta vez, uma barreira seria construída contra o prejuízo trazido pelo projeto e, por isso, oito unidades de conservação forma criadas para proteção.  A iniciativa foi chamada de “BR-163 Sustentável”. Na parte do mosaico mais próxima da estrada, uma invasão de grileiros se fixou. Enquanto o ritmo do desmatamento caía na Amazônia como um todo, essa região teve um forte aumento.  Atualmente, as árvores de madeira nobre se esgotaram, e a área está dominada pela mineração e pela venda de terras griladas. Em vez de reprimir essas violações, o projeto de lei simplesmente legaliza as posses ilegais.
Este caso é eloquente:  primeiro porque cede em uma iniciativa que se pretendia exemplar; mas também  porque é a primeira vez que o executivo explicitamente propõe diminuir a proteção ambiental simplesmente para acomodar as pretensões de invasores. [2]
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).
Em 30 de maio de 2017, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) aprovou um relatório de 3400 páginas que tenta enfraquecer e, se possível, eliminar a FUNAI (Fundação Nacional do Índio). O relatório mira também o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), a autarquia que reconhece terras dos quilombolas e também assentamentos de camponeses sem-terra. O autor do relatório não é senão o próprio presidente da bancada ruralista; em uma versão anterior, ele sugeria a dissolução da FUNAI e a criação de uma instituição diferente. Uma primeira versão do relatório solicitava que o Ministério Público investigasse 100 pessoas, inclusive membros do próprio Ministério Público e dois mortos. Tendo sabiamente excluído os mortos e os promotores, os revisores do relatório chegaram a um número final de 67 pessoas – antropólogos, missionários, indígenas, funcionários da FUNAI e do INCRA, uma ONG e até mesmo o ex-Ministro da Justiça de Dilma Rousseff (que teve uma atuação bem tímida no assunto). A ex-Presidenta, que sempre evitou favorecer as demandas dos povos indígenas, quilombolas e os movimentos dos sem-terra, preocupou-se em mudar de posição na véspera de seu impeachment em maio de 2016. O relatório solicitou o cancelamento das medidas de última hora que ela implementou nesse espírito.Quanto à oposição, que elaborou um extenso relatório paralelo, não conseguiu aprovar nehnhuma emenda diante da maioria ruralista na CPI.
As acusações do relatório têm por foco principal os procedimentos demarcatórios de terras indígenas. Alega-se que os antropólogos encarregados não foram objetivos, e sim agiram como ativistas da causa indígena. Alegou-se que seus dados eram enviesados.
Neste momento, a FUNAI e o INCRA estão ambos seriamente sucateados e com sua capacidade afetada, A FUNAI não tem mais orçamento para dar conta de situações complexas, como os primeiros ou novos contatos com sociedades indígenas referidas como “povos isolados”, que aprecem ser abundantes no sudoeste da Amazônia. Victoria Tauli-Corpuz, Relatora Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, declarou recentemente que a FUNAI está tão enfraquecida que os povos indígenas não têm mais proteção alguma.

Aumento de conflitos no campo e do desmatamento na Amazônia.
É isso também  que os inimigos desses povos estão sentindo. Os ruralistas celebram um ‘novo momento” no Brasil. Eles percebem que têm agora rédea livre para agir.
Isto significa um aumento de conflitos no campo. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), 1079 conflitos por terra surgiram em 2016, um número recorde desde o começo da série estatística em 1985. Trata-se, na média, de 3 conflitos por dia. O número de assassinatos, que havia diminuído entre 2004 e 2014, voltou a aumentar: 61 pessoas foram mortas em 2016 e, de janeiro a maio de 2017, 37 homicídios no campo foram registrados. Ao longo de 35 dias, de 20 de abril de 2017 a 24 de maio de 2017, três ataques ocorreram, resultando em 22 mortes.
Em 20 de abril, em Colniza, Mato Grosso, nove camponeses foram torturados e assassinados, e seu líder foi decapitado. A polícia estava diretamente implicada no terceiro massacre, em 24 de maio, que levou a dez mortes, inclusive a de uma mulher, no sul do Pará. Ele ocorreu um dia depois de protesto em Brasília que chamou a atenção para a onda crescente de violência contra camponeses, ativistas  e padres.
Os povos indígenas, é claro, estão entre as vítimas. Em 30 de abril, o povo Gamela do Estado do Maranhão sofreu um ataque que feriu 22 indígenas. Dois homens dessa etnia tiveram suas mãos cortadas com machado.
A Anistia Internacional, o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos condenam o aumento da violência e a impunidade dos agressores. O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em relatório publicado em maio de 2017, declarou que os povos indígenas estão sendo submetidos a riscos sem precedentes desde a promulgação da Constituição.
O mesmo relatório das Nações Unidas recomenda que a PEC 215 seja rejeitada. Essa emenda é, como acima mencionado, uma proposta dos ruralistas para tomar o poder do Executivo de demarcar terras indígenas e atribui-lo ao Legislativo. Essa medida, todos reconhecem, significaria o fim da possibilidade de justas demarcações..
As estatísticas sobre conflitos no campo são aproximadamente paralelas às  do desmatamento. Depois de um aumento entre 2000 e 2004, o ritmo do desmatamento caiu (com algumas modestas flutuações) até 2012, mas começou a subir novamente em 2013. De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), baseados em imagens de satélite, 8 mil quilômetros quadrados de floresta desapareceram em 2016, um salto de 29% comparado ao ano anterior. Consequentemente, a Noruega decidiu reduzir pela metade seu apoio ao Fundo para a Amazônia para este ano. A Alemanha provavelmente fará o mesmo.
 O Poder Judiciário: A invenção do “marco temporal”.
A Constituição de 1988 definiu o significado de terra indígena: o território necessário para reprodução física e cultural da sociedade em questão. Não é de surpreender que o relatório da CPI da FUNAI e do INCRA adotasse novamente a teoria apoiada por uma parte do Supremo Tribunal Federal, conhecida por “marco temporal”.
Os direitos dos povos indígenas às suas terras foram garantidos por todas Constituições brasileiras desde 1934, e eles foram declarados mesmo nos tempos coloniais. A Constituição de 1988 declara que os direitos indígenas são “originários”, isto é, ela reconhece que eles preexistem, como os diferentes cantões suíços, ao próprio Estado. O papel deste não é o de garantir aos povos indígenas direitos territoriais, e sim o de reconhecê-los. Todavia, esta nova doutrina, o “marco temporal”, sustenta que apenas os povos indígenas que estivessem ocupando seu território no dia em que a Constituição de 1988 foi promulgada poderiam beneficiar-se do reconhecimento de seus direitos. Ao longo dos anos muitas terras indígenas foram fragmentadas e reduzidas e, em outro momento, reajustadas e ampliadas. De acordo com o argumento do “marco temporal”, qualquer decisão para ampliar a terra depois de 5 de outubro de 1988 poderia ser anulada. É o que a segunda turma do Supremo Tribunal Federal já decidiu no caso de três terras indígenas, duas no Centro-Oeste, onde os Terenas e os Guaranis-Kaiowá vivem. Apareceram imediatamente objeções ao marco temporal. Por exemplo, ele não poderia aplicar-se aos povos indígenas que houvessem sido removidos à força de suas terras. Os defensores da teoria responderam colocando uma condição: esses povos deveriam provar que eles não tinham parado de resistir, seja por armas, seja por meios legais. Dada a realidade dos fatos, a condição é absurda. Os alvos desta interpretação eram principalmente os  Kaiowás do Centro-Oeste do Brasil, expulsos de suas terras desde a década de 1940. Confinados em reservas diminutas,  não tinham como resistir. Quanto a se valer de meiors legais, a maoiria dos juízes não lhes reconheciam o direito de mover uma ação por conta própria: eles não teriama capacidade jurídica, naquele tempo, de ingressar na Justiça. Essa capacidade só lhes foi formalmente reconhecida com a Constituição de 1988. O Ministério Público Federal e juristas eminentes discordam da teoria do “marco temporal”:  em um encontro de grandes nomes na Universidade de São Paulo em novembro de 2015 o Professor José Afonso da Silva, grande constitucionalista, apresentou um longo parece demonstrando a inconstittucionalidade do “marco temporal” e de seus pretensos efeitos.
Entretanto, a segunda turma do STF, sob liderança do Ministro Gilmar Mendes, deu algumas sentenças aplicando esse espúrio “marco temporal” e propagandeou que se tratava de entendimento consolidado. A Advocacia Geral da União apressou-se a emitir um parecer nessa mesma direção. Tão controverso foi esse parecer que ele teve por duas vezes seus efeitos suspensos. Em Julho de 2017, foi ressuscitado, alegando que o marco temporal seria consensual no STF, o que foi desmentido entre pelo Ministro Barroso como por membros do STF
Dado que tem havido diferentes decisões pelas duas turmas do Supremo Tribunal Federal, uma decisão pelo plenário da Corte está sendo esperada com grande expectativa. Em julgamento ocorrido em 16 de maio de 2017, embora o tema não estivesse explicitamente em pauta, os votos dos ministros foram no geral auspiciosos.
Povos indígenas emparedados.
É impressionante e causa indignação  testemunhar a rapidez de um processo que, em alguns meses, tem desfigurado a legislação ambiental e de direitos humanos consagrada desde 1988.
Quanto aos povos indígenas, eles estão cada vez mais se organizando e protestando.  A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) tem protagonizado mobilizações importantes não só de índios como de outros setores, entre os quais as universidades. Foi o caso das semanas que antecederam a sessão do STF de 16 de agosto de 2017.  Já entre 24 e 28 de abril  uns 4000 indígenas de aproximadamente 200 etnias foram para Brasília um número recorde. Todo ano, no Dia do Índio em 19 de abril, em sinal de protesto, representantes de povos indígenas acampam por alguns dias na Esplanada Monumental dos Ministérios planejada por  Lúcio Costa. Neste ano, o simbolismo desse espaço foi ainda maior do que o habitual. Diante de ativistas indígenas, estavam a Câmara dos Deputados e o Senado Federal; à sua esquerda, o palácio presidencial; à sua direita, o Ministério da Justiça, comandado por políticos que os antagonizam. Visivelmente, eles estavam sendo emparedados por esses três atores. Sua esperança agora está no Supremo Tribunal Federal.
Manuela Carneiro da Cunha, antropóloga, Universidade de Chicago e Universidade de São Paulo

[1] Este artigo originou-se em encomenda feita por uma ONG francesa, GITPA e especialmente pela antropóloga Simone Dreyfus-Gamelon, e era destinada a um jornal. Não foi porém publicado e está sendo difundido por redes sociais. Vai aqui traduzido em português por Pádua Fernandes a quem agradeço, e com alguma atualização..
[2] Implicitamente, já havia precedentes: por exemplo na a medida provisória 759, de 22 de dezembro de 2016, apelidada a  MP da grilagem. Uma nota técnica da 1ª CCR  do MPF concluiu que ela permite a reconcentração fundiária e a permanência do desmatamento.

(Publicado originalmente no site do jornal Le Monde Diplomatique Brasil)

Editorial: Dória, o queridinho do status quo.



Jean Galvão

Quando esteve aqui no Recife, na semana passada, o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad cumpriu um script previamente traçado, apostando em duas possibilidades possíveis: reforçar o palanque da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva(PT), para as eleições de 2018, caso isso seja possível, numa eventualidade de ele não ser condenado em segunda instância e continuar elegível; e, na contingência de uma inelegibilidade, torna-se ele mesmo a opção presidencial do Partido dos Trabalhadores. A estratégia adotada foi recomendada pela próprio Lula, que, esperançoso, também começou sua caravana pelo Nordeste, mais precisamente pelo Estado da Bahia. A região ainda continua sendo o maior reduto político do PT. Curioso como governadores dos mais distintos grêmios partidários - sabedores desse capital político dos petistas - acalentam a possibilidade apoiá-lo nas eleições de 2018, caso isso seja possível. 

 
Habilidoso sobre como deveria pronunciar-se sobre temas espinhosos, o ex-prefeito evitou entrar em polêmicas, mas, pontualmente, não deixou de externar sua impressão sobre o atual ocupante da cadeira de prefeito da Cidade de São Paulo, João Dória Junior(PSDB). João Dória, como se sabe, trava uma luta ferrenha dentro das hostes tucanas para viabilizar o seu nome para a disputa presidencial de 2018. A briga entre os tucanos é mais complexa, pois o padrinho político de Dória é o governador Geraldo Alckmin(PSDB), candidato à Presidência da República desde longas datas. Até bem pouco tempo, ninguém poderia imaginar que este embate se daria justamente no ninho mais emplumado dos tucano, muito menos envolvendo uma "cria" política do atual governador. Em certa medida, Dória, a princípio, vem na esteira do projeto político do governador Geraldo Alckmin, que montou uma espécie de cinturão eleitoral paulista com o propósito de facilitar sua escalada ao Palácio do Planalto. 

Dória é uma espécie de criatura que se rebela contra o criador. Um Lúcifer. O grande problema é que o rapaz é vaidoso e tem seu ego inflado constantemente, em razão de um perfil hoje muito adequada a quem almeja chegar à Presidência da República, ou seja, sobressai nele a condição de gestor, de não-político, de "novato". Com o desgaste dos partidos e da classe política, este perfil vem a calhar. À exceção do recall de Lula - que ainda aparece bem nas pesquisas de intenção de voto, a despeito do alto índice de rejeição - os demais bem rankiados atendem a este perfil, como é o caso de Dória e Jair Bolsonaro. Dentro e fora das hostes tucanas, o nome de Dória, como disse, vem sendo cortejado. PMDB e DEM já formularam convites para que ele integre essas legendas, habilitando-se a uma disputa presidencial. Num rompante recente, o grão-mestre tucano, Fernando Henrique Cardoso deixou escapar uma inconfidência: afirmou que Dória seria melhor candidato do que Geraldo Alckmin. 

De posse dessas credenciais, o prefeito paulista nãos se faz de rogado. Anda fazendo um périplo pelo pais, mas escondendo sempre a sua condição de candidato. A rigor, nas palavras do próprio Dória, o nome da legenda tucana para 2018 é mesmo Geraldo Alckimin. Quem quiser que confie. Asseguro a vocês que alguém sairá muito machucado desse embate. Em última análise, Alckimin irá bater chapa com o noviço, caso a agremiação tucana - ou outra legenda -  o escolha mesmo como candidato presidencial em 2018. Há anos que Garaldo Alckmin trabalha nesse projeto político. Não seria uma tarefa simples dissuadi-lo desta aspiração política. O que deve estar incomodando Alckmin é o conjunto de forças políticas e econômicas que começaram a gravitar em torno de viabilizar politicamente o nome do seu afilhado político.


Parece cada vez mais nítido que ele tornou-se o "queridinho" dessa gente para suceder Michel Temer a partir de 2018. É como se ele fosse o "escolhido". Como gestor, até o momento o prefeito não disse a que veio. Sua gestão da capital paulista tem sido marcada por uma onde de privatizações, pirotecnias de marketing pessoal e projetos de natureza higienistas como o da retirada dos ocupantes dependentes de drogas da região conhecida como Cracolândia. É fraco quando o assunto é a afirmação da cidadania, mas adequa-se perfeitamente ao figurino exigido pela agenda neoliberal hoje em voga. Aqui no Recife foi saudado pela turma do DEM e os dissidentes socialistas, numa evidência de que ele não terá problemas de legenda para viabilizar o seu nome ao pleito presidencial de 2018, ocorra o que ocorrer entre os tucanos.  

Charge! Renato Aroeira

Charge! Jean Galvão via Folha de São Paulo

Jean Galvão