pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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terça-feira, 16 de outubro de 2018

Poder e fé






 
     É visível o crescimento dos chamados “evangélicos” na política nacional. Vale salientar, que a relação entre religião e política não é de hoje e muito menos algo restrito ao Brasil. Ao longo da história, as questões da fé sempre foram utilizadas como um apêndice para chegar-se ao poder.

     A falta de credibilidade da chamada classe política tem proporcionado a uma parcela do eleitor, adotar como ponto de partida para escolha do candidato, quem corrobora da fé ou pelo menos se diz ter uma agenda que se assemelha aos seus ideais. Há até aqueles que desejam que o Estado seja uma extensão do que ele acredita ser sagrado. Com efeito, o que se deve perguntar, é qual tem sido a contribuição dada pelos que se dizem cristãos  ao país? O fato de escolher candidatos alinhados ao pensamento cristão significa ser suficiente para solução dos problemas nacionais? Se a resposta for sim, então se deve eleger apenas líderes religiosos alinhados ao cristianismo. Acontece que, o fato de alguém se apresentar como seguidor de alguma Igreja, não deve ser ponto inquestionável para receber a adesão a sua candidatura.

     O Brasil vive um verdadeiro comércio da fé, praticamente em cada esquina existe um local onde um grupo se reúne por convicções religiosas e principalmente por questões de identificação “doutrinária”. Em um cenário tão dividido em que vive o Brasil, engana-se quem acredita que não se tem um debate acirrado entre os religiosos. Em momentos assim, a responsabilidade aumenta. Daí, acreditarmos que é possível se ter cautela com o critério da escolha dos representantes nas esferas públicas. Para tanto, é necessário que se tenha cuidado para que os membros das igrejas não venham sofrer do mesmo problema da frente parlamentar evangélica no Congresso Nacional, onde o corporativismo tem ditado à conduta de boa parte dos representantes. Como por exemplo, não utilizar o voto como moeda de troca para beneficiar a si ou a igreja que pertence; entender que o Estado deve ser democrático de direito e não teocrático.

P.S. Este artigo é um resumo da palestra proferida na IBC em Jaboatão dos Guararapes.

 

Hely Ferreira é cientista político.

 

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Le Monde Diplomatique: Violência, subjetividades e projeto de vida e cidadania no Brasil

Mesmo diante das evidências dos limites dessa política, alguns candidatos seguem prometendo mais do mesmo remédio-veneno. Defendem só construir prisões e endurecer as penas; defendem e louvam a violência como resposta à violência, em uma vendeta que parece longe de acabar
Nas salas de aula do ensino médio da rede pública, professores costumam reclamar dos desafios para prender a atenção dos jovens. Numa mistura de ceticismo e fatalismo, muitos alunos preferem abandonar a escola para ganhar dinheiro e se sustentar, como se soubessem dos obstáculos que teriam para escapar do futuro insosso que os espera. É como se as escolas não fossem capazes de despertar em muitos jovens a capacidade de sonhar; não fossem capazes de interagir com múltiplas moralidades e estimular um novo padrão ético pautado na cidadania e na vida como valor público supremo.
Escolas que poderiam servir como portas de entrada da rede de acolhimento, atendimento social e cidadania isolam-se em seus edifícios cada vez mais vilipendiados e ameaçados pelo crime, que parece seduzir principalmente as subjetividades masculinas em formação, oferecendo a possibilidade de uma vida de aventura, insubmissão, consumo, satisfações desenfreada das pulsões e desejos, e luta contra um sistema que oprime e humilha, mesmo que ao preço de morrer jovem ou de perder a liberdade numa prisão lotada.

Como convencer os adolescentes a duvidar das ilusões e promessas da vida no crime? Como despertar nesses jovens sonhos de contribuir para o bem-estar coletivo do mundo em que vivem? Como gerar empatia diante de tantas injustiças e desigualdades? Como fazer frente ao imaginário social que divide a sociedade entre “cidadãos de bem” e “bandidos” e aceita que estes últimos sejam matáveis?
Em vez de despertarem sonhos e vocações, as instituições passaram a agir como se estivessem em conflito aberto contra os jovens pobres. Em 1990, o país tinha 90 mil presos, total que passou para 726 mil em 2016. Mesmo com a escalada vertiginosa de encarceramento, que dependeu também de investimentos crescentes no policiamento ostensivo militarizado nos bairros pobres, a situação degringolou.
A prisão passou a ser uma das poucas políticas públicas universais para os jovens brasileiros pobres e negros, independentemente de ela ser hoje o principal celeiro do crime e da violência no país. Vivemos em um transe, em que se acredita que o veneno que nos sufoca como nação democrática é o remédio para nossos males.
Em 2005, no primeiro levantamento feito pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o país tinha registrado 40.975 homicídios. Em 2017, foram 63.880 casos. Isso para não falar dos mais de 60 mil registros de estupros e das mais de 220 mil ocorrências de violência doméstica contra mulheres. As prisões superlotadas, em vez de controlarem o crime, se tornaram locais de articulação e formação de redes para as lideranças criminais. O rápido fortalecimento e espraiamento das facções dentro e fora dos presídios mudou a cena do crime no Brasil, ampliando o mercado de drogas e de armas em escala inédita.
Mesmo diante das evidências dos limites dessa política, alguns candidatos seguem prometendo mais do mesmo remédio-veneno. Defendem só construir prisões e endurecer as penas; defendem e louvam a violência como resposta à violência, em uma vendeta que parece longe de acabar. Poucos olham para os custos econômicos e sociais dessas opções político-ideológicas.
As incursões cotidianas das polícias militares nos bairros pobres, prendendo muitas vezes usuários de droga ou pequenos vendedores, geram violência desnecessária e excessiva. Um policial é morto todos os dias no país. Em sentido inverso, as polícias brasileiras mataram ao menos 14 pessoas por dia em 2017 e, mesmo que entre estas haja casos legítimos, pouco se divulga acerca das investigações e das razões que motivaram essas mortes. Em vez de controlar o crime e a violência, isso aumenta a sensação de raiva e de impotência daqueles que passam a se enxergar como inimigos.
Se a educação é a maior “arma” da cidadania, a frustração ajuda a sabotar a tarefa dos educadores de abrir portas para o futuro dos adolescentes. A segurança passa a ser vista como tema exclusivo das polícias e vira presa fácil de discursos pautados no medo e na exploração da desesperança e na falta de perspectivas. O mata-mata é estimulado pela covardia política e pela valentia retórica de quem se arvora porta-voz da virtude.
Nas prisões lotadas, as lideranças criminais se aproveitam para engrossar suas fileiras, criando um discurso sedutor. “O crime fortalece o crime” é um dos motes dos grupos criminosos. Como o sistema os enxerga como inimigos, sujeitos a serem exterminados ou trancafiados sem direitos, cabe se organizar para ganhar dinheiro no crime e “bater de frente” com o sistema.
Uma política de segurança precisa desmontar essa máquina de guerra e de encarceramento que ajudou a promover a expansão do crime e fortaleceu as facções. Para isso, as polícias devem agir com estratégia e foco, de forma inteligente, para fragilizar economicamente as tiranias armadas financiadas pelo dinheiro ilegal, que gera violência no tráfico de drogas, nas milícias e nos grupos de extermínio que matam e cobram para oferecer proteção, entre outras atividades.
A vitalidade de democracias modernas depende da capacidade do Estado de preservar o monopólio do uso legítimo da força. A engrenagem de guerra, além de produzir revolta nos jovens perseguidos, vem criando grupos paramilitares que, ao terem carta branca para matar, acabam se voltando contra o Estado em defesa de seus interesses financeiros e corporativos.
Mais do que o esforço brutal de prender em flagrante nos bairros pobres, os alicerces estratégicos e financeiros dessa atividade devem ser fragilizados. Isso depende do compartilhamento de informações entre as instituições policiais e de justiça desde Polícia Militar e Civil, passando pelo Ministério Público, secretarias de administração penitenciária, instituições de investigação econômica e penal, em âmbito estadual e federal.
Quem são os chefes e grandes financiadores, onde o dinheiro é depositado e lavado, de onde vêm as mercadorias ilegais, quais são as conexões com autoridades, onde compram armas. A capacidade de sedução das facções e quadrilhas vai diminuir com a queda do lucro gerado nessas atividades. Para tanto, a batalha urgente a ser travada é aquela para emperrar a engrenagem financeira do crime. Não precisamos de mais guerras para alimentar os senhores da morte, encarcerar e/ou exterminar jovens pobres e negros.
Mais importante, contudo, é a disputa das subjetividades masculinas na transição da adolescência para a vida adulta. O desafio é liderar e apontar caminhos para esses corações e essas mentes. Para construir sonhos e seduzir, as instituições do Estado devem abrir portas, estimular a vontade de compartilhar uma vida comum e solidária. Isso é feito com escola, arte, cultura, esporte, lazer, saúde de qualidade, debates, conversas, incluindo aqueles que um dia se iludiram com as promessas do crime até perceber que estavam sendo enganados. Enganam-se aqueles que acreditam que a autoridade e o poder são exercidos com o uso desmedido da violência. Conseguem liderar e fortalecer numa democracia aqueles que percebem que, na verdade, estão construindo sonhos e disputando o futuro.

*Bruno Paes Manso é doutor em Ciência Política pela USP, jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV-USP); Renato Sérgio de Lima é doutor em Sociologia pela USP, professor da FGV-Eaesp e diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; Samira Bueno é doutora em Administração Pública e Governo pela FGV-Eaesp e diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O que disseram as urnas

                                         
Tarso de Melo 
08                                                                                 

O que disseram as urnas                                                                            
(Arte Andreia Freire/ Revista CULT)

É difícil sair com alguma esperança após a leitura dos resultados das eleições do último domingo. Mesmo com vitórias pontuais e importantes de candidatos de esquerda para Executivo e Legislativo, o saldo geral é terrível: uma enxurrada de candidaturas conservadoras – ou pior que isso – levou a maior parte do eleitorado, colocando nas cadeiras de deputados e senadores algumas das figuras mais bisonhas que surgiram no cenário político brasileiro dos últimos anos, desde o “ator pornô em defesa da família” até a “advogada do impeachment”, passando pelos palhaços de sempre e uma infinidade de candidatos que ostentam credenciais militares e religiosas.
Nada muito novo nesse movimento das urnas, mas o sucesso eleitoral de figuras francamente antidemocráticas e a configuração do segundo turno presidencial deixam claro que estamos diante da escolha entre civilização e barbárie, de um modo bastante angustiante. É como se estivéssemos vivendo a estranha situação de decidir, nas urnas, se vamos continuar tendo uma democracia ou não. Como se fossemos chamados para decidir justamente sobre a destruição do nosso direito de decidir.
Nesse sentido, ao menos pelos votos válidos do primeiro turno, a indicação é de que a maioria dos brasileiros não quer mais – ou não faz tanta questão assim de – uma democracia, insinuando, ao contrário, que a identifica como causa dos problemas todos que nos assolam, nomeadamente a corrupção, a violência, a pobreza, entre outros, daí a decisão de usar seu voto para entregar o poder para candidatos que não escondem seu autoritarismo e a intenção de reduzir as mais diversas liberdades.
O ataque à democracia vem, assim, como uma espécie de salvação, como se dissessem que “a democracia nos trouxe até aqui, então é hora de voltar à ditadura”. No entanto, curiosamente, para fazê-lo por meio das urnas, a candidatura antidemocrática atribui à esquerda a pecha de autoritária, fazendo circular como convincente até mesmo uma “ameaça comunista” que em nada corresponde ao histórico do Partido dos Trabalhadores, muito menos aos governos petistas e à configuração atual da chapa presidencial. Mas o cotejo com a realidade não importa para um debate gelatinoso, que se alimenta do ódio e do medo (“filha do medo, a raiva é mãe da covardia”) e promove uma gritaria tremenda, capaz de abafar qualquer ponderação ou desmentido.
O que as urnas disseram, assim, foi um terrível cala-boca para quem insiste em defender a democracia como pré-condição para qualquer outro debate. Aliás, um cala-boca para quem diz o óbvio: que só há debate na democracia e que só há democracia se houver debate. Muito significativo, aliás, que os eleitores do candidato antidemocrático não tenham dado importância para a forma como ele se negou a participar dos debates com os demais candidatos, ainda antes da facada e depois da alta médica.
Parecem dizer, assim, seus eleitores, que os problemas do país vêm justamente dessa “coisa democrática” de debater, votar, protestar etc., dessa coisa de ter liberdade para se expressar, para viver como bem entende, para votar em quem bem entende. Não é por acaso que o candidato, ciente do perfil majoritário do seu eleitorado, rapidamente se pronunciou contra as urnas, que simbolizam a democracia, e prometeu, sem fazer rodeios, “botar um ponto final em todos os ativismos do Brasil”.
Não é tão difícil imaginar o que ele quis dizer com “todos os ativismos”. Quem tem por objetivo tomar medidas econômicas que vão tornar ainda mais difícil a vida da maioria da população (não por acaso, estava bem ao seu lado, no pronunciamento após o resultado do primeiro turno, o economista que só abre a boca para bater nos direitos sociais) sabe que, antes de qualquer coisa, precisa tirar as condições de resistência de quem será atingido. Sem dúvida, um governo demolidor dos direitos sociais vai dar vazão a muitos “ativismos” e, portanto, coibi-los é constitutivo de sua proposta.
Essa combinação espúria entre liberdade econômica e autoritarismo político não é novidade alguma para quem conhece um pouco da história do capitalismo. Mas, no caso brasileiro, essas medidas “liberais” e antidemocráticas, que normalmente são barradas pela impopularidade, estão bem perto de serem chanceladas nas urnas. Parece-me que é algo inédito, mesmo na nossa estranha democracia, que tantos eleitores se atraiam por uma proposta de governo que diz, por exemplo, que os brasileiros terão que escolher entre ter emprego e ter direitos. E mais ainda: apoiem um candidato que diz abertamente que não vai tolerar quem não aceite suas propostas.
Até aqui, lamentavelmente, as urnas disseram que esse candidato pode vir a ser o presidente do país. A luta ainda não acabou e temos três semanas para convencer a maioria dos brasileiros de que esse não é o caminho que devemos seguir. O eleitorado brasileiro saiu desse domingo dividido em três grandes fatias na casa dos 40 milhões de votos: a primeira abraçada ao fascismo, a segunda dividida entre os demais candidatos e a terceira composta por votos em branco, nulos e abstenções. É daí que vai sair a decisão sobre nosso destino, não apenas para os próximos quatro anos. É daí que vamos ter que tirar urnas que digam que podemos continuar apostando na democracia e, com ela, construindo um país mais justo, mais livre, mais igual.

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

"A personalidade autoritária" hoje: Por que o fascismo volta a fascinar?

                                           
Douglas Garcia Alves Júnior
                                                                                

‘A personalidade autoritária’ hoje: por que o fascismo volta a fascinar?
Theodor Adorno, Frankfurt, 1963

O fascismo está em alta no Brasil e no mundo. Em Chemnitz, na Alemanha, neonazistas mostram abertamente nas ruas o seu ódio contra os imigrantes. Em Charlottesville, nos Estados Unidos, supremacistas brancos desfilam sua ira contra os negros. No Brasil, mostram-se sem maiores pudores louvores à tortura, à execução sumária de “bandidos” e o elogio do “cidadão de bem”, que estaria prestes a eleger aquele que “daria um jeito” à “corja” unicamente responsável por todos os males do país: em primeiro lugar, os LGBTs, mas também os “comunistas”, as mulheres que não se conformam com o papel a elas atribuído pela dominação patriarcal, os negros (sobretudo os quilombolas, por uma estranha lógica fetichista que os transforma em alvo especial de ódio), os índios (vistos como “vagabundos” e alvos de contestação quanto à demarcação de suas terras)… a lista está pronta para ser ampliada indefinidamente, sempre segundo a lógica do “nós”, “de bem”, “trabalhadores” contra “eles”, “vagabundos” e “imorais”.
Corte temporal: anos 1930 do século passado, ascensão do nazismo na Alemanha. Um grupo de intelectuais se inquieta com o apoio popular às plataformas políticas – diríamos hoje, a “agenda” – de Adolf Hitler. Essa agenda parece fazer sentido para muita gente, em diversos setores da sociedade: trabalhadores na indústria e comércio, estudantes, médicos, professores universitários. O que diz essa agenda? Para a Alemanha voltar a ser grande, é preciso dar cabo dos “parasitas”, dos que não trabalham e só “sugam os recursos” do país: sobretudo os judeus, mas também os comunistas, os homossexuais, os ciganos e quem mais se pusesse no caminho da suposta unidade racial da nação. Era preciso botar essa gente no seu “devido lugar”, e destacar o “bom alemão”, trabalhador, honesto, limpo e saudável. É essa figura imaginária que vai ser criada e estimulada a gritar o seu “nós somos diferentes deles”, “este país é nosso”. Toda essa situação social e cultural parecia instaurar quase da noite para o dia um pesadelo no meio da realidade, na visão desses intelectuais alemães. Quem são eles?
Antes, um parêntese terminológico. O que se quer dizer quando se usa o termo “fascismo”? Aqui é preciso fazer distinções. O uso mais corrente do termo remete àqueles que expressam em palavras e ações uma atitude de recusa de direitos, de desvalorização política e social e de negação de valor individual a pessoas vindas de determinados grupos tidos como minoritários, seja pelo seu número reduzido em relação ao todo da população (os moradores estrangeiros em um país, por exemplo), seja pela sua posição subalterna em relação a um grupo humano tido como padrão normativo (as mulheres, em relação aos homens, por exemplo). Ao lado dessa acepção, seria oportuno indicar um uso do termo ligado à ciência política, que registra o seu lastro histórico, e tem sua referência maior no fascismo italiano e no nazismo alemão, da primeira metade do século passado. Segundo essa acepção, o fascismo é uma forma política caracterizada por uma série de elementos que se apoiam mutuamente: o culto a um líder carismático, dotado de propriedades quase sobre-humanas; nacionalismo expansionista; etnocentrismo (o “nós” da comunidade nacional, definida racialmente, de modo excludente); valorização da violência como elemento criativo e regenerador do corpo político; eliminação de partidos políticos dissidentes; terror policial organizado estatalmente contra todos aqueles vistos como inimigos do regime; projeção imaginária de uma ideia de identidade nacional sem fissuras; mobilização permanente da sociedade civil em torno da projetada unidade mística da nação.
Voltemos ao contexto histórico do fascismo alemão. Quando o fascismo se instala na Alemanha, sob a designação de nacional-socialismo (nome do partido nazista), a pesquisa científica autônoma, a imprensa livre e a liberdade de opinião e de publicação passam a não existir mais. Livros são queimados num ritual sinistro que, volta e meia, tem os seus adeptos no Brasil. O nazismo se choca frontalmente com o trabalho de um grupo de intelectuais alemães, a maioria deles de origem judaica, que escrevem e pesquisam junto ao Instituto de Pesquisa Social, da Universidade de Frankfurt, inaugurado em 1923. Dedicado inicialmente à pesquisa do movimento operário alemão, o Instituto tomará uma orientação muito singular de pesquisa, que será chamada mais tarde de Teoria Crítica da sociedade. O nazismo, como fenômeno social e político alemão, não poderia ser deixado de fora do trabalho intelectual do Instituto. As múltiplas facetas do fenômeno nazista, simultaneamente econômicas, políticas, culturais e psíquicas, exigem um enorme esforço de elaboração reflexiva daqueles que querem entender a singular imbricação de irracionalidade e sistematicidade racional que o nazismo representa. As características básicas dessa empreitada intelectual já estavam sendo constituídas no início dos anos 1930 pelo Instituto. Aqui ganha destaque a figura do filósofo Max Horkheimer (1895-1973) e seu projeto de um materialismo interdisciplinar como ideia-guia.
Será preciso citar um trecho do texto seminal (de 1931, dois anos antes de Hitler ascender ao poder) de Horkeimer, A presente situação da filosofia social e as tarefas de um Instituto de Pesquisa Social: “pouco a pouco as discussões sobre a sociedade se cristalizaram sempre mais claramente em torno de uma questão: o problema da conexão que existe entre a vida econômica da sociedade, o desenvolvimento psíquico dos indivíduos e as transformações que tem lugar nas esferas culturais em sentido estrito – às quais pertencem não somente os assim chamados conteúdos espirituais da ciência, da arte e da religião, mas também o direito, os costumes, a moda, a opinião pública, o esporte, as formas de divertimento, o estilo de vida etc.” Aqui cabe ressaltar três aspectos do que desde então foi chamado de materialismo interdisciplinar da Teoria Crítica: 1) economia, cultura e subjetividade são postas como realidades dialeticamente interdependentes, sem postular a primazia de qualquer uma sobre a outra; 2) realidades eminentemente culturais como a moda e o divertimento são assumidas como possuindo um conteúdo substancial, no sentido de poder de gerar efeitos consideráveis na realidade, uma vez que a elas é atribuído um estatuto sociológico comparável ao da religião e da ciência; 3) a vida psíquica dos indivíduos é pensada como realidade eminentemente dialética, em estreita conexão de sentido com as formas econômicas e culturais. Isso significa que ela é pensada não como a fonte primeira das demais, mas também não como uma esfera a reboque das outras – ela tem uma densidade própria que convém investigar.
É no espírito do materialismo interdisciplinar que a A personalidade autoritária (1950) é pensada como um amplo conjunto de trabalhos de investigação psicossocial sobre preconceito e autoritarismo. Trata-se de uma pesquisa inteiramente feita nos Estados Unidos, para onde o Instituto e a maioria de seus membros haviam emigrado, após o início do regime nazista. Ela faz parte dos “Estudos sobre o preconceito”, uma série de pesquisas levadas a cabo pelo Instituto nos anos 1940, sob os auspícios do American Jewish Comitee. Os co-autores da pesquisa envolvida em A personalidade autoritária eram psicólogos e cientistas sociais da Universidade da Califórnia em Berkeley – e, portanto, pesquisadores “externos” ao Instituto –, cujos nomes devem ser justificadamente indicados: Else Frenkel-Brunswick, Daniel J. Levinson e R. Nevitt Sanford. Trata-se de uma investigação cujo objetivo é mapear tendências subjetivas básicas, configurações psicodinâmicas relacionadas a atitudes de expressão de preconceito antissemita, etnocentrismo, conservadorismo político e econômico e, finalmente, potencial fascista. O trabalho empírico nessa pesquisa foi maior do que em qualquer outra do Instituto, mobilizando um processo que durou vários anos de confecção, teste e aperfeiçoamento de questionários, escalas, entrevistas clínicas individuais e interpretação interdisciplinar dos resultados.
É preciso ressaltar que a confecção das escalas de aferição de preconceito em A personalidade autoritária respondeu aos protocolos mais rigorosos da psicologia acadêmica americana da época, de modo que não se pode minimizar seu processo de gênese. Essa reconstituição não poderia ser feita aqui, de modo que gostaria de remeter o leitor aos trabalhos de Iray Carone, que são de uma clareza notável a esse respeito. Interessavam aos autores da pesquisa o estudo de correlações empiricamente observáveis (e clinicamente investigáveis) entre a expressão de atitudes em diferentes dimensões da relação com o outro e a autoridade social. Em termos muito sucintos, o estudo mostrou correlações significativas nos resultados obtidos nas escalas de medida de preconceito contra os judeus (AS, de antissemitismo) e etnocentrismo (E), bem como entre ambas e a escala F, de potencial fascista. A correlação entre as duas primeiras e a escala de conservadorismo político e econômico (PEC) mostrou-se significativa apenas para alguns sujeitos da amostra, mas não para todos, razão pela qual essa diferença precisou ser investigada por entrevistas clínicas, e levou à proposição de uma distinção entre o “pseudoconservador” (com alta pontuação na escala PEC e nas escalas de preconceito) e o “conservador genuíno” (com alta pontuação na escala PEC, mas com baixa pontuação nas escalas de preconceito). E quanto a escala F, de potencial fascista?
A escala F é o principal achado metodológico de A personalidade autoritária. Trata-se de testar a ideia segundo a qual predisposições políticas vinculadas a ideologias autoritárias, antidemocráticas (fascistas, no limite) apresentam um correlato no nível das tendências psíquicas mais profundas, pouco conscientes ou inconscientes. A escala F propunha aos sujeitos um questionário formado por uma série de itens que seriam indicadores dessas tendências psíquicas, sem confrontá-los diretamente a agendas políticas, econômicas ou sociais (na acepção da atitude de preconceito contra grupos específicos). Com a devida ressalva de que esses itens não podem ser entendidos fora da história (e não devem ser, portanto, transportados imediatamente para o Brasil atual, uma vez que resultaram de pesquisa empírica com sujeitos de uma condição social e cultural específica) seria útil apresentar três exemplos de itens que constavam da escala F: 1) “as pessoas só aprendem algo realmente importante por meio do sofrimento”, 2) “as pessoas podem ser divididas em duas classes: os fracos e os fortes”; 3) “hoje em dia, quando tantos tipos diferentes de pessoas circulam e entram em contato umas com as outras, cada um tem de se proteger cuidadosamente para não pegar uma doença”.
Antes de tudo, cabe uma observação: não é a resposta isolada a um item que configura um tipo de disposição psíquica autoritária. Uma análise complexa da inter-relação entre os itens é pressuposto da interpretação do resultado de cada sujeito na escala F. Se, de acordo com o primeiro item anteriormente citado, “as pessoas só aprendem algo realmente importante por meio do sofrimento”, a interpretação levada a cabo em A personalidade autoritária vai situar a resposta afirmativa a esse item como indicador de “submissão autoritária”, isto é, de “atitude submissa e acrítica em relação às autoridades morais idealizadas do grupo”. A concordância com a formulação do segundo item, de que “as pessoas podem ser divididas em duas classes: os fracos e os fortes” indicaria, na formulação dos pesquisadores, não só uma tendência no sentido da “superstição e estereotipia”, a saber, “crença em determinantes místicos do destino individual; disposição a pensar em categorias rígidas”, mas também uma inclinação para “poder e ‘dureza’”, isto é, “preocupação com as dimensões dominação-submissão, forte-fraco, líder-seguidor; identificação com figuras de poder; ênfase exagerada em atributos convencionais do ego; afirmação exagerada de força e dureza”. Finalmente, a concordância com a terceira asserção, “hoje em dia, quando tantos tipos diferentes de pessoas circulam e entram em contato umas com as outras, cada um tem de se proteger cuidadosamente para não pegar uma doença”, seria indicativa de “projetividade”, entendida como “disposição a acreditar que acontecem coisas selvagens e perigosas no mundo; projeção no exterior de impulsos emocionais inconscientes”.
Qual seria o significado psíquico da concordância com os itens da escala F? A pontuação alta significaria que o sujeito “é” uma “personalidade autoritária”? Em outros termos: existe mesmo uma personalidade autoritária? E, não menos importante: estariam os autores da pesquisa assumindo que a causa última da adesão ao autoritarismo é psicológica? A resposta a essas questões é mais complexa do que pode parecer à primeira vista. Em primeiro lugar: uma pontuação alta na escala F, segundo os autores do estudo, apresenta correlações significativas de pontuação alta nas escalas de antissemitismo e de etnocentrismo, sendo, assim, um indicador confiável do que os autores chamaram não de “personalidade autoritária” (como no título do estudo), mas de “síndrome fascista”. Trata-se de uma dinâmica psíquica que os autores buscaram configurar em termos de “tipos psicológicos”. Assim, o sujeito com pontuação alta na escala F teria uma grande chance de apresentar uma dinâmica psíquica marcada pela rigidez, pela pouca plasticidade da consciência e pela rejeição da assimilação de vivências de alteridade – retrato sucinto do que os autores chamaram de “tipo autoritário”.
Dito de outro modo, esse sujeito não “é” uma personalidade autoritária, ele apresenta (no momento do teste) uma dinâmica psíquica marcada por traços libidinais e ideacionais que se associam a atitudes de preconceito e autoritarismo. Por fim, isso não significa dotar a esfera psíquica do poder causal último na configuração de atitudes políticas anti-democráticas e preconceituosas. Uma discussão mais ampla dessa questão levaria às críticas de Adorno à psicologia do Ego (e mesmo ao conceito de “personalidade”!), desde Minima moralia até trabalhos dos anos cinquenta e sessenta – algo que não pode ser feito aqui. Contudo, é necessário assinalar que Adorno e os pesquisadores de Berkeley, sem “psicologizar” fenômenos ideológicos e políticos complexos, abriram caminhos importantes para a consideração da mediação subjetiva de atitudes extremas como o preconceito e o entusiasmo por regimes de força.
Como Susan Sontag notou certa vez, é preciso reconhecer que há para muitas pessoas um fascínio peculiar e sombrio no fascismo. O legado de A personalidade autoritária reside em apontar para os riscos de situações em que a propensão ao autoritarismo e ao preconceito é estimulada pela dinâmica social dominante e pelas formas culturais com maior poder de disseminação. Em outros termos, em dadas situações, certas pessoas não terão de fazer um grande esforço subjetivo para aderir a pautas discriminatórias e antidemocráticas, uma vez que elas já estarão instaladas nos seus modos subjetivos de reação ao mundo. Seria o caso de se perguntar, hoje, se as tendências subjetivas estruturantes que a pesquisa de Berkeley encontrou estariam sendo estimuladas hoje pela sociedade e pela cultura: convencionalismo, agressividade, oposição a tudo que é intelectual e subjetivo, submissão autoritária, ênfase em estruturas rígidas de poder e dureza, tendência ao pensamento estereotipado, tendência a uma desconfiança geral de tudo que é “outro”. Este seria um trabalho a ser feito, não exatamente repetindo os itens e as escalas da pesquisa, mas recuperando as suas intuições originais e a sua abordagem interdisciplinar.
Nossa opção hoje em dia é entre esclarecimento ou barbárie. Ou lutamos para nos tornarmos conscientes de tudo que apela à agressão e ao preconceito em nós mesmos e nos outros, ou abraçamos o fascinante fascismo daqueles que tiram sua sobrevivência psíquica da vã satisfação de odiar.

Douglas Garcia Alves Júnior é doutor em filosofia pela UFMG, professor associado do departamento de filosofia da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), autor Dialética da vertigem: Adorno e a filosofia moral (Escuta), entre outros.

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

Michel Zaidan Filho: Um olhar sobre as eleições


 
Obtivemos, no dia de ontem, um resultado surpreendente nas eleições presidenciais do Brasil. Os maiores colégios eleitorais do país, onde se concentram as elites mais estudadas, ricas e mais poderosas em termos de influência e poder de persuasão (Sul, Sudeste, Centro-Oeste) votaram em peso num candidato que representa a negação do que chamamos “civilização”: direitos humanos, reconhecimento das identidades, políticas redistributivas, respeito às leis e a Constituição, respeito à vida humana, ao meio-ambiente, a diversidade cultural e religiosa, às liberdades democráticas etc. E o Nordeste, região sempre identificada com o atraso, a pobreza, a dependência econômica e social, o fanatismo e a ignorância, foi quem optou pela democracia e os direitos. Região sempre preterida pelas políticas públicas de desenvolvimento regional, fonte da perpetuação das oligarquias familiares, revelou-se um bastião da resistência à barbárie a galope, comandada por ex-capitão do Exército que faz da tortura e do extermínio o bordão de sua propaganda eleitoral.

Podemos até perder a eleição, mas chegar ao 2º Turno foi uma vitória inestimável diante dos enormes obstáculos enfrentados pelo candidato da civilização. Muitas dificuldades se contrapuseram a esta candidatura laica, republicana e socialista. Primeiro o seu deslanchar tardio, quando os demais candidatos já estavam em campanha e com farta exposição pública de seus portfólios político-partidários. Segundo, a corajosa e desassombrada aproximação com a imagem e o legado do ex-presidente LULA. Terceiro, a ofensiva da mídia eletrônica e impressa, francamente anti-petista. Quarto, a política de terra arrasada praticada pela Operação Lava-Jato contra o Partido dos Trabalhadores e seus candidatos. Quinto, o posicionamento das Igrejas neopentecostais e pentecostais, representadas em seu apoio a Bolsonaro pelos seus bispos e pastores. Seis, a falta de responsabilidade política dos partidos de centro, em destruírem o capital político do PT, ajudando com isso ao candidato da extrema-direita. Isso sem mencionar os poderosos grupos que estão alavancando essa perigosa candidatura: as bancadas da bala, do boi e da Bíblia.

Não fosse o trabalho de sapa contra as instituições, com a complacência ou cumplicidade dos tribunais superiores, a figura desse candidato lúgubre, desengonçado e falastrão não passaria de uma personagem folclórica, de mau gosto, mas risível, ridícula. Infelizmente, o diabo não se apresenta como tal, quando aparece. Teria que vir com um uniforme militar, segurando uma metralhadora e apontando para seus adversários políticos. Na imagem desse anticristo, os democratas, defensores dos direitos humanos, ambientalistas, feministas ou militantes das causas LGTBI, são bandidos, criminosos, terroristas, inimigos da família, da Igreja e da propriedade privada. A criminalização recorrente do “outro”, da “alteridade” é um recurso conhecido dos políticos fascistas, da extrema-direita. Não se admite o respeito à diferença, de quem pensa diferente ou é diferente. Estaríamos diante de uma grave ameaça à secularidade e laicidade do Estado brasileiro e rumando para uma modalidade de fundamentalismo apoiado pela espada e a religião. O pior casamento possível. Personagem tosco, primário, mas perigosíssimo. Porque instrumento da ignorância de uns, do ressentimento de outros e da ganância de uma minoria, que sabe exatamente o que está fazendo.

Bem-vindo o segundo turno. Vamos esclarecer a sociedade sobre aquilo que está em jogo neste momento. Obrigar a besta a mostrar sua cara, dizer o que pretende sem papas na língua. Quem quiser acompanha-la rumo à barbárie, que o faça, mas conscientemente do que está ajudando a fazer. Nada de Brasil, Deus, Jesus Cristo. Barbárie, pura e simplesmente a serviço de interesses que não ousam dizer o nome. Viva o Nordeste e os nordestinos!

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE






segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Vocação à brasileira


 
     Entre os anos de 1898 e 1914, foi o período do ápice da oligarquia no Brasil. É bem verdade, que desde o período da era colonial brasileira, já havia lampejos significativos por parte da elite agrária. Entretanto, tornou-se incontrolável durante o período da lavoura cafeeira.

     Naquele período, as oligarquias exerciam o poder de maneira direta. Mas a crise do café ocorreu justamente no período em que a oligarquia cafeeira estava controlando de maneira plena o país. Visando preservar o seu poder, a oligarquia do café não mediu esforços para utilizar os proventos do Estado.

     Amparados na Carta Política de 1891, o “regime” oligárquico exercia o controle federal, estadual e municipal.

     No que tange a esfera federal, era exercido pelo presidente da República, objetivando controlar a presidência e defender os interesses privados da política do café-com-leite. Com relação ao estadual, era chamada de “política dos estados”. Basicamente consistia um acordo envolvendo o presidente da República e os governadores. Tratando da esfera municipal, a prática da República Velha sustentava-se na fraude, até porque o exercício do sufrágio não era secreto. Assim o coronelismo se sustentava na prática do clientelismo, fazendo com que a população carente, vivesse da influência do coronel sem patente.

     Embora o período do governo de Hermes da Fonseca seja considerado o início do declínio das oligarquias, ela sobrevive atualmente com outra roupagem. Basta observar a quantidade de famílias que se perpetuam no poder pelo Brasil a fora. Existem famílias que nunca precisaram usar desodorante, pois não suam. Vivem do poder público, e se apresentam como se fossem o novo. É bem verdade que na idade sim, mas a forma de fazer política se assemelha a dos coronéis. Representam os interesses de suas famílias, mas discursam como se fossem representantes do povo. A vocação deles é viver do poder público, entendendo mais da casa grande do que da senzala.

 

Hely Ferreira é cientista político.

domingo, 30 de setembro de 2018

Os discípulos de Judas e de Pedro


 
        Há dois relatos bíblicos conhecidos que narram os últimos momentos da vida de Jesus, que envolve diretamente dois dos seus discípulos. O primeiro deles é Judas Iscariotes. Sua atitude em trair o mestre, lhe rendeu a alcunha de filho da perdição. Por outro lado, existe a figura de Pedro, cujo temperamento era de alguém estabanado. Diante de qualquer fato, estava sempre a frente dos demais, onde não rara às vezes era repreendido pelo Mestre por não medir as palavras. Chegou a afirmar que ainda que os outros abandonassem Jesus, ele jamais abandonaria. Mas bastou o Mestre ser preso pelo Império Romano, para que aquele que se dizia tão leal, o abandonasse. Infelizmente, o dia a dia da vida é assim e na política não é diferente. Existem aqueles que se comportam como Judas Iscariotes se aproximam do mestre, beijam o mestre, mas na primeira oportunidade, vendem o que não tem, para permanecer no poder. Da mesma forma, existem aqueles que se assemelham a Pedro, abandonam o líder, justamente quando o mesmo cai em desgraça na vida pública. Procura de imediato outra árvore em busca de sombra. Percebendo que o velho mestre ainda pode lhe ser útil, não mede esforços para voltar aos seus braços, até quando lhe for necessário.  Certamente, o Cardeal Richelieu tem razão quando disse que traição em política é uma questão de tempo.

     Os asseclas de Judas, assim como os de Pedro, não possuem compromisso com o povo, mas exclusivamente com o poder. Encaram o eleitor apenas como instrumento para realização do seu objetivo. Assim, beijam o eleitorado e ao mesmo tempo o abandonam, retornando apenas em ano eleitoral.    

Hely Ferreira é cientista político.

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Charge! Alexandra Moraes via Folha de São Paulo

Michel Zaidan Filho: A falsa contradição entre dois extremismos


        



A opinião pública brasileira está sendo empurrada para uma falsa e artificial contradição ente dois fundamentalismos: um de direita e um de esquerda. Esta leitura é conveniente para aqueles a quem beneficia tal quadro reducionista e equivocado da política do país. De um lado, nos acostumamos a interpretar esse discurso raivoso e do ódio dos eleitores do deputado Jair Bolsonaro como uma modalidade de fundamentalismo de direita, ultraconservador, apoiado por algumas igrejas. De outro, um discurso antipetista e antilulista que considera a candidatura de Fernando Haddad (PT) uma mera ventriloquia de LULA e do Partido dos Trabalhadores. Discurso aparentemente sedutor que mais esconde do que revela uma outra modalidade de fundamentalismo, que não é tão evidente para a sociedade. O fundamentalismo neoliberal, que está por trás do debate dessas eleições, mas não aparece nem nos debates nem na propaganda eleitoral. Ora, a destruição de direitos, a venda do patrimônio público, o ataque frontal às liberdades civis e a liberdade de expressão e do livre pensamento interessa, sobretudo, ao mercado, às empresas, a banca e a burguesia cosmopolita do país. Neste sentido, o que ameaça mesmo a democracia não é tanto a pantomima de um candidato descontrolado que profere sandices e idéias contrasensuais. O maior perigo para a democracia e as liberdades públicas é o que vem atrás, instrumentalizando o discurso da raiva e da frustração política.

Aprendemos que os grandes interesses econômicos não têm pátria nem compromisso com os ideais democráticos, tanto podendo apoiar um general (ou um capital de Exército), como um líder popular, desde que isso não coloque em risco a sua agenda de negócios. O grande capital nunca fêz profissão de fé democrática ou coisa que o valha. Depende da oportunidade de maximização de seus interesses. Na presente conjuntura de crise de legitimidade do regime democrático, onde candidatos fazem abertamente propaganda pelo golpe e o descumprimento da Constituição, imagina-se que o portador desses interesses econômicos pode ser, sim, um candidato que represente hoje a negação de todas as conquistas sociais e democráticas de 1988. O momento é propício ao desmonte da institucionalidade democrática e seus avanços políticos. Numa a democracia se apresentou tão frágil e deslegitimada como agora.

Investimos, com razão, contra o fundamentalismo religioso e de direita que parece crescer em nosso país. De fato, ele representa um enorme obstáculos à realização das promessas democráticas da Constituição de 1988.Mas não podemos perder de vista que tanto ele, como o fundamentalismo laico da direita xenófoba, misoginica e homofóbica pode estar a serviço do fundamentalismo do mercado. Nunca a nossa democracia esteve tão ameaçada como hoje. Poderia dizer, por todos os lados. A frase célebre de Sérgio Buarque de Holanda que diz ter sido sempre a democracia um profundo mal-entendido no Brasil poderia ser completada pelo estranho e assustador ressentimento que se avoluma contra ela, entre nós.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia.

sábado, 22 de setembro de 2018

Um tango à beira do abismo

                                           
Wilson Gomes

Um tango à beira do abismo
(Divulgação/Raúl Lázaro)

Os brasileiros são de paz e preferem cenários construtivos, mesmo na política. Os brasileiros não são dados a extremismos e radicalismos. Os brasileiros odeiam polarização e gostam de acordos e negociações que evitem impasses improdutivos e sobretudo um nível destrutivo de conflito. E estamos todos cansados do nível a que chegou a passionalidade política, o radicalismo e o ódio aos adversários na esfera pública brasileira. Estamos cansados de guerra, quase exaustos da histeria política em que todos gritam e ninguém mais escuta ou quer compreender.
Isto é o que frequentemente dizemos de nós mesmo e o que gostamos de acreditar. Na prática o que vemos é outra coisa. Vejam as intenções de voto depois de três semanas de propaganda na televisão e a apenas duas semanas do primeiro turno das eleições presidenciais. Há 13 candidatos, mas os preferidos para a disputa na arena final são o campeão do antipetismo e o campeão do lulismo. Os números indicam que há grande probabilidade de que serão eles a se bater em um duelo no segundo turno.
Para quem está nos polos, parece um cenário animador a chance de derrotar finalmente o inimigo, de enfiar-lhe goela abaixo a própria arrogância e os desaforos ditos nos últimos tempos, e de mostrar a todos que afinal nós somos os melhores. Os torcedores políticos tratam uma eleição presidencial como um jogo, que termina com o apito final, tendo o vencedor tem o direito de festejar e proclamar-se melhor que os seus adversários. Quem vence tem razão e pronto, pelo menos até o próximo campeonato.
Mas para quem não acha que uma eleição é um vídeo game de combate, que a eleição se reduza, no final das contas, a um duelo entre o bolsonarismo e o lulismo, pode ser um cenário de pesadelo. O bolsonarismo não desaparecerá uma vez que Haddad ganhe a eleição. Hoje ele é a escolha de pelo menos 30% dos eleitores registrados no Brasil. Como escreveu recentemente o professor Juremir Machado (PUC-RS), Bolsonaro é menos um candidato e mais “um imaginário, uma mentalidade”. Jair Bolsonaro é uma plataforma onde essa mentalidade está estacionada neste momento. E é a mais nova força política nacional, gostemos disso ou não, nas ruas, nos ambientes digitais ou nos parlamentos. Sim, ganhando ou não a eleição presidencial, o bolsonarismo dá mostras de ter força eleitoral suficiente para eleger a maior Bancada da Bala e da Bíblia de que já se teve notícias. Fujam para as montanhas.
Além disso, o bolsonarismo representa a extrema-direita brasileira, mas a direita que armou a conspiração para tomar o mandato de Dilma Rousseff depois de ter perdido a última eleição pode estar fracassando eleitoralmente na disputa presidencial, mas não está morto nem desaparecerá. Claro que as assim chamadas “forças do golpe” prepararam esta eleição para si e estão chocadas por terem perdido o controle eleitoral dos revoltados e indignados que as apoiaram para que o impeachment se tornasse possível. E que se radicalizaram no bolsonarismo. Alckmin está atônito, perdido mesmo, e tudo o que consegue fazer é anunciar de forma insistente, arcaica e hiperbólica, como a Kombi que vende pamonhas ou ovos nos bairros residenciais das grandes cidades, que ele tem antipetismo para vender, que o seu antipetismo é o melhor, o maior e o mais quentinho. Mas ninguém compra o que ele tem para vender. Meirelles, por sua vez, trocou R$ 45 milhões por menos de 3% de intenções de voto e ainda não decodificou por que ninguém deseja chamá-lo. Mas certamente já entendeu que fez um mal negócio. Mesmo que não nenhum representante dos conspiradores de 2015-2016 vá ao segundo turno, entretanto, isso não significa que não tenham força e articulação política para impor tremendas dificuldades a quem sair vencedor das urnas.  Aliás, força eleitoral nas disputas presidenciais não tem sido exatamente o forte deles, mas nada disso lhes impediu de fazer os arranjos políticos necessários para tomar o mandato popular da última presidente eleita.
O lulismo tampouco vai ser morto se Bolsonaro for eleito. O lulismo veio para ficar e não irá desaparecer por causa da Lava Jato, de uma derrota presidencial ou até mesmo de uma eventual morte de Lula. Ao contrário, a Moro, ao TRF4 e à percepção geral de que no Brasil há uma Justiça “ad hoc” para Lula e outra, normal, para os outros políticos, deve-se o renascimento do petismo na forma do lulismo. Quem, em sã consciência, depois de ver os resultados do PT nas eleições de 2016, imaginaria que o partido poderia se tornar tão competitivo este ano, a ponto de Lula chegar a reunir 40% das intenções de voto? O lulismo, creio, permanecerá na cena política, mutatis mutandis, como uma espécie de peronismo à brasileira. E se não sabíamos o seu tamanho eleitoral, logo o saberemos quando os votos deste segmento estacionarem em Haddad, o Lula putativo de 2018. Pelo visto, outro terço dos eleitores brasileiros, pelo menos, resolveu fazer do lulismo a sua aposta política.
Não há como não imaginar que, após as eleições, os três segmentos continuarão as escaramuças, a espiral de radicalização e o ciclo interminável de massacres, retaliações e de demandas de reparação. Em um governo Bolsonaro não me surpreenderia o ressurgimento, por exemplo, de Comandos de Caça aos Comunistas, dada o estado de fúria e alienação mental dos bolsonaristas mais radicais. E temo que mesmo Haddad, reconhecidamente mais moderado e muito mais inteligente que o seu competidor, será empurrado pela fúria retaliadora lulista para alguma forma de ajuste contas. E pelo que se depreende do comportamento dos lulistas online, há muita fúria e há tanta sede de desagravo e desforra.
E assim, apagando fogo com gasolina e apostando eleitoralmente nos dois polos que estocaram raivas e ressentimentos suficientes para algumas gerações, o cordial e pacífico brasileiro dança um tango, às cegas, à beira do precipício.

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

Charge! Duke via O Tempo

Bicentenário de Marx

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sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Penalidades entre os índios brasileiros


 
 

     Entre os índios brasileiros existia uma lista de crimes cuja punição era algo bastante severo, estando no mesmo patamar o homicídio, furto, adultério por parte da mulher, o rapto, lesões corporais e a deserção.

     No que diz respeito a virgindade feminina, geralmente não era respeitada. É bem verdade, que haviam tribos em que se defendia a preservação, em outras não, onde nem mesmo o direito consuetudinário se preocupava, fazendo com que nesses grupos, raramente a mulher se casava virgem. Sendo outra modalidade de crime, o rapto, quando acontecia entre as tribos, era visto como algo de extrema gravidade, produzindo guerras sangrentas entre, pois entendiam que o fato era uma ofensa não contra a família da vítima, mas a tribo. Quando o rapto era praticado por algum membro da própria tribo, o agente era punido com a pena capital.

     Outro crime considerado gravíssimo, era o adultério. Quando praticado pela mulher, podia ser morta pelo próprio marido. Porém, na tribo dos tupinambás, o adultério fazia com que o esposo espancasse sua esposa. Havia também tribos em que o adultério não provocava “grande punição”.

     “O direito penal indígena”, protegia de maneira tenaz o índio contra o homicídio e as lesões corporais. Quem praticasse homicídio, recebia o mesmo tipo de punição, quando o autor e vítima fossem da mesma tribo. Entretanto, se pertencessem a tribo diversas, geralmente era o estopim para início de guerra. As lesões, eram praticadas por familiares do ofendido, proporcionalmente ao dano causado, atingindo a mesma parte do corpo do agente.

     Entre os índios, a prática do aborto era algo realizado de maneira tranquila. O infanticídio não fazia parte do “direito penal indígena”. Sendo a criança fruto de adultério, ao nascer era imediatamente enterrada, já que era considerada alguém que foi gerada de maneira mestiça. Possuidora de duas sementes. Da mesma forma quando se tratava de gêmeos, era considerado infidelidade da esposa, sendo impossível gerar duas crianças com o mesmo marido.

Hely Ferreira é cientista político.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Exclusivo: Professor Sivaldo Souza fala sobre o fluxo migratório venezuelano em Roraima

 

Prof. Sivaldo Souza
Sivaldo Souza Silva é Doutorando em Engenharia e Saúde Ocupacional pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto/Portugal, Mestre em Tecnologia Ambiental pela Associação Instituto Tecnológico do Estado de Pernambuco (ITEP), Especialista em Comércio Exterior pela Universidade Federal Rural de Pernambuco e Graduado em Licenciatura Plena em Matemática pela Universidade Federal de Roraima. Vice-líder do grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Saúde, Engenharia e Matemática (GPISEM) em cadastramento no CNPQ; tem experiência nas áreas de Matemática, Estatística, Ambiental, Saúde Ocupacional e Elaboração de Projetos de viabilidade econômico-financeiro.

Sivaldo Souza é candidato a deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT-RR) e fala, com exclusividade, ao ContextoLivre sobre a situação do fluxo migratório venezuelano no estado de Roraima e sobre as implicações que esse fenômeno político-social e econômico representa para a sociedade roraimense.

ContextoLivre – Estima-se que Roraima abriga cerca de 70 mil venezuelanos, o que corresponde a 20% da população do estado. O estado tem estrutura para comportar tantos imigrantes?

Prof. Sivaldo Souza – Infelizmente, o estado de Roraima não está estruturado para receber, num curto espaço de tempo, tantos imigrantes venezuelanos – diga-se, de passagem, que também recebemos imigrantes da Guiana ainda que em menor escala. Na verdade, pelo porte, pela infraestrutura na área de saúde, na área de educação, esse percentual corresponde a, mais ou menos, 15% da população. Esse número significa um acréscimo muito grande num lapso muito pequeno de tempo. A solução, para desafogar a estrutura de suporte à saúde, à educação, à moradia, e de infraestrutura como um todo, deve ser, realmente, uma política de transferência e redistribuição desse universo populacional de imigrantes venezuelanos para outros entes da federação, porque o estado não tem estrutura para comportar esse fluxo migratório vindo do país vizinho.

Roraima tem um plano de desenvolvimento para lidar com esse fluxo?

– Roraima não tem um plano de desenvolvimento para um evento desse porte. Na verdade, poderia até dizer que, se existisse um plano, esse fluxo migratório seria até benéfico porque incorporar na economia mão de obra com muita qualificação profissional – há venezuelanos muito qualificados – que não custou nada para o estado. Roraima é um estado cujo tamanho em termos de área territorial é enorme. Então, do ponto de vista geográfico, o estado comporta um acréscimo na população. Mas, para isso, é necessário ter um plano de desenvolvimento e, nesse plano de desenvolvimento, deveríamos olhar para a Venezuela como um momento de oportunidade e não como um problema, já que o PIB da Venezuela é muito maior do que o do estado de Roraima. Então, se se incorpora mão de obra qualificada e se tem um plano de desenvolvimento que leve em consideração os arranjos produtivos locais, teríamos um momento de oportunidade extraordinário. É necessário, dessa forma, repensar essa política de análise de imigração. Entretanto, para isso, o estado teria de possuir um plano de desenvolvimento que contemplasse não apenas a capacidade de exportar e importar para a Venezuela, mas também levar em conta que há outro país que faz fronteira com o Roraima, que é a Guiana. Tanto a Venezuela quanto a Guiana poderiam ser duas bases de exportação e, para isso, é fundamental resolver outra questão do estado que é a segurança energética. Esse problema energético possui várias soluções, mas o Brasil optou pela confrontação e não pela cooperação. A questão energética de Roraima, por ser o único estado do Brasil que não está interligado ao sistema elétrico nacional – Sistema Interligado Nacional (SIN) – é muito grave, pois dependemos da energia produzida na Venezuela e, nesse momento, a central elétrica de Guri está com problema em sua manutenção e a crise venezuelana está se agravando. Uma política inteligente seria basicamente o que foi feito com o Paraguai: participamos da construção de Itaipu e colaboramos para desenvolver o Paraguai. Esse país faz fronteira com o Brasil, tem fluxo migratório, porém, como há desenvolvimento dos dois lados, não são vistos problemas como os que se veem hoje na relação Roraima-Venezuela. Deveríamos trabalhar para recuperar a economia venezuelana, fazendo uma interação com a nossa economia e, aí, eu incluiria também a Guiana. Com esse país, teríamos a opção de um porto de águas profundas que serviria de ponto de exportação para nossos produtos agropecuários. Quer dizer, esse momento poderia ser visto como um momento de oportunidade, mas o estado não tem um planejamento, e o Brasil, também, nos últimos dois anos, acabou com o que tinha de plano crescente de desenvolvimento.

Como o estado pode se beneficiar desse fluxo e quais seriam os caminhos para isso?

– Sim. O estado pode e deveria se beneficiar desse fluxo migratório. Como eu já coloquei, a Venezuela tem um PIB enorme, tem uma natureza belíssima, é um país dotado de um potencial turístico enorme, possui um setor hoteleiro muito grande, e nós temos, no estado de Roraima, uma população de apenas 500 mil habitantes. O estado precisa aumentar sua população, porque o desenvolvimento necessita também de mais mercado consumidor. Um estado cujo tamanho corresponde, por exemplo, ao Reino Unido, é um estado que precisa ser mais povoado. E a forma de se beneficiar desse fluxo migratório é levar em conta a grande quantidade de mão de obra qualificada, analisar os arranjos produtivos locais, ver que nós temos uma grande potencialidade no setor agropecuário, no setor da agroindústria e temos um grande potencial turístico. Podemos ser, também, um polo de desenvolvimento de produtos de alta tecnologia para exportação, porque estamos a uma pequena distância do maior mercado consumidor mundial, que é os Estados Unidos. Por outro lado, temos, também, todo o Caribe aqui perto do estado de Roraima. Agora, o estado não tem população nem mão de obra qualificada suficiente, ao passo que a Venezuela possui uma parte dessa população, que já está em Roraima, com muita qualificação, buscando qualquer forma de sobreviver por conta da crise. Seria necessário, na verdade, repensar essa questão do fluxo migratório, essa política de imigração, mas, para isso, teria que ter um plano de desenvolvimento para o estado. Infelizmente, o que se vinha construindo de política de desenvolvimento para a região, quando o Michel Temer assumiu o poder, ele foi para uma outra linha de ação que foi basicamente de confrontação, de subserviência aos Estados Unidos, ideologizou algo que deveria estar no plano econômico. E aí a situação do estado se agravou. Quanto à questão energética de que já falei, teríamos de interligar Roraima ao sistema elétrico nacional ou então investir na manutenção da central elétrica de Guri, que abastece 10 dos 15 municípios de Roraima, incluindo Boa Vista; trabalhar a questão de energias alternativas por conta das grandes distâncias que se têm em relação às áreas mais afastadas, mais rurais. Deveríamos nos aproveitar desse fluxo migratório de outra forma. Estamos perdendo um momento importante para o desenvolvimento do estado de Roraima.

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Há grande insatisfação da população roraimense com a presença de venezuelanos. No mês passado, moradores do município fronteiriço de Pacaraima atacaram e expulsaram alguns imigrantes. Considera esse um ato xenófobo (crime previsto no artigo 20 da Lei Federal 7.716/89)?

Hoje, há uma insatisfação da população com o grande fluxo migratório de venezuelanos. Mas eu não consigo enxergar o estado, o seu povo em sua maioria, como tendo características xenófobas. Na verdade, Roraima é uma grande mistura de povos. Temos gente de todos os estados da federação e até pouco tempo atrás esse convívio, entre roraimenses e venezuelanos, era natural. Venezuelanos moravam em Roraima, roraimenses moram na Venezuela. Agora, o Brasil passa por um momento político muito especial que permite que uma pequena parte da população se porte como xenófobo, com um comportamento mais hostil contra os imigrantes. Esse percentual é xenófobo mesmo, intolerante. Relativamente ao caso de Pacaraima, considero que vários fatores contribuíram. A cidade tem em torno de 10 mil habitantes com 1.200 imigrantes vivendo na rua ou em abrigos, alguns mais ou menos estruturados, outros improvisados. O acréscimo é muito grande para uma cidade que não tem o suporte para dar atenção a essa população. O fato concreto é que não há entendimento entre o governo federal e o estado, além de interesses políticos em acirrar os ânimos. Alguns agentes políticos, que dominam a política do estado, querem, de alguma forma, uma confrontação. Essa confrontação tem a ver com a busca de votos e aí se jogam os habitantes uns contra os outros. Como não há um controle no fluxo migratório, pessoas de diversas índoles estão entrando no país, entre esses imigrantes, evidente, há aqueles que não têm um comportamento decente enquanto cidadão. E, em Pacaraima, o acréscimo de crimes diversos – furtos, roubos, latrocínios – recai sobre os venezuelanos. Isso vai se agravando e aí você pega algumas pessoas que usam essa situação para incendiar a população e aconteceu o que se divulgou em rede nacional. Mas, reafirmo, não considero que a maioria da população seja xenófoba. Há uma insatisfação porque o estado não suporta o fluxo migratório e não se planejou. O governo federal deveria dar suporte para o estado, porque Roraima não teria condições financeiras de comportar um acréscimo tão grande na população. Mas tudo vira um jogo político e não uma política social, uma política humanitária, uma política de desenvolvimento.

O poder público estadual é responsável por tratar do problema do fluxo migratório venezuelano ou essa é uma questão que diz respeito, exclusivamente, à esfera do governo federal?

– O fluxo migratório, neste caso, é uma política entre países. Mas como acontece pela fronteira de Roraima, o estado também participa, embora todo o controle na fronteira deva ser feito por instituições federais (Polícia Federal, Receita Federal e a Guarda Nacional quando for destinada para esse fim). Agora, a partir do momento que entra no Brasil, passa a ser, também, um problema do estado de Roraima. Essa ação deveria ser uma ação conjunta envolvendo as nações (Brasil, Venezuela), o ente federativo (Roraima) e a própria ONU. O grande desafio é que, em termos nacionais, o Brasil optou por não buscar soluções negociadas para minimizar essa questão. O Brasil optou por buscar a confrontação. O governo estadual, por outro lado, tem um problema de gerenciamento, um problema próprio do estado que é não ter se preparado para essa situação. Esse fluxo já vem acontecendo há algum tempo, só chegamos a um volume considerável agora, mas não é recente. Então, você tem a ausência de agentes políticos, tanto do estado como do governo federal, e aí deixam o problema se avolumar esperando que as coisas se acomodem. Entretanto não se tem um mercado consumidor que consiga acomodar esse contingente de imigrantes sem uma política de investimento na infraestrutura, na capacidade de atendimento nas áreas de saúde, de educação, de moradia, enfim, um planejamento de desenvolvimento capaz de incorporar essa mão de obra migratória. Dessa forma, vejo como um jogo de “perde-perde”. O estado de Roraima e a União são dois agentes que não estão correspondendo ao momento histórico, não estão à altura do problema, não dialogando de forma construtiva. Então, é um problema que ainda vai demandar um tempo para ser resolvido.

A mídia corporativa brasileira tem dado destaque à Venezuela como sendo uma ditadura levada a ferro e a fogo por Nicolás Maduro. O senhor concorda com a veiculação dessas informações?

– Não concordo que a Venezuela seja uma ditadura. Na realidade, se observamos a história da Venezuela, constataremos que o país costuma respeitar às regras democráticas. Agora, a mídia brasileira registra os fatos, deturpando-os inúmeras vezes, conforme sua conveniência ideológica e de conluio com certa política de alinhamento com os interesses dos EUA e de certo segmento político brasileiro. Para grande parte da mídia corporativa brasileira, alguns são aliados, e outros não, ao sabor da conveniência discursiva e de benefícios financeiros que o apoio das pouquíssimas famílias que controlam o setor midiático brasileiro pode auferir. Os interesses são abjetos, são escusos. Portanto, a discussão não se circunscreve ao fato de a Venezuela ser ou não ser ditadura. Jamais se ouviu falar que alguns países muçulmanos ou africanos são uma ditadura pela mídia brasileira, porque para ela é conveniente não noticiar isso. A Venezuela tem um presidente democraticamente eleito. O processo democrático seguiu seu rito. Alguns países questionam, porém, quando se faz uma análise mais profunda, perceberemos que essa veiculação de que a Venezuela é uma ditadura está plantada em interesses econômicos maiores num um xadrez geopolítico que tem como protagonista os EUA. Garanto que, se a Venezuela não tivesse tanto petróleo, eu diria que essa discussão seria relegada à margem de fatos noticiosos sem nenhuma importância para as grandes nações que necessitam desses recursos naturais, principalmente os EUA. A mídia falseia a verdade. Em função desse panorama de pressão externa e com as sucessivas tentativas de golpe contra Nicolás Maduro patrocinadas pelos EUA, a democracia, sem dúvida, começa a se enfraquecer. O fato é que não há na Venezuela lideranças que façam o contraponto ao atual presidente. Podem-se questionar os problemas advindos da gestão de governo, da condução de política econômica, mas jamais dizer que na Venezuela existe uma ditadura, como a mídia insistentemente tem propagado de maneira falseadora e criminosa do ponto de vista de um jornalismo sério e imparcial que se espera.
 
(Publicado originalmente no site Contexto Livre)

Michel Zaidan Filho: A eleição do contra

 
 
 
Dois fatos novos parecem determinar a dinâmica das eleições presidenciais, daqui para frente. O impacto da agressão sofrida pelo deputado Jair Bolsonaro (PSL) sobre o eleitorado e o registro da candidatura de Fernando Haddad (PT) a Presidente da República. Faltando pouco mais de 15 dias para as eleições de primeiro turno, havia uma expectativa da parte dos bolsonaristas de que o incidente poderia alavancar a intenção de voto, ao provocar uma comoção popular, no candidato do PSL. Não foi o que aconteceu. Houve uma alteração de 2 pontos para cima, no rank eleitoral.É preciso atentar para o fato de que Bolsonaro é o campeão de rejeição segundo as pesquisas eleitorais e que na simulação do segundo turno, não ganha para nenhum dos outros candidatos. Como se especulava, antes do evento criminoso (ainda não de todo esclarecido), é como se o teto eleitoral do candidato já tivesse sido alcançado, mesmo com a ajuda da mídia "desinteressada".
 
O deputado pode ir para o segundo turno, mas perderá o seu favoritismo, sobretudo em razão das alianças que serão feitas contra si. O outro fato relevante é a candidatura de Fernando Haddad. Aqui é preciso reconhecer que houve um apreciável atraso no lançamento dessa candidatura. Um tempo precioso foi perdido, enquanto se discutia se havia ou não plano B para as eleições presidenciais por parte do Partidos dos Trabalhadores. Há que se distinguir duas importantes questões:a liberdade de LULA: a outra, a campanha eleitoral deste ano. Atrelar as duas foi um cálculo que pode dificultar o crescimento eleitoral de Haddad, nesse meio tempo de propaganda que ainda resta. A favor do candidato petista, pesa a pequena rejeição e o patrocínio de LULA, com o seu imenso prestígio popular. De toda maneira, o próprio LULA vem recomendando que se faça campanha nas redes sociais, em razão do cerco que os meios de comunicação vêm fazendo em relação a exposição pública do ex-prefeito de São Paulo.

Questão relevante é o início da discussão sobre as possíveis alianças para aqueles que poderão estar no segundo turno das eleições presidenciais. Há uma pergunta que não quer calar: para onde vai o PSDB, se seu candidato não chegar lá, como parece. É razoável supor que o PDT, a REDE, os Partidos Comunistas, o PSOL, o PSB caminhem juntos contra Bolsonaro. Mas há um extenso eleitorado de direita e centro-direita disponível para ser disputado pelos partidos que chegarem ao fim do pleito eleitoral. As agremiações partidárias e seus candidatos já deviam estar se preparando para esse debate. Não há mais tempo a perder nessas eleições, caracterizadas pelo chamado"Fake News". É preciso recuperar o tempo perdido junto aos eleitores e rediscutir a estratégia eleitoral a ser seguida depois do dia 7 de outubro. Se o fato do candidato favorito se encontrar fora - ocasionalmente - da propaganda e possuir uma grande rejeição (o que em tese trava seu potencial de crescimento) não for devidamente aproveitado pelos demais, há o risco dele ganhar as eleições pela incompetência e a inércia de seus adversários em buscar, desde já, de um acordo que permita ao seu competidor, no segundo turno, derrotá-lo.

Os partidos e seus candidatos precisam pensar estrategicamente o processo eleitoral, e não se fixar num planejamento de curto prazo. As eleições em dois turnos são praticamente duas eleições, com alianças e estratégias de campanha diferentes. A 15 dias do fim da campanha, é necessário olhar para diante e se preparar para o que vier acontecer. Outro ponto que mereceria uma análise mais detida é a composição do Congresso Nacional. Quem ganhar, será indispensável contar com o apoio de uma maioria estável para evitar as crises de governabilidade que colocam em risco o processo democrático.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE