pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
Powered By Blogger

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Acessos pela democracia

Não são poucos os motivos que poderiam justificar a saída de um governante do poder, mesmo que conduzido até ele através de um processo democrático, via eleições limpas, sem qualquer vício. Imaginem os senhores que, de acordo com autores situados no campo do "contratualismo político", como é o caso de John Locke, até mesmo o fato de não satisfazer as necessidades essenciais dos governados já seria motivo suficiente para o seu impedimento. Como se sabe, num país chamado Brasil, as coisas não funcionam bem assim. Até mesmo indícios concretos de possíveis práticas de irregularidades - dependendo dos arranjos políticos - podem ser toleradas, em virtude de um sistema político onde os atores são incapazes de efetivarem determinadas clivagens, por agirem consoante as motivações e interesses pessoais - não necessariamente de natureza republicana - mandando às favas a opinião pública. No último dia 02, aqui pelo blog, os internautas no mundo inteiro tiveram a oportunidade de acompanhar a rejeição da denúncia formulada pela Procuradoria-Geral da República, que pedia autorização do Legislativo para que o STF investigasse o presidente Michel Temer(PMDB) por possível prática de corrupção passiva. Neste dia, como se diz por aí, o blog bombou na blogosfera.

  

Visualizações de página por país

Gráfico dos países mais populares entre os visualizadores do blog
EntradaVisualizações de página
Estados Unidos
13929
Brasil
4270
Polônia
2515
Holanda
2066
Reino Unido
1916
França
1849
Alemanha
955
Canadá
496
Ucrânia
150
Rússia
103

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Editorial: Esquizofrenia política

Resultado de imagem para Temer de costas para o povo


Houve um tempo, como observou o editor do jornal Le Monde Diplomatique, Sílvio Caccia Bava, em que a democracia era o governo do povo, pelo povo e para povo. Bons tempos aqueles em que bradávamos que todo o poder emana do povo e em seu nome seria exercido. Os últimos acontecimentos políticos do país - onde o Legislativo brasileiro, de costas para povo, não permite que um presidente seja investigado pelo STF, mesmo diante dos fortes indícios do cometimento de crime de corrupção passiva - nos levam a concluir que, de fato, isso ficou num passado bem distante. Como bem observa o professor Michel Zaidan Filho(UFPE), em artigo publicado, no dia de ontem, aqui no blog, a soberania popular no Brasil sofreu uma abalo sísmico, daqueles difíceis de se recuperar. A esmagadora maioria da população brasileira gostaria que a Câmara Federal liberasse a apreciação da denúncia da Procuradoria-Geral da República pelo STF. 


Os indícios são fortes e eles precisariam, no mínimo, serem muito bem esclarecidos. Do contrário, se cria essa esquizofrenia entre o cidadão comum, seus representantes, os poderes da república e seus governantes. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que a vitória de Michel Temer é uma vitória de Pirro, daquelas onde o rei fica nu e chega à mesma conclusão de Pirro, ao admitir que mais uma dessas vitórias será a sua ruína. O rolo compressor do Palácio do Planalto funcionou muito bem, mas eles parecem ter acusado uma preocupação com a dissidência observada na base aliada, o que, certamente, terá reflexos nas votações de projetos do interesse do Governo. A palavra de ordem, hoje, é "recomposição", no intuito de aprovar a reforma das reformas, ou seja, a Reforma da Previdência, que traz no seu bojo um conjunto de medidas perniciosas aos interesses da classe tralhadora. Esta reforma, no entanto, está na ordem do dia da agenda neoliberal que Michel Temer se propôs a cumprir. 

A princípio, não existe algum porto seguro para o presidente Michel Temer(PMDB). A rigor, como se poderia supor, essa vitória não o favorece. Ocorreram defecções na base de apoio, inclusive entre os tucanos paulistas. A perda estimada é alta; A Procuradoria-Geral da República deverá apresentar novos pedidos de autorização de investigações por outros delitos nos quais o presidente é acusado; a recuperação dos indicadores econômicos levam algum tempo; e, ainda por cima, há os rolos da Operação Lava Jato, onde o presidente é citado, com o agravante da possível aceitação da delação premiada do ex-deputado Eduardo Cunha(PMDB) - hoje sem os alpistes - e o doleiro Dilson Funaro que, segundo dizem, era um operador minucioso, anotando todas as transações escusas com a classe política. O sistema tem entregue alguns bois de piranha para salvar o rebanho, se é que vocês nos entendem. 

Ainda raciocinando com o editorialista Sílvio Caccia Bava, ninguém dá um golpe de Estado para entregar o poder dois anos depois. O que virá depois de Michel Temer? Eis aqui uma boa indagação. Esse foi o motivo, inclusive, do pouco entusiasmo em torno de sua substituição, negociada entre seus pares, com o objetivo de se chegar a um nome para ocupar a cadeira de Presidente da República. O sucessor "natural" seria o hoje Presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia(DEM). Animal político esperto, joga nas duas pontas. Articulou-se para substituir Temer, mas, quando percebeu que não teria o apoio suficiente, voltou à condição de um aliada de primeira ordem. Depois da votação, voltou a entabular as negociações em torno do fortalecimento de sua legenda, possivelmente de olho em voos mais altos no futuro. Nossa grande preocupação é o desmonte das forças progressistas que o golpe institucional conseguiu operar. Quanto tempo teremos que esperar para a sua recomposição?

A ridicularização da política


A ridicularização da política
O deputado Jair Bolsonaro (Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil/Arte Andreia Freire)



Não costumo publicar entrevistas nesta coluna, mas como as perguntas do Juremir Machado valem mais do que as respostas que tentei apresentar – e  que foram publicadas no jornal Correio do Povo, que circula no Rio Grande do Sul -, acho que está valendo (além de tudo, estou escrevendo um romance e minha cabeça está lá…).
Que as perguntas e as respostas (sempre inconclusas) nos façam pensar nesses tempos em que o Ridículo Político é cada vez mais infinito e as cenas inacreditáveis continuam nos mostrando sinais para mudar de rumo em termos éticos e políticos.
O ridículo na política, analisado no seu livro, é uma forma de esvaziamento da democracia rentável para certos setores?
Certamente, rentável e muito útil para todo um processo de absolutização do capital ao qual tudo deve servir. Isso dentro de uma cenário em que a imagem é capital. O ridículo político é a nova vitrine da capitalização política. Ele é uma mutação na cultura política que não surge espontaneamente, mas por um processo histórico no qual percebemos a transformação da esfera política em esfera publicitária. A política sempre teve uma dimensão teatral, cênica, mas no contexto da sociedade do espetáculo, na era digital que avança sobre nós e por dentro de nós, a política foi rebaixada a mercado e os políticos não são apenas personagens em um palco, mas surgem como mercadorias expostas em uma vitrine. Daí a impressão que temos de que estamos diante de um show de horrores quando vemos a atuação deles em certos contextos, tais como aquele momento da votação na câmara dos deputados do impeachment da presidenta Dilma Rousseff. A democracia está desmoralizada em um sentido técnico. Não há mais moral, muito menos ética, e ela mesma de nada vale senão como acobertamento de uma democracia falida ou de fachada. Por isso, não há mais o valor da verdade. O cinismo que impera tem a ver com esse novo estado de coisas em que se pode falar todo tipo de “merda”, em um sentido linguístico mesmo, e ainda angariar simpatizantes e votantes com isso. Além do falar, há o fazer. Os políticos das cenas ridículas são despreparados para seus cargos. De Berlusconi aos pastores neopentecostais brasileiros campeões em participação em cenas ridículas, de Trump a João Doria que é um exemplo muito importante, estamos vendo crescer um fenômeno perigosíssimo que parece, tanto para os otimistas quanto para os ingênuos, algo inofensivo.
Por trás da ideia do país da piada pronta se esconde no Brasil um cinismo que pode se transformar em descrença na política?
A crença na política é desenvolvida numa linhagem humanista e idealista, depois utopista, romântica e socialista. Refiro-me a produções sistemáticas de teorias e visões de mundo que nos propuseram um ideal de sociedade. A politização era o caminho para efetivar visões mais ideais. Em nossa época aspectos ou elementos idealistas e utopistas que fizeram parte dessas visões de sociedade estão em baixa. Venceu uma certa ideia de prática que em tudo evita o refinamento de sua própria posição, o que só aconteceria pela reflexão. É a substituição da política pela economia, do político pelo gerente, pelo sujeito da gestão. Isso se dá à esquerda e à direita, mas enquanto na esquerda isso é ônus, na direita isso é bônus. Se alguém é um político ruim à esquerda pior para ele e para todo mundo, porque ao defender um ideal social, ao defender a coisa pública, está defendendo um mundo melhor para todos que deve se realizar conforme a promessa. Já aquele que é um político ruim à direita, não faz mal nenhum, pois não há uma preocupação ideológica com o bem de todos, com um ideal de sociedade. Por isso, as pessoas despolitizadas até suportam os corruptos da direita, enquanto que odeiam os da esquerda. Os valores do individualismo são mais fáceis defender porque não são exatamente valores morais e éticos, mas apenas garantia do benefício próprio. Por trás desse cenário há uma ideologia que tem uma astúcia impressionante, a de fazer-se passar por não ideológica. Ela se propõe como uma aposta concreta e útil na prática, ao mesmo tempo que descarta o pensamento. Toda reflexão, sob o seu prisma, torna-se firula inútil. Essa visão promove-se como algo útil enquanto ao mesmo tempo etiqueta tudo o que não se submete ao seu jogo como inutilidade. As visões mais idealizadas de sociedade dependem sempre de imaginação e reflexão, de uma alta sensibilidade que em tudo se liga à inteligência como capacidade de sonhar, de criar, de sugerir mudanças, transformações e soluções. É essa subjetividade capaz de sonhar e de propor uma sociedade com outros valores ou princípios que é destruída por uma ordem ideológica na qual o sonho de uma sociedade mais justa para todos está proibido. Essa ideologia chama-se neoliberalismo. Ele é responsável por plantar a descrença na política tratando a política como uma inutilidade diante da absoluta utilidade do mercado. O mercado é a forma do útil em seu estado mais puro.
As pessoas deixam gradativamente de sonhar em termos sociais, quer dizer, em termos políticos. São levadas a isso, porque não podem amar a política, já que pensam que a política não lhes dá nada em troca. Cada um está convencido de que a vida política não faz sentido, mas não observam como ela faz sentido para as elites, inclusive as formas novas de elitização, que, no livro, chamei de elite brega. As pessoas comuns, ou não sabem da prática da cidadania ou acham que ela não tem sentido. Quem ganha algo com a política continua a adorar permanecer nela. Pode ver: homens (porque as mulheres foram convencidas de que não ganham nada com política ou de se evitará que elas participem por mil caminhos), empresários, banqueiros, aqueles que usam o campo político para defesa de seus interesses privados em geral gostam de política. João Dória venceu a eleição para a prefeitura de São Paulo propondo-se como “não político” enquanto, filiado a um partido político, fazia campanha política. Em tudo ele é político, mas o elemento cínico de sua fala está em dizer que não é político. É uma desfaçatez, mas sobretudo, tornou-se uma estratégia. Os políticos de hoje para se elegerem aproveitam essa estratégia.
Por que Michel Temer e Jair Bolsonaro são os primeiros exemplos de ridículo político que lhe vem à cabeça?
A ideia do RP remonta ao espanto que sempre tivemos com Berlusconi fora do Brasil ou com Tiririca no Brasil. Michel Temer tornou-se um personagem exemplar, quando ainda fazia papel de vice. Jair Bolsonaro figura em várias cenas do Ridículo Político. Uma diferença importante no meu livro é que o Ridículo Político é uma categoria de análise geral que serve tanto para analisar o parlamento, as instituições do poder, mas também o cotidiano como instância da vida política. Meu foco não foram os políticos enquanto “ridículos” como costumamos tratar em um sentido mais vernacular, digamos assim, ainda que certos personagens entrem com frequência nas cenas do ridículo político. Eu quis responder à pergunta “como é possível que certos personagens conquistem tantos votos, se capitalizem politicamente justamente onde todos se sentiriam envergonhados e humilhados?”
Pierre Lévy saudou a internet como embrião de uma democracia virtual. Para Umberto Eco as redes sociais deram voz aos imbecis. O ridículo na política tem sido ampliado pelas fake news, pela pós-verdade e pelo fascismo disseminado no ciberespaço como lugar situado aquém ou além do social?
Podemos interpretar a vida política a partir das condições da cultura. Nunca esqueço a frase de Adorno e Horkheimer: a racionalidade técnica é a racionalidade da dominação. Em certo sentido, isso quer dizer que tudo o que pensarmos sobre o poder deve hoje em dia referir-se às condições tecnológicas que o instaura e sustenta. Essas condições hoje são digitais e espectrais, não podemos fugir disso.
Marcela Temer presta um mau serviço ao combate ao machismo e, de certo modo, se ridiculariza aceitando um papel anacrônico?
Essa é uma personagem curiosa, porque ela aparece com uma espécie de prótese política que não vingou na tentativa de melhorar a péssima imagem de seu marido. Michel Temer tem a maior rejeição da história, o que não é brincadeira para um político. Ele não existe nem mesmo no contexto em que a política se torna publicidade. Eu diria até que ele contribui hoje para desmoralizar o cargo de presidente, evidentemente como não poderia deixar de ser ao usá-lo ilegitimamente. Mas Marcela Temer não tinha qualidades que permitissem ajudá-lo realmente nesse processo de melhoria de imagem. Ficamos sabendo que ser “bela, recatada e do lar” é um mico. Para convencer o povo é preciso mais que isso, mais no sentido de melhor e de pior. Ela se colocou, ou foi colocada, como uma figura patética ao lado do marido e isso de nada serviu. No livro eu analiso o conceito de “madamismo” para dar conta desse fazer tipo, dessa atuação em torno de um tipo e de um padrão de gosto estético que inclui imagens como a dela e, ao mesmo tempo, todo uma população ligada a uma classe social que também faz tipo de “madame”, o que define o esteticamente correto como acobertamento do politicamente incorreto que conhecemos bem, mas que acabamos por disfarçar.
O ridículo é mais forte na política ou pode ser considerado como a marca de um tempo estética e culturalmente dominado pela adulação e infantilização das pessoas como públicos a cativar?
Meu livro trata especificamente da politização do ridículo que é, ao mesmo tempo, uma ridicularização da política. Meu interesse é mostrar que não se trata nem de comédia, nem de piada, mas de uma mutação grave na ordem da política e que isso tem a ver com indústria cultural, com sociedade do espetáculo, com uma cultura do “não levar a sério” que nos torna a todos otários de um círculo cínico.
Os políticos perderam o medo e a vergonha do ridículo?
O ridículo se tornou útil. Ele é um meio de obtenção do poder, como uma isca estética. O que Bolsonaro e outros fazem é capitalizar em cima disso. Essa a inflexão que o meu livro analisa: aquilo que era vergonhoso, tornou-se, por muitos caminhos, bacana. Onde antes alguém sentiria vergonha, hoje se torna sujeito do poder institucional com a adesão pública. Enquanto eles não sentem mais vergonha, ou se sentem, não se apresentam, nem agem a partir dela, a população que se mantém lúcida, sente vergonha alheia. A vergonha alheia é um efeito da falta de vergonha de quem, por envolvimento com o ridículo, deveria senti-la, mas não sente.
A mídia é a grande disseminadora de uma cultura do ridículo?
Na medida em que os meios de comunicação de massa vivem da imagem como mercadoria, sim. Que tipo de imagem é vendável em nossa época de pouco pensamento e pouca sensibilidade? A imagem fácil da piada. Ora, não existiria ridículo político sem sociedade do espetáculo. O ridículo político sempre é espetacular. O clima de palhaçada, de bufonaria da política é uma tecnologia do poder para encantar multidões. O ridículo político define um campo do constrangimento ético e estético ao mesmo tempo: afasta quem quer falar sério e capitaliza os mais histriônicos. Vence quem aparecer mais, mesmo que não tenha competência, nem conteúdo. Daí o sucesso de alguns personagens que manipulam simplesmente o campo do aparecer porque só o que importa é aparecer para se conquistar mais adesão.
A sociedade do espetáculo é o triunfo da estética do ridículo?
É a sociedade do espetáculo, como campo de relações mediada por imagens, como capitalização da imagem que dá as condições de possibilidade do ridículo político. Mas esse ridículo não é puramente estético, ele é também ético, ou seja, atua na ordem dos comportamentos, dos valores, das ideias, do tratamento do outro. A aparência “esteticamente correta” serve para acobertar preconceitos, ou para torná-los palatáveis e, assim, naturalizá-los. O que se pretende com isso? Sustentar os interesses das classes dominantes e do poder.
Há um vínculo entre intolerância e ridículo na política?
Há um vínculo com os preconceitos. O sistema de preconceitos é complexo e se vale sempre de artimanhas estéticas. Na verdade, podemos dizer que os preconceitos se sustentam esteticamente. A beleza, por exemplo, é uma valor branco, heterossexual, machista, capitalista. Vários preconceitos são sustentados a partir do valor capitalista-machista-branco-heterossexual da beleza.  Logo o “esteticamente correto” precisa ser desmascarado. Foi o que eu tentei fazer com o meu livro. Mostrar a política que está pro trás da estética e a estética servindo de fachada à política na era de sua destruição publicitária.

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

Charge! Mor via Folha de São Paulo

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Drops político para reflexão: Um sistema político falido salvou Michel Temer


"As delações premiadas dos executivos e sócios da Construtora Odebrecht produziram um tsunami na política brasileira. Até então, por mais que soubéssemos que no país existia uma espécie de corrupção endêmica, jamais poderíamos imaginar que ela atingisse, naquelas proporções, os poderes de nossa podre república. Na realidade, aquele fenômeno que já se observava no contexto dos regimes ditos democratas - onde as corporações assumiam o poder antes atribuído ao povo - isso já existia no Brasil há algumas décadas, conforme o patriarca da Construtora Odebrecht admitiu, ao afirmar que o país, nos últimos anos havia sido governador por sua empreiteira. É o Brasil sempre inovando, diriam alguns. Infelizmente, em última análise, num país chamado Brasil, as provas apresentadas pelo Grupo J&F à imprensa e divulgadas pela revista Época - possivelmente não irá alterar, em nada, o resultado desse jogo de cartas previamente marcadas, onde a elite sempre ditas as regras do jogo desse simulacro de democracia representativa, cujo "espetáculo" está marcado para o dia de hoje, 02 de agosto, quando os deputados deverão apreciar a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel Temer". 

José Luiz Gomes (Cientista Político, em editorial publicado aqui no blog)



Charge!Bennet via Folha de São Paulo

Benett

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Le Monde: Entre o medo, o desdém e a cólera: o avanço da extrema direita no Brasil


A extrema direita tem uma função útil para o mercado e para o governo golpista: usar os seus seguidores para “criminalizar” e estigmatizar toda a esquerda e transformar, por conseguinte, a luta por liberdade e justiça social em uma falácia. É lógico que se aproveitam das condições sócio-históricas da democracia atual, onde uma massa de cidadãos desencantados, desorientados e descontentes, não sabem a quem ser leais.
Por: Raphael Silva Fagundes
25 de julho de 2017
Crédito da Imagem: Nidia Ninja/cc
16652224448_9597a83625_k
Quem prepara os meios pelos quais se apoderaria de mim está em guerra comigo, embora não esteja ainda me lançando dardos nem flechas.
Essa é uma frase de Demóstenes, orador grego que no discurso conhecido como a Terceira Filípica tenta convencer os atenienses a se protegerem do avanço de Filipe II da Macedônia em meados do século IV a. C. O orador e político da era clássica procura esclarecer os cidadãos de que, embora Filipe II pareça não querer invadir a cidade de Atenas, ele está se armando e conquistando todas as cidades vizinhas. Os gregos não podiam dormir, precisavam se atentar para a expansão do rei macedônio: “Digo que, se o repelirdes já, sereis sensato, mas, se negligenciardes, não podereis mais fazê-lo, quando quiserdes”.[1]
Essa é uma lição dos antigos que pode muito bem ser útil para lidarmos com o avanço da extrema direita no Brasil atual. Alguns acham que falar dela é dar ibope demais, outros, por sua vez, têm medo de pronunciar o nome “Bolsonaro”, acreditando que assim ele pode ficar famoso já que, em uma época de algoritmos nas redes sociais, ter o nome citado diversas vezes é um caminho para se tornar viral. Mas será isso prudente?
Como iremos nos calar perante um fenômeno social real, que não assola somente o brasileiro, mas a própria democracia ocidental? Isso já aconteceu uma vez. “Cabe lembrar que a supressão de direitos por meio do fascismo é sempre uma opção para o capitalismo”.[2] De acordo com Eric Hobsbawm, um dos maiores historiadores do século XX, foi a negligência da Liga das Nações que fez com que Hitler ampliasse o seu poder.[3] Mas se tratou realmente de uma negligência? Por “mais estranho que Hitler parecesse, tinha uma virtude muito apreciada pelos conservadores ingleses: odiava a União Soviética e todos os comunistas”. Por outro lado, Joseph Stalin interpretou a Conferência de Munique como “a prova cabal de que todos no Ocidente trabalhavam em favor de uma guerra da Alemanha contra a URSS”.[4] Assim se protegeu e até mesmo um acordo com Hitler estabeleceu.
Hoje, evidentemente, o cenário é um pouco diferente, mas o fato é que o crescimento da extrema direita é sempre proveniente do uso desta pela direita com o intuito de combater a esquerda, enquanto que esta, por sua vez, negligencia o crescimento da extrema direita porque acredita que seu maior inimigo é a direita liberal. Isso aconteceu na Segunda Guerra e parece estar se repetindo agora… Que farsa é essa???? Não que isso nos leve a uma nova guerra de proporções mundiais, mas pode nos viciar ao voto útil…
Como os franceses, podemos ficar entre um representante dos bancos, empresário etc.. e um líder troglodita da direita. É lógico que esse cenário é armado: “não nos iludamos – não se trata de um líder isolado. É toda uma máquina midiática que impulsiona esse líder, amparada por entidades e associações patronais, como a Fiesp, que estruturam o conflito dessa forma”.[5] A Globo, por seu turno, publicou, quase que instantaneamente, após a condenação de Lula por Moro: “Bolsonaro parabeniza Moro por condenação de Lula”.[6] Depois arma todo o teatro da polarização para nos desviar dos problemas reais que conduzem as lutas de classe, como a aprovação das reformas trabalhistas.
Por isso é importante destacar um outro aspecto. O desdém ao crescimento da extrema direita não a dispersará, pelo contrário, mais ódio criará. Aristóteles mostra como determinados oradores podem incitar a cólera nos ouvintes. A cólera “nos incita a tomar vingança manifesta por um desdém manifesto, e injustificável, de que tenhamos sido vítimas, nós, ou algum dos nossos”.[7] Como é mais que sabido, Lula e a esquerda são acusados de causar a crise no país, pelo menos é o que a mídia e os seguidores de Bolsonaro nos fazem acreditar. E o que devemos fazer? Desdenhar? São “irascíveis e prontos em encolerizarem-se principalmente contra os que tratam com desdém o estado presente em que se encontram”.[8]
A extrema direita tem uma função útil para o mercado e para o governo golpista: usar os seus seguidores para “criminalizar” e estigmatizar toda a esquerda e transformar, por conseguinte, a luta por liberdade e justiça social em uma falácia. É lógico que se aproveitam das condições sócio-históricas da democracia atual, onde uma massa de cidadãos desencantados, desorientados e descontentes, não sabem a quem ser leais. Mas é pela retórica que essa direita cresce.
Daí voltamos a Demóstenes. A sua oratória se vale do “dizer aquilo que não é de agrado do povo”, o que parece esboçar sinceridade e neutralidade. Esse tipo de argumento faz parecer que o orador está apenas se baseando na lógica. Intitula-se e adora quem o intitula de realista. Isso lhe dá o direito de usar até mesmo palavras duras, afrontando o ridículo, pois a verdade não tem engodo, enfeites ou ornamentos. Diz o orador grego: “Uns diziam o que era do agrado do povo e não causava nenhum aborrecimento; outros, o que devia salvá-los, e acumulavam-se animosidades”.[9] E até hoje temos essa sensação, acreditamos que aquele que “fala na cara”, que não mede as palavras, enfim, o realista, acaba, injustamente, sendo vítima por ser verdadeiro. Isso é apenas retórica!
Sancho Pança ao perceber que o exército de Pentapolin que marchava contra o de Alifanfaron era apenas dois rebanhos de carneiros, foi advertido por Dom Quixote: “É o medo que tens, Sancho, que te faz ver e entender tudo mal”. Mas será que o exército de Bolsonaro que se levanta hoje contra a democracia é apenas um rebanho de carneiros? Ou talvez o medo de uns camufla o real e os fazem “ver e entender tudo mal”? É certo que “aquele que não tem medo não é normal”, mas acho que não deveria ser medo o sentimento que devemos sentir, mas esperança. O medo é um afeto expectante negativo, aquele que espera um futuro ruim, atormentado e desencadeado pela angústia, pode acarretar pavor, horror e desespero. Mas para o filósofo Ernst Bloch, há os afetos expectantes positivos. “A esperança frustra o medo”.[10] E um dos versos de Hölderlin diz: “onde há perigo, cresce também o que salva”.
Por isso, o aumento dos movimentos sociais em meio à crise da democracia. Bernie Sanders, o candidato democrata à presidência dos EUA, ganhou relevância falando de socialismo em meio a uma eleição que deu vitória a Donald Trump. As eleições do Rio de Janeiro levaram ao segundo turno um candidato que tinha como única coligação o Partido Comunista Brasileiro, o Partidão de Marighella. Não somos nós que estamos com medo, mas os patrões que estão aumentando o rigor em usar a mídia, a repressão policial e seus palhaços com cara de maus para combater o que está em avanço.
Talvez a estratégia de só se falar em Lula seja uma forma de nos levar a pensar em um único líder, um líder que não é tão adversário dos interesses empresariais. A esquerda radical está ganhando cada vez mais espaço, à medida que os movimentos sociais se expandem, à medida que as ruas vociferam. Por isso, o surgimento da extrema direita. Ela parte do Lula para descaracterizar toda a esquerda. O líder do PT é stalinista, trotskista, gramsciano, chavista… A grande variação de pensamento socialista conflui em um único ser. Ser comunista passa a ser petista. E, em muitos casos, alguns movimentos e veículos de informação independentes caem nessa polarização viciada. Aliás, os governantes sempre souberam dividir para conquistar, é tradicional, lendário.
Temos que falar de Bolsonaro sim! Da sua relação no jogo do poder, no jogo de linguagem. Das verbas que recebe do governo golpista e do trato dúbio que a mídia o dá (livrando-o da corrupção e o condenando apenas por “falar sem decoro”). O poder sabe se disfarçar muito bem por de trás de seus lacaios, de suas marionetes, que muitas vezes não sabem o que estão fazendo, mas confortáveis estão com a fama e com a ilusão de gozar com o poder.
*Raphael Silva Fagundes é doutorando em História Política da UERJ e professor da rede municipal do Rio de Janeiro e de Itaguaí.

[1] DEMÓSTENES. As três filípicas/Oração sobre as Questões da Quersoneso. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 78.
[2] BAVA, Silvio Caccia e ROMANO, Jorge O. Vamos falar de populismo. Le monde diplomatique Brasil. Ano 10, n. 120, julho, pp. 03-05, 2017, p. 05.
[3] HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX 1914-1991. 2 ed. São Paulo: Cia das Letras, 1997. p. 45.
[4] GOLÇALVES, Williams da Silva. A Segunda Guerra Mundial. In: FILHO, Daniel Arão, FERREIRA, Jorge e ZENHA, Celeste (orgs.) O século XX: o tempo das crises. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 171.
[5] BAVA, Silvio Caccia e ROMANO, Jorge O. op. cit. p. 05.
[6] KRAKOVICS, Fernanda. Bolsonaro parabeniza Moro por condenação de Lula. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/bolsonaro-parabeniza-moro-por-condenacao-de-lula-21581554
[7] ARISTÓTELES, Arte retórica e arte poética. Rio de Janeiro: Tecnoprint, s/d. p. 117.
[8] Id. p. 119.
[9] DEMÓSTENES, op. cit., p. 93.


[10] BLOCH, Ernst. O princípio esperança. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005. p. 113.

Em livro inédito no Brasil, Chimamanda faz leitor refletir sobre racismo velado


Em livro inédito no Brasil, Chimamanda faz leitor refletir sobre racismo velado
A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie (Divulgação)


“Ele disse que queria muito conhecer a Nigéria e podia comprar passagens para vocês dois. Você não queria que ele pagasse para você visitar seu próprio país. Não queria que ele fosse à Nigéria, que a acrescentasse à lista de países que ele visitava para admirar-se com as vidas dos pobres que jamais poderiam admirar a vida dele.”
É assim, com tom de provocação, que a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie compõe os contos de No seu pescoço, que chega nesta terça (25) às livrarias brasileiras. O livro reúne doze pequenas histórias da autora do aclamado romanceAmericanah (2013), publicadas pela primeira vez em inglês em 2009, mas que só agora chegam ao Brasil em português.
Protagonizados por mulheres e homens nigerianos, os contos carregam questionamentos agudos sobre machismo, racismo e colonialismo que, no cotidiano, podem passar despercebidos pelos que não são vítimas dessas opressões.
Em cada conto, é como se o leitor ganhasse um par de olhos nigerianos, e pudesse refletir sobre os próprios preconceitos. Com essa estratégia, Chimamanda explica aos leitores homens como é sentir-se um objeto, aos brancos a sensação de ser vista como “exótica” e aos ocidentais o que significa ser simplesmente taxada de “africana” – como se não existisse diversidade naquele continente.
Em “No seu pescoço” (conto que dá nome ao livro), por exemplo, isso fica muito claro. Akunna é uma jovem universitária que sai da Nigéria e vai estudar nos Estados Unidos, onde se apaixona por um rapaz branco e rico, aparentemente livre de preconceitos.
Aos poucos, porém, ele dá demonstrações de racismo: interrompe Akunna em suas falas, não aceita suas opiniões e não compreende o abismo entre os dois – ele pode rejeitar, com folga uma visita ao Canadá paga pelos pais; ela sequer tem dinheiro para uma passagem de avião de volta para a Nigéria.
Em “Na segunda-feira da semana passada”, acompanhamos Kamara, uma jovem nigeriana que, mesmo tendo mestrado, é obrigada a trabalhar como babá para se sustentar em Nova York – e acaba se percebendo como um objeto sexual aos olhos da patroa, Tracy.
Em “Jumping Monkey Hill”, uma jovem escritora nigeriana vai participar de um workshop de autores africanos só para descobrir, da boca de um inglês “estudioso da cultura africana”, que nenhum dos convidados sabe o que é a “África de verdade”: “Eu sou senegalesa! Eu sou senegalesa!”, grita uma das convidadas do workshop ao ouvir o anfitrião inglês julgar sua literatura como “pouco africana”.
Sem caricatura
Chimamanda nasceu em Enugu, na Nigéria, em 1977. É filha de um professor de estatística da Universidade da Nigéria e de uma funcionária da mesma instituição. Estudou medicina e farmacologia e, aos 19 anos, foi morar nos Estados Unidos para cursar Comunicação e Ciência Política na Universidade Drexel, na Filadélfia. Depois, fez mestrado em arte africana em Yale.
Durante todo esse tempo, escreveu muito: começou com a coletânea de poemas Decisions (1997), a peça For Love of Biafra (1998) e o conto “You in America” (2002). Em 2003, publicou seu primeiro romance, Hibisco roxo, e o segundo, Meio sol amarelo, em 2006. Americanah só viria em 2013, mas antes disso ela já havia ganhado seis prêmios e indicada como uma das vinte pessoas com menos de 40 anos mais influentes da literatura de ficção pela The New Yorker.
Provavelmente por ter se cansado da imagem caricata da África desértica e faminta que povoa o imaginário de muitos estrangeiros, Chimamanda escreve constantemente sobre a política e a história da Nigéria, fazendo questão de mostrar a olhos forasteiros a enorme diversidade de nigerianos e nigerianas que habitam sua terra natal, as cortantes desigualdades sociais, os laços complexos que unem as pessoas e os costumes tradicionais misturados aos hábitos modernos.
Nos contos, narra a história da esposa de um jornalista do jornal antigovernista The New Nigerian que precisa fugir do país por ter falado mal do governo; a trajetória de um professor universitário de Nsukka que pensa ter perdido um amigo durante a guerra do Biafra, em 1967; e nos mostra a vida de uma mulher de um dos clãs que acabaram formando a Nigéria durante as invasões inglesas, no período colonial. Ela também faz questão de citar outros escritores africanos, como Dambudzo Marechera e Chinua Achebe.
Chimamanda, porém, não se coloca no papel de explicar os fatos históricos ou os acontecimentos políticos que narra, e muito menos se dispõe a apresentar os autores que cita. Ela já faz demais ao levar o leitor de fora pela mão enquanto expõe seus sentimentos sobre todos os preconceitos e as opressões que sente. Por isso, a literatura da autora acaba se tornando um convite para conhecer a realidade nigeriana – e quem tiver interesse, que acompanhe.
Errata: Chimamanda nasceu em 1977, não em 1997, como anteriormente publicado.
(Publicado originalmente no site da revista Cult)

Michel Zaidan Filho: Amoralidade pública




Desde a obra do abade Sieys, sobre o terceiro Estado, o pensamento social e politico moderno, consagrou o povo como titular da soberania política. É o povo que elege, e o povo que destitui o governante, quando ele é ímpio e mau. Um dos campões da teoria democrática, J.J. Rousseau foi mais radical ao dizer que a soberania popular é inalienável, intransferível, una e indivisiva.  Até os autores liberais e contratualistas admitem que quando o representante trai a confiança dos representados é legítima a desobediência civil e a sublevação popular contra ele.

Imagine como é possível que um governante, não eleito pelo povo,sem legitimidade política nenhuma, com baixíssima aprovação popular, e acusado de corrupção passiva e formação de quadrilha, possa se manter no cargo, utilizando-se das prerrogativas inerentes a ele, para fazer obstrução à Justiça, num processo criminal onde é réu?  Corromper parlamentares, que serão os responsáveis pela abertura do processo na Câmara e pelo julgamento em plenário do governante em questão é crime, crime de obstrução do processo judicial. Pode parecer uma simples medida da sempre presente fisiologia parlamentar,tão característica da atual legislatura congressual, no entanto é mais do que isso. Trata-se de uma atitude desesperada que acha que pode prolongar a agonia do mandato tampão, através de escaramuças e estratagemas perdulários e criminosos, pela oferta de vantagens em troca de apoio político.

Naturalmente, o significado desse triste espetáculo de compra-e-venda da democracia representativa em nosso país vai mais além do que a mera sobrevivência de um moribundo, no limiar do cadafalso. Trata-se de manter, para a elite econômica e seus prepostos no Congresso, a execução de uma agenda antirrepublicana, antinacional, antipopular, adrede preparada, que os golpistas enfiaram no bolso do atual governante. Ele sabe muito bem que não passa de um representante dessa elite, fará o que ela mandar,  depois será descartado – mais adiante – para responder aos processos, sem foro privilegiado. Mas enquanto a agenda não for cumprida, ela – a  mal chamada elite – fará tudo para mantê-lo no poder. Pouco se importa com os escrúpulos da legitimidade democrática, da moralidade pública, do interesse republicano da administração federal, da impopularidade desse dirigente. Nada disso parece importar para essa elite apátrida, cujos interesses mobilizaram campanhas de massas, de eleitores incautos e desavisados, que foram para rua bater panelas caras nos dias de domingo, para afastar a Presidente eleita.

Enquanto isso, os bandidos riem e conspiram abertamente, à luz do dia, seguros da impunidade e da ineficácia do protesto popular. Até quando?

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE

Charge! Nani