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sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Benvenuti, lettori italiani


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Tranne qualche editoriale specifico o anche un articolo come quello pubblicato oggi, firmato dal professor Michel Zaidan, i lettori del blog sono oggi principalmente stranieri. Gli americani sono diventati egemoni nella lettura del nostro blog, battendo lettori europei e brasiliani. Non abbiamo fatto alcun sforzo specifico per questo, né conosciamo le motivazioni degli americani di leggere un blog con un'identità fortemente identificata con il pensiero di sinistra. Le questioni che leggeranno maggiormente sono quelle che evidenziano le sfumature degli ingranaggi del colpo di Stato istituzionale del 2016, nonché le loro conseguenze per il tessuto sociale e politico del Paese. Fino a poco tempo fa gli italiani non hanno accesso al blog. Questa settimana passata, però, è arrivata in primo piano, che, per noi, è una grande soddisfazione. Molto benvenuti, lettori italiani.

Editorial: As lições das declarações do ministro da Justiça, Torquato Jardim.

 
 
 Benett
 
 
  
Há um intelectual pelos qual tenho um profundo respeito quando o assunto é segurança pública. Trata-se do antropólogo Luiz Eduardo Soares, que já exerceu alguns cargos públicos nesta área, inclusive na gestão petista, no plano federal. Em tempos idos, depois de denunciar as relações promíscuas entre agentes públicos da segurança pública, o crime organizado no Rio de Janeiro e o meio político, foi sumariamente afastado do cargo que exercia na Secretaria de Segurança Pública do Estado, pelo então governador à época, Anthony Garotinho. Há algumas lições que precisamos aprender, decorrentes das recentes declarações do ministro da Justiça, Torquato Jardim, que reforçou a tese levantada pelo antropólogo Luiz Eduardo Soares, ao informar que o núcleo duro do aparato de segurança pública do Rio de Janeiro, notadamente a Polícia Militar, está completamente comprometido pelo envolvimento de comandantes militares e políticos com o crime organizado. Ou seja, é o crime organizado quem dá as cartas naquele Estado da federação, quem controla o núcleo duro do aparelho de Estado, no quesito segurança pública. 
 
A rigor, portanto, o ministro Torquato Jardim não disse nada que já não se sabia. Até recentemente, naquele Estado, 96 policiais militares foram denunciados por suposto envolvimento com traficantes. Em áudios gravados, há achaques de militares aos bandidos, recomendando-os a descerem o asfalto e cometerem assaltos para garantir as suas mesadas. A única ponderação que fazemos em relação às declarações de Torquato Jardim diz respeito a uma possível antecipação dos fatos, o que poderá comprometer os trabalhos investigativos dos órgãos de segurança. Depois dessas declarações, talvez fique mais claro as divergências entre o ministro da Defesa, Raul Jungmann, e a Secretaria de Segurança Pública daquele Estado, quando da presença das Forças Armadas ali.  Aliás, foi Raul Jungmann quem propôs à Procuradoria-Geral da República uma força tarefa para atuar no Rio de Janeiro. 
 
O editor do blog, que já andava preocupado com a capilaridade da bancada ruralista neste governo, passa a se preocupar, igualmente, com o componente político do crime organizado. Não faz muito tempo, no calor da crise de segurança pública aqui no Estado de Pernambuco, um delegado de polícia escreveu um artigo num blog local, alertando para a presença efetiva do braço forte do crime organizado atuando por essas bandas, notadamente através dos assaltos cinematográficos, possivelmente com o projeto de arregimentar musculatura política. À época, até brincamos, ao afirmar que, se os evangélicos desejam o poder, porque não o crime organizado? Mas a questão é muito séria. Essa é a primeira lição que as autoridades de segurança pública de todos os Estados federados precisam extrair das declarações do ministro Torquato Jardim: Até que ponto o crime organizado já penetrou no aparato de segurança pública de cada Estado. Vale a pena até criar um índice para verificar isso, José Luiz Ratton. 
 
A outra lição, infelizmente, está relacionada às enormes dificuldades das autoridades públicas brasileiras em conviverem com as críticas. Parecem que eles estão no olimpo do salvo-conduto para atuarem como desejam, sem que os súditos, que pagam seus impostos altíssimos, possam criticar suas ações. Quando o fazem, passam a ser vitimas de práticas persecutórias, difamatórias, intimadoras, processos, sempre com o propósito de calar as suas vozes. É bastante para isso observar a enxurrada de vozes que se levantaram contra o ministro Torquato Jardim, que já não foi afastado do cargo por ser amigo pessoal do presidente. Mesmo assim, foi aconselhado a silenciar sobre os fatos do Rio de Janeiro. O insuspeito governador Pezão já adiantou que pretende interpelá-lo judicialmente.  

Afeto, Butler e os neo TFPistas

                                          
Berenice Bento
                                                                                

Afeto, Butler e os neoTFPistas Judith Butler durante coletiva de imprensa no I Seminário Queer, em 2015, no Sesc Vila Mariana (Foto Fanca Cortez)                                                                          

Minhas/meus amigas/os, estamos tristes. Acordar e levantar tem se tornado um ato heroico. Sabemos que nas horas que virão seremos tragados por notícias que nos dirão: desista, vá embora, este país acabou.  Não falo em semana, meses, anos. Reduzo o tempo a dias porque tem sido assim. Um dia a exposição Queermuseu é proibida, no outro uma peça que coloca sabiamente Jesus reencarnado como uma travesti é censurada, no outro um deputado canta que “tudo está no seu lugar” para festejar a liberação do seu presidente mafioso de uma processo de impeachment e, no mesmo dia, você, meu/minha amigo/a, talvez tenha tido sua conta na rede social atacada por alguém que te deseja a morte.
Nós sabemos, eles/elas perderam o medo. E nós também. A luta de raças, de classe, de sexualidades e gêneros dissidentes virou manchete. Acabou aquela história de democracia racial, homofobia cordial, relações sociais pautadas na imagem de que aqui vivemos em paz. Acabou. Não tem mais como falar em uma Nova República. A farsa do contrato social, sexual, racial e de gênero está rasgada!
Eles/elas finalmente estão tendo que fazer política para disputar suas concepções de gênero e sexualidade. Querem deixar “tudo no seu lugar”? Querem. Mas agora estão tendo que argumentar que as mulheres nascem para morrer e os homens para matar. Foi assim e sempre será. A família deve ser preservada!
Eles/elas nunca tiveram que fazer nenhuma disputa. O mundo era deles/as. Eles/elas tinham a verdade. E agora ficam em pânico com a vida de uma filósofa estadunidense para o Brasil: Judith Butler. Vocês entendem o desespero deles/delas? O problema não é a filósofa, somos nós: feministas, trasviad@s, bichas, travestis, transexuais. Leiam o que os/as neoTFPistas [TFP – Tradição, Família e Propriedade] escrevem:  inventam citações. Cometem todos os tipos de desonestidade intelectual. Elegeram como aliados a mentira e a produção do medo.
O debate agora não está mais exclusivamente na espera do Estado. Tornou-se rizomático. Quem são os responsáveis por isso? Nós, em nossas salas de aula, nos movimentos sociais, nas filas dos bancos, nas conversas no cotidiano, nas artes, em nossas pesquisas, em nossos eventos acadêmicos/ativistas. A disputa perdeu um centro. Jogamos pedras no rio e as ondas foram produzidas. Não, não sou ingênua. Sabemos que o Estado tem poder de veto de uma exposição, de uma peça de teatro. Sei também que estamos vivos/as e a censura eclodiu uma onda de unidade, de luta singular entre nós. Não podemos falar de identidade de gênero em sala de aula? Venham nos prender e terão que levar parte considerável de nossas turmas.
Nosso susto talvez seja resultado de algum tipo de credo na farsa da democracia representativa. Como é possível que se acredite que em uma nação construída tendo como fundamento a violência, pode se dar ao luxo de resolver seus dilemas pela via civilizatória do voto? Isso é pior que história da carochinha! Foram quase 400 anos de escravidão. Nada está resolvido. A ferida está aberta. Somos filhos e filhas da violência.
Nós, em nossas lutas minúsculas, quase invisíveis, não imaginávamos que estamos enfiando com tanta profundidade o dedo na ferida. Identidade de gênero não tem nada a ver com a biologia. Identidade (de qualquer ordem) vincula-se às relações de poder. Não nascemos homens. Não nascemos mulheres.
Vão continuar mentindo, afirmando que as meninas são naturalmente passivas, emotivas, portanto, corpos matáveis e que os homens são naturalmente violentos. Nada, portanto, se pode fazer para mudar esta natureza. Nada? Na verdade, se pode fazer algo brilhante: rigor com a punição. Mais direito penal!
Conseguimos entrar no coração do biopoder. O censo terá que ser repensado. A população não se reduz mais a mulheres-vagina e homens-pênis. A “espécie” explodiu. Onde estão os não-binários, ou seja, pessoas que não se identificam com a norma da diferença sexual, não são homens, não são mulheres? Quantos são? Estamos fazendo a disputa na esfera das mentalidades, na dimensão da cultura, nos termos de Gramsci.
Ânimo!
Politizamos a vida biológica. Esta obra nos pertence. Feministas, transfeministas, gays, bichas, lésbicas, com todas as nossas diferenças (felizmente) somos um exército à la Brancaleone, sem chefe, sem uma agenda centralizada, mas movidos/as por um desejo: tornar a vida vivível com justiça social para todos, para lembrar aqui um pensamento de Butler.
Nunca tivemos paz. Paz? Pura retórica do poder para fazer sua guerra continuada contra os/as considerados/as não-humanos.
Todos os dias entramos em nossas salas de aula e vemos jovens gays, lésbicas, trans, negros, negras. Eles/elas estão no Olimpo da elite deste país: a universidade pública. Falar em Centro Acadêmico (CA), Diretório Central dos Estudantes (DCE) e outras estruturas tradicionais do movimento estudantil é um escárnio com a proliferação de coletivos que existem nas universidades. O que esta gente da Escola Sem Partido vai fazer com estas/es jovens que, em pouco tempo, estarão em nosso, no seu lugar?
A guerra agora está declarada. Ou será que, em algum momento, se acreditou que a guerra não existia? Faça esta pergunta para uma mulher negra da periferia e provavelmente terá como resposta que a paz é um luxo.
Eles dizem que não vão deixar Judith Butler falar. O que faremos? Vamos, mais uma vez, potencializar este momento. Garantir a fala da Butler não é um culto ao personalismo, ou um tipo de rendição ao pensamento de uma filósofa gringa. Ela virá e vai embora. Serão alguns dias em solo brasileiro. Os que a atacam não têm como foco ela, mas nós. Da mesma forma como temos atuado nos últimos anos, independente do partido que estivesse no poder, das leis, vamos disputar cada centímetro da rua e se tiver que arrancar paralelepípedos o faremos.
Um psicólogo me disse: “Se aquele juiz soubesse o bem que nos fez ao assinar aquela liminar jamais a teria assinado. Os profissionais da psicologia agora precisam debater e se posicionar. Nunca tivemos um momento tão rico em nossa história de debate sobre as homossexualidades e direitos humanos que atualmente”.
Queremos que os juízes saiam enlouquecidos proferindo liminares contra os direitos humanos das pessoas LGBTTIQ+? Não. Apenas gostaríamos de ressaltar que a liminar é mais um capítulo do que estamos chamando de luta pela visibilização das existências periféricas.
Minhas/meus amigas/os, não estamos fazendo uma revolução, nos moldes marxistas. Afinal, quantas revoluções não foram feitas e os/as primeiros/as a irem para os campos de trabalho forçado foram as bichas e os sapatões, terapêutica para curá-los/as dos vícios pequenos burgueses. Não vamos mais esperar a grande revolução. Estamos disputando tudo. O banheiro, o aborto, o direito ao corpo, o short, não usar sutiã, o nome social para pessoas trans, a cirurgia de transgenitalização. O corpo é nosso campo de batalha e entendemos que há um ligação indissociável entre as marcas do corpo e o mercado. Onde estão as mulheres trans no mercado de trabalho? Não estamos disputando um projeto estratégico para o futuro. Queremos o presente e disputamos o passado, os sentidos conferidos pela história oficial aos sentidos para as normalidade e as anormalidade.
Já te mandaram embora do país? Você já pensou em arrumar as malas? E para onde você vai? Qual é o paraíso da justiça social e equidade de gênero e sexualidade que te acolheria? Cada um terá suas escolhas e poderá eleger um país com um referente. Nós, sem nenhum tipo de nacionalismo, esta maldição do mundo moderno, nós, sem orgulho de sermos brasileira/o, afirmamos: vamos continuar aqui. Avançamos pouco, mas avançamos. Obrigamos os teólogos de gênero a saírem do armário e vir ao mundo público disputar posições sobre masculinidades e feminilidades e ao fazer este gesto político, nos dão razão: gênero não é um assunto bíblico ou biológico, diz respeito a projetos políticos.
Agora que a luta está ficando boa, porque está mais clara, vamos desistir? Estamos apenas começando.

BERENICE BENTO é professora do departamento de Sociologia da UnB

(Publicado originalmente no site4 da Revista Cult)

Michel Zaidan Filho: Quando a barbárie neo-fascista bate à nossa porta

 
 
Estamos vivendo dias de muita intranquilidade e angústia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Enquanto o senhor reitor instala um verdadeiro Panopticon no campus universitário e permite que a cidade universitária seja policiada e periciada pelo PM e a PF, assistimos com horror - sem nenhuma manifestação de preocupação com os alunos, professores e funcionários - cenas de violência, agressão física, intolerância e censura à liberdade de expressão e organização. Isto numa instituição pública (laica, republicana e acadêmica), lugar por excelência de debates, pluralidade de opiniões, do contraditório. Queixou-se o senhor ministro da (des)educação, devidamente assessorado pelo grande pensador Alexandre Frota, q ue o ENEM - além das fraudes corriqueiras - não devia ser instrumento de políticas de ódio. Não se deu conta o político de Pernambuco que o grande responsável pelo incitamento aos crimes de ódio e intolerância é a ideologia da "escola sem partido" (ou de" partido único") e do movimento MBL, este sim, uma verdadeira tropa de choque neo-nazista, atuando de fora para dentro, com instrumentos de agressão física contra os que defendem idéias contrárias às suas.
 
Pior, a convite de professores e alunos da própria instituição que comungam com esse pensamento intolerante, racista e anti-democrático. Seus porta-vozes andam escoltados pela tropa nos corredores da UFPE e estão sempre prontos a agir em defesa do chefe. Desse os tempos do Estado Novo, não se conhecia no Brasil esse movimento organizado da direita, disposto ao ataque físico às libedades democráticas. Esta ressurgência só pode ter sido alimentada pelo golpe e os golpistas que açambarcaram cargos e secretarias de Estado. No caso da Educação Pública, é mais grave, em razão da tutela jurídica estatal. Mas o que chama mais atenção é a passividade, quase a conivência tácita, das autoridades com este tipo de violência simbólica e física contra os diferentes, os que pensam diferente.
 
Ora a ideologia da chamada "Escola sem Partido" quer implantar nas escolas um partido único, o da direita mais conservadora racista e xenófoba. Não se engane, estamos diante de uma forma de pensamento autoritário que criminaliza a diferença de opiniões, sob a alegação de "neutralidade ideológica".Vários membros da comunidade universitário já vem sofrendo esse tipo de intolerância, às vezes disfarçada. Uns são chamados à responder inquéritos administrativos, outros se dão conta do sumiço de documentação no SIGA, outros são suspensos de suas atividades acadêmicas e, agora, mais outros são vítima de agressão diante da omissão e passividade dos gestores da instituição. Temos previstos vários eventos e seminários destinados a debater e discutir temas da história contemporanea na UFPE. O que esperar das ameaças dessa tropa de choque, a mando de seus porta-vozes internos na universidade? Mais violência, mais intolerância, mais criminalização?
 
 
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE 

Charge! Renato Aroeira

Charge! Jaguar via Folha de São Paulo

Jaguar

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Editorial: Os homens que tentaram mudar a face da desigualdade social no Brasil



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Se ainda não leu, recomendo mais uma vez a leitura do artigo do professor Durval Muniz de Albuquerque, aqui publicado. O texto de Durval ajuda a entender sobre como é complexa a tarefa de construir a cidadania numa sociedade marcada por traços tão evidentes de relações de dependência, estabelecidos entra a classe senhorial e a raia miúda, completamente dependente dos seus favores, tanto mais atendida quanto mais subserviente. Há ali, nas entrelinhas, algumas observações sobre os métodos sórdidos utilizados por essa elite senhorial para isolar, suprimir - e até eliminar simbólica ou fisicamente - quem ousa enfrentá-la, criticá-la, apontar seus equívocos e privilégios desmedidos, de corte nada republicanos. O cardápio é amplo, mas a calúnia e a difamação se constituem na primeira etapa desse processo, algo assim bem conhecido por este editor.  

A leitura do novo livro do professor Jessé de Souza, ao observar que as políticas públicas de corte inclusivo da era petista contrariaram bastante a nossa elite tacanha, mesquinha, preconceituosa e escravista, nos remeteu à lembrança de alguns nomes que estiveram diretamente envolvidos com este governo, sendo protagonistas dessas políticas públicas de natureza inclusiva, responsável pela retirada de 35 milhões de brasileiros da extrema pobreza, um salto qualitativo que, se tivesse continuidade, mudaria completamente a face de nossa democracia substantiva, uma medida salutar, capaz, logo em seguida, de produzir seus efeitos positivo no arcabouço de nossa democracia institucional. Não é nosso propósito aqui cometer alguma injustiça. Portanto, pedimos desculpas antecipadas pelas ausências que, porventura, possam ocorrer nessa galeria que passo a mencionar. Os nomes, como disse, estiveram diretamente envolvidos nessas políticas redistributivas da era petista, sem a menção a outros grandes brasileiros que, num passado recente, manifestaram a mesma preocupação.

O primeiro da lista é o economista Marcelo Neri, cuja dissertação de mestrado costumo debater com nossos alunos. À época, se lembro bem, Marcelo Neri foi muito criticado por apresentar uma abordagem nova no estudo sobre a pobreza. No entanto, noves fora as polêmicas, sua dissertação obteve o primeiro prêmio da ANPOCS naquele ano. Posteriormente, Marcelo Neri se especializaria no estudo sobre a nova classe média, tornando-se o maior especialista brasileiro no assunto. Como agente público, Neri tornou-se um dos maiores responsáveis pelo concepção e implementação das políticas públicas de inclusão da era petista. No segundo governo Dilma Rousseff(PT), pouco tempo depois que ela assumiu, para a surpresa de muitos, Neri pediu afastamento do IPEA e voltou a dar aulas na Fundação Getúlio Vargas. Não houve nenhum desentendimento entre ambos, mas acreditamos que ele tenha percebido que as circunstâncias políticas que se apresentavam já não permitiriam dar continuidade à ampliação dos projetos de inclusão social que caracterizaram o governo petista. Dilma já se encontrava enredada naquela fase caótica, onde passou a fazer concessões demasiadas aos seus algozes, descaracterizando completamente o perfil de um governo petista.

Um outro nome dessa lista é o professor Roberto Mangabeira Unger, que chegou a ser ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, no Governo Lula. Mangabeira é um grande visionário. Foi professor de Harvard aos 24 anos de idade - feito que muito o orgulha - e produz boas reflexões sobre o Brasil, sempre alinhavadas com setores políticos do centro para a esquerda. Já esteve com Leonel Brizola, com Lula, com Ciro Gomes. Na esteira de Celso Furtado, desenvolvia naquela secretaria um projeto conhecido como Projeto Nordeste. Quando a região apresentava altos índices de crescimento, preocupava ao professor o fato de que esse crescimento poderia não ser bem assimilado por uma população com baixas taxas de escolaridade. Na outra ponta, concluía que o Brasil precisava formar uma contra-elite, ou seja, permitir o acesso ao ensino superior de jovens de origem simples, com sensibilidade social, com uma mentalidade bem distinta de nossa elite acadêmica, forjada nos estratos de classe média ou da elite. Aqui, no Governo Lula, promoveu-se o maior programa de inclusão universitária de jovens pobres do Brasil. Uma verdadeira revolução se considerarmos o fato de que 83% dos pais desses jovens não tiveram acesso ao ensino superior, conforme pesquisa da Fundação Joaquim Nabuco.  

Não sei de procede, mas um blogueiro informou que quem puxou o sociólogo Jessé de Souza para o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas- IPEA - foi Roberto Mangabeira Unger. Jessé passou pouco tempo naquele órgão, de 2015 a 2016, quando começaram as tessituras golpistas que acabaram apeando a presidente Dilma Rousseff do poder. Mesmo assim, conseguiu coordenar pesquisas de amplitude nacional sobre classe e desigualdade social. 

Márcio Pochmann também foi diretor do IPEA e, durante sua gestão, responsável por grandes inovações naquele órgão. Pochmann era uma espécie de menudo de Lula, ou seja, um grupo que formava uma nova geração dentro do PT, com o objetivo de substituir aqueles petistas mais antigos, caídos em desgraça, sob a acusação de envolvimentos em atos ilícitos na condução dos negócios públicos. A princípio, o projeto de Lula era, de fato, construir um projeto político que envolveria um, digamos assim, pré-sal eleitoral, formado por cidades paulistas com potencial acima de um milhão de eleitores, nada desprezível para alimentar ambições de poder no plano nacional. O projeto não deu muito certo e Pochmann, possivelmente, deve ter voltado à sala de aula. Pochmann tentou, sem sucesso, ser prefeito da cidade de Campinas. 

Não poderia deixar de mencionar nessa galeria o ex-ministro da Educação, Fernando Haddad. A passagem do professor Fernando Haddad pelo MEC foi uma das mais avançadas em termos de conquistas que visavam atender às demandas dos estratos sociais mais fragilizados. Como sempre afirmo, num país que, historicamente, nunca reconheceu o direito de cidadania dos menos favorecidos, uma verdadeira revolução. Em sua gestão na Prefeitura de São Paulo, a "marca" Haddad também ficaria evidenciada, como no programa de assistência e integração dos dependentes de crack; nas "cotas' à rapaziada LGBTT no programa Minha Casa, Minha Vida; na correção dos valores do IPTU, sobretaxando os mais ricos; na democratização do uso do espaço físico da Avenida Paulista.

P.S.: Contexto Político: Na realidade, quando do Governo Dilma Rousseff, o economista Marcelo Neri já ocupava a presidência da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.



  

Charge! Benett via Folha de São Paulo

Benett

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Intelectuais se articulam em defesa de Paulo Freire como patrono da educação brasileira

                                           
Helô D'Angelo
                                                                                

Intelectuais se articulam em defesa de Paulo Freire como patrono da educação brasileira O educador e filósofo Paulo Freire, patrono da educação brasileira (Divulgação)                                                                        

Nas últimas semanas, membros do Instituto Paulo Freire (IPF) e apoiadores do pensamento do educador têm se articulado dentro e fora do Brasil contra uma petição online do movimento Escola Sem Partido. Publicada no portal do Senado, a campanha pede apoio na revogação da Lei 12.612, que instituiu Freire como patrono da educação brasileira no governo Dilma Rousseff. 
O abaixo-assinado foi redigido por uma estudante de direito e membro do Escola Sem Partido, Stefanny Papaiano, e coloca o filósofo como “doutrinador” e “marxista”: “O sócio-construtivismo é a materialização do marxismo cultural, os resultados são catastróficos e tal método já demonstrou em todas as avaliações internacionais que é um fracasso retumbante” [sic], diz o texto. De 13 de janeiro até 11 de outubro, a página reuniu 21.112 assinaturas – ultrapassando as 20 mil exigidas para uma petição informal pode ganhar status de Sugestão Legislativa e ser analisada pelo Senado, podendo transformar-se em Projeto de Lei. 
“Assim que ficamos sabendo, escrevemos outra petição como forma de alertar as pessoas sobre o que está acontecendo e travar o avanço do abaixo-assinado do Escola Sem Partido”, conta a diretora pedagógica do IPF Ângela Biz Antunes. O documento em defesa de Freire, escrito em português, inglês e espanhol, faz cinco considerações sobre a importância do pensador, destacando que seu legado intelectual “vem sendo aplicado em todos os níveis, modalidades e graus de ensino, em diferentes lugares do mundo”.
Já na segunda (16), quando a petição do IPF foi ao ar na plataforma online, 400 assinaturas foram reunidas; até a última segunda (23) havia 22.211 – incluindo representantes de instituições como a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo. Além das instituições, se prontificaram a apoiar a causa a Deputada Federal Luiza Erundina (PSOL), autora da lei que institui Freire como patrono; Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, e Ana Maria Araújo Freire, conhecida como Nita Freire, viúva do pensador e responsável por todo o seu acervo.
Para além do Brasil, instituições internacionais também assinaram a petição, repudiando o Escola Sem Partido. A Universidade de Stanford, a Korbel School of International Studies e a Universidade de Denver são algumas delas, junto aos IPFs da Argentina, da África do Sul, de Cabo Verde, dos Estados Unidos, da Espanha, da Alemanha, de Portugal e da Itália. Há, ainda, assinaturas de intelectuais como Manuel Castells, Joelle Cordesse, Ramon Moncada e do ex-ministro de educação da Nicarágua, Carlos Tünnermann Bernheim.
Com Paulo Freire, em Nova York, 1988 (Acervo pessoal)
Nita com Paulo Freire, em Nova York, 1988 (Acervo pessoal)
“Quando ouviram falar que o Brasil queria apagar Paulo Freire da educação, nossos parceiros internacionais ficaram chocados. Fora do país, Freire é o intelectual brasileiro mais citado em trabalhos acadêmicos”, diz a diretora, mencionando uma recente pesquisa da London School of Economics, segundo a qual o livro Pedagogia do oprimido (1968) está entre os três mais citados na área das ciências sociais – e entre os 100 mais pedidos e consultados por universidades de língua inglesa.
Além da petição, que agora segue para o Senado, os apoiadores de Freire organizaram, entre os dias 14 e 18, o Coletivo Paulo Freire por uma Educação Democrática. Encabeçado por Erundina, Nita Freire e Daniel Cara, o grupo tem como objetivo debater o futuro da educação do país de forma prática e democrática. “Queremos fazer aulas públicas, sediar debates e abrir espaço para apresentar o pensamento de Freire, porque há uma concepção equivocada do que ele defendia”, define Antunes.
Nesta segunda (23), o nascimento do Coletivo foi marcado por um encontro que reuniu 200 pessoas na PUC-SP, instituição em que Freire ensinou por 17 anos. Na mesa do evento, estiveram presentes, além dos três fundadores do grupo, a professora Ana Maria Saul, representando a Cátedra Paulo Freire da PUC-SP; Moacir Gadotti, do IPF, e o ator Paulo Goya – que ficou responsável pela leitura do manifesto que registra as diretrizes e objetivos do Coletivo.
“Defender Paulo Freire como patrono da educação brasileira é defender nossa produção intelectual, a boa prática pedagógica e o próprio Brasil”, leu Goya. Em sua fala, Daniel Cara complementou: “A ideia do Coletivo Paulo Freire nada mais é do que propor uma luta em torno de um pensamento construído no Brasil que é referência no mundo inteiro, mas que está sendo desvalorizado”.
Problematizador, não doutrinador
Paulo Freire (1921-1997) foi um estudioso da educação cuja obra, reconhecida mundialmente, foi premiada pela UNESCO em 1986. Foi também o brasileiro mais homenageado da história, acumulando 41 títulos de Doutor Honoris Causa de universidades no mundo inteiro. Entre 1989 e 1991, foi Secretário de Educação do Município de São Paulo, na gestão de Erundina, embora seu método pedagógico não tenha sido aplicado nas escolas públicas brasileiras. Em 2012, uma votação unânime da Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado, conferiu ao pensador o título de patrono da educação brasileira.
“Ao contrário das acusações do Escola Sem Partido, Freire não é doutrinador, mas problematizador de uma educação passiva e hierarquizada”, coloca Antunes. A pedagogia freiriana prevê a formação de indivíduos críticos e ativos por meio de uma educação respeitosa e sempre baseada no diálogo, dentro da qual a democracia e a igualdade possam ser construídas de maneira consciente. “Se as pessoas que criticam Freire lessem o que ele escreveu, não estariam votando para retirá-lo do posto de patrono da educação”, pondera a diretora.
Uma das maiores preocupações dos envolvidos no coletivo é a justificativa leviana do Escola Sem Partido para a retirada, segundo a qual o educador seria um “filósofo de esquerda” cujo método de educação se basearia “na luta de classes”. “Dizer que Paulo Freire é doutrinador é desconhecer profundamente a proposta dele, que é sobre diálogo, sobre viver a democracia em todo o seu conflito e a sua diversidade, nunca de forma imposta”, afirma Antunes. 
No evento de inauguração do Coletivo, a professora Saul opinou que, talvez, não haja interesse da parte dos críticos em conhecer, de fato, Paulo Freire, já que sua forma de pensamento “irrita as elites ultraconservadoras e fascistas de nosso país”. Para Daniel Cara, porém, não há momento melhor para recuperar o pensamento freiriano. “Retomar a obra de Paulo Freire talvez seja o único caminho para vencermos este movimento ultraconservador brasileiro”, disse.
Nita Freire concorda: “Os movimentos de direita estão dizendo que o Brasil não merece Paulo Freire, que o Brasil não quer Paulo Freire. Mas nós lutamos por um homem que é o maior educador da história do Brasil, e um dos maiores educadores do mundo ”.

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

Com orçamento em queda, FUNAI gasta apenas R$ 12,00 por índio em 2017




Bárbara Libório


Com um dos menores orçamentos dos últimos dez anos, a Funai (Fundação Nacional do Índio) gastou, de janeiro a setembro deste ano, o equivalente a R$ 12 por indígena. O levantamento foi feito pela plataforma de fact-checking Aos Fatos para The Intercept Brasil através do portal de acompanhamento orçamentário Siga Brasil, do Senado Federal, com dados atualizados no último dia 23 de outubro. Foram levados em conta os recursos aplicados na implementação de políticas indigenistas, fundamentais para a promoção e defesa dos direitos dessa população no país, excluindo-se os gastos previdenciários e administrativos do órgão.
Em 2017, as ações da Funai se concentraram na rubrica Proteção e Promoção dos Direitos dos povos indígenas, que já consumiu R$ 11,6 milhões. Se ela for integralmente executada pelo governo até o fim deste ano, o que é improvável, o Planalto gastará no máximo R$ 48 por índio, ou R$ 43,2 milhões. O orçamento da Funai para esses programas vem caindo nos últimos cinco anos: em 2012, tinham sido gastos R$ 60,80 por indígena; em 2016, foram R$ 33,12.
Na contramão da contenção de gastos do governo federal, no entanto, os empenhos para emendas parlamentares destinadas a senadores e deputados da bancada ruralista já superaram R$ 1,7 bilhão este ano – montante três vezes maior que o autorizado para a Funai em 2017.
Quanto a Funai gasta por índio por ano
Os números revelam como ações indigenistas têm perdido espaço como política pública nos últimos anos. O cálculo foi feito com base nos dados mais recentes relativos à população indígena. Segundo o Censo de 2010, havia 896,9 mil índios no território brasileiro. É preciso lembrar, no entanto, que 36% deles vivem nas cidades e, por isso, têm menos acesso ainda às políticas desenvolvidas pelo governo pois estão mais expostos a obstáculos como preconceito e racismo institucional.

Orçamento geral também em queda

O orçamento geral da Funai — que leva em conta os gastos com a administração do órgão — também segue ladeira abaixo. Em 2016, foi o menor em quatro anos: R$ 533,7 milhões. Em 2017, o valor foi até maior, de R$ 547,9 milhões, mas, com a correção da inflação, houve, na verdade, uma queda de 2,3 % em relação ao ano anterior.
Orçamento anual geral da Funai (incluindo despesas administrativas e previdenciárias)
O órgão tem hoje 2.295 servidores ativos, mas o número total de cargos efetivos autorizado pelo Ministério do Planejamento, segundo o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), é de 5.965. O Ministério do Planejamento é responsável pelo dimensionamento da força de trabalho, concursos públicos e contratações na administração pública federal. Com esse número de servidores, a Funai está trabalhando com 38% de sua capacidade. Em março deste ano, funcionários se mobilizaram e divulgaram uma carta em que criticavam a redução dos orçamentos anuais da Funai, a fragilidade de seu quadro técnico e a não realização de concursos públicos para suprir a demanda de vagas.

Terras homologadas, uma raridade

Aos Fatos também desmembrou as ações voltadas para a fiscalização, delimitação, monitoramento, regularização e demarcação de terras, dentro das rubricas de políticas analisadas. Os gastos com elas caíram 47% de 2013 a 2016. Até setembro deste ano, foram gastos R$ 3,9 milhões em ações voltadas para o setor. Em todo o ano passado, foram R$ 11,8 milhões (valores corrigidos pela inflação).
Segundo relatório do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) divulgado no último dia 5 de outubro, a ex-presidente Dilma Rousseff deixou o governo tendo apresentado uma média anual de apenas 5,25 homologações de terras indígenas. É a presidente que menos homologou terras desde o fim da ditadura militar.
Em 2016, segundo dados do Cimi e da Funai, havia 1.296 terras indígenas no Brasil. Dessas, no entanto, apenas 401, ou 30,9% do total, tinham seus processos administrativos finalizados — ou seja, já haviam sido registradas pela União.
A falta de demarcação pela União gera conflitos: o Cimi registrou no ano passado 12 ocorrências relativas a direitos territoriais nos estados do Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
SÃO PAULO, SP, 30.08.2017: ÍNDIOS-SP - Indígenas da tribo Guarani da região do Jaraguá, Parelheiros e Marsilac realizam um protesto contra revogação das novas remarcações da aldeia Jaragua, onde a tribo terá uma diminuição da área cujo tem direito de ocupação, pelo Ministério da Justiça, nesta quarta-feira (30), na av. Paulista, região central de São Paulo. (Foto: Dário Oliveira/Folhapress)
Índios da tribo Guarani realizam manifestação na Avenida Paulista, região central de São Paulo, em defesa da demarcação de terras indígenas (30/08/17).
Foto: Dário Oliveira/Folhapress

Benefícios a ruralistas em alta

Enquanto isso, na contramão da crise orçamentária, o empenho de emendas parlamentares para membros da Frente Parlamentar para a Agricultura, a bancada ruralista, superou R$ 1,7 bilhão até o início de outubro, segundo dados do levantamento da ONG Contas Abertas.
E os benefícios aos grandes produtores rurais não param por aí. Pouco antes da votação da primeira denúncia feita pela PGR (Procuradoria-Geral da República) contra o presidente Michel Temer na Câmara, o governo publicou uma medida provisória que reduziu a alíquota de arrecadação paga ao Funrural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural), usado para ajudar a arcar com as aposentadorias de trabalhadores rurais.
Com a nova alíquota, que entra em vigor em 2018, o governo vai abrir mão de aproximadamente R$ 1,07 bilhão em arrecadação até 2020. O Planalto também perdoou o pagamento de juros de dívidas atrasadas dos produtores com a Previdência, medida que deverá acarretar uma perda de arrecadação de R$ 7,6 bilhões.

(Publicado originalmente no site do Intercept Brasil)

domingo, 29 de outubro de 2017

Drops político para reflexão: Uma sociedade de imaginário escravocrata.

 
"O novo livro do sociólogo Jessé de Souza é daqueles que se ler de um fôlego só. A Elite do Atraso, na realidade, é um ponto de inflexão nos trabalhos que tentam "explica o Brasil" ou, para ser mais modesto, entender o problema crônico das profundas desigualdades sociais entre nós, assim como a sua banalização, traduzida no não reconhecimento deste outro "desigual", o pobre.  É um livro que traz para o centro do debate o legado das políticas inclusivas da era petista, responsável direta pela sua defenestração do poder e posterior criminalização de suas principais lideranças, inclusive o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O PT ousou. E ousou onde não deveria ousar, ou seja, mexer nos vis interesses dos senhores da Casa Grande. Falando-se assim, parece que estamos tratando de lugares comuns, clichês prontos, tentando justificar o injustificável, mas não é. A tese de que o PT foi apeado do poder em razão da corrupção - à qual o partido acabou sucumbindo, é um fato - é a mais estapafúrdia possível, uma vez que, logo em seguida, sob o beneplácito dessa elite, foi guindada ao poder uma verdadeira quadrilha. Somente os "coxinhas", formado por essa classe média guardiã dos interesses dessa elite, acreditaram nessa balela.
O problema endêmico das desigualdades no país, de acordo com o autor, não está relacionado à nossa corrupção crônica, possivelmente uma herança de matriz portuguesa, como sugere autores como o historiador Sérgio Buarque de Holanda. De acordo com Jessé, seria necessário buscar outras raízes para explicar nossa "vocação" histórica para manter um apartheid social que nunca foi rompido. Acredita o autor que a tese do "patrimonialismo", na realidade, além de "furada", assenta-se numa construção discursiva que reforça, no fundo, a manutenção dos privilégios de uma elite e a "banalização" da desigualdade, que traz, em essência, uma espécie de "despersonalização" do outro, aquele pobre, negro, excluído. Embora tenha presidido o IPEA durante os anos de 2015 e 2016, não se entenda nessa empreitada acadêmica de Jessé uma tentativa de defesa do legado petista. Trata-se de um estudo de quem, de fato, está preocupado em entender porque no, Brasil, os recursos são tão concentrados."
 
(José Luiz Gomes, cientista político, em editorial publicado aqui no blog)

Durval Muniz: Cidadania e Dependência

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A sociedade brasileira foi estruturada, desde o período colonial, mediante o estabelecimento de laços de dependência entre pessoas ocupantes de distintas posições sociais. Ao chegar às terras do que viria a ser o Brasil e ao iniciar a sua colonização, os portugueses viviam a longa e particular transição entre o mundo feudal e o mundo capitalista. Embora fosse, ao mesmo tempo, a ponta de lança de um dos empreendimentos fundamentais para a emergência do mundo moderno e capitalista – a expansão marítima europeia -, e o primeiro Estado Nacional a se formar, Portugal tinha a sociedade ainda fortemente marcada pela estrutural feudal, pelos valores e mentalidade senhorial, que a centralização do poder em torno de um rei e de uma corte, ao mesmo tempo veio reforçar e colocar em novas bases. As estruturas e instituições políticas, sociais, econômicas e culturais do chamado Antigo Regime, que serviram de base para a implantação da sociedade colonial no Brasil, ainda estavam marcadas pela prevalência dos laços senhoriais de dependência, mercê, graça e favor. O rei, ocupando agora, no lugar dos antigos senhores feudais, o vértice da pirâmide social, distribuía títulos nobiliárquicos, cargos e funções, doava sesmarias, fazia mercês e favores, tudo em troca do reconhecimento por parte do súdito agraciado de sua superioridade e centralidade na própria vida social. Toda a pirâmide social se organizava a partir de laços de dependência que vinculavam, de forma descendente, a partir da figura real, todas as camadas da população. O laço de dependência, ao mesmo tempo que impunha ao dependente, ao subordinado a observância de uma série de obrigações e o próprio reconhecimento de sua subalternidade, de seu lugar na sociedade (a expressão corrente, ainda no Brasil, “ponha-se no seu lugar”, repercute esse traço dos começos de nossa sociedade), não deixava de cobrar certas reciprocidades da parte do superior hierárquico, que também possuía deveres diante de seu súdito (desde quando ele o obedecesse e o servisse adequadamente, reconhecendo sua superioridade vista como de origem divina ou natural). 

Essa estruturação de nossa sociedade através de laços de dependência vai dotá-la de alguns outros traços relevantes. A obrigação de certa reciprocidade por parte daquele visto como superior vai dar margem ao que se costuma chamar de paternalismo. O superior na hierarquia social, equiparado a superioridade que o pai deveria exercer no interior das famílias (por isso Gilberto Freyre conceituará a sociedade colonial brasileira como patriarcal, por estar centrada na figura do pai de família, na figura paterna, da qual o rei seria a encarnação para toda a ordem social), vai ser visto como uma espécie de pai a distribuir favores e benesses, a conceder honrarias e distribuir lugares de poder e de pertencimento, sempre que obedecido e homenageado, mas que, por isso mesmo, também podia distribuir punições, castigos, impropérios, humilhações públicas e até a morte, em caso de desobediência e rebelião. Por seu turno o dependente se colocará no lugar sempre infantilizado de um filho que recebe o sustento de um pai poderoso, alguém que come de sua mesa que, em dadas situações pode, inclusive, pegar para si um naco do poder de seu senhor e o exercer sobre outro dependente e subordinado como ele (o jagunço, o cabra, o capitão do mato, o pistoleiro, seriam uma espécie de prolongamento dos braços do poder discricionário e autoritário do senhorio a quem serviam) ou mesmo contra um seu inimigo poderoso (gozando, assim, do e com o poder do outro). O dependente tratará de prestar homenagens e favores, tratará de demonstrar em todos os momentos sua fidelidade ao senhor, para receber em troca as benesses que esse pode lhe conceder – essas homenagens e o próprio reconhecimento permanente de ser “gente de fulano de tal”, só tendo existência através da existência de quem serve, abdicando, assim, de uma identidade própria, de um nome próprio, pode, em muitas ocasiões ser acompanhada de uma dada astúcia, pode ser uma forma interesseira e interessada de conseguir o que quer. No teatro que é a vida social, os subordinados também aprendem os papeis que têm que desempenhar para conseguirem o que desejam. Como uma mascarada que é, a vida social é feita de performances e papeis que cada ator ou agente social aprende a realizar da melhor maneira ou, claro, que podem recusar a exercê-los.

Uma sociedade baseada nos laços de dependência também se estrutura de uma forma hierárquica, ela supõe a existência de lugares sociais bem demarcados e definidos, lugares sociais que seriam de ordem natural ou divina, não podendo ser modificados (ou pelo menos não devendo ser modificados), nem pelas mudanças de fortuna ou condição econômica. Aquele nascido nobre, o bem-nascido, o homem bom, o de boa estirpe, o de boa cepa, o gentil-homem, de “sangue azul”, mesmo que venha a desbaratar a sua fortuna continuará a ser um nobre, a ser superior ao pé rapado, ao pé de poeira, ao camumbembe, ao plebeu, à gentinha, à ralé, ao populacho, ao de sangue fraco ou ruim, mesmo que esse venha a conseguir ter fortuna, a enriquecer. A burguesia, que surgiu entre o povo, que enriqueceu com as atividades mercantis, que se tornou paulatinamente, com o desenvolvimento da sociedade capitalista, sustentadora do próprio regime, fará as revoluções burguesas para acabar com essa sociedade onde a pirâmide social era excessivamente hierárquica e rígida, organizada em estamentos, permitindo a emergência de uma sociedade organizada em classes, onde o enriquecimento e a fortuna se torna mais importante na localização social de cada pessoa do que sua origem familiar e nobiliárquica. O dinheiro substitui o sangue na definição do lugar de cada um. 

Numa sociedade baseada em laços de dependência, a troca de favor, o nepotismo, o filhotismo, a prevalência da ordem privada sobre a ordem pública, do poder pessoal e atrabiliário das elites senhorias sobre o império das leis são traços marcantes. A mentalidade senhorial se recusava a reconhecer qualquer limite externo ao poder e a vontade do senhor. Na visão senhorial de mundo (ainda muito presente entre as elites brasileiras) o mundo, a vida social e, inclusive, as ações dos demais agentes sociais deviam ser uma projeção da vontade senhorial. No mundo dos sonhos dos senhores (porque, evidentemente, na prática as coisas não aconteciam bem assim, porque esses outros, por menores que fossem, por mais subalternos que fossem, também possuíam as suas vontades) tudo à sua volta se comportava segundo seus desígnios, o mundo girava em torno de seu umbigo: as mulheres e crianças lhe obedeciam cegamente, representavam simplesmente uma continuação de seus próprios desejos. Ele ficaria muito espantado se uma mulher ou um filho manifestasse ideias ou desejos próprios (eles não eram devidamente emancipados para isso, inclusive juridicamente estavam completamente subordinados ao poder do chefe da família. Ainda, hoje, o feminismo tem que enfrentar, em nosso país, esse passado que não quer passar, que quer fazer seu eterno retorno do mesmo). Seus serviçais, seus dependentes, seus agregados, todos deviam agir como ele esperava, sem demonstrarem ter sequer formas próprias de pensar (e eles pensavam?, havia sempre um espanto quando manifestavam ideia próprias. Quando um subalterno pensa, ainda hoje, se atribui seu pensamento a má influência de algum membro das elites em disputa ou inimigo de quem é o seu superior, é sempre porque tem alguém colocando alguma coisa em sua cabeça, já que na visão senhorial elas são sempre vazias). Quando o mundo ou as pessoas começam a se comportar diferentemente de sua vontade, a face mais desagradável do patriarca, do pai, do senhor, do patrão, do superior aparece: ele pode ficar violento e capaz de tudo para vingar-se do que considera ser “uma afronta a sua honra”, podendo-a até lavá-la com derramamento de sangue, restaurando, assim, a ordem ameaçada, repondo as coisas no lugar, trazendo sua honra de volta (honra aqui pensada como um atributo indispensável de um homem, de um verdadeiro homem, aquele que não pode ser desonrado, um atributo da masculinidade, signo de virilidade e potência física e social. Enquanto a manutenção da honra feminina depende da preservação de uma fina película de carne no interior de sua vagina, a honra masculina, por ser meramente simbólica, não ter essa materialidade carnal, exige complicados processos de conquista e preservação, sendo um tormento para os homens honrados mantê-la, podendo preferirem perder a vida a se verem em desonra, a se verem diminuídos e humilhados diante dos outros homens, que são, afinal, aqueles que medem, concedem e retiram a honradez de outrem). 

Uma sociedade assentada em laços de dependência é marcada, também, portanto, pela prevalência de relações de poder autoritárias e discricionárias. Quem vê o mundo como estando a serviço de sua vontade (os homens, brancos, heterossexuais, ricos, poderosos, acham que o mundo a eles pertence) têm dificuldade de lidar com o fato de que os outros, mesmo o mais comum dos mortais, também possuem desejos, vontades, pensamentos, formas de ver o mundo, estilos de vida, formas de comportamento, valores, que podem ser diferentes e antagônicos aos seus. O não reconhecimento do direito a alteridade, a busca da identidade completa entre o que desejam e o que os outros devem também querer, faz do poderoso nesse tipo de laço social um ser intolerante, um ser imperativo, uma pessoa capaz sempre de “passar por cima dos outros”. A violência simbólica e física é a marca dessas relações que, por serem aparentadas com os laços familiares, podem, muitas vezes, ser vistas de forma adocicada e idealizada (a figura do senhor bonzinho e generoso, do pai dos pobres, da senhora bondosa e caridosa, daquele que não falta nas piores horas, que abre sua casa para o pobre, que toma café com ele, que o recebe em sua mesa, aquele que é um mandado de Deus), mas que contém um teor bastante explosivo sempre que a alteridade do outro se manifesta, quando o outro difere, quando o outro contesta, quando o outro entra em conflito, defende direitos, desejos e pensamentos próprios, nesses casos, até a eliminação do outro simbólica ou fisicamente (com a calunia, a difamação, a humilhação, a prisão, a tortura, a morte) pode se dar. 

Uma elite autocentrada, que sempre agiu como se o país fosse apenas para servi-la, para atender a seus interesses imediatos, que fazem do exercício do poder o atendimento de suas vontades, não conseguindo enxergar os demais, dificultando sobremaneira a emergência da cidadania entre nós, é produto dessa lógica da dependência. A cidadania pressupõe a igualdade de todos, pelo menos do ponto de vista jurídico e dos direitos políticos e sociais. A dependência naturaliza a diferença e a desigualdade social, naturaliza e justifica as desigualdades sociais profundas que aparecem como nascidas da própria diferença de natureza entre as pessoas (umas tendo nascido preparadas e prontas para mandar e as outras para obedecer). Como a subalternidade e a dependência vão ser encarnadas, vão marcar até os corpos das pessoas que, através de seus gestos e comportamentos expressarão essa subalternidade subjetivada (tirar o chapéu para o senhor, lhe abrir a porteira, segurar as rédeas de seu cavalo para que apeie, beijar a sua mão e pedir as bênçãos, baixar a vista e olhar para o chão sempre que estiver diante dele, nunca o encarar ou olhar nos olhos, mostrar-se sempre serviçal e disponível), a subalternidade e a dependência parecerão até biológica, corporal (haveria corpos para mandar e corpos para obedecer, vozes potentes e vozes amedrontadas e tartamudeadas, vozes de comando e vozes de obediência e homenagem). As desigualdades são também atribuídas à inferioridade racial ou de origem regional, de gênero, nacional de cada pessoa (o índio, o negro, o nordestino, as mulheres, o haitiano, seriam, por nascença, inferiores, trariam a subalternidade inscrita nas carnes, tendo nascido para ser dependentes e obedecer e, em caso de rebeldia e rebelião, conhecer a violência e a morte). Vivemos um momento em que esse autoritarismo constitutivo da sociedade brasileira, se manifesta de forma contundente: a caça ao diferente, a alteridade, àquele que discorda, que tem valores e opiniões diferentes logo são transformados em inimigos a ser abatidos pelo vitupério, pela mentira, pela calúnia, pelo xingamento, pela violência verbal e física. O diferente, o outro, não devem existir, devem ser eliminados, devem ser punidos, devem ser jogados na prisão sem a observância de seus direitos e dos rituais indispensáveis a um Estado de direito. Caso resista, deve ser caçado, espancado, vilipendiado. São seres subalternos que não reconhecem essa sua condição, que se atrevem a aparecer à luz do dia, a reivindicar direitos, a dizer não para a vontade senhorial (pobres, negros, índios, pardos, estrangeiros pobres, mulheres, nordestinos, nortistas, homossexuais, travestis, transexuais, menores, idosos, feios, iletrados, trabalhadores, aposentados, sem-terras e sem-tetos, mendigos, pedintes, meninos de rua, devem todos obedecer ou morrer, talvez, melhor, morrer obedecendo e morrer por obedecer). 

Os laços de dependência, de matriz feudal, no Brasil foram modificados e ganharam face própria com a recriação da escravidão, com a presença cotidiana e central, em nossa sociedade, da figura do escravo. Ele, mais do que um dependente, era uma propriedade senhorial, ele pertencia a alguém que o podia vender, alugar, castigar, colocá-lo a seu serviço, seja qual fosse, que o podia exigir a jornada de trabalho que bem quisesse, que o podia xingar, gritar, humilhar, arrebentar de pancadas e até matar. Esse mundo dos sonhos dos senhores, onde os escravos era “as mãos e os pés do senhor”, como afirmou o cronista Antonil, mas que não deviam possuir cabeças para pensar, que não podiam ter seus próprios desejos e vontades, continua sendo, em grande medida, o sonho não confessado de nossas elites. A recente portaria, de número 1.129, emitida pelo Ministério do Trabalho, modificando o conceito de “trabalho análogo a de escravo” e as regras de aplicação das sanções àqueles patrões que forem flagrados mantendo trabalhadores em condições degradantes de trabalho, episódio do esforço do presidente da República, em comprar os votos da bancada ruralista, para não ver passar na Câmara dos Deputados a denuncia feita contra ele pelo Ministério Público, é uma manifestação clara da presença entre as elites patronais brasileiras, notadamente do campo, de uma “nostalgia do escravo”, de um desejo de escravização que, nada mais é, do que a expressão do desejo senhorial da subordinação e da dependência completa do outro, da sua transformação em um objeto e projeção de sua vontade, na transformação do outro em um ninguém, um sem importância, uma continuidade de seu desejo, um nada, aquele que não conta, que é sua propriedade e faz o que ele quer e manda, que apenas “abaixa a crista” e obedece. O escravo por não ser um ente jurídico, por ser destituído de personalidade jurídica, embora paulatinamente essa condição fosse sendo aliviada, com a possibilidade de um homem livre, o representar e apresentar suas causas diante da justiça, o que reforçava os laços de dependência, ficava ainda mais exposto as vontades, ditames e violências senhoriais. Muitos senhores defendiam junto aos tribunais os interesses de escravos, pertencentes a outros senhores, para estabelecer com eles laços de dependência e, posteriormente, fazê-los seus dependentes e colocá-los a seus serviços. Uma sociedade atravessada por laços de dependência é uma sociedade de serviçais e servidos, ela implica a introjeção por parte dos mais pobres, do subordinado de uma imagem de si mesmo desvalorizada, degradada, como alguém de menor valor. O voto sistemático dado a pessoas das mesmas famílias parte da naturalização de que são eles os destinados a mandar e governar. A baixa participação política, a fragilidade da sociedade civil brasileira, nascem, entre outros fatores, dessa subalternidade introjetada por amplas camadas da população, que se excluem do processo político voluntariamente, por acharem que política, poder, cidadania, não é “coisa para gente como eles”. A compra de votos, o voto de cabresto, a troca do voto por favores, às vezes fortuitos e de pouca monta, nascem da vinculação dependente de boa parte da população, notadamente daqueles que vivem no meio rural e nas pequenas cidades, a dadas famílias, aos considerados poderosos, merecedores da gratidão e da obediência pelos favores que fazem e pela assistência momentânea que dão, numa sociedade marcada por muitas carências. Hoje, a compra deslavada de votos, já obedece a outro tipo de relação, onde o eleitor, notadamente nos grandes centros urbanos, está numa situação de menor dependência direta, são mais livres, mas, ao mesmo tempo, tendo subjetividades produzidas pelo capitalismo, onde tudo é visto como passível de compra e venda, vendem o seu voto, até porque consideram ser esse o único momento em que “valem alguma coisa” e possuem “alguma coisa para vender ou trocar por algum benefício”. A cidadania implica a independência de pensamento e de ação, implica o rompimento da lógica da dependência que significa, por seu turno, a presença do paternalismo, da homenagem, do favoritismo, do nepotismo, do autoritarismo, do desprezo pela diferença, pelo outro, da intolerância com o diferente e com o diverso, da difícil aceitação da alteridade. A cidadania implica o reconhecimento do outro em sua diferença, em seu direito de ser diferente, de pensar distintamente, de ter valores e costumes distintos. O discurso senhorial, aquele que toma o mundo como projeção de seus desejos e valores, é arrotado todo dia no Parlamento, com muito perdigoto, na mídia, nas redes sociais, no Judiciário, nas várias instituições que compõem a sociedade, discurso onde o outro deve ser um mero decalque da identidade, vontade e pensamento de quem fala. O líder evangélico quer que todo mundo se paute por suas crenças e valores, por sua moralidade, quase sempre, hipócrita e retrógrada. O ruralista quer que os índios e quilombolas, em sua diferença étnica, de condição social, cultural e de formas de vida sumam, morram, sejam jogados para fora das terras, quando não da própria terra. Os machistas e misóginos querem que tudo que remete ao feminino, ao feminismo, a homoafetividade, sejam vistos como menores, como objetos, como abjetos, como impossível de independência, como devendo ser a projeção da vontade e do poder masculinos. Bolsonaro, Malafaia, Moro, Gilmar Mendes, Temer, Reinaldo Azevedo, Alexandre Garcia, Miriam Leitão, Alexandre Frota, MBL, Revoltados On Line, são a cara contemporânea da nossa sempiterna elite senhorial, que acha que se a realidade e as pessoas não se adequam às suas vontades, que elas sejam feitas nem que para isso seja necessário romper com a lei, com a justiça, com a Constituição, com a verdade, com as normas, nem que para isso precise se usar as instituições para pervertê-las, golpeá-las, sempre visando colocá-las a seu serviço, a serviço de seus interesses e de sua forma de enxergar o mundo. Se as pessoas resistem, que sejam espancadas, perseguidas, presas, silenciadas, invisibilizadas, estigmatizadas através de mentiras e pós-verdades. Discordar, desobedecer, pensar e ser diferente, não está no horizonte dessa gente, que guarda nos bolsos de seus ternos e vestidos longos a chibata senhorial, pronta a mostrar para o outro que ele não é e não pode ser ninguém sem ele e sua vontade, que ele não pode ousar querer ser um cidadão ou cidadã.
 
Durval Muniz é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
 
(Texto publicado originalmente no site Saiba Mais, Agência de Reportagem, aqui reproduzido com a autorização do autor)

Charge! Duke via O Dia

Charge! Jean Galvão via Folha de São Paulo

Jean Galvão

sábado, 28 de outubro de 2017

O xadrez político das eleições estaduais de 2018, em Pernambuco: Contingenciado pelos últimos movimentos, Jarbas já aceita dialogar com o PT.


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José Luiz Gomes da Silva
 
Cientista Político
 
 
A semana política no Estado foi marcada por alguns fatos que merecem uma reflexão. Na última semana, o senador Fernando Bezerra Coelho(PMDB) assumiu de vez o perfil de um provável candidato às eleições estaduais de 2018, aproveitando o momento para alfinetar o atual ocupante do Campo das Princesas, Paulo Câmara(PSB). As farpas tiveram resposta imediata dos palacianos. Mas, o que está em jogo, na realidade, é essa "desenvoltura" do senador Fernando Bezerra Coelho, nos parece que alicerçada em alguma convicção sobre o desfecho do imbróglio criado com a intervenção da Executiva Nacional do PMDB no Diretório Regional da legenda, sob o comando do vice-governador Raul Henry(PMDB), afilhado político do Deputado Federal Jarbas Vasconcelos(PMDB). Certamente, a convicção do senador é a de que, no final, serão garantidos os acordos celebrados em Brasília, com a cúpula da legenda, que entregaria o partido ao seu grupo político no Estado, permitindo que ele controle a máquina partidária peemedebista consoante os seus interesses.

Esse novo arranjo político posicionou o Deputado Federal Jarbas Vasconcelos numa espécie de "constrangimento" político, colocando-o numa situação, antes bastante confortável, para uma situação em que precisa construir "saídas" diante da nova conjuntura. É governo e tem reafirmado sua posição de encampar o projeto de reeleição do governador Paulo Câmara(PSB). Banca o apoio ao governador, dizem, até mesmo numa hipótese de o seu nome vir a ser questionado por setores da legenda socialista. Na realidade, Jarbas é um dos grandes avalistas do projeto de reeleição do governador. Diante das dificuldades, a reeleição de Paulo Câmara, embora seja apresentada como uma das prioridades da legenda para as próximas eleições de 2018, aqui na província, amiúde, as coxias explicitam a ausência de uma unanimidade.

Como disse, as circunstâncias políticas novas contingenciaram o Deputado Federal Jarbas Vasconcelos a reavaliar algumas posições. Antes, sua posição era de absoluta rejeição a qualquer hipótese de o PT vir a recompor sua aliança com os socialistas. "Se o PT entrar, eu saio", dizia ele, sempre que tal hipótese era cogitada. A questão que se coloca no momento é: sair para onde? Não que uma recomposição com os seus antigos "companheiros" seria de todo improvável. Afinal, alguns deles estavam prestigiando-o em ato de desagravo contra as manobras da direção nacional da legenda. A questão é que no grupo governista ele já assegura uma das vagas ao Senado Federal, além de não criar novos embaraços para o seu afilhado Raul Henry(PMDB), fiel escudeiro de Paulo Câmara. As duas vagas que concorrerão ao Senado Federal na chapa oposicionista estão sendo duramente disputadas.
 
O senador Humberto Costa(PT) concedeu entrevistas a emissoras de rádio nesta semana. Todas as portas estão abertas, mas algumas delas entreabertas, quiçá quase fechadas, como a possibilidade de uma candidatura própria da legenda nas eleições de 2018. Marília Arraes(PT) poderá ser rifada por se constituir numa candidatura olímpica, recheada de bons ideais, mas, na prática, pouco pragmática para a legenda, naquele raciocínio de que o partido precisa voltar a ter representantes no parlamento, de preferência assegurando a permanência do senador Humberto Costa no Senado Federal. O grande dilema da legenda seria o de se recompor com um agrupamento político que apoiou o processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff. O problema de digerir isso, no entanto, parece ser maior na militância do que na cúpula da legenda. Até o Lula já andou fazendo críticas ao fato de Dilma Rousseff(PT) ter traído seus eleitores. Política tem dessas coisas...
 
A fala do senador Humberto Costa, nesta semana, se assemelha ao do personagem Lima Duarte, no filme Eu, Tu Eles, que, num diálogo com Regina Casé, afirma categórico: de nossa parte, o acordo está feito. O senador não descarta a possibilidade de uma reaproximação com os socialistas. Jarbas Vasconcelos, por sua vez, antes completamente reticente a esta hipótese, já admite a convivência com os petistas no mesmo palanque. Acabo de publicar aqui no blog uma resenha sobre o novo livro do sociólogo Jessé de Souza. Há, ali, um grande reconhecimento do legado petista, notadamente para a nossa democracia "substantiva", ao adotar uma ampla política de distribuição de renda, incluindo contingentes consideráveis de nossa sociedade ao exercício da cidadania. Convém sempre observar, senador, que, para esse contexto político, uma candidatura própria, mesmo olímpica, seria mais condizente. Infelizmente, o pragmatismo político, quase sempre, atropela a coerência. 

Editorial: A elite do atraso

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O novo livro do sociólogo Jessé Souza é daqueles que se ler de um fôlego só. A Elite do Atraso é um ponto de inflexão nos trabalhos que tentam "explica o Brasil" ou, para ser mais modesto, entender o problema crônico das desigualdades entre nós, assim como a sua banalização, traduzida no não reconhecimento do outro "desigual".  É um livro que traz para o centro do debate o legado das políticas inclusivas da era petista, responsável direta pela sua defenestração do poder e posterior criminalização de suas principais lideranças, inclusive o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O PT ousou. E ousou onde não deveria ousar, ou seja, mexer nos vis interesses dos senhores da Casa Grande. Falando-se assim, parece que estamos tratando de lugares comuns, clichês prontos, tentando justificar o injustificável, mas não é. A tese de que o PT foi apeado do poder em razão de corrupção é a mais estapafúrdia possível, uma vez que, logo em seguida, sob o beneplácito dessa elite, foi guindada ao poder uma verdadeira quadrilha. Somente os "coxinhas", formado por essa classe média guardiã dos interesses da elite, acreditaram nessa balela.

O problema do país, de acordo com o autor, não está relacionado à nossa corrupção crônica, possivelmente de matriz portuguesa, como sugere autores como o historiador Sérgio Buarque de Holanda. De acordo com Jessé, seria necessário buscar outras raízes para explicar nossa "vocação" histórica para manter um apartheid social que nunca foi rompido. Acredita o autor que a tese do "patrimonialismo", na realidade, além de "furada", assenta-se numa construção discursiva que reforça, no fundo, a manutenção dos privilégios de uma elite e a "banalização" da desigualdade, que traz, em essência, uma espécie de "despersonalização" do outro, aquele pobre, negro, excluído. Embora tenha presidido o IPEA durante os anos de 2015 e 2016, não se entenda nessa empreitada acadêmica de Jessé uma tentativa de defesa do legado petista. Trata-se de um estudo de quem, de fato, está preocupado em entender porque no, Brasil, os recursos são tão concentrados.

Infelizmente, no Brasil, já caímos no pântano da mediocridade do debate. Isso é típico de regimes fechados e autoritários. Ontem, através de editorial, lamentávamos que o debate sobre educação esteja interditado por movimentos como O MBL, Escola Sem Partido e por um ator conhecido, de filmes pornôs. Assim, é impossível levar alguma discussão a sério. Assim como Jessé, também sempre tive essa preocupação de entender esse "fenômeno" das profundas desigualdades entre nós. Reformas que interferem nos interesses da elite, por exemplo, jamais avançaram no país. Os militares estão sempre ali, dispostos a atenderem seus chamados quando eles se sentem contrariados de alguma forma. O Brasil é um arremedo de democracia representativa que sobrevive, capengamente, sobre a estufa de enclaves e dispositivos autoritários que são acionados com uma frequência inusitada.

É uma observação que ainda não encontrei no livro de Jessé, mas ele possivelmente ele irá concordar que, estabelecida as regras de continuidade desse pacto, estamos condenados ao autoritarismo, com ligeiros intervalos de funcionamento de uma democracia formal, ainda assim sob o codinome de democracia delegada, bem afeita ao conceito do cientista político argentino Guillerme O'Donnell. Ainda ancorado numa matriz de colonização portuguesa, o historiador Sérgio Buarque de Holanda observava que a democracia entre nós seria um grande mal entendido. Jessé talvez concorde com ele, mas, possivelmente, por outros motivos.

Ali pelo final da década de 30, escritores como José Lins do Rego e Gilberto Freyre, relatavam suas lamúrias em relação ao final do ciclo da economia concentrada na cana de açúcar. Amigos, Gilberto chegou a realizar uma espécie de viagem da saudade pelos engenhos da família de José do Lins do Rego, localizados em cidades da zona rural do Estado da Paraíba. Do que eles sentiam saudades mesmo? das licenciosidades sexuais entre senhores de engenho e escravas, dos grandes latifúndios; dos partidos de cana a perder de vista; do regime de trabalho escravo. De acordo com Jessé, pouca coisa mudou deste então. Somos uma sociedade escravocrata e aí sem encontra a matriz de nossa intermitente desigualdade. Não deve ser por acaso que os ruralistas ocupam um espaço tão relevante no conjunto de forças políticas que estiveram por traz das urdiduras que culminaram no golpe institucional de 2016. 

Charge! Nani

Charge! Renatoo Machado via Folha de São Paulo

Renato Machado