pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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segunda-feira, 17 de julho de 2017

Le Monde: Antonio Cândido e a era da incerteza

 
Vale lembrar que, junto à sutileza, Antonio Candido prezava também pela clareza da escrita, em consonância com suas convicções políticas e com o papel que a crítica, segundo acreditava, deveria assumir no esforço de transformação social
por: Fábio Salem Daie
13 de julho de 2017
Crédito da Imagem: Marcelo Noah

Crédito: Marcelo Noah


No dia 12 de maio faleceu Antonio Candido de Mello e Souza. Muito se disse que, com sua morte, deu-se o fim de uma era. A frase é duvidosa. Preferível seria dizer que ele era o último expoente (sobrevivente?) de uma época fundacional e riquíssima, que como tal se exauriu e, como tal, permanece. Era o último modernista – entre os grandes que este país teve –, fosse pelo tipo de educação, pela amplitude e qualidade dos conhecimentos, pelo viés humanista das intervenções, pela perspectiva do seu trabalho como crítico.
Recebi a notícia do falecimento numa manhã pouco primaveril (embora fosse primavera lá fora), na pequena cidade americana de Princeton, onde termino a pesquisa de doutorado. Saíra do Brasil em setembro de 2016, no dia do impeachment de Dilma Rousseff; regressaria – tristes périplos – pouco depois da morte de Antonio Candido. Entre os dois acontecimentos, o Brasil reencontraria seu legado colonial, lutando outra vez contra o despotismo e o conservadorismo de suas elites, ansiosas por uma “ponte para o futuro” sobre a qual não passará (aprovadas as emendas constitucionais e as reformas propostas) a maioria da população. Não bastasse, enquanto escrevo estas linhas, o presidente-interino Michel Temer é aparentemente flagrado em embustes envolvendo seu próprio partido e a base aliada. Nova crise se instala dentro da crise.
Por alguma ironia do destino, semanas antes eu expressara a um amigo (também pesquisador-visitante nos Estados Unidos) minha preocupação com o professor. Na verdade, não possuía motivos claros. Lendo a Formação ou O Discurso e a Cidade, apenas recordava que ele completaria 99 anos em breve, no dia 24 de julho, e tentava imaginar o que pensaria destes acontecimentos recentes. Foi nesse contexto que a notícia de seu falecimento me chegou, numa espécie de misto entre frustração pessoal e – o que muitos devem ter sentido – sensação de perda de um país, envolto numa névoa de dúvida e insegurança.
Entre os depoimentos e análises que então começaram a surgir, uma parte se referia à sua obra e à sua pessoa na chave do “fim de uma era” (talvez porque ele mesmo tenha se definido, mais de uma vez, como um “homem do passado”) ou caía no poço das implicações inócuas, porque “formalistas”, o que se desvincula de maneira flagrante do nervo político que sempre animou seu pensamento. Mas eu pensava então / Na solidão dos que pereciam / E em Giordano / Que ao subir para o estrado / Não encontrou na língua humana / Nem uma palavra que fosse / Com que se despedir da humanidade / Desta mesma que perdura. Certamente, nada mais impróprio do que pensar a vida de Antonio Candido nos mesmos termos em que o polonês Czeslaw Milosz pensou a de Giordano Bruno. Das lições que Candido legou, o momento sugere um diálogo importante com algumas delas. Abaixo, sem dúvida de forma lacunar e insuficiente, está um esboço no sentido do que poderia trazer uma aposta neste diálogo.
As estripulias de uma elite “ilustrada”
No ensaio “Os sete fôlegos de um livro”, Roberto Schwarz aponta com argúcia uma das lições sobressalentes a serem tiradas do clássico de Candido, Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos (1959). Escrita – tal como outros livros fundadores da chamada “tradição crítica” – no período de nacional-desenvolvimentismo em que “a sociedade brasileira lutava para se completar no plano econômico e social”, a Formação conteria, entretanto, uma interpretação mais austera (“menos triunfalista, ou mais cética”, diz Schwarz) do que seus equivalentes nas ciências humanas. A razão para isso estaria, sobretudo, na natureza de autonomia relativa de seu objeto de estudo, a literatura, cuja organicidade, à diferença da sociedade brasileira, teria sido lograda de fato ainda no século 19, na fase realista de Machado de Assis, alcançando no século 20 grande desenvoltura no número e qualidade de obras.
Como Candido sempre notou, a literatura brasileira (pese seu processo de “rotineirização” do gosto literário) é uma literatura de elites, o que não a impediu, sobretudo depois do Modernismo da década de 1920, de cumprir – bem como a própria elite brasileira em momentos específicos – um papel progressista na renovação de valores e na incorporação de parcelas desprivilegiadas da população (o romance regionalista, que trata das vidas humildes do campo, por exemplo). A ênfase de Schwarz recai no próprio movimento de formação do sistema literário a despeito da <má formação> de nosso tecido social. Formado o sistema literário, e sendo este uma força “civilizadora”, nem por isso teria resgatado o país de suas iniquidades históricas. “O sistema literário integrado – pergunta Schwarz – funcionaria como uma antecipação de integrações futuras? Não demonstrava também que as elites podiam ir longe, sem necessidade de se fazerem acompanhar pelo restante do país?”.
A nota de austeridade e ceticismo que Schwarz saca da consecução de uma obra como a Formação, de Candido, ressoa atualíssima neste momento de reconversão conservadora operada por representantes políticos com legitimidade duvidosa, após um processo (como chamou, creio, Marcos Nobre) de “compressão a frio” de nossa democracia. Se nos valermos de outro importante interlocutor de Candido, o uruguaio Ángel Rama, para quem o sistema literário brasileiro teria se formado antes que a literatura hispano-americana, de maneira geral, alcançasse a maturidade, talvez fique ainda a sugestão de que nossas elites muito cedo puderam se “desgarrar” do corpo social, impondo um tipo especial de hegemonia apesar das cisões em seu interior.
Em ambos os casos, a Formação da Literatura Brasileira deixa uma pergunta: haverá ainda, como houve no passado, um papel progressista a ser assumido por uma elite liberal “ilustrada” diante dos impasses atuais? Não dependerá a reinvenção das esquerdas – campo político ao qual Antonio Candido sempre esteve ligado – desta mesma resposta, tendo em vista a experiência do Partido dos Trabalhadores?

Recado da malandragem
Este processo de gigantismo invertido contido no cerne da Formação – onde o topo da pirâmide social acumula as benesses (materiais e culturais) da modernização do país, destacando-se do corpo social – Schwarz nomeia “descrição do progresso à brasileira”. Vale notar que tal “descrição”, em Candido, tem outro capítulo importante no famoso ensaio “Dialética da Malandragem” (1971), sobre as Memórias de um Sargento de Milícias (1854). Sumariamente, neste ensaio Candido buscou reconhecer na forma do romance de Manuel Antônio de Almeida um movimento cuja razão, através de um processo de interiorização estética, estaria na estrutura da sociedade do Rio de Janeiro oitocentista, mais especificamente na relação (explicitada pelo próprio crítico) que a incipiente classe média urbana mantinha com os dois principais polos sociais da época: senhores e escravos. Segundo Candido, seria esta qualidade da modernidade periférica – realidade capitalista ainda pouco desenvolvida nos termos da divisão social do trabalho urbano – o contexto no qual o herói, Leonardo Pataca, transitaria malandramente entre os campos da “ordem” e da “desordem”, e onde estaria cifrada uma relação à brasileira com o universo da norma e da lei.
Este <à brasileira>, em que Candido parece ver uma relação particular do país com o modelo de Estado-nação legado pelo ocidente, sugere uma das marcas de seu modernismo (aquele inaugural, de Mario e Oswald), depois problematizado pelo próprio Schwarz em <Pressupostos, salvo engano, de ‘Dialética da Malandragem’>. Mantendo um contato exterior com “a presença constritora da lei, religiosa e civil” que nos países anglo-saxões “plasmou os grupos e os indivíduos” – qualidade que recobraria nossas raízes ibéricas até, pelo menos, a Contra-Reforma –, teríamos não apenas herdado (para o bem e para o mal, diga-se de passagem) algo do “mundo sem culpa”, “acomodatício” e “isento de males definitivos” do herói das Milícias, mas também uma inserção diversa “num mundo [futuro] eventualmente mais aberto”.
Se é verdade que a conjuntura atual, por um lado, parece desautorizar este tipo de assertiva, reputando-a “otimista” frente ao amesquinhamento das perspectivas pelo desmonte do Estado (ou mesmo “anacrônica”, tomado o abandono pós-ditadura do projeto nacional-desenvolvimentista); por outro, a perspectiva popular que advém do universo do malandro, em termos ideológicos, também manteria uma relação truncada com o presente. Ao escapar dos projetos elitistas da direita, recusa à sua maneira aqueles de uma esquerda dita “tradicional”, que a partir da década de 1930 (e, sobretudo, na década de 1960) flertou com a revolução social como a via para a superação do subdesenvolvimento. Esta <independência ideológica> do malandro deveria, supostamente, subscrever sua permanência.
Contudo, uma vez que o “progresso” na acepção liberal e a “revolução” de viés marxista, ao que tudo indica, se veem fora da ordem do dia, a malandragem (por razões que não cabem aqui, mas que teriam a ver, entre outras coisas, com a débâcle do “mundo do trabalho”) tampouco teria escapado da razia neoconservadora. Sua negação seletiva do âmbito da ordem e da lei – no que este possui de expressão dos privilégios de nossas elites – e em conformidade com uma perspectiva popular é motivo de debate: teria o malandro sido substituído pela figura do marginal, supostamente mais “em dia” com as contradições atuais da ordem burguesa?
É de se pensar, por isso, se o <crepúsculo da malandragem> não seria uma perspectiva mais reveladora para o futuro do que a ruína dos horizontes ligados ao liberalismo progressista e à esquerda revolucionária. A <morte do malandro>, se de fato ocorre, indicaria a perda de uma antiga força, não de (como defendem alguns) escamoteação dos conflitos brutais no âmago da sociedade brasileira, mas de resistência dos “de baixo” à completa integração na ordem capitalista. De qualquer maneira, é ao ensaio de Candido que devemos não apenas a delimitação desta problemática, senão também a demonstração (que inverte expectativas) de como a literatura pode revelar um conhecimento original sobre a realidade.

Raça, classe e história
Parece justo afirmar que Antonio Candido não pensava a literatura em termos raciais: uma literatura que fosse “negra” ou “branca”. O tema talvez seja tabu e demande mais elaboração do que permitem estas poucas linhas. A razão de não encará-la em termos raciais, gostaríamos de sugerir, residiria em questões de metodologia. É difícil afirmar que o crítico não tratou de uma “literatura negra” porque ignorasse a condição de opressão e as pautas políticas de primeira ordem das “minorias”; tampouco porque considerasse que a opressão racial não desempenha papel relevante nas obras de um escritor como, digamos, Machado de Assis ou Lima Barreto (para ficarmos apenas com os mais conhecidos). Ao contrário, como observador atento às expressões locais dos conflitos sociais, seu método crítico tendia a privilegiar tais conflitos em sua configuração concreta. Em outras palavras, para ele, seria difícil conceber um romance que fosse “apenas” negro (um negro universal, sem época e lugar), visto que toda questão racial está irremediavelmente trespassada pelas estruturas políticas e econômicas de cada período.
Em “De cortiço a cortiço” (1973), outro de seus ensaios fundamentais, o crítico tenta demonstrar – dessa vez lançando mão de um dito popular calunioso – como o romance de Aluísio Azevedo, O Cortiço (1890), está escorado em traços particulares assumidos pela luta de classes no Rio de Janeiro do século 19 e que ocorria às costas dos conflitos raciais e do aparato de noções pseudocientíficas que buscavam justificá-los. Indo um pouco além, acabava por demonstrar, na verdade, como os conflitos de raça e classe se uniam em condições muito brasileiras, como, por exemplo, a forte presença (menos marcante no resto da América hispânica) de “galegos/portugueses” na capital fluminense.
Trocando em miúdos, é dizer que as noções de raça e racismo estão atadas aos destinos de um país e, portanto, também à sua dinâmica interna de classe. Esta conjunção dará o tom de como o indivíduo experimenta, entre outras coisas, sua própria “cor de pele”: experiência que por fim será plasmada, junto às construções da própria língua, nas páginas de uma obra. Note-se que tal perspectiva não apenas visa resgatar o <problema do racismo> de sua generalização – o que equivaleria a rifá-lo por completo (“sempre existiu racismo”; “todos os racismos são iguais” etc.) –, reconectando-o assim a um historicismo rigoroso; como também aconselha a que não se desarticule as noções de “raça” e “classe” sob pena de recair-se em essencialismos e, assim, num divisionismo perigoso: tanto para as “minorias” quanto para a esquerda que possui, numa sociedade mais igualitária, o horizonte de aproximação e reconciliação social.

A “outra” formação
Recentemente, muito se falou esta palavra – formação –, quase sempre se referindo a um dos temas clássicos das ciências humanas no Brasil, presente no título daquela que é considerada a obra maior de Antonio Candido, Formação da Literatura Brasileira. No livro, abrangendo Arcadismo e Romantismo, entre 1750 e 1870, o autor historia a constituição de nossa literatura segundo seus nexos internos, inovando na concepção geral e aprofundando as análises particulares de autores e obras. Há, porém, outra acepção para a palavra formação no pensamento de Candido, e esta aparece com clareza em duas intervenções intituladas “A literatura e a formação do homem” (1972) e “O direito à literatura” (1989). A segunda é uma reelaboração crítica da primeira: o debate, em 1970, com os estruturalistas (sobre a qualidade do nexo social da arte) e com a censura da ditadura (uma verdadeira apologia ao “perigo” da integralidade da vida transmitida pela literatura), por exemplo, cede espaço (no texto de 1989) à relação entre literatura e Direitos Humanos, em chave progressista que, se ecoa os ventos da redemocratização, também se “atualiza” no espírito de transição acordada e gradual. Mas ambas exploram o valor insubstituível da arte na formação do ser humano, sem o que qualquer processo educacional estaria incompleto.
Estão conjugadas – neste apelo à literatura para a formação do sujeito – duas noções fundamentais. A primeira seria a de processo, que recusa, em chave lukácsiana, o niilismo decorrente de uma visão imediatista, encobridora das causas da desumanização cotidiana (o que subscreve a esperança sem cair em otimismo barato); e a de igualdade encarada a partir das “coisas do espírito”, que milita por justiça social ao mesmo tempo em que redimensiona a sua concepção, indo além das exigências puramente materiais. Se a formação do sistema literário, segundo Candido, se completou, esta “outra” formação (que fala ao sujeito) problematiza aquela: um sistema literário pujante não pode sobreviver sem o estímulo de um público leitor.

A invenção de um caminho
Impossível não tratar da forma de seus textos, fator que condensa todos os tópicos anteriores. Abordando o assunto, em “Adequação nacional e originalidade crítica”, Schwarz diz: “Ora, se houve um progresso em crítica neste século, ele com certeza esteve na ‘descoberta’ (…) da incrível complexidade interna da literatura, da natureza protéica da forma, e, sobretudo, do papel decisivo desta última”. Eis aqui, de fato, um dos legados maiores de Antonio Candido, cuja contribuição abrange desde uma interpretação do país (como exposto em “Dialética da Malandragem”) até (e muitas vezes se esquece) a delimitação de um campo de pesquisa e atuação específico da crítica literária. Se mesclamos neste ponto literatura e crítica é porque, para Candido, a <descoberta da forma> literária é também a descoberta da própria forma de exposição crítica, exposição esta desenvolvida, sobretudo, em seus ensaios.
Principalmente a partir da década de 1950 – alerta à vulgarização da crítica marxista de ranço “positivista” ou “sociologizante”, por um lado; bem como às interpretações de cariz mais ou menos “formalistas”, por outro –, Antonio Candido desenvolveu um estilo de escrita sutil, que atentava tanto ao diálogo que as obras mantêm entre si quanto à sua relação com a realidade social (o que ele chamou de “filiação de textos” e “fidelidade a contextos”). Esta providência do crítico assinala sua recusa a todo dogmatismo, atento como esteve sempre à “aclimatação” das ideologias e modelos estrangeiros nas plagas nacionais. Vale lembrar que, junto à sutileza, prezava também pela clareza da exposição, em consonância com suas convicções políticas e com o papel que a crítica, segundo acreditava, deveria assumir no esforço de transformação social.
Como disse José Guilherme Merquior, num artigo de 1988 dedicado à crítica brasileira: “o maior logro da crítica de Candido é se manter ‘dentro da vida’ sem apartar-se do texto. (…) Assim como o exemplo de sua serena resistência frente ao autoritarismo, a qualidade humanística de sua brasiliana literário-cultural tem brilhado muito alto, através de três decênios de modismos estéreis e desorientação intelectual”. A nota de Merquior sublinha a consistência e a perseverança do trabalho, norteado por uma leitura profunda da realidade brasileira e que, por isso mesmo, não se deixa superar facilmente. Dialogar com o professor Antonio Candido segue como uma tarefa desafiadora e recompensadora. E agora, talvez, ainda mais essencial.
*Fábio Salem Daie é pesquisador no programa de pós-graduação da Universidade de São Paulo.

(Publicado originalmente no site do jornal Le Monde Diplomatique)

Charge! Renato Machado via Folha de São Paulo

Renato Machado

sábado, 15 de julho de 2017

Charge! Montanaro via Folha de São Paulo

Montanaro

Michel Zaidan: A impotência da razão jurídica e o fim da política.


 


A crise institucional brasileira é parecida como a “caixa de Pandora”, uma vez aberta começa uma sucessão de escândalos, manobras, indecências que faria corar o mais sórdido dos integrantes da quadrilha de Ali Babá. Naturalmente, quando se dá golpe – mesmo com as aparências de legalidade – com ocorreu com a Presidente Dilma Rousseff, com motivações políticas e econômicas hoje sobejamente conhecidas, não se espera respeito à lei, a moralidade pública ou a Constituição. Mas o que vem ocorrendo no cenário político do país surpreende ao pior dos realistas desencantados com os fatos.
Desde que se abriu o processo de delação e denúncia contra o atual ocupante da cadeira presidencial, desencadeou-se uma série de episódios profundamente lamentáveis não só para a combalida saúde republicana, mas para a credibilidade do povo nas instituições políticas do Brasil. A soltura do assessor de Temer, a volta do senador Aécio Neves para o Senado e, agora, as manobras patrocinadas pelo denunciado que levaram à substituição em massa de seus aliados na CCJ com o objetivo do arquivamento da denúncia, tudo isso em que mundo estamos vivendo hoje. Curiosamente, na academia a discussão sobre direitos humanos, a pena, o regime carcerário e o massacre cotidiano de presos, parece sem importância diante desses escândalos protagonizados pela chamada “classe política”.
É como se vivêssemos em dois universos paralelos: um o do Direito, da Constituição, das Normas e Garantias individuais (e seus clientes preferenciais- “os criminosos de colarinho branco”, onde é sempre possível achar um amigo no Poder Judiciário e ganhar uma tornozeleira eletrônica na frente de 4.000 presos “comuns”): e  o outro, dos “corpos infames”, “abjetos”, sem direitos ou garantias individuais. Um país que suporta – sem se indignar – as cenas de impunidade, cinismos, falta de vergonha, como esse, não pode dá um tratamento minimamente digno, humano, justo a ninguém. A não ser esse “rebotalho de iniquidades” que atende pelo nome de “reforma trabalhista”, com que querem reinstalar a escravidão do trabalho no Brasil.
Esse abismo, essa distância entre os dois mundos penais e de direitos e garantias, socava os fundamentos da consciência ética, republicana, cidadã, em qualquer lugar do mundo. Não pode haver dois marcos legais ou dois direitos penais para uma mesma sociedade. Ou bem universalizamos essas conquistas do “garantismo” jurídico e penal, abrangendo todas as pessoas, independentemente de cor, raça, credo, orientação sexual, gênero etc. Ou instituímos  uma sociedade de castas, de estamentos,    baseada em privilégios, no dinheiro, nas posições sociais, no capital social e assim por diante.
O que não dá mais para aguentar são as discussões sobre o justo e o injusto, o  certo e o errado, enquanto aqui – do lado de fora – campeia a desigualdade, o desrespeito, a humilhanção e acima de tudo, a indiferença.
Como disse o corvo de Edgar Allan Poe, “nunca mais, nunca mais, nunca mais”.
 
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD:UFPE.

sexta-feira, 14 de julho de 2017

O xadrez político das eleições de 2018 em Pernambuco: A ausência de humildade dos socialistas pernambucanos

 Resultado de imagem para Paulo Câmara


José Luiz Gomes da Silva
(Cientista Político)

Recentemente, creio que na última edição da revista Nordeste, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu uma longa entrevista sobre o cenário político brasileiro. Editada no Estado da Paraíba, com sede na cidade de João Pessoa, Nordeste é uma publicação de reconhecida qualidade editorial. Lá para as tantas, respondendo a uma das perguntas do entrevistador, ele se reporta ao cenário político pernambucano, observando um pouco daquilo que já se sabe sobre o governador Paulo Câmara(PSB), ou seja, que se trata de um cidadão de perfil técnico, formado ali no Palácio do Campo das Princesas, sob os auspício do ex-governador Eduardo Campos, que o alçou ao mundo político, indicando o seu nome como candidato do PSB ao Governo do Estado, nas eleições majoritárias de 2014. Várias raposas políticas pleiteavam entrar na disputa, mas o ex-governador optou por um quadro técnico, oriundo do Tribunal de Contas do Estado, que sempre esteve vinculado às finanças da gestão estatal durante os governos de Eduardo Campos. 

O ex-presidente observa, neste perfil técnico, algumas possíveis limitações do gestor, o que poderia explicar algumas dificuldades enfrentadas pelo Estado. O governador Paulo Câmara não gostou da observação e, de pronto, respondeu ao petista que o cenário do Estado não é dos piores - as contas, segundo ele, estão equilibradas - e observou que Lula também escolhera uma técnica para sucedê-lo na Presidência da República, a ex-presidente Dilma Rousseff. Ressalto aqui que a inabilidade política da ex-presidente, de fato, sempre se constituiu num grande problema. Dilma não tinha aquele despojamento que se exige para atuar neste meio-de-campo  tão arisco e movediço; não desejava aprender; e, para piorar ainda mais a situação, também não foi muito feliz nas escolhas dos seus articuladores políticos indicados para esta função. Ou seja, uma sucessão de equívocos que culminou, imaginem, com a indicação do então vice-presidente, Michel Temer, para esta nobre tarefa, que ele executou com maestria, mas em benefício pessoal.  

De resto, polêmicas às favas, é sabido que tanto Paulo Câmara quanto o prefeito do Recife, Geraldo Júlio, eram quadros técnicos do PSB. Soberano e reinando absoluto no controle da legenda socialista, o ex-governador Eduardo Campos se deu ao desfrute de "represar" as aspirações das raposas políticas que o acompanhava. Difícil entender qual era a jogada do ex-governador com essa manobra. Talvez a de reservar esses nichos políticos para os seus herdeiros mais diretos, uma pavimentação que seria mais simples com atores políticos com menos autonomia do que as cobras criadas ou lobos famintos da política filiados à legenda. Há de se considerar, igualmente, o seu projeto presidencial, tido por alguns como uma verdadeira obsessão do ex-governador. Alguns nomes do seu staff político, convém fazer o registro, já estavam se articulando, no plano nacional, em torno de viabilizar esse projeto político do ex-governador. 

Na nossa opinião, o governador Paulo Câmara tem cometido alguns equívocos políticos, como o de ter tomado uma atitude intempestiva e ter se afastado de legendas como o DEM e o PSDB, optando como parceiro preferencial o PMDB do Deputado Federal Jarbas Vasconcelos. Outros equívocos políticos foram cometidos - e poderíamos enumerá-los aqui - mas isso talvez não seja necessário para um leitor minimamente informado sobre a política pernambucana. Não necessariamente esses equívocos podem ser atribuídos ao fato de ele ser um técnico, exercendo uma função que exige uma boa dose de manejo político. Por vezes, bons técnicos podem se constituir em excelentes atores políticos, assim como bons gestores. Um bom exemplo disso é o ex-prefeito da cidade de João Pessoa, Luciano Agra, que passou pouco tempo à frente da prefeitura da capital, mas fez uma excelente gestão, tida por alguns como a melhor de todos os tempos. Agra foi um quadro técnico pinçado da universidade pelo grupo político do governador Ricardo Coutinho(PSB). A gestão de Paulo Câmara no Governo do Estado não nos facultam tirar a mesmo conclusão, ou seja, a de um técnico que se tornou num bom gestor, num hábil político. 

Soberba e arrogância nunca foram boas conselheiras, sobretudo nesses momentos bicudos da quadra política nacional, onde a ética das consequências, de inspiração maquiavelina, tem dado o tom dos acordos e negociações neste campo. Mas, mesmo assim, este parece ser o procedimento de lideranças socialistas aqui da província, sempre que se fala numa possibilidade de reedição da Frente Brasil Popular, formada em 1989, composta por partidos como o PT e o PCdoB. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria proposto algo neste sentido, quem sabe naquela perspectiva de que os socialistas do PSB voltassem às suas verdadeiras origens - daqueles velhos tempos do ex-governador Miguel Arraes - compondo com o conjunto de forças populares, seja lá o que isso signifique diante de tanta deterioração ideológica, crise sistêmica e programática dos grêmios partidários. 

Num momento político dos mais adversos - quando propôs isso Lula ainda não havia sido condenado no contexto da Operação Lava Jato - apesar de condenarmos o salto alto da legenda socialista - também é possível entendermos, sim, as reservas de integrantes da legenda quanto a uma composição com partidos como o PT, hoje bastante desgastado junto à opinião pública.  A questão é quando se troca essas más companhias por outras ainda piores - num cenário político necrosado como este - onde o escudo ético na condução dos negócios públicos não passa de uma bravata de campanha, num simples jogo de retórica. Infelizmente o nosso sistema político desceu a esse nível e o PT não é nem melhor nem pior do que a média do que está aí.  

Jogando seu passado histórico às favas ou na lata de lixo, na realidade, grosso modo, a tendência de alinhamento da legenda socialista, hoje, se apresenta com maior viabilidade junto às forças políticas do centro para a direita do espectro político. Claro que há, na legenda, alguns atores políticos que ainda se vinculam ao passado de esquerda do partido, mas são poucos. São cada vez menos. Neste cenário, não causou tanta surpresa as negociações entabuladas por membros da legenda no sentido de uma composição com partidos como o Democratas, na perspectiva de se criar um novo partido. Não é este o caso de Pernambuco, mas em algumas praças tucanos e pombinhas brancas coabitam o mesmo ninho. Não se espere que, naquele pandemônio em que se transformou Brasília, possa se esperar algo de positivo ou republicano. Muito menos partindo-se das corjas políticas ali encasteladas. As manobras escusas de mudanças de integrantes de nomes indicados para CCJ, por exemplo, são um bom exemplo recente do que estamos afirmando. 
 
Há algumas dificuldades inerentes a uma possível reaproximação entre petistas e socialistas aqui no Estado, como a parceria cada mais efetiva entre o PSB e o PMDB do Deputado Federal Jarbas Vasconcelos, que já declarou que votará a favor da autorização da Câmara Federal no sentido de que o STF analise as denúncias contra o presidente Michel Temer. O fato atenua um pouco o ônus a ser pago pelos socialistas em torno dessa parceria preferencial com os peemedebistas. Setores da imprensa pernambucana informaram que Jarbas teria sido taxativo sobre o assunto. Se o PT entrar, ele sai. Não se sabe muito para onde, mas, enfim... O que causa estranheza, no entanto, é a absoluta falta de humildade das lideranças socialistas locais sobre o assunto, posando de salto alto, desdenhando o apoio do PT no próximo pleito, supondo, quiçá, que as coisas serão decididas a seu favor. O projeto de reeleição do governador Paulo Câmara enfrentará enormes dificuldades pela frente. Outro grave equívoco pensar o contrário. 

As dificuldades são inúmeras, como se sabe, a começar pelos baixos índices de popularidade do governador em todas das pesquisas de opinião até agora realizadas, inclusive esta última, encomendada pelo ex-candidato a prefeito de Olinda, Antônio Campos(Podemos), onde o senador Armando Monteiro, do PTB, aparece na liderança. Como já assinalamos em momentos anteriores, os flancos onde a oposição poderá atuar são muitos e capazes de produzir efeitos bastante negativos no resultado das urnas. Sinceramente, não sei de onde provém esse comportamento desdenhoso dos socialistas aqui da província. Há o ensaio, inclusive, de uma possível candidatura própria do PT. Hoje o nome mais forte - mas não menos polêmico - é o da vereadora do Recife, Marília Arraes(PT). Naturalmente que o seu projeto de lançar o seu nome na disputa deverá estar ancorado numa estratégia partidária maior. 

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Editorial: O colapso do sistema político brasileiro.



Nos últimos dias, as análises políticas e editoriais dos grandes jornais se concentram numa espécie debate sobre o colapso do nosso sistema político. Uma crise institucional iniciada quando da deposição da ex-presidente Dilma Rousseff, e que não emite o menor sinal de acabar, consoante o andar da carruagem política, movida por atores sabidamente suspeitos, pouco confiáveis, guiados por negociações nebulosas, de caráter pouco republicano. Os textos não são assim tão explícitos como o deste escriba, mas, em resumo apontam, sim, para uma espiral de fragilidade institucional, incapaz de conduzir o país a algum rumo minimamente desejável pela sociedade brasileira, ou seja, acordos celebrados dentro de um razoável ordenamento jurídico; consoantes regras rígidas no tocante à condução dos negócios públicos e, de preferência, sem mais os escândalos de corrupção, voltados para o atendimento das mais prementes demandas sociais. Assim como está, o sistema político não opera no sentido de construção da cidadania, mas no sentido de atender interesses fisiológicos de grupelhos encastelados no aparelho de Estado e nos três poderes, que atuam consoante o que é ditado pelas corporações, notadamente as financeiras. 

 
O que une o pessimismo desses cronistas políticos  sobre o que virá após o afastamento do presidente Michel Temer(PMDB), diante de um quadro político tão caótico? No dia de ontem, nos dedicamos a destrinchar os acordos de bastidores que estão sendo costurados no sentido de viabilizar o afastamento do presidente Michel Temer, assim como a condução do hoje presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia(DEM), à Presidência da República. Setores dos PSDB se assanham diante da expectativa de poder, traduzida na ampliação da participação no futuro condomínio governista. Por outro lado, a desenvoltura do democrata tem preocupado algumas tucanos de bico fino e emplumados, como é o caso do governador paulista Geraldo Alckmin, que suspeita das pretensões políticas de Maia. Não é para menos, uma vez que Botafogo está tão azeitado que articula, ao mesmo tempo, uma possível fusão dos Democratas com o PSB, do ex-governador Miguel Arraes. A proposta é tão indecente que voltaremos a discuti-la mais adiante, sobretudo em respeito ao saudoso governador.

 
Comentamos sobre este assunto no dia de ontem, mas, de fato, colocar os planos políticos para 2018, neste cenário nebuloso, talvez não seja mesmo o mais prudente. Se o governador Geraldo Alckmin(PSDB) desconfia das pretensões de Rodrigo Maia é porque essas definições estão, de fato, abertas. Ademais, neste cenário de cobras peçonhentas e lobos famintos é mesmo muito difícil prevê, com o minimo de precisão, os passos dos adversários. Desde muito tempo ficara bastante nítido que a substituição de Dilma Rousseff pelo presidente Michel Temer, e, agora tão pouco, a substituição de Temer por Rodrigo Maia não representaria a solução de alguns problemas estruturais do nosso sistema político, hoje bastante necrosado e esquizofrênico no tocante aos anseios da sociedade brasileira, conforme afirmamos. 

 
O cenário de candidaturas para as eleições presidenciais de 2018, igualmente, também não nos sugerem muito otimismo. Não são poucos aqueles que se apresentariam ao eleitorado com uma ficha, digamos assim, não limpa. Isso, de um lado. Do outro, aventureiros que tentariam tirar vantagens do esfacelamento do sistema político, apresentando-se como "novatos", que nunca tiveram nada com tudo que aí está. Há ainda aqueles cuja plataforma reacionária e retrógrada dispensaria maiores apresentações. Como se sabe, a crise política sistêmica é um terreno propício para o surgimento de salvadores da pátria. Se o ex-presidente Lula escapar dos rolos da Operação Lava Jato, talvez até se apresente novamente ao eleitorado como alternativa, mas já com aqueles comprometimentos conhecidos, traduzidos numa nova conciliação de classes, que o deixaria sem margem de manobras para o aprofundamento das soluções dos nossos problemas políticos crônicos. Como disse, isso se ele vier a superar os rolos da Lava Jato - o que é pouco provável - além do anti-petismo que ainda está muito presente no nosso imaginário social. 


P.S.: Contexto Político: Lula foi condenado pelo juiz Sérgio Moro, na ação envolvendo o tríplex do Guarujá, há 09 anos de prisão em regime fechado e 19 anos sem candidatar-se ou exercer alguma função pública. Ainda não é uma sentença definitiva, pois precisa ser apreciada, em segunda instância, pelo Tribunal Regional Federal da 4º Região, localizado em Porto Alegre. Mantida a sentença, ele torna-se inelegível.

Charge!Aroeira

domingo, 9 de julho de 2017

Religiosos lutam para libertar orixás da polícia



Juliana Gonçalves


Fé é crime? A resposta óbvia para essa pergunta seria não. Mas, no Brasil, já foi. No início do século XX, a prática das religiões de matriz africana era considerada crime pelo código penal e diversos objetos ritualísticos foram apreendidos em batidas policiais. O texto do artigo que tornava “o espiritismo, a magia e seus sortilégios” crimes foi alterado em 1940, mas teve efeito prático até 1960. No entanto, no Rio de Janeiro, a Polícia Civil continua mantendo até hoje em seu acervo cerca de 200 peças sagradas para umbandistas e candomblecistas. Mais de 100 anos depois, líderes religiosos e ativistas do movimento negro buscam a transferência desta parte da história para um local apropriado e de exaltação à cultura negra através da campanha “Liberte o Nosso Sagrado”.

“Queremos colocar as peças em lugar mais adequado e não na polícia. Não em um prédio que foi sede do Dops durante a Ditadura Militar com toda essa carga negativa, onde torturas aconteceram. Para que as pessoas tomem conhecimento do que ocorreu esse tempo todo e saibam que essas peças são peças sagradas de uma religião dos nossos ancestrais”, explicou a Yalorixá Luizinha da Nanã durante a marcha do movimento Ocupa Dops . O grupo luta pela transformação do Museu da Polícia Civil em um espaço de memória da Ditadura.
A peças chegaram a ficar expostas por anos ao lado de símbolos nazista no Museu da Polícia Civil com a denominação “Coleção Magia Negra”, mas, hoje, estão longe do acesso do público e de pesquisadores e encontram-se no acervo do museu. Entre os objetos estão imagens, instrumentos musicais e vestimentas tombados pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atual Iphan, ainda em 1938.

Racismo Religioso

A ideia da campanha é usar a história para debater o racismo religioso que atualmente se manifesta de outras formas. No passado, era amparado pela lei, já que a religião era criminalizada pelo Estado. Hoje, o preconceito se faz presente em buscas por brechas nela, principalmente, por meio da perturbação do sossego.
Em março de 2017, pai Edson de Omulu foi condenado a 15 dias de prisão por perturbação do sossego no Recife (PE). O Babalorixá afirmou se tratar de um caso de racismo religioso, pois o autor da ação já havia tentando impedir o culto de diversas formas em um período de dois anos e o toque dos tambores em seu terreiro seguia até as 20h. No Sergipe, em janeiro de 2016, atabaques foram apreendidos pela polícia, assim como na primeira república,após uma denúncia do mesmo teor. O texto na página da Polícia Militar do Sergipe criminaliza a religião ao que dizer que após denúncia, um grupo de pessoas foi “flagrado” em um culto religioso com instrumentos de percussão por volta das 20h30.
“Resgatar essas peças é uma questão de justiça a nossas ancestralidades”.
Além disso, ainda existe a tentativa de interferência direta do Estado nos ritos sagrados. Como a ação que corre no Supremo Tribunal Federal que questiona o abate religioso. Os ministros que vão decidir se o uso de animais em ritos de matriz africana viola a Constituição, que em seu artigo 225 coíbe a crueldade contra animais.
Seguimos sem notícias de batidas policiais em igrejas, prisões de pastores, padres ou rabinos e, ainda, tentativas de interferência direta do Estado em outros ritos religiosos. Por sorte, para as demais religiões, o artigo 5º da constituição que garante a liberdade de culto parece funcionar.
Como, no caso das religiões de matriz africana, os casos se repetem, trazer à tona o que acontecia – teoricamente no passado – enriquece o debate contra o preconceito. “Esse acervo, além de mostrar a riqueza das religiões afro-brasileiras também pode dialogar com o racismo religioso e a intolerância religiosa que continuam acontecendo”, comenta Jorge Santana, coordenador da campanha.
Assim como os coordenadores da campanha Liberte o Nosso Sagrado, The Intercept Brasil também não obteve um posicionamento da Polícia Civil sobre o caso. No blog da Associação dos Amigos do Museu da Polícia Civil, uma nota menciona a campanha e diz que as peças pertencem por justo direito à polícia. Além disso, o texto defende que, “em países civilizados peças e coleções não são removidas de museus”. No entanto, na Bahia, peças apreendidas pela polícia em batidas em terreiros, que estavam no Museu Estácio de Lima, do Departamento de Polícia Técnica (DPT), foram transferidas para o Museu Afro-Brasileiro (Mafro/Ufba) em 2010 após um movimento semelhante em Salvador.
No Rio, a campanha seguirá para o caminho judicial. “Resgatar essas peças é uma questão de justiça a nossas ancestralidades. É uma questão de justiça a todos os 5 milhões de negros que chegaram aqui no Brasil e que foram massacrados”, afirma a Yalorixá Luizinha de Nanã.

(Publicado originalmente no site do Intercept Brasil)

Caso Rafael Braga é tema de exposição no Instituto Tomie Ohtake

                                          
Helô D'Angelo 

Caso Rafael Braga é tema de exposição no Instituto Tomie Ohtake
Rafael Braga, único preso nos protestos de 2013, foi condenado a 11 anos de prisão (Reprodução/Arte Revista CULT)


 
Rafael Braga foi condenado a quatro anos e oito meses de prisão por porte de explosivos durante as manifestações de 2013. Os materiais considerados explosivos, porém, resumiam-se a um pote de desinfetante e outro de água sanitária.
Em 2015, Braga conseguiu que a pena fosse cumprida em regime aberto, mas pouco depois foi detido novamente. Segundo os policiais que o prenderam – e únicas testemunhas do caso -, o rapaz portava 0,6 grama de maconha, 9,3 gramas de cocaína e um rojão. Homem negro e catador de lixo, Braga foi condenado a onze anos e três meses de prisão anos em regime fechado.
Na exposição OSSO, organizada pelo Instituto Tomie Ohtake em parceria com a Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), 29 artistas brasileiros de todo o país expõem obras relacionadas ao caso de Rafael Braga, que acabou se tornando o único preso durante as manifestações de 2013 – sem sequer, segundo ele, ter participado dos protestos.
A mostra, que fica em exibição entre 27 de junho e 30 de julho no Instituto, foi batizada de OSSO por reunir obras que tratam de tudo aquilo que é “essencial e estrutural na fragilidade do direito de defesa”, segundo o curador, Paulo Miyada. 
Além das obras, a exposição exibe documentos ligados ao caso de Rafael, como reportagens, dados e textos sobre o tema, cuja organização foi feita pelo IDDD. Junto aos documentos, há um texto que discute as contradições e os pontos-chave do julgamento de Braga, e faz reflexões sobre o sistema penal brasileiro. A ideia, de acordo com o curador, é aproximar o público da injustiça sofrida por grande parte da população negra e periférica no Brasil.
“Na relação entre arte, política e direito, tentamos inverter o modo como essas conexões estão consolidadas. Em vez de fazer uma exposição geral sobre crise política, a gente tentou colocar no próprio título da exposição a questão de forma explícita. Os artistas entraram como se a exposição fosse um abaixo-assinado pelos direitos humanos”, afirma.
Suzane Jardim é historiadora e uma das organizadoras do movimento 30 Dias por Rafael Braga, que tem como objetivo conscientizar sobre este e outros casos. Para ela, a exposição tem o poder de aproximar a realidade de Rafael daqueles que, mesmo em atividade política, não estejam em contato com suas raízes racistas: “Gosto de ser otimista e pensar que uma exposição como essa tem o papel de levantar questões em pessoas que estão ocupadas demais tentando ‘reconstruir nossa democracia’ sem perceber que para cidadãos como Rafael Braga a democracia brasileira sempre foi sanguinária, repressiva e aniquiladora”.
Os artistas convidados para a exposição vêm de diversas partes do Brasil, e se dividem em três perfis, segundo Miyada: os já conceituados no meio brasileiro, e que já se manifestaram sobre assuntos políticos (como Cildo Meireles, Paulo Bruscky e Anna Maria Maiolino), os artistas negros, que trazem, entre outros temas, o debate da questão racial para suas obras (como Rosana Paulino, Moisés Patrício e Paulo Nazareth), e os jovens ou que entraram recentemente no mundo da arte – e que “carregam uma visão crítica por definição”, nas palavras do curador.
Temática estrutural
As obras expostas dialogam não só com o caso de Rafael, mas também com o racismo brasileiro e sua consequência mais imediata, a desigualdade social. Em “A permanência das estruturas”, por exemplo, a artista Rosana Paulino mistura desenhos de navios negreiros com esquemas “científicos” da época em que a eugenia era aceita como uma teoria científica no Brasil, no início do século 20. Em “O racismo é estrutural”, Graziela Kunsch criou estampou a frase em uma faixa de mais de oito metros de extensão, com a mesma linguagem das faixas do Movimento Passe Livre, que ficaram famosas nas Jornadas de Junho de 2013.
“Outras obras são mais sintéticas e ‘mudas’, mas fazem a gente pensar de outra forma”, diz o curador. É o caso de “Cruzeiro do Sul”, de Cildo Meireles, que consiste de um cubo pequeno em uma sala enorme e vazia, iluminado por um feixe de luz. O cubo é feito de madeiras utilizadas pelos indígenas para fazer fogo: “É um gesto sintético, mínimo, condensado, mas que por metonímia carrega dentro de si uma explosão. É um pavio simbólico”, define Miyada.
Criada em Diadema, Suzane Jardim lembra que nunca havia entrado no Instituto Tomie Ohtake, mesmo tendo se formado na USP – e afirma que a falta de acesso aos pontos de cultura é um problema enfrentado por muitas outras pessoas vindas da periferia, que são as maiores vítimas das injustiças como a sofrida por Braga. No entanto, a historiadora classifica o evento como algo positivo, mesmo que realizado em um local que ela considera elitista: “Creio que minha participação pode até criar um vínculo entre o espaço, a proposta e outras pessoas negras vindas da periferia e que, como eu, nunca haviam pensado o espaço como seu”.
Ela salienta, no entanto, que a iniciativa do Instituto não é a “primeira e nem a única” a abordar o caso de Rafael Braga e outros semelhantes. “Existem comitês em diversos estados pensando a questão, o grupo do Rio de Janeiro vêm se mobilizando desde 2013 pela causa com um histórico incrível de ações realizadas, a campanha dos 30 Dias também está aí promovendo o debate sobre encarceramento em diversos espaços, as periferias reagem, se protegem e denunciam como podem desde que essa realidade sócio-histórica se formou.”
No entanto, mesmo com tantas iniciativas de conscientização e de mobilização para a defesa de Braga, e mesmo que o rapaz não tenha cometido crime algum, ele continua preso – quatro anos após sua primeira detenção. “Casos como o de Rafael Braga escancaram uma realidade cotidiana que a história nacional insiste em esconder desde sua formação. Por isso causam tamanha revolta”, conclui Jardim.  

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

Charge! Jean Galvão via Folha de São Paulo

Jean Galvão

sábado, 8 de julho de 2017

Michel Zaidan Filho: Governabilidade sem governo

 

 
  
Tudo indica que há uma segura e determinada articulação que vai juntar os democratas e os tucanos na deposição de Michel Temer, sob as benções de Fernando Henrique Cardoso e Wellington Moreira Franco. A ideia é aumentar (e muito) o espaço do PSDB no governo federal e garantir, através da escolha de Rodrigo Maia como sucessor de Temer, as reformas trabalhista e previdenciária. Maia, como Presidente do Congresso, lavaria as mãos diante do processo contra o atual mandatário e deixaria para os outros a tarefa de condenar Michel Temer e se colocaria à disposição dos "amigos" para ocupar o lugar do afastado. Para isso contaria com o apoio das bancadas do DEM, PPS, PSDB, PTB e outros partidos clientelistas, os que apoiam qualquer governo em troca de benesses. O risco maior é uma manobra continuísta no Congresso que prorrogue o mandato tampão de Maia.

Uma vez, que dificilmente tucanos ou democratas teriam condições de ganharem a eleição presidencial em 2018. O complicador é o velho e dividido PMDB, o maior partido do congresso. Nessa articulação, seria o maior prejudicado. Ficaria com o resto. Convencê-lo a virar sócio minoritário nesse condomínio é um grande desafio. Por sua vez, Lula - o melhor avaliado nas pesquisas de opinião - vem dando mostras de que não seria uma ameaça aos interesses da coalização ora no poder. Talvez, numa segunda versão de uma "carta aos brasileiros", o líder petista pode acalmar os humores do mercado e de seus representantes parlamentares de que, uma vez eleito, não colocaria em risco os projetos de interesse dessa coalização.De toda maneira, Lula vem dando sinais de que mais importante do que uma eleição direta já, é garantir maioria no Congresso, e para isso muito jogo de cintura e espírito de conciliação é importante. 

 A atual legislatura é, politicamente, uma das piores dos últimos tempos. Governar com os fragmentos que formam a atual casa legislativa é preciso um santo vestido de satanás. Aqui, a chamada "ética das consequências" - de extração maquiavelina - terá de ser muito bem empregada. Num ambiente de bandidos, o discurso tem de ser sinuoso e ambivalente. Se for afirmativo e claro, o Presidente não dura um dia no seu cargo. Na verdade, estamos diante do fim do ciclo do mal chamado "Presidencialismo de coalizão". Com um Poder Legislativo "plebiscitário", que todo dia avalia e cobra mais caro pelo apoio a ser dado ao Presidente, ao largo de todo e qualquer ideologia ou programa. Sobreviver, assim, exige uma imensa dose de "generosidade" por parte do governante. Esta na hora de mudar as regras do jogo, aproximar a instituição da sociedade e fazer justiça aos reclamos da maioria da população. Mas do jeito como está, é impossível. A agenda tornou-se, ela própria, na mera sobrevivência do governante, no meio de cobras e leões famintos. E o preço a pagar é muito alto.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD - UFPE





quinta-feira, 6 de julho de 2017

Sobre o livro "Política e vocação brasileira", de Suzana Albornoz


Sobre o livro ‘Política e vocação brasileira’, de Suzana Albornoz
A responsabilidade teórica e o cuidado reflexivo na obra de Suzana Albornoz (Arte Revista CULT)


Política e vocação brasileira, da filósofa Suzana Albornoz, apresenta-se aos leitores como uma obra aberta ao diálogo. Trata-se de um feito filosófico e político que podemos definir como essencial, sua característica fundamental é a responsabilidade teórica e o cuidado reflexivo. Do começo ao fim, Suzana Albornoz se posiciona com o cuidado de quem respeita o outro, abrindo-se a ele, seja ele o leitor ou o objeto pesquisado. Além de tudo, é também o cuidado de quem respeita o conhecimento, sabendo que respostas fáceis são ilusórias; e que é preciso, antes de enveredar em soluções apressadas, aprender a analisar e a questionar o cenário onde tudo parece de antemão explicado em termos de política e de Brasil. O cuidado de Suzana Albornoz é o cuidado de quem, como filósofa, sabe que não sabe. De quem tem em vista que o saber é sempre suposto e, por isso, tende à ilusão. O não-saber é a virtude filosófica com a qual a política deve aprender. Uma política da responsabilidade passa pelo cuidado que faz pensar.
É a postura do não-saber que leva a perguntar. Por isso, essa postura precisa ser protegida por quem pretende fazer filosofia, essa atitude do pensamento inconformado e crítico que, sabendo ouvir, está aberto à alteridade. Vemos que, no livro de Albornoz, o não-saber é o olho que permite ver mais longe, mas não sozinho. A humildade do anão nas costas do gigante, imagem com que ela expõe suas leituras e inaugura sua reflexão, é a marca d’água a cada página deste ensaio necessário. A qualidade do anão reposiciona o gigante, quase o deixa para trás. Há algo de imóvel no gigante, algo de pesado, algo que se tornou rígido. É o anão que, com sua destreza e habilidade, subindo nas costas do seu parceiro, consegue alcançar um campo de visão mais vasto. O gigante não pode ver tão longe, mas ele seria feliz se pudesse contar com a visão das novidades que o anão lhe traz montado em seus ombros. Com a humildade de alguém que sabe muito, mas se posiciona em nome do saber-que-não-sabe, Suzana Albornoz, brincando de ser anão, nos abre um horizonte bem vasto.
Trata-se, como a própria autora diz, em Política e vocação brasileira de um conjunto de leituras. Mas não apenas. A erudição de Suzana Albornoz, complementada pela competência em expor as teorias assimiladas, oferece ao leitor um caminho seguro, mas nesse caso não se trata da segurança fácil da resposta, de um chão, e sim da mão que conduz pelo escuro rumo a uma pergunta que precisa ser feita. A pergunta de Suzana Albornoz concerne à vocação brasileira de um ponto de vista cultural, mas apenas enquanto este ponto de vista é também político. Dando a mão ao leitor, ela tem a paciência de uma professora que alfabetiza para permitir que um dia nasça a expressão particular de cada um, no caso, a expressão do leitor que aprendeu a pensar.
E o que o leitor irá descobrir é que a experiência política precisa ser pensada. Albornoz pensa o âmbito geral do político como esfera pública, como experiência concreta, e não apenas como atividade parlamentar ou de governabilidade. Tendo em mente o “conceito clássico da política como vocação universal, de todos os seres humanos enquanto cidadãos, quando chegam a ter acesso à cidadania”, Albornoz expõe a alma do seu livro para que um leitor comum possa entender-se com as riquezas da experiência reflexiva concreta.
A escritora Suzana Albornoz
A escritora Suzana Albornoz em tarde de autógrafo na Palavraria, em Porto Alegre (Divulgação)
Trata-se, portanto, de pensar a vocação como questão cultural e política que se desenvolve junto com a história do Brasil, fazendo o país que experimentamos hoje. O trajeto da questão Brasil na história das ideias é importante nesse processo. Com a paciência da leitora mais cuidadosa, ela resume os argumentos fundamentais das teorias dos autores que tomaram o Brasil para si como questão. Não deixa, no entanto, de oferecer sua própria compreensão do cenário. Se ela escolheu os autores que escolheu não é apenas porque tem afinidade com eles. Mas porque é capaz de dialogar com suas perspectivas, sem obrigar-se a entrar em consenso com elas. Albornoz conversa com muitos. Aqueles que a ajudam a pensar o Brasil. O que ela faz, no entanto, é preciso dizer, à sua maneira, uma maneira sempre preocupada em ser clara e generosa. O mapeamento das ideias e das posições ideológicas ou filosóficas dos parceiros teóricos, alia-se ao depoimento de quem, sem fazer-se testemunho, presencia a história de maneira atenta. De Eduardo Prado a Gilberto Freyre, de Stefan Zweig a Roger Bastide, de Sérgio Buarque de Holanda a Fernando Henrique Cardoso, de Platão a Arendt, de Rousseau a Tugendhat, de Bobbio a Riesman, Albornoz demonstra uma leitura impressionante dos intérpretes do Brasil, bem como dos filósofos clássicos e seus comentadores, não sem afirmar os limites de várias dessas leituras enquanto limitadas por ideologias ou visões parciais da história e da própria condição humana.
A medida que avançamos na leitura percebemos esse Brasil de Suzana Albornoz, um país que inclui o campo onde ela vive, o sul. Ao afirmar essa necessidade de análise, torna-se claro que ela não toma o Brasil por um mito, nem por uma ideia. O Brasil é, para ela, experiência política do cidadão comum em cujo lugar ela gostaria de se colocar. Uma experiência que não pode ser compreendida sem que se leve em conta a história, um passado de exploração escravocrata que se expande até hoje, de destruição dos povos nativos que continua e avança desde nosso começo cronológico.
Avisando que a moderação será uma regra de conduta no texto, Albornoz situará a construção da democracia no tempo, a partir de eventos históricos concretos, da política institucional, dos governos, dos movimentos sociais, lidos por ela sem declarar preferências que facilmente encurtariam o alcance da reflexão. Seu olhar é sobre o Brasil no seu sentido mais amplo. Seu livro busca não ser uma apologia das teorias ou das opiniões, mas ser uma exposição razoável “sem ufanismos nem viseiras” dos processos pelos quais passamos na tentativa de construir um país.
Mas a delicadeza do procedimento de Albornoz não evita a crítica. Nos termos do seu diagnóstico sobre o Brasil: “nossa ‘herança maldita’ foi essa exploração mercantil colonial, cujo peso ainda se faz sentir em nossa autoconsciência de povo ‘do Terceiro Mundo’, de país ‘subdesenvolvido’, com ‘complexo de vira-latas’, de ‘país que não é sério’, que se mostra ainda na falta de autoestima e insegurança com o próprio presente, bem como na indiferença ante a desigualdade e o desrespeito à vida e à pessoa humana, heranças da longa tradição de dominação, na familiaridade com a escravidão”.
Lendo Política e vocação brasileira perguntamo-nos em que país vivemos? Essa é a pergunta essencial do livro, uma pergunta que não se resolve em uma única resposta, mas que vale a pena ser colocada, sob pena de não nos entendermos jamais com o nosso projeto e com os nossos fracassos. Política e vocação brasileira é escrito no espírito da utopia, no sentido de Bloch, autor no qual Albornoz é uma grande especialista, não como alucinação ou fantasia, mas como desejo, impulso ético, impulso responsável de quem, ao fazer teoria, sabe que está orientando visões de mundo e criando subjetividades. A responsabilidade é agora também de quem o lê.
(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

quarta-feira, 5 de julho de 2017

O xadrez político das eleições de 2018 em Pernambuco: Marília Arraes recebe sinal verde do PT e é candidata ao Governo do Estado.

Resultado de imagem para Marília Arraes/Lula
 
 
De um certo modo, a chamada "Conspiração Macambirense" tem acumulado alguns êxitos na empreitada de conquistar o Palácio do Campo das Princesas nas eleições majoritárias de 2018. Prefeituras de cidades como Ipojuca e Belo Jardim caíram em mãos de prefeitos não afinados com as diretrizes do Governo Paulo Câmara(PSB). Sem contar aqui com a cassação do prefeito Júnior Matuto(PSB), de Paulista, uma espécie de leão de chácara do grupo palaciano desde os tempos do ex-governador Eduardo Campos. Não há dúvidas sobre o crescimento da candidatura do senador Armando Monteiro(PTB) neste cenário. Ainda é cedo para fazer alguma previsão sobre as nuvens de Outubro de 2018, mas esse imput momentâneo, de um certo modo, empresta um ânimo novo aos opositores do Governo Paulo Câmara(PSB). No caso de Belo Jardim, há ainda o componente simbólico da queda da hegemonia política exercida pelo grupo Mendonça.
 
Ontem, ciceroneada pelo senador Humberto Costa(PT), amigo pessoal do ex-presidente Lula, Marília Arraes esteve em São Paulo para um encontro com o morubixaba da legenda petista. Arrancou de Lula o sinal verde para o seu pleito de uma candidatura ao Governo do Estado nas eleições de 2018. Como dissemos em artigo anterior, na atual conjuntura política, o PT precisa medir com bastante cuidado os seus passos. Não bastassem os problemas da  legenda no plano nacional, aqui na província o PT ainda amarga as duras aprendizagens de uma política aliancista equivocada, que o tornou refém e a reboque do projeto político do ex-governador Eduardo Campos. Quando o ex-governador resolveu que já era a hora oportuna para distanciar-se do partido, eles se deram conta da ausência de um espaço político próprio que deixou de ser construído ao longo dos anos.
 
É neste contexto que se entende a razão de os caciques da legenda adotarem uma estratégia de sobrevivência política que passa por uma profunda reflexão acerca de suas ambições nesse cenário. O senador Humberto Costa, por exemplo, o nome com maior capilaridade política da legenda no Estado, deverá mesmo candidatar-se a uma vaga na Câmara Federal nas eleições de 2018. Marília Arraes, por seu turno, só teria a ganhar com o seu projeto majoritário, embora o seu projeto não possa ser dissociado das perspectivas locais e nacionais da legenda. Em qualquer circunstância, no entanto, Marília Arraes ampliaria seu capital político, além de reforçar o palanque oposicionista ao governador Paulo Câmara(PSB), possivelmente, levando a eleição para um segundo turno. Há um outro componente aqui, o da ratificação da cisão entre as famílias Campos e Arraes nas próximas eleições. O escritor Antônio Campos, hoje filiado do Podemos, deverá tentar uma cadeira na Alepe ou na Câmara Federal em 2018. 
 
O governador Paulo Câmara também estreita suas costuras políticas, reforçando a aliança com partidos como o PMDB, do Deputado Federal Jarbas Vasconcelos, que deverá ocupar uma das vagas ao Senado Federal na chapa do Campo das Princesas. Enquanto no plano nacional os socialistas acenam para um distanciamento do PMDB, aqui na província ocorre um movimento em sentido contrário, uma estratégia que traz no seu bojo um ônus que deverá ser cobrado nas urnas, sobretudo se confirmada a defenestração do Governo Temer, envolto em inúmeras denúncias. Ainda não entendi qual é o "cálculo" do governador para o reforço desta aliança. Do ponto de vista estritamente eleitoral, inclusive, somente mais recentemente os peemedebistas trataram de adubar suas bases interioranas. Talvez não haja cálculo algum mesmo. Que o diga Danilo Cabral. Talvez fosse mesmo mais prudente uma preocupação maior com o próprio "rebanho" socialista, como a ala dos Coelhos, que se encontra assediada por aves de rapina da política nacional.  
 
 

Charge!Aroeira

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segunda-feira, 3 de julho de 2017

Editorial: "Enquanto houver bambu, lá vai flecha."





Faz algum tempo que o brasileiro não tem motivos para algum otimismo sobre os rumos políticos do país. Hoje, 03/07, o jornal Folha de São Paulo traz um editorial que nos deixam ainda mais pessimista acerca de uma necessária reforma política, capaz de promover mudanças substantivas no nosso sistema político. Como já se supunha, o simulacro de reforma política que transita na Câmara dos Deputados constitui-se, na realidade, numa proposta sob medida para dar continuidade às inúmeras excrescências que corroem o nosso sistema político há décadas. Ou seja, tudo caminha para mais uma marmelada que comporte os vícios pré-existentes, num típico procedimento de legislação em causa própria. Pelo andar da carruagem política, apenas uma constituinte independente, eleita para esta finalidade, reuniria as condições de promover mudanças substantivas e perenes neste sistema político apodrecido.
 
Em setembro, o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, deverá ser substituído no cargo. Nos últimos dias, por razões óbvias, ele tem sido a vítima preferencial do presidente Michel Temer, acuado depois das denúncias da PGR, que o acusa de ter cometido crime de corrupção passiva, no exercício do mandato. O Planalto costurou e alinhavou, com todos os cuidados possíveis, o nome de Raquel Dodge, que deverá substituir Janot naquele órgão, a partir de setembro. Mas, o mandato de Janot só acaba quando termina e, até setembro, há uma expectativa de que este sistema político apodrecido sinta o peso de suas ações. Ele mesmo, em palestra recente, declarou que, "Enquanto houver bambu, lá vai flecha.", numa inequívoca alusão ao fato de que a caneta funcionará até as últimas horas do seu expediente do último dia de mandato à frente da PGR.
 
O rolo-compressor político do Palácio do Planalto, diante do exposto, aproveita a deixa para espalhar o terror entre os deputados encrencados nos rolos da Operação Lava Jato, no Legislativo, que deve julgar o pedido de investigação contra o presidente, formulado pela PGR. É hora de auto proteger-se, contendo a fúria do Procurador-Geral da República. Eis aqui porque não acreditamos que a Câmara Federal irá aprovar o pedido de investigação que corre contra o presidente Michel Temer. Deverá prevalecer aqui o espírito corporativo dos deputados, a despeito dos clamores da população pela moralização na condução dos negócios públicos. Talvez uma grande mobilização popular ainda possa reverter esse quadro, mas, a julgar pelos resultados da última greve geral, não há aqui também motivos para algum otimismo.
 
Nesses momentos bicudos da política - quando se espera que os cidadãos e cidadãs possam unir esforços em defesa da res publica - acontece o fenômeno curioso do esgarçamento desses laços coletivos, que dão espaço a uma espécie de "salve-se quem puder". Quando ocorreu o golpe institucional que permanece em curso, o filósofo Gabriel Cohen definiu magistralmente aquele momento de crise institucional, ao afirmar que "dormimos o sono político que produziu o monstro". Cohen fazia referência a uma possível "acomodação" do brasileiro sobre os rumos da democracia no país. O tempo mostrou que não estávamos navegando em nenhum céu de brigadeiro. Está difícil despertar o brasileiro deste sono, apesar dos despertadores que alertam para um aprofundamento da crise político-institucional no país, onde a justiça, que deveria ser feita, passa ao largo do olhar contemplativo do contribuinte.  

Charge! Jarbas via Diário de Pernambuco

domingo, 2 de julho de 2017

O xadrez político das eleições de 2018 em Pernambuco: PSB reforça a aliança com o PMDB de Jarbas Vasconcelos

 
 
 

José Luiz Gomes da Silva

Confesso que às vezes tenho dificuldade de interpretar alguns movimentos do governador Paulo Câmara(PSB). Alas fortes do seu partido, o PSB, já fecharam questão no sentido de abandonar a nau governista comandada pelo presidente Michel Temer(PMDB), exceto aqueles cujo vínculo com o governo é mais orgânico, como é o caso do Ministro das Minas e Energias, Fernando Coelho Filho(PSB) e o seu pai, o senador Fernando Bezerra(PSB). A dificuldade dos Coelhos em lidar com essa questão é tão evidente que eles passaram a ser assediados pelos Democratas, que desejam seu ingresso na agremiação. A julgar pelos últimos convescotes aqui na província, envolvendo essa ala dos Coelhos e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia(DEM), ciceroneados pelo ministro da Educação, Mendonça Filho(DEM), a migração para a legenda dos Democratas é uma questão de tempo. De há muito que essa ala dos Coelhos encontra-se desgarrada do Palácio do Campo das Princesas.
 
Ao contrário de uma tendência que se vislumbra no plano nacional, aqui na província o governador Paulo Câmara faz questão de estreitar os laços que unem o PSB e o PMDB. Isso fica evidente pela presença de palacianos ilustres durante a convenção da legenda no Estado, que reconduziu o vice-governador, Raul Henry, à direção do partido. Antes disso, porém, comenta-se que o governador esteve presente a um jantar oferecido pelo deputado Jarbas Vasconcelos, no tradicional Restaurante Leite. Depois desse jantar, Jarbas Vasconcelos(PMDB) reafirmou o seu propósito de voltar a disputar uma vaga para o Senado Federal, nas próximas eleições. No que depender do governador Paulo Câmara(PSB), a vaga já estaria assegurada, creio que independentemente de consulta ao conjunto de forças que dão suporte ao seu projeto de reeleição.
 
Vejo aqui um erro estratégico do governador Paulo Câmara, apenas compreendido num contexto mais amplo, ou seja, diante das dificuldades de relacionamento da legenda socialista com outras forças políticas que atuam no Estado, como o PT, o PSDB e o DEM. Em política é possível se dá nó em água, mas é muito pouco provável uma reaproximação entre os Democratas e os socialistas. O DEM, na realidade, mesmo reconhecendo as dificuldades, pavimenta sua estrada em raia própria, a julgar pelos movimentos do ministro Mendonça Filho(DEM). O PSDB, como sempre, é um grande dilema aqui e alhures. Bruno Araújo(PSDB), o Ministro das Cidades, se movimenta com o apoio de setores importantes da legenda tucana no Estado, mas uma candidatura nacional do partido pode significar a necessidade de alguns rearranjos na província, dada as relações estreitas entre socialistas e tucanos no plano nacional.
 
O PT, por seu turno, amarga a refrega de uma ressaca política generalizada. Anda recolhido aos aposentos, refletindo sobre os rumos que deverá tomar daqui para frente, sobretudo diante das nuvens cinzentas que se apresentam no cenário político. A imagem do partido anda bastante desgastada em função de um linchamento moral muito bem urdido. Os passos do partido, tanto aqui quanto no plano nacional, precisam ser muito bem calculados. Comentou-se durante a semana que cogitou-se de uma reaproximação entre o PT e o PSB, mas creio que isso não tenha passado de uma mera especulação. Esse divã é importante, pois o PT precisa decifrar com clareza o que dizem as espumas formadas pelas águas que batem nas pedras.  
 
 

Charge! Duke via O Dia

Political Drops for Reflection: Sad Democracy

 
"There, according to the second Lula government, the institutes that measure the health of democracy in the world - from the observation of some variables - said that we were doing very well. The possibility of a setback would be unlikely since we followed a sequence of regular elections , The civil and political rights were assured, the constituted powers worked without bumps, within that predicted balance, holding back the possibility of a tyranny.There was the coup and a heavy agenda of suppression of rights, but as in Brazil there is a characteristic atypicity, Pretending that things are working perfectly - we are only going through a necessary transition - until the elections of 2018, when the people will have a new opportunity to choose a ruler depending on their free choice.In their last speech, the president seems to invoke this spirit The need to address these reforms, regardless of the accusations that are imputed to them. He respects the rules of the democratic game in what he advocates about the conduct that is expected of the ruler, as long as the banking agenda is fulfilled. "
(José Luiz Gomes, political scientist, in na editorial published here on the blog)

Drops político para reflexão: Triste democracia

 

"Ali pelo segundo Governo Lula, os institutos que medem a saúde da democracia no mundo - a partir da observância de algumas variáveis - diziam que estávamos muito bem. A possibilidade de um retrocesso seria pouco provável, uma vez que cumpríamos uma sequencia de eleições regulares; os diretos civis e políticos estavam assegurados; os poderes constituídos funcionavam sem solavancos, dentro daquele equilíbrio previsto, tolhendo a possibilidade de uma tirania. Veio o golpe e uma agenda pesada de supressão de direitos, mas, como no Brasil existe uma atipicidade característica, finge-se que as coisas estão funcionando perfeitamente - passamos apenas por uma transição necessária - até as eleições de 2018, quando o povo terá uma nova oportunidade de escolher um governante consoante sua livre escolha. Em sua última fala, o presidente Michel Temer parece invocar esse espírito sobre a necessidade de tocar essas reformas, independente das acusações que lhes são imputadas. Ou seja, pouco importa o respeito às regras do jogo democrático naquilo que ele preconiza sobre a conduta que se espera do governante, desde que se cumpra a agenda da banca."
 
(José Luiz Gomes, cientista político, em editorial publicado aqui no blog)


Michel Zaidan: Triste democracia

     
 
"Triste democracia” é o nome do editorial do blog Contexto Político, alimentado pelo cientista politico, José Luiz da Silva. Nem um cidadão ou cidadã republicana digno desse título pode deixar de se indignar com as últimas decisões tomadas por ministros do STF em relação aos investigados e denunciados pela Operação-Lava Jato.  Nesse caso, frise-se, não se trata de mais um processo político – sempre sujeito a controvérsias e querelas jurídico-constitucionais. Trata-se com todas as letras de um processo criminal, pura e simplesmente. Denúncias de corrupção passiva, formação de quadrilha, obstrução à Justiça, favorecimento a terceiros etc. São muito graves, gravíssimas, para permitir que os acusados se mantenham nos cargos e os usem, sem o menor constrangimento, para a obstrução do processo criminal (não politico, repita-se), constrangendo testemunhas, destruindo provas e aliciando  aliados, dentro e fora do Congresso.
Não se trata aí o devido processo legal, o direito ao contraditório e o respeito ao princípio da ampla defesa. Trata-se de leniência como o crime e os criminosos  em posições estratégicas de poder. Quando um dirigente é acusado,  com base num conjunto probatório  robusto, e nomeia um procurador(a) Geral da República, com base no grau de proximidade ou amizade que tem com o nomeado, configura-se um triste espetáculo de um ato administrativo impróprio, pos o Procurador nomeado  denunciará ou não o seu nomeador. Como fica a imparcialidade das instituições judiciárias, nesse caso?            O mesmo raciocínio vale para os deputados e senadores, muitos já investigados e denunciados pela Justiça, que vão decidir se abre ou não o processo criminal contra Michel Miguel Temer. Eles próprios atuam em causa própria, pois serão os próximos a serem julgados,  pelos crimes arrolados na denúncia contra eles. 
Pior é ter um  ministro do STF que não tem o princípio ético e republicado de se averbar de suspeito, quando se trata da relatoria de crimes ou processos que envolvem amigos ou clientes indiretos. A volta do senhor Aécio Neves ao Senado federal é um escárnio à consciência republicana de cada um de nós. Um cidadão que já devia está preso há muito tempo, em razão das provas materiais, visuais e sonoras coligidas contra si e periciadas pela Polícia Federal, terá o acinte de pousar de inocente e perseguido, na frente das câmeras de televisão, e receber os aplauso da quadrilha que o apoia, num verdadeiro acinte à cidadania e à  moralidade dos negócios públicos.
Infelizmente, vivemos dias tristes e tenebrosos para a democracia no país. Mas é preciso reagir  e pressionar os ilustres parlamentares (e há vários indecisos) a não coonestar com mais esta imoralidade, que é barrar na CCJ e no Plenário da Câmara a autorização para o processo criminal do senhor Michel Temer. Caindo o primeiro, é mais fácil derrubar  os outros.
 
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFPE e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE

Charge! Jean Galvão via Folha de São Paulo

Jean Galvão