pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Michel Zaidan Filho: Comunidade prisional e privatização da pena.







                                                     No início do primeiro mandato de ex-governador falecido, tive a oportunidade de presenciar um debate esclarecedor sobre como o mandatário estadual pretendia tratar do problema carcerário do Estado de Pernambuco. Em sua mansão, na  companhia do super- secretário Ricardo Leitão, da pesquisadora Ronidalva Wanderley
(FUNDAJ), do futuro assessor especial José Ratton e de um delegado da Polícia Civil, o neto de Arraes propôs que se privatizasse  o sistema carcerário de Pernambuco, a exemplo do modelo norte-americano. Dizia ele, que a Polícia Militar executava os suspeitos e a Polícia Civil, roubava. Então achava que a solução seria transferir a custódia dos presos para uma
empresa público-privada, com administração própria, de forma a livrar o Estado da responsabilidade com a integridade física e a ressocialização dos detentos. Houve, nesta reunião, vários votos contrários a esta proposta. O modelo carcerário norte-americano combina com a sociedade norte-americana da auto-defesa, da redução do papel do Estado, a liberdade da livre empresa e do terrorismo penal. Os Estados Unidos da América possuem a maior população carcerária do  planeta, têm pena de morte e prisão perpétua e um modelo de sociedade altamente criminógeno. Transpor, simplesmente, tal modelo para o Brasil não iria resolver a questão crucial da responsabilidade pública-estatal para com os apenados e sua ressocialização. Implicaria apenas na mera transferência de responsabilidade para o setor privado, livrando o governo das iniquidades do nosso sistema carcerário.


                                                     Esta discussão voltou à tona em razão do caos penitenciário que se estabeleceu em Pernambuco, com a rebelião e morte de presos. Além da degradação da vida humana nesse sistema penitenciário, há o grave problema da superlotação carcerária, que leva os presos a lutarem entre si pelo seu "espaço vital". Há, também, o problema da vara das execuções penais que não dá conta dos inúmeros processos por progressão da pena, prisão aberta, a liberdade dos presos etc. A ninguém de bom senso escapa a certeza de existir uma enorme negligência, para dizer o mínimo, do Estado para com os apenados. É como se eles não tivessem mais nenhum lugar na sociedade e, portanto, merecessem morrer. Daí que a palavra "ressocialização" soa hipócrita e sem sentido para esses detentos.
                                                     Pior é o conceito de "comunidade prisional" empregado pelo atual secretário de Justiça no sentido pejorativo do termo. Comunidade do crime e das famílias dos criminosos. Ao invés de tirar partido, tendo em vista a ressocialização dos presos, da proximidade familiar, para o  gestor da pasta, essa comunidade só torna as paredes da prisão mais frágeis e devassáveis, pois as famílias dos detentos ajudariam a entrada de objetos proibidos aos presos: drogas, bebidas, armas, celulares etc.
                                                     Apostar na pura e simples transferência de responsabilidades do Estado para com a integridade física e mental dos presos, para as mãos da iniciativa privada é querer se livrar da obrigação da regeneração moral e social dos chamados "delinquentes". É entregar a custódia dessas criaturas à responsabilidade do mercado e da busca do lucro A privatização dos presídios não possui programa moral, educativo, cívico. Simplesmente é uma prestação de serviço, por particulares, a cidadãos provisoriamente privados de sua liberdade.
                                                     O  que o Estado e seus servidores deviam cuidar é das prioridades do gasto social, para ver se em lugar de novos presídios e celas, se constrói mais escolas de tempo integral, os postos de saúde em pleno funcionamento, mais oportunidades sociais para aqueles que não nasceram nas famílias coroadas de Pernambuco.


Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor da UFPE e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia NEEPD/UFPE.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Vitória de Eduardo Cunha e coroamento de sistema político apodrecido

Vitória de Eduardo Cunha é coroamento de sistema político apodrecido

Por Da redaçãofevereiro 3, 2015 15:06
Vitória de Eduardo Cunha é coroamento de sistema político apodrecido


Por Igor Felippe
As vísceras do sistema político brasileiro estão expostas com a eleição do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para a presidência da Câmara dos Deputados.
Reconhecido como operador dos interesses das grandes empresas no Congresso Nacional, o deputado carioca é um dos parlamentares que mais arrecada recursos para campanhas eleitorais.
Cunha não escamoteia o tipo de relação que constrói com bancos, empreiteiras, mineradoras, operadoras de planos de saúde, agronegócio, empresas de telefonia e do ramo de bebidas. “Há afinidade nas propostas”, explica.
O comitê de Eduardo Cunha arrecadou R$ 6,8 milhões para a eleição do ano passado. Os gastos de campanha ficaram em R$ 6,4 milhões. Ou seja, sobrou dinheiro (leia mais aqui)
“Este ano não tive dificuldade para captar. Até sobrou dinheiro na minha campanha”, admitiu Cunha. “Na maioria das vezes são as empresas que me procuram. Até porque tenho a mesma visão delas”.
A máscara caiu. A eleição de Cunha é o fim da hipocrisia no Congresso. Esse negócio de representante do povo é coisa do passado. A verdade nua e crua é que esse sistema político foi sequestrado pelas grandes corporações e levou seu maior símbolo à presidência da Câmara.
O odor de um sistema político podre exala ao folhear as páginas da Folha de S. Paulo. A institucionalidade que sustenta esse modelo de fazer política chegou a um paradoxo.
Vamos às notícias:
Depois da eleição, Cunha manifestou que o PMDB vai questionar na Justiça a criação de novos partidos, que são formados para burlar a legislação, que restringe a mudança dos parlamentares entre as legendas existentes, sob ameaça de perda do mandato.
O desvio da infidelidade partidária teve como consequência um remendo patrocinado pelo STF na interpretação da legislação eleitoral, que deixou buracos e demanda um novo remendo nesse emaranhado institucional. Os parlamentares estão se lixando para os partidos e negociam essas mudanças justamente para barganhar seus votos em troca de cargos e emendas.
Derrotado com o desfecho da disputa para a presidência da Câmara, o governo trabalha para reconstruir a base parlamentar. Depois de lotear o ministério entre os diversos partidos, os cargos de 2º escalão são a bola da vez.
O preço da governabilidade é a distribuição de cargos. Ou seja, o Congresso não funciona a partir da discussão de projetos à luz dos interesses da sociedade, mas da “satisfação” dos parlamentares com cargos. Esse artifício tem nome: chantagem. E o governo é refém desse procedimento para viabilizar a governabilidade.
O loteamento desses postos, que fazem interface do Estado com empresas privadas, cria as condições para o desvio de recursos para fins pessoais e eleitorais.
A Folha publica um artigo do renomado jurista nas hostes conservadoras Ives Gandra Da Silva Martins, professor emérito da Universidade Mackenzie, que defende a fundamentação jurídica para um pedido de impeachment da presidenta Dilma.
O tutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra apresenta uma interpretação da Constituição que abre margem para imputar culpa a Dilma por omissão, imperícia, negligência e imprudência no esquema de corrupção na Petrobras.
Martins registra também que o julgamento de um impeachment pelo Congresso é mais político que jurídico, dando como exemplo o caso do presidente Fernando Collor, que foi afastado, mas absolvido pela suprema corte.
As vísceras da política institucional estão à mostra. Depois da eleição de um parlamentar considerado um lobista das grandes empresas para a presidência da Câmara, a edição desta terça-feira da Folha desvela que esse sistema político é caracterizado pela infidelidade partidária e pelo loteamento de cargos do Estado para garantir a governabilidade.
No entanto, a saída para a crise que o jornal ensaia está na seção de artigos, com a discussão sobre a viabilidade jurídica para o impeachment da presidenta. A salvação para os agentes e cúmplices desse sistema político é jogar a responsabilidade da sua crise terminal no colo de Dilma.
Restará às forças democráticas mobilizar a sociedade diante de um quadro de crise institucional em torno de uma profunda reforma política, que será possível apenas com uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político.
A eleição de Cunha representa um escudo para o atual sistema político. Confiar ao Congresso a legitimidade de fazer uma profunda reforma política pode ter um desfecho bastante diferente do desejado por aqueles que querem sinceramente purificar o jogo institucional no país.

(Publicado originalmente na Revista Fórum)

Claudio Gonçalves Couto: Novas Eleições Críticas?

Novas Eleições Críticas?

O pleito de 2014 ocorreu em um cenário político consideravelmente modificado em relação ao de quatro anos antes, quando o presidente Lula, no auge de sua popularidade, elegeu com facilidade Dilma Rousseff e ajudou na vitória de um bom número de parlamentares e governadores petistas. Desta feita, a candidata à reeleição teve de lidar com uma situação política bem menos confortável do que aquela que lhe catapultou do quase anonimato eleitoral à Presidência da República.
Essa mudança de ambiente, bem como as suas consequências pós-eleitorais, só podem ser compreendidas satisfatoriamente se considerarmos o terremoto sociopolítico que foram as manifestações deflagradas em junho de 2013. Elas tiveram um impacto avassalador sobre a popularidade presidencial, que despencou. Segundo o Datafolha, o governo era avaliado como ótimo ou bom por 65% dos brasileiros em janeiro de 2013, enquanto apenas 7% o avaliavam como ruim ou péssimo. No início de junho, esses números pioraram um pouco, mas continuavam muito bons: foram para 57% e 9%, respectivamente. Porém, ao final desse mesmo mês o impacto das manifestações ficou evidente: 30% de bom e ótimo (menos da metade de seis meses antes) e 25% de ruim e péssimo (uma avaliação negativa três vezes e meia maior) (http://datafolha.folha.uol.com.br/).
Apesar de uma boa recuperação na virada do ano, quando chegou aos 41% de ótimo/bom e ficou entre 17% e 21% de ruim péssimo, logo a avaliação do governo voltou a piorar e só foi recuperada durante a campanha eleitoral, com o governo atingindo, às vésperas do segundo turno, 44% de aprovação e 19% de reprovação (ver a Figura 1).
Iniciados nas primeiras semanas de agosto, os programas do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) contribuíram claramente para uma lenta, porém persistente, recuperação da imagem governamental. Inegavelmente, os programas na TV e no rádio foram eficazes como uma contrapropaganda governamental, diante da débacle causada pelas jornadas juninas e por anos seguidos de cobertura midiática desfavorável, como demonstrado nos levantamentos do Manchetômetro (http://www.manchetometro.com.br/). Na última pesquisa Datafolha antes do início do HGPE, a diferença entre a avaliação positiva e a negativa era de apenas +9%; às vésperas do segundo turno, ela havia aumentado substancialmente, para +25%. Esse foi um fator decisivo para que Dilma Rousseff reforçasse sua competitividade nas eleições presidenciais.
Movimentação na sociedade brasileira
Note-se, porém, que como todo terremoto, o abalo das jornadas juninas não pode ser explicado pelo balanço da superfície, mas pela movimentação das camadas subjacentes – sua causa real. E profundas movimentações ocorreram nas fundações da sociedade brasileira nos últimos 25 ou 30 anos, em boa medida graças à atuação e a transformações do Estado brasileiro nesse período. A Constituição de 1988 lançou as bases institucionais não apenas de nosso regime democrático – concluindo o processo de ampliação da participação eleitoral efetuado ainda durante o regime militar (Santos, 1985) – como de um estado de bem-estar social orientado para a universalização de algumas políticas (como saúde, educação e previdência) (Pessôa, 2014). Fixado esse patamar, ficou claro para o conjunto dos cidadãos que o acesso a certos serviços sociais tornou-se um direito inquestionável, restando, porém, irresolvida a questão de sua qualidade – algo que Renato Janine Ribeiro tem definido como se constituindo numa “quarta agenda democrática” (Ribeiro, 2014), que ganhou corpo nas jornadas juninas, quando se pediam serviços públicos “padrão Fifa”.
Se a derrubada do regime autoritário foi a primeira das agendas democráticas a que alude Ribeiro, a segunda foi o combate à alta inflação. Tema mais candente durante os anos 80 e 90 do século passado, foi decisivo em ao menos quatro ciclos eleitorais: o de 1986, na esteira do efêmero sucesso do Plano Cruzado, quando garantiu ao PMDB uma acachapante vitória para o Congresso Constituinte e os governos estaduais; o de 1989, quando Fernando Collor se elegeu alegando ter na agulha uma única bala para matar o tigre inflacionário (a qual se revelou um tiro n’água); o de 1994, quando Fernando Henrique Cardoso foi eleito com base no sucesso – desta vez consistente – de mais um plano anti-inflacionário: o Real; e, finalmente, o de 1998, quando FHC foi reeleito como a garantia de que a tão almejada estabilidade monetária seria preservada.
Estruturadas as bases da estabilidade da moeda e da modernização liberal do Estado brasileiro pelo governo tucano, abriu-se espaço para um aprofundamento da agenda de inclusão social proclamada pela Constituição de 1988, porém, levada a cabo apenas parcialmente. Afinal, mesmo estipulando-se certas políticas sociais como direitos assegurados e procedendo-se à sua institucionalização (como por meio das normas básicas do Sistema Único de Saúde, do Fundo de Desenvolvimento da Educação Fundamental e da Lei Orgânica da Assistência Social), ainda restavam por atacar os históricos e gritantes problemas da pobreza e da desigualdade no país. Foi essa a agenda preferencial dos governos petistas, em especial os dois de Lula. De fato, as gestões do PT foram bem-sucedidas na consecução dessa política, como se nota pela marcante redução da pobreza e da extrema pobreza (miséria) a partir de 2003. A desigualdade também caiu de forma significativa, porém, em intensidade menor (Figura 2).
Crescimento da “classe C”
Outra transformação crucial desses anos, relacionada às políticas redistributivas, foi o substancial crescimento da assim chamada “classe C” – essa camada situada a meio caminho entre os pobres e os segmentos a que se pode com propriedade denominar “classes médias”. Os estudos de Neri (2011) mostram a grande transformação sofrida pela sociedade brasileira quanto a esse aspecto. Ao se constituir no segmento majoritário da população brasileira (e, ipso facto, do eleitorado), esse estrato social eleva a incerteza das disputas eleitorais, pois se mostra muito menos fiel a qualquer partido ou liderança do que as camadas situadas abaixo ou acima dele, economicamente. Isso foi evidenciado durante as eleições de 2014 no comportamento desse eleitorado no primeiro turno. Enquanto os mais pobres se mantiveram solidamente fiéis a Dilma e os mais ricos sustentaram Aécio – apesar de um breve flerte com Marina –, os eleitores da “classe C” oscilaram de forma volátil entre os três principais candidatos (como se vê na Figura 4, na pág. seguinte). Por isto, pode-se dizer que foi, sobretudo, entre eles que a eleição se decidiu; eles se constituíram, de certa forma, em nossos “swing voters” na eleição presidencial.
Os emergentes da “classe C”, supostamente grandes beneficiários das políticas redistributivas dos anos Lula, mostraram-se bem menos propensos a apoiar o governo petista do que os das classes D/E, pois enxergam menos no governo e mais em seus próprios méritos a causa de sua ascensão, como apontou uma pesquisa conduzida pelo instituto Datapopular (O Globo, 22/10/2014). Segundo esse levantamento, apenas 9% atribuem à ação do governo sua ascensão social. Trata-se de um segmento que, embora tenha emergido na escala do consumo, ainda é um usuário intensivo de serviços públicos como os de saúde e educação – o que fica patente em suas preocupações. Ainda de acordo com o levantamento do Datapopular, para 65% dos membros da classe C, a saúde pública era o principal problema do país. Por outro lado, logo em seguida apareciam os políticos (a corrupção), a violência e a inflação (com percentuais entre 63% e 59%).
Assim, se tem cativado os mais pobres, o PT vê erodir continuamente seu prestígio junto às camadas médias (e mesmo as emergentes), cujas manifestações de insatisfação tendem a ser mais estridentes e capazes de serem vocalizadas pelos diversos meios de comunicação. Incluem-se aí as redes sociais, constitutivas de uma “subopinião pública”: menos estruturada em sua influência do que os grandes veículos de mídia, mas ainda assim constituindo ambientes de opinião, disseminação de ideias e reforço de convicções.
Escândalos de corrupção
Dentre os fatores que contribuíram para a perda de apoio do PT junto aos setores médios e os estratos mais afluentes figuram com destaque os seguidos escândalos de corrupção que acometeram os governos nacionais do partido – evidentemente, exponenciados por uma mídia que não lhe é nada simpática. Contudo, não devem ser desconsideradas também as transformações por que passou o país no âmbito econômico. Os benefícios do crescimento dos anos Lula não atingiram igualmente os diferentes setores da população: os mais pobres ganharam relativamente mais. E, durante o primeiro governo Dilma, a estagnação contribuiu para aprofundar um desgaste que já vinha se avolumando nesse setor da sociedade.
A percepção de que teriam auferido ganhos econômicos menores veio associada à perda relativa de status social, já que se reduziram as possibilidades de diferenciação por meio do consumo com relação aos ascendentes. Essa perda de distinção atiçou o ressentimento de certas parcelas das classes médias estabelecidas, expresso em reiteradas demonstrações discriminatórias nas redes virtuais e em outros contextos de sociabilidade em que a licença para exprimir certas convicções se faz presente. Incapazes de seguir desfrutando da exclusividade que sua condição econômica diferenciada lhes proporcionava, direcionaram ao governo do período recente sua insatisfação, rejeitando-o.
O desgaste junto às camadas médias teve pouca importância eleitoral nas eleições de 2010, quando um Lula triunfante, numa grande onda de popularidade escorada no bom desempenho da economia, elegeu sem grandes percalços Dilma Rousseff. As pesquisas de segundo turno do Datafolha à época mostravam a candidata petista sempre à frente de Serra, do PSDB, com ao menos 6% de vantagem. Na última pesquisa, figurou com 10%, que nas urnas se tornaram 11% dos votos totais. Já em 2014, a disputa foi bem mais renhida. Dilma chegou a figurar atrás de Aécio nas duas primeiras pesquisas do segundo turno e, quando virou, manteve-se apenas 4% à frente, os quais se tornaram 3% dos votos totais. Uma eleição bem mais difícil.
É interessante notar o que ocorreu junto às camadas médias nessas duas eleições. Quando se considera a “classe C”, em 2010, Dilma sempre esteve à frente, mesmo que por pequena margem. Na última pesquisa antes da eleição, aparecia 6% à frente – uma margem menor do que a do eleitorado total. Já em 2014, Aécio figurou à frente nas três primeiras enquetes do segundo turno; nas três últimas eles seguiram empatados. Contudo, se observarmos o estrato social logo acima, a “classe B” (5 a 10 salários mínimos), a diferença entre as duas eleições é brutal. Em 2010, Dilma aparecia na última enquete perdendo por apenas 3%; em 2014, a diferença entre ela e Aécio foi de 20%.
Em seu primeiro governo, Dilma não demonstrou a mesma ventura do antecessor e mentor. Desprovida de seu carisma e habilidade política, aferrada a certezas doutrinárias, autoritária no trato com os subordinados, centralizadora e apegada a detalhes do micromanagement, liderou um governo sem brilho. Após um flerte inicial com a classe média que com ela se identificava em virtude de sua extração social, experimentou as dificuldades dos escândalos de seu próprio governo, as muitas substituições de ministros, o declínio sensível do nível de atividade econômica e uma inflação persistentemente acima da meta; patinou nas relações com o Congresso e, quanto mais o mandato se aproximou do final, mais infidelidade colheu junto a sua base e mais necessitou dos votos de oposicionistas. Às mudanças estruturais de mais longo prazo, criadoras de dificuldades eleitorais para o PT, o desempenho governamental da presidente acresceu elementos conjunturais não menos problemáticos.
Desgastes, esgotamento
A elevada popularidade que lhe bafejou durante os dois primeiros anos de gestão se esvaiu num átimo, tão logo as manifestações de junho de 2013 ganharam corpo e tomaram as ruas. Mais do que a causa, as jornadas juninas (que se estenderam por outros meses) expressavam o esgotamento de mais um ciclo – desta vez, aparentemente, mais largo. A longa melhora do país iniciada na redemocratização (e aqui brevemente descrita) parece ter chegado a um ponto de inflexão. O progresso social e institucional, por vezes, gera um paradoxo: eleva as expectativas populares para um patamar que o próprio progresso não é capaz de satisfazer. Assim, o estancamento da melhora do país produziu uma frustração diretamente proporcional à elevação dos anseios que a melhora anterior suscitara.
As eleições, assim, tornaram-se bem mais difíceis do que se poderia prever cerca de um ano e meio antes de sua realização – isto é, antes de junho de 2013. Nas regiões mais ricas do país, o PT sofreu um desgaste significativo, refletido na acachapante derrota em São Paulo e nos estados do Sul, bem como na redução de sua bancada na Câmara dos Deputados e no número de deputados estaduais. O desgaste é fator inegável, mesmo junto a certos segmentos da esquerda, o que ajuda a compreender o novo desempenho alentado de Marina Silva e o apoio à candidatura de Aécio Neves no segundo turno por parte de lideranças tradicionalmente identificadas com a esquerda.
Os quatro âmbitos da disputa
Embora as atenções maiores sempre se dirijam à eleição presidencial, é preciso levar em consideração os demais âmbitos em que se deu a disputa eleitoral em 2014: as eleições para governador, congressuais e para as assembleias legislativas. Se tomarmos como referência o cenário mais amplo, houve um considerável aumento da fragmentação: no Congresso, nas Assembleias e nas governadorias. Um número maior de partidos (e partidos menores, em particular) ganhou espaço em todas essas frentes. No que concerne especificamente ao PT, o partido, além de ter ganhado de forma apertada a disputa presidencial, perdeu terreno também nas demais disputas.
Nas eleições para deputados estaduais, depois de ter experimentado um alentado crescimento de 2006 para 2010, aumentando em 18% suas bancadas nas assembleias (e tornando-se a agremiação com o maior número de deputados estaduais no país, 149), o PT experimentou um declínio ainda mais robusto do que fora seu crescimento: 28%. Com isto, regrediu a um patamar inferior ao que possuía em 2006 (apenas 108 deputados, contra 126 anteriormente) e voltou a ficar atrás do PMDB no número de parlamentares nas assembleias legislativas.
Perda similar ocorreu na disputa para a Câmara dos Deputados, na qual o PT vem experimentando um quase que contínuo declínio desde 2002. Naquela eleição, o partido conquistou 91 cadeiras, caindo para 83 em 2006; recuperou-se parcialmente em 2010, quando elegeu 88 deputados, mas despencou em 2014, elegendo parcos 70 parlamentares: um declínio de 20%. Esse enfraquecimento do partido nas disputas para o legislativo reflete uma perda de votos generalizada em Estados mais populosos, em especial em São Paulo. Em 2010, o partido havia obtido 16,6 milhões de votos para deputado federal; em 2014, eles diminuíram para 13,6 milhões – uma redução de 18%. Outros partidos médios ou grandes, como PSDB, PMDB e PSB também caíram, mas menos. Muitos desses votos perdidos foram amealhados por uma miríade de partidos pequenos e alguns “novos médios”, como PSD e PRB, além dos recém-criados SD e Pros.
A distribuição geográfica e social do voto petista teve acentuada, nas eleições de 2014, uma mudança iniciada já em 2006 para as eleições presidenciais, analisada, entre outros, por Hunter & Power (2007). A partir daquela eleição, o PT passou a ser claramente mais votado pelos mais pobres e nas regiões Norte e Nordeste. Essa divisão voltou a se manifestar em 2010 e aprofundou-se em 2014. Desta última feita, além das perdas na eleição presidencial, o PT também foi mais mal votado entre os ricos e os eleitores do sudeste nas disputas para o legislativo e as governadorias – com exceção de Minas Gerais.
Essa situação fica nítida quando se observa um mapa do país colorido de acordo com as vitórias dos candidatos a governador de cada partido. O PT ocupa uma mancha contínua que sai de Minas Gerais, passa pela Bahia e pelo Piauí, chegando ao Ceará. Curiosamente, seu principal antagonista, o PSDB, ocupa outra mancha contínua, que se inicia no Paraná, passa por São Paulo e Mato Grosso do Sul, chegando a Goiás. Essa divisão geográfica encontra correspondência no tamanho do PIB gerido por cada partido: enquanto o PSDB governa 44% do PIB, o PT fica com apenas 16%, embora ambos governem o mesmo número de estados: cinco cada um.
Esse contraste entre um partido que ganha em estados ricos e outro, que ganha nos pobres, fica mais evidente se observamos a diferença no PIB per capita administrado por cada partido (Figura 5). Assim, não apenas nas eleições presidenciais o PT foi mais votado entre os mais pobres e nas regiões mais pobres; o partido também se mostrou mais competitivo nessas regiões nas disputas para governador. Parece converter-se, assim, cada vez mais, num “partido dos pobres”. Isto pode vir a se tornar um problema para a agremiação.
Qualunquismo e eleições críticas
Em artigo publicado no início de 2014, Marcus André Mello (2014) defendeu a ideia de que nas regiões mais pobres, mais do que um voto “lulista” (Singer, 2012), há um voto “qualunquista”. Segundo ele, esse eleitor, dada sua maior necessidade das políticas governamentais, tende a ser muito mais fiel ao governo do dia – qualquer que seja seu ocupante. Com efeito, votando no governismo, esse eleitor vota em “qualquer um” (qualunque, em italiano), o que explicaria, no passado, os votos fiéis ao PFL no Nordeste e, hoje, os votos no PT. Se estiver correta essa tese, o PT terá problemas no futuro próximo, caso as políticas que lhe diferenciaram continuem a produzir resultados.
A redução do número de pobres tem como resultado a sua paulatina conversão em um estrato social menos fiel ao governo do dia e mais convicto da importância de seus próprios méritos na consecução de sua ascensão social. Paradoxalmente, o aprofundamento da redistribuição pode se mostrar um sucesso de política pública contraproducente do ponto de vista eleitoral. Por essa razão, para manter-se competitivo, o PT precisará, no próximo período, buscar uma reconciliação com os setores médios, formulando políticas e um discurso que sejam capazes de sensibilizar esses segmentos.
Até pela sua dimensão (já constitui mais de 55% da população brasileira), é a classe C o destinatário mais natural dessa possível estratégia. Os cerca de 33% que ainda compõem as classes D/E são o esteio eleitoral que assegurou ao partido amplo sucesso em 2006 e 2010, assim como uma sobrevida em 2014. Pela sua própria perda de importância relativa, pode não se mostrar suficiente para a disputa de 2018 se o PT não for capaz de reforçar-se junto aos emergentes.
Eleições críticas?
Em um artigo clássico, V. O. Key (1955) estipulou a definição de eleições críticas. Elas são, segundo ele, “uma categoria de eleições em que os eleitores estão, pelo menos a partir de evidências impressionistas, preocupados com uma profundidade incomum; em que o grau de envolvimento eleitoral é, em termos relativos, bastante elevado; e em que os resultados decisivos da votação revelam uma alteração brusca da clivagem preexistente dentro do eleitorado. Além disso, e talvez esta seja a característica verdadeiramente diferenciadora deste tipo de eleição, o realinhamento manifestado na votação em tais eleições parece persistir por várias eleições subsequentes” (Key, 1955: 4).
Com a conhecida inversão do mapa eleitoral até então vigente no país e a vitória eleitoral do PT no Nordeste e no Norte, as eleições de 2006 poderiam, à primeira vista, encaixar-se nessa categoria. Contudo, se tomarmos em consideração a tese do qualunquismo, de Marcus Melo, poderíamos supor que 2006 apenas repôs as coisas no seu devido lugar, dando ao novo governismo os votos que teriam, de qualquer forma, que ser seus.
Por outro lado, se consideramos o posicionamento ideológico dos partidos, a conquista por uma agremiação de esquerda do eleitorado do Norte-Nordeste é uma novidade, podendo ser encarada como um realinhamento partidário. Entretanto, ela já encontrava correspondência na votação que o PT também angaria nas periferias dos grandes centros urbanos do Sul-Sudeste do país, junto ao eleitorado mais pobre das regiões mais ricas.
O que as pesquisas de intenção de voto mostram de forma mais clara é que uma divisão eleitoral baseada na estratificação social tem-se aprofundado desde 2006. O problema é que essa estratificação social não está parada: as classes se movem e modificam sua participação no eleitorado. Sendo assim, é possível que 2006 tenha sido uma primeira eleição crítica, produzindo um realinhamento. Contudo, talvez venhamos a perceber mais à frente que 2014 iniciou um novo processo de realinhamento, resultante menos da adesão de certos estratos sociais a certos partidos, e mais como decorrência da mudança de peso relativo de cada um desses estratos na estratificação social brasileira.
Curiosamente, observando-se a Figura 3, nota-se que 2006 foi justamente o ano em que se cruzaram as curvas de declínio das classes D/E e de ascensão da classe C. Se a “tesoura” continuar se abrindo e esses respectivos declínio e ascensão prosseguirem, aumentam as chances de que o realinhamento de 2006 comece a ser modificado outra vez mais. Isso se confirmando, na falta de uma readequação das estratégias do PT, o partido enfrentará sérias dificuldades nas próximas disputas nacionais e estaduais. Teriam então sido já estas disputas de 2014, eleições críticas?
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Referências:
Hunter, Wendy & Power, Timothy. “Rewarding Lula: Executive Power, social policy, and the Brazilian Elections of 2006.” Latin American Politics and Society, 2007, vol. 49, 1, pp. 1-30.
Key, Jr, V. O. “A theory of critical elections”. The Journal of Politics, vol. 17, no 1, Feb. 1955, pp. 3-18.
Neri, Marcelo Cortes. Os emergentes dos emergentes: reflexões globais e ações locais para a nova classe média brasileira. Rio de Janeiro: FGV/CPS, 2011.
Melo, Marcus André. “Lulismo ou ‘qualunquismo’”. Valor Econômico, 15/01/2014. Disponível em http://www.valor.com.br/politica/3395814/lulismo-ou-qualunquismo. Acessado em 27/11/2014.
Pessôa, Samuel. “Duas agendas na política econômica”. Folha de S. Paulo, 21/09.2014. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/colunassamuelpessoa/2014/09/1519388-duas-agendas-na-politica-economica.shtml. Acessado em 27/11/2014.
Ribeiro, Renato Janine. “A quarta agenda democrática”. O Estado de S. Paulo, 21/06/2014. Disponível em http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,a-quarta-agenda-democratica,1515637. Acessado em 27/11/2014.
Santos, Wanderley G. dos. “A pós-revolução brasileira”. In Jaguaribe, Hélio (org.). Brasil sociedade democrática. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985.
Singer, André. Os Sentidos do lulismo – reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

Nota do Editor: Publicado originalmente na Revista Interesse Nacional, o artigo do cientista político Cláudio Gonçalves Couto, da Fundação Getúlio Vargas, constitui-se numa das mais densas análises sobre o futuro do Partido dos Trabalhadores. Cláudio é uma autoridade no assunto. Assim como eu, estuda o PT desde o seu surgimento, em 1980, naquela histórica reunião do Colégio Sion, em São Paulo. Sua dissertação de mestrado é sobre as primeiras experiências do partido na gestão da máquina pública municipal, notadamente a gestão de Luíza Erundina, em São Paulo. Mais que recomendo a leitura do artigo. 

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Jean Wyllys: Uma primeira análise do resultado das eleições para a Presidência da Câmara



1. ao insistir numa candidatura própria mesmo percebendo o antipetismo - dejeto do segundo turno das eleições presidenciais - que crescia na Câmara dos Deputados, ao insistir nisso em vez de apoiar a candidatura de algum aliado de partido que gozasse de menor antipatia, de modo que Cunha fosse derrotado de cara, o PT jogou a presidência da Câmara no colo de seu inimigo íntimo;
2. com a derrota nas eleições pra presidência da Câmara e a consequente perda de posições na Mesa Diretora, o PT fará questão de pegar a presidência de três comissões de peso legislativo - o que significará deixar, de lado, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (como o PC do B também não optará por esta comissão, o provável é que ela caia nas mãos de algum partido que tenha, como objetivo, impedir o avanço legislativo em relação aos DHs de minorias e às liberdades individuais, como, por exemplo, PSC, PP, PR et caterva);
3. com a eleição de Cunha, a presidenta Dilma passa a uma situação difícil: ao adotar medidas neoliberais, à moda PSDB, para a economia, ela desmobilizou as forças políticas progressistas que lhe garantiram a diferença de votos em relação a Aécio Neves no segundo turno das eleições presidenciais; parte dessas forças políticas - em especial as mais à esquerda (entre as quais me incluo) - sentiu-se traída quando a presidenta pendeu pra direita em sua política econômica e, da presidenta, essa esquerda vem se afastando; e, apesar dessas políticas neoliberais feitas para agradar os detratores, a presidenta não os agradou de fato e ainda teve de amargar ver seu inimigo chegar à presidência da Câmara - o que significa, pra Dilma, a perda da governabilidade; perda que se somará ao enfrentamento de uma oposição de direita (PSDB, DEM e PPS) ressentida e revanchista (fora a contribuição da "grande" mídia para jogar a opinião pública contra seu governo).
A presidenta terá dificuldades para governar e a população sofrerá as consciências dessa dificuldade. Tempo ruim virá pra todos nós - progressistas, minorias e pobres em geral - se algum vento não dissipar as nuvens de chumbo!

Jean Wyllys é Deputado Federal pelo PSOL do Rio de Janeiro

Diretor da SABESP faz revelação assustadora: Saim de São Paulo

Paulo Massato, engenheiro e diretor da Sabesp há 10 anos, deu uma declaração espantosamente sincera em áudio que vazou para a imprensa. Ele é a única pessoa a contar a verdade sobre o caos que se avizinha em São Paulo

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Numa reunião da diretoria da Sabesp do ano passado, cujo áudio vazou, Paulo Massato deu sua declaração mais sincera sobre o caos que se avizinha em São Paulo
Kiko Nogueira, DCM
O diretor metropolitano da Sabesp, Paulo Massato Yoshimoto, é um espécie de grilo falante de uma empresa cheia de segredos. Foi ele quem admitiu, nesta semana, a adoção de um rodízio “muito drástico” na região metropolitana e a formulação dos dois dias com água para cinco dias sem.
Esta seria a solução “no limite”. No ritmo atual, o volume disponível para captação no Sistema Cantareira deve se esgotar em março e a terceira cota de 41 bilhões de litros do volume morto termina em maio.
Massato está há cerca de dez anos nesse cargo (entrou na Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano, Emplasa, em 1975). Foi assessor de um irmão de Alberto Goldman, ex-governador. Entre 1996 e 2003, segundo o site da estatal, gerenciou “programas de redução e controle de perdas, entre outras coisas”.
Em fevereiro, falou publicamente em racionamento para em seguida recuar, sob o argumento de que seria prejudicial aos mais pobres. Três meses depois, na CPI na Câmara Municipal, advertiu os presentes de que, se a crise piorasse, iria distribuir água com uma canequinha.
Massato é um quadro importante na companhia. Foi cotado para suceder a presidente Dilma Pena, que saiu em dezembro. Perdeu a corrida para Jerson Kelman.
Numa reunião da diretoria da Sabesp do ano passado, cujo áudio vazou, ele deu sua declaração mais sincera sobre o caos que se avizinha em São Paulo.
“Essa é uma agonia, uma preocupação”, começou. “Alguém brincou aqui, mas é uma brincadeira séria. Vamos dar férias. Saiam de São Paulo porque aqui não tem água, não vai ter água para banho, para limpeza da casa, quem puder compra garrafa, água mineral. Quem não puder, vai tomar banho na casa da mãe lá em Santos, Ubatuba, Águas de São Pedro, sei lá, aqui não vai ter”.
Com seus atos falhos, Paulo Massato é, provavelmente, a única pessoa a contar a verdade nessa tragicomédia. A questão é que sua fidelidade ao governo é maior do que o dever de atender a necessidade da população. Mas algo sempre escapa.
Vídeo:
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(Publicado originalmente no site Pragmatismo Político)

Paulo Metri; Por que tanto ódio ao PT? Marx explica tudo.


publicado em 30 de janeiro de 2015 às 20:32
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O ódio ao PT
Paulo Metri, no Correio da Cidadania
Nos últimos tempos, têm pessoas, principalmente da classe média, que odeiam com toda alma o PT. Não conseguem pensar com isenção sobre qualquer questão em que este partido esteja envolvido. Reagem emocionalmente, inclusive sem a possibilidade de existir um diálogo construtivo com elas. Não ouvem argumento algum se ele ressaltar um aspecto positivo do PT. Esta reação emocional é, em grande parte, de responsabilidade da mídia tradicional, que é parte integrante do capital. Os transbordantes de ódio nem entendem que são manipulados.
Assim, em que se baseia o ódio ao PT? A disseminação de ódio a quem está no poder por quem quer passar a deter este poder é velha na política. Foi isto que Carlos Lacerda fez com relação a Getúlio Vargas, buscando transmitir a idéia que existia um “mar de lama no Palácio do Catete”, acusação esta nunca comprovada. Portanto, não acreditem que o PT é o partido mais corrupto de todos os tempos. Existem integrantes dele, inclusive alguns da cúpula, que foram flagrados em transgressões com o dinheiro público, assim como existem idênticos políticos em outros partidos.
Recuperando a história, a população não ficou tão indignada com os roubos dos anões do orçamento, dos governadores que se beneficiavam com os precatórios, de Jorgina de Freitas, de Celso Pitta e daqueles que facilitaram a vida dos bancos Marka e FonteCindam. Tristemente, escândalos de roubos, no Brasil, existem em profusão. A sociedade brasileira foi, até recentemente, muito complacente com os larápios do dinheiro público.
De uma hora para outra, em atitude louvável, uma parte da sociedade começou a não perdoar os desvios comprovados de políticos. Não casualmente, na fase em que o PT está no poder. É claro que a horda descontrolada, exatamente como a mídia a moldou, começou também a acusar sem provas. É uma pena que esta atitude de não transigir com políticos corruptos não tenha surgido anos atrás, pois a Vale do Rio Doce poderia não ter sido vendida tão barata ou se teria descoberto qual era o “limite da irresponsabilidade”, que um tucano de alto escalão mencionou estar vivendo durante a privatização da telefonia.
Então, a pergunta principal passa a ser a razão por que esta correta aversão à corrupção só apareceu tão forte durante a fase do PT no poder. Notar que não estou eximindo de culpa os petistas ou membros de qualquer partido que foram flagrados. Eles devem ser julgados e, se a justiça determinar, devem cumprir suas penas. Respondendo à pergunta, a mídia do capital é a atual “descobridora” da ética na política, um pouco atrasada, mas, ainda assim, uma ação louvável. Exagerou-se na dose de indução do repúdio ao roubo, porque esta mídia tinha o único interesse de colocar um grupo ligado a ela, de “verdadeiros vestais”, no poder e a bandeira da ética veio a calhar.
É certo que a mídia aliada do capital plantou as sementes de ódio contra o PT, mas existiam terrenos férteis. Muitas pessoas buscavam argumentos para terem ódio ao PT, o que traz a nova dúvida. Por que isso? Muitas pessoas têm ódio ao PT pelos seus méritos, apesar de declararem que é pelos seus erros. O PT tirou mais de 30 milhões de pessoas da miséria e mais de 46 milhões saíram da pobreza e foram para a classe média. Trata-se de um feito enorme. Além disso, o PT facilitou a entrada dos filhos dos pobres nas universidades. Resumindo, nunca se viu, neste país, uma melhoria das condições sociais do nosso povo como esta proporcionada pelos governos petistas. Getúlio e Jango, que eram compromissados socialmente, não fizeram tanto, mesmo sendo guardadas as proporções.
É interessante que, para muitos representantes da classe rica, a mobilidade social promovida pelo PT não foi tão ruim. Por um lado, os salários mais altos significam a diminuição da lucratividade. Por outro, representam também maior demanda por produtos e serviços e a possibilidade de expansão dos negócios com aumento dos lucros. O problema mesmo vem da classe média, que tem sido penalizada injustamente por diversos governos, através da inflação de muitos dos seus itens de consumo, superior à inflação oficial, que corrige seus salários. Esta classe, que é composta basicamente de assalariados, profissionais liberais e pequenos empreendedores, não tem, por exemplo, a tabela de imposto de renda corrigida devido à inflação, o que representa um acréscimo do imposto. Enfim, ela tem razão suficiente para se sentir desprotegida por vários governos, inclusive o dos petistas.
Entretanto, o pior para a classe média é ela se sentir ameaçada com a ascensão de inúmeros competidores. Mais que isto, ela se sente atropelada por pessoas que julga vulgares, porque os restaurantes, os cinemas, enfim, os locais que gosta de frequentar passaram a ficar superlotados. As modas usadas por ela passaram a ser usadas também pela “nova classe média”. As viagens de avião passaram a ter que ser compartilhadas com pessoas que, antes, só viajavam de ônibus. Neste sentido, causou espanto o artigo de uma representante da classe rica em que ela dizia não se conformar com ter que encontrar seu porteiro nos destinos que, antes, eram exclusivos da sua classe.
Desta forma, quem melhor explica a razão principal para se odiar tanto o PT é Marx. Afinal de contas, este partido ousou diminuir o estoque de mão-de-obra barata, quase escrava. Aquela mão-de-obra que aceita qualquer oferta de pagamento, pois tem medo de ir para o grupo dos miseráveis, onde a fome campeia. Neste contexto, a existência dos miseráveis é importante para criar medo aos rebeldes que não se conformam com as condições que lhes impingem. Suas mais-valias precisam ser retiradas.
Peço ao leitor que, em exercício de abstração, se imagine um miserável. Sua vida toda foi acompanhada de uma sequência de agressões, sem conseguir se lembrar desde quando. Lembre-se de muita fome, persistente, que a comida escassa nunca abate. Lembre-se das dores físicas oriundas das pancadas dadas por adultos e crianças mais velhas, até as dos bandidos e policiais de hoje. Lembre-se dos sofrimentos quando seu corpo não está bem, o que é frequente, e das filas no atendimento de saúde pública, que é a sua única esperança para aliviar a dor. Lembre-se como é perigoso e duro dormir na rua. Lembre-se da humilhação quando pretende um emprego e não consegue por falta de instrução. Lembre-se de como outros lhe enganam e roubam. Lembre-se que não há um momento de descanso nem de paz. Agora, imagine um governo, que você não sabe nem de onde surgiu e espanta a maior parte destas mazelas.
Por tudo isso, o partido PT merece respeito. Quem não tiver respeito a este partido, a bem da verdade, está desrespeitando a solidariedade humana. Não se pode enxovalhar um conjunto inteiro de integrantes de um partido por causa de um número bem menor de seus representantes que foram crápulas. Eu sou crítico em muitos pontos dos governos do PT, o que já está em outros artigos. Mas reconheço o grande feito da mobilidade social realizado pelo PT. Finalizando, não sou filiado ao PT e nem a outro partido político, porque acredito ser recomendável não ser filiado a qualquer um para ter inteira liberdade ao escrever textos.
Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia e colunista do Correio da Cidadania
Blog do autor: http://paulometri.blogspot.com.br

(Publicado originalmente no site Viomundo)

Heitor Scalambrini: Por que sempre à custa dos trabalhadores?


Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco
 Analistas e articulistas econômicos tem apontado como principais desafios do segundo mandato presidencial arrumar as contas públicas e retomar o crescimento econômico. 

Ajustar as contas públicas – na lógica econômica predominante – significa cortar gastos. Contrário ao discurso crítico da ortodoxia econômica na época da eleição, a presidente eleita acabou cedendo ao mercado, e nomeou para ministro da Fazenda um alto executivo do sistema bancário, ex-secretário de Tesouro no primeiro governo Lula, chamado na época de “Levy mãos de tesoura”.

Como parte das medidas da nova equipe econômica para cortar gastos e promover um ajuste fiscal, a “novidade” no final do 1o mandato do governo Dilma, em pleno período de festas natalinas, foram às medidas que atingiram as regras de acesso a vários benefícios sociais.

No início do primeiro mandato do governo Lula, eleito como esperança contra a continuidade do governo neoliberal do Partido da Social Democracia Brasileiro (PSDB), foi promulgada, como sua primeira medida, a reforma da previdência que atingiu diretamente os trabalhadores do setor público.

Em ambos os casos, as medidas evidenciaram que os governos eleitos pelo Partido dos Trabalhadores (PT) não estavam (e não estão) assim tão preocupados com os trabalhadores. Estas medidas, tomadas em períodos distintos, com grande simbolismo, foram justificadas para corrigir distorções, e realizar ajustes necessários para a retomada do crescimento econômico (para beneficiar a quem?). Mas na verdade não se pode admitir que a filosofia de Robin Hood seja materializada às avessas, tirando dos mais pobres para manter os privilégios dos mais ricos.

No Brasil existem inegavelmente importantes e indesejáveis distorções. Necessidades de ajustes e correções estão presentes nos diferentes aspectos da vida nacional, em particular no vergonhoso fosso que divide ricos e pobres. Mais do que meras distorções, são injustiças que deixam o país entre aqueles de maior desigualdade social no mundo.

E ai cabe uma pergunta que não quer calar. Serão tais medidas, como cortar gastos à custa da classe trabalhadora, que na prática significam reduzir direitos, que conduzirão o país a uma maior justiça social? A uma maior igualdade na distribuição de renda?

Obviamente que não. Fica claro que existe em tais medidas um viés claro de penalizar o trabalho e a classe trabalhadora. Daí o fato de tais medidas serem sempre bem recebidas pelos empresários e criticadas pelos trabalhadores.

Interpretadas como medidas fiscais, visando economizar para os cofres públicos, as medidas provisórias no 664 e 665, publicadas no dia 30/12/14 com a justificativa de economizar R$ 18 bilhões em 2015 (o equivalente a cerca de 70% do gasto com o Bolsa Família em 2014), modificam as regras dos critérios de acesso a benefícios sociais como o seguro-desemprego, auxílio-doença, pensão por morte, abono salarial e o seguro defeso para os pescadores. Estes benefícios previdenciários são todos de interesse direto dos pobres.

Além destas primeiras medidas, outras estão a caminho, e também afetarão a classe trabalhadora. A correção da tabela do imposto de renda é uma delas. O reajuste de 6,5% para o ano-calendário de 2015, aprovado pelo Congresso Nacional, não foi sancionado neste final de 2014. Será então mantida a correção de 4,5%, a mesma que vigorou nos últimos quatro anos. O reajuste ajudaria a reduzir a defasagem, favorecendo o contribuinte. Para o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), o prejuízo do trabalhador, acumulado desde 1996, chega a 68%. A não aprovação do reajuste representa uma elevação indireta da carga tributária – um claro arrocho do governo sobre os ganhos dos assalariados.

Por outro lado, medidas que poderiam aumentar a arrecadação não são tomadas. Uma delas é o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), que somente a União tem competência para instituir (art. 153, inciso VII da Constituição Federal), o qual, apesar de previsto, ainda não foi regulamentado. Esta espécie de imposto sobre o patrimônio mudaria a lógica da estrutura tributária, pois hoje quem paga mais é o pequeno trabalhador assalariado. O imposto de renda sobre o trabalho faz crescer a arrecadação, e os benefícios não são sentidos. Os ricos pagam relativamente menos que os assalariados, as grandes fortunas são taxadas com valores irrisórios – muito diferente do que acontece em outras partes do mundo. 

Outro aspecto que pune o trabalhador – sempre que se fala em ajustar a economia – é a dívida pública. Irregularidades apontadas nunca foram investigadas, apesar de um preceito constitucional viabilizar a realização de uma auditoria da dívida. O que falta é vontade e decisão política.

Portanto, as primeiras medidas do “novo governo” Dilma são o oposto do discurso, cujo slogan afirma “nenhum direito a menos, nenhum passo atrás”. E não adianta tergiversar afirmando que não se trata de retirar direitos e, sim, de corrigir “distorções”. Então, a classe trabalhadora deve agir se quer tornar este um país de cidadãos mais conscientes de seus direitos e obrigações, respeitados pelo governo.

A esperança apregoada para conquistar mais quatro anos de governo necessita, sim, ser convertida em participação com pressão popular. Afinal, os políticos são eleitos por nós, e cabe a nós influir nos seus mandatos. Acompanhar como vota o político no parlamento, escrevendo para ele, exigindo que cumpra as promessas feitas. Aí sim poderemos começar a pensar em construir um país melhor. A esperança da mudança está em nossas mãos. A classe trabalhadora precisa agir participando – caso contrário, não haverá salvação.

Michel Zaidan Filho: Aumento da tensão

Aumento da tensão

Ensaio
26 de janeiro de 2014
Por Michel Zaidan Filho, filósofo, historiador, coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia [NEEPD] e professor associado do Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco [UFPE].

"A liberdade de expressão tem limites. Não pode ser usada para insultar ou ridicularizar a fé".Papa Francisco

"Os muçulmanos são as principais vítimas da intolerância religiosa".François Hollande

O governo francês constatou um relativo aumento da tensão política em seu país depois das medidas tomadas contra os militantes do Estado Islâmico em território francês. Várias entidades muçulmanas pediram às autoridades francesas garantias para as mesquitas e o exercício do culto religioso islâmico. O jornal americano New York Times e a rede CNN consideraram altamente provocativas as novas charges publicadas pelo novo número do jornal francês "Charlie", e resolveram não publicizá-las. Não se combate a intolerância ou o desrespeito cultural com mais repressão ou provocação, sob a alegação de coragem ou liberdade de expressão.
Um muçulmano francês que publicou na rede charges apoiando os atos contra o "Charlie" foi preso na França. Então, são dois pesos e duas medidas: contra o profeta Maomé, pode. Contra os seus críticos, não pode. E a jurisprudência é uma só: liberdade de expressão. A liberdade de expressão é muito boa para as empresas privadas e os veículos de comunicação (quando não contrariam os interesses do proprietário). Elas podem estimular o consumo de bebida alcoólica, usando imagens desrespeitosas às mulheres; cigarros; dirigir em alta velocidade; comprar substâncias milagrosas que reduzem o peso e rejuvenescem a pele, etc. A liberdade de expressão, em países civilizados (onde o interesse público está acima de interesses privados) está sujeita a controle e fiscalização.
Não pode tudo, nem qualquer coisa. Não pode ofender a dignidade, o orgulho, à identidade cultural das pessoas, pelo fato de serem diferentes, falarem diferente, vestirem-se diferente e terem uma devoção religiosa diferente. O mundo tornou-se,malgré lui, multicultural. Choca a sensibilidade pós-moderna que um país como a França, pátria das liberdades modernas siga o exemplo da política norte-americana de sacrificar os direitos e as garantias individuais em nome do combate ao terrorismo (ou em nome de "raison d’État"), praticando uma política de direitos humanos "à la carte", como disse a alta comissária dos Direitos Humanos, da ONU. E não vale a justificativa de que os países, apesar das alegações em contrário, sempre praticaram essa política, com vistas a defender seus objetivos.
O direito à diversidade e à dignidade humana está acima de qualquer interesse estratégico ou econômico. Não se deve esquecer que os veículos de comunicação são empresas e têm objetivos estratégicos e econômicos a defender. Enquanto os cidadãos forem tratados como meros sujeitos de direito civil ou comercial, a liberdade de expressão servirá ao mercado, às empresas, não ao bem-comum e à humanidade.

(Publicado originalmente no blog Síntese)

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Charge! Renato Aroeira via O Dia

Tijolinho do Jolugue: Crônica de uma tragédia anunciada. Eduardo Cunha deverá ser eleito Presidente da Câmara dos Deputados.

Crônica de uma tragédia anunciada. Eduardo Cunha deverá ser eleito Presidente da Câmara dos Deputados.
Logo mais teremos a eleição para a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.Concorrem ao cargo de presidente os deputados Eduardo Cunha(PMDB), Júlio Delgado(PSB), Arlindo Chinaglia(PT) e Chico Alencar (PSOL). Salvo alguns arranjos de última hora - o que não seria improvável em política - o quadro está aparentemente definido. Deve ser eleito Eduardo Cunha, um desafeto declarado do Governo da Presidente Dilma Rousseff. A iminente vitória de Eduardo, em muitos aspectos, representa uma derrota do Governo Dilma. Mantida essa conjuntura, o PT será completamente apeado dos espaços estratégicos daquela Casa, a despeito das vinculações de Cunha a um partido da base aliada, o PMDB. Em ralação ao PT, será um jogo de soma zero. Para alguns analistas, a eleição de Cunha representa um fechamento de um conluio - que envolve vários atores políticos - com o propósito de criar embaraços para o Governo de Dilma Rousseff. As previsões mais radicais apontam que ela poderia não concluir o mandato, vítima de um impeachment. Não acreditamos que Chinaglia poderá fazer uma composição de última hora, o que significa que Cunha deverá fazer barba, cabelo e bigode. Tempos ruins para Dilma Rousseff. Não apenas por sua indisposição pessoal com Cunha. Antes fosse apenas isso. Haveria como se contornar. O mais grave é o conjunto de forças que alavanca a candidatura do deputado carioca, alicerçada numa plataforma claramente anti-Dilma. Como informa Helder Molina, estamos próximos a inevitabilidade de um confronto entre a democracia representativa e as forças populares, representada pelos movimentos sociais.