pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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quarta-feira, 6 de junho de 2018

Editorial: Lula, uma jararaca de grande intensidade.




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Nossa experiência democrática nunca foi lá grandes coisas. Talvez o historiador Sérgio Buarque de Holanda tenha mesmo razão ao afirmar que a democracia entre nós nunca passou de um grande mal-entendido. Adjetivos não faltam para tentar identificar esse mal-entendido, mas, mais recentemente, em artigo aqui publicado, a filósofa Marcia Tiburi tenha diagnosticado bem o problema de nossa inanição democrática, ao apontar que vivemos uma democracia de baixa intensidade, que funciona aos trancos e barrancos, com rompantes antidemocráticos aqui e ali - com muita frequência, aliás - mas nos permitem agir ou atuar dentro de um ambiente onde, até certo ponto, algumas regras e parâmetros são relativamente respeitadas, dentro dos marcos impostos pelas regras do jogo democrático. O golpe institucional de 2016 colocou em risco esse "ambiente', com uma possibilidade concreta de suprimi-lo de uma vez, já que ele ainda tem chão pela frente. Diante do avanço das artimanhas antidemocráticas e a consequente fragilização das forças do campo progressista e popular, conclui a autora, talvez fosse o caso de nos concentramos naquilo que ela denomina de princípio Lula.

Como se sabe, uma das premissas básicas da engenharia do golpe institucional de 2016 foi a de esmagar o PT e suas lideranças. O expediente jurídico foi muito bem utilizado com este propósito. Daí porque a via institucional utilizada pelo PT com o propósito de combater a investida se mostraria completamente ineficiente, conforme temos afirmado por aqui. Lula está preso e não será a via institucional que restabelecerá as suas prerrogativas de cidadão, muito menos ainda com o direito a candidatar-se às eleições de 2018. É diante dessas circunstâncias adversas que se recomenda um flerte com alguma candidatura que se aproxime da plataforma do princípio Lula. E o que é o princípio Lula? Ora, com algumas ressalvas, aquela agenda que conhecemos durante os governos da coalisão petista, traduzida nas políticas sociais de redistribuição de renda; na inclusão de segmentos sociais excluídos ( 36 milhões saíram da extrema pobreza e a metade já voltou neste retrocesso golpista ); mais educação para os empobrecidos; reconhecimento e avanço dos direitos de grupos minoritários como indígenas, quilombolas e LGBTT's. Como disse aqui antes, Lula foi o cara que mais fez pelo avanço da democracia substantiva no país. Os marcos aos quais a filósofo Marcia Tiburi se referem diz respeito aos limites impostos pela democracia formal.

O PT, no entanto, é um poço até aqui de contradições. Seus movimentos parecem indicar, mais uma vez, que o partido dará prioridade a uma política de alianças pragmáticas - movidas unicamente por interesses eleitoreiros - em detrimento do princípio Lula. É a velha e surrada conciliação de classes que acaba sempre no momento em que a elite brasileira - que odeia pobre, de acordo com o sociólogo Jessé de Souza - resolve quebrar unilateralmente os acordos. Alguns petistas chegaram a comemorar uma nota do partido - publicada no dia de ontem - adiando as convenções estaduais - que devem deliberar sobre candidaturas próprias nos Estados - para o final do mês. Essas convenções estavam previstas para ocorrerem no próximo dia 10. Aqui em Pernambuco, quem deve estar comemorando essa medida devem ser aqueles que defendem uma aliança com o governador Paulo Câmara, do PSB, que está com a reeleição ameaçada e busca no PT uma tábua de salvação.  Para os partidários da candidatura própria de Marília Arraes(PT), na verdade, isso soa como mais uma manobra de balcão de negócios. Até porque, segundo fontes do próprio partido, a tese de uma candidatura própria seria vitoriosa na convenção do domingo. A candidatura de Marília é a mais identificada com o princípio Lula. Não preciso dizer aqui o que o PSB representa hoje.

A notícia boa é que Lula esta inteiro. A cabeça da jararaca vai muito bem, obrigado. Sua primeira aparição pública depois da prisão demonstra isso. Lula atuou como testemunha de defesa do ex-governador Sérgio Cabral, acusado de manobras de caráter pouco republicana para trazer as olimpíadas para o Rio de Janeiro, em 2016. Fala-se na possível compra de voto de alguns delegados. Confesso a vocês que temia pela saúde mental do ex-presidente, acossado por todos os lados e, ainda mais, detido numa cela onde recebe poucas visitas, exceção apenas para os familiares. É uma barra pesada, amigo. Numa democracia frágil como a nossa, Lula continua como uma figura pública de grande intensidade, amado pelos brasileiros e brasileiras que lhes conferem o primeiro lugar em todas as pesquisas de intenção de voto. Com Lula de fora da disputa, lidera um fascista, que poderá encaminhar o país para trevas ainda mais nebulosas do que essas que ora experimentamos. Os operadores do golpe institucional de 2016, se ainda tiverem um pouco de consciência, devem ter a dimensão de que colocaram o país numa profunda crise política e econômica.

domingo, 3 de junho de 2018

Durval Muniz: Os patos e os fatos do golpe

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Passados dois anos creio ser chegada a hora dos patos serem confrontados com os fatos, serem colocados frente à frente com o que conseguiram fazer com o país, com os resultados do golpe na democracia, com o golpe contra as instituições.
Haviam naquelas manifestações várias espécies de patos, mas duas se destacavam: os patos espertos ou espertalhões, que sabiam muito bem o que estavam defendendo ali: seus interesses privados, empresariais, seus interesses de classe, pouco se lixando, de fato, para o futuro do país, para seus destinos e de sua população. Para essa espécie de patos, simbolizado pelo pato amarelo da FIESP, a corrupção, o impeachment era apenas um pretexto, um biombo, atrás do qual escondiam suas verdadeiras intenções: o desmonte das políticas sociais, da legislação trabalhista, a apropriação do Estado pelos interesses privados nacionais e internacionais.
Mas havia uma grande maioria de uma outra espécie de patos: o pato analfabeto político, a quem o senador Roberto Requião dedicou, essa semana, no Senado, um discurso memorável. Esse é a pior das espécies de patos, pois se julgam sábios, inteligentes, espertos como os primeiros, mas são de um primarismo nas ideias, nos argumentos, que, quando confrontados, tendem a partir para a ignorância apelando para os argumentos irrefutáveis do safanão, do xingamento, da chibata e da bala. Esses patos quase sempre vivem num mundo de ilusões reacionárias, numa realidade que só eles conseguem ver e quando colocados diante do cenário devastador que seu reacionarismo desinformado produziu ainda é capaz de afirmar que são simples lamúrias, pois são, além de tudo, patos onde a sensibilidade social não se faz presente, são capazes de tomar como normal a desigualdade social, a fome e a miséria.
Mas vamos aos fatos, mesmo sabendo que para a maioria de patos analfabetos políticos eles pouco importam. Negar os fatos e substituí-los pelas mentiras paranoicas que inventam e fazem circular nas redes sociais é um de seus esportes preferidos. Eles podem continuar a atribuir ao PT e aos seus governos todos os fatos que vou arrolar, afinal, quem entende de patos sabe que um traço comportamental dessa ave é realizar movimentos circulares em torno do mesmo lugar, em torno de si mesma, pato, muitas vezes, gira, gira e não sai do canto, adora fazer marola e se ver mergulhada em um círculo vicioso. Traços de psicologia de patos, patética talvez. Para ser didático (mania de professor talvez) vou colocar lado a lado os discursos e argumentos dos patos para irem às ruas, para apoiarem e promoverem o golpe, e o resultado que temos depois de dois anos.
Os patos ficaram indignados e foram as ruas principalmente em nome do combate à corrupção. O juiz Sérgio Moro tornou-se o ídolo dos bandos de patos ou da patacoada. Após anos de espetaculosas investigações, temos todos os principais ladrões, confessos e provados, nas ruas ou em casa portando tornozeleiras e desfrutando do patrimônio mal adquirido, embora os patos continuem acreditando e defendendo a Lava Jato, pois, afinal, para os patos espertalhões ela conseguiu entregar a sua encomenda: serviu de pretexto para retirar o PT do poder e condenou e encarcerou o maior líder popular do país sem provas e sem conseguir mostrar o objeto do crime.
Os patos foram as ruas para retirar do poder um governo corrupto e incompetente. E colocaram no poder, talvez, a maior quadrilha que já nos governou. Enquanto nada se conseguiu provar, até agora, contra a presidenta deposta, o vice golpista, guindado ao poder pelo golpe, já responde a vários processos por corrupção. Gravações de ministros aparecem dizendo que é preciso estancar a Lava Jato. Ministro é flagrado com malas de dinheiro em apartamento. Um assessor do presidente foi filmado transportando mala de dinheiro.
Os patos acusavam a presidenta de comprar apoios da base aliada, o que de resto nunca ficou provado. Mas o fantoche que foi colocado em seu lugar compra votos no Congresso, para escapar de ser processado por corrupção, às escancaras, à luz do dia, com deputados da prancheta a anotar o voto de cada um que antes foi recebido em palácio para as “tratativas de apoio”.
Enquanto os patos vociferavam contra o ex-presidente que teria um triplex que está no nome de uma construtora e penhorado em um banco público e teria um sítio com barquinhos de lata que tem donos devidamente registrados em cartório, o presidente do golpe, colocado lá pelos patos, tem uma fazendola no interior no nome de um testa de ferro e sua filha fez uma pequena reforma no apartamento do pai com dinheiro de propina. Mas o ex-presidente está preso, para delírio dos patos, e o presidente do golpe está solto e nos governando.
Os patos exibiam, envaidecidos, em seus carros, o adesivo com a máxima: “Eu não tenho culpa, eu votei no Aécio”, adesivos que a essa altura todos juram que nunca viram. Outro cabecilha dos patos, outro ídolo da patacoada, Aécio, o menino mimado que perdeu as eleições e agiu como se tivera perdido o doce, com a irresponsabilidade política de um play boy, incendiou o país, patrocinou o golpe e hoje arde no próprio incêndio que iniciou. Apesar de todas as gravações que o incriminam, apesar de ter até ameaçado de morte uma de suas mulas de propina, ele segue nas ruas, embora, hoje, todos os patos finjam que não fizeram campanha para ele, nem o apresentaram como um símbolo de honestidade, honradez e competência. Aécio desapareceu das páginas do Facebook dos patos. Ingratos! Aquelas fotinhas de campanha são hoje uma vergonha a ser esquecida. Até o juiz Moro outro dia, outro ingrato (ou ingato, muitas patinhas acham ele um pão), diz ter sido um erro a foto sorridente com o seu candidato a presidente e membro do partido fundado por seu pai e para quem trabalha sua esposa. Provas de imparcialidade da justiça dos patos, ou patética mais uma vez.
Os patos foram as ruas denunciando um governo que estava acabando com o país, que era incompetente na gestão da economia, que não estava sabendo gerir a crise. Dois anos após a promessa de crescimento e recuperação econômica imediata, da prometida “retomada do crescimento”, trombeteada toda manhã pela rainha dos especialistas em economia da patolândia, o país apresenta um cenário econômico desolador: a abertura neoliberal da economia, a retirada dos investimentos estatais (da qual a PEC da limitação dos gastos públicos por vinte anos e o fim de programas estruturantes como o PAC são os maiores símbolos), a entrega de setores estratégicos da economia para o capital estrangeiro (petróleo, gaz, eletricidade, mineração), a paralisação de todas as obras de construção civil (com o auxílio luxuoso da patolândia de Curitiba ao exterminar as principais construtoras do país) e das grandes obras estruturantes, o encolhimento da oferta de crédito com a consequente crise do comércio e dos serviços, está acelerando o processo de desindustrialização do país e a primarização da economia. O que foi apresentado como um argumento para o golpe agora é silenciado. O apagão, tão prometido, finalmente aconteceu. Desde que assumiram a dívida pública sobre o PIB triplicou, a arrecadação desabou, desabamento auxiliado pelos impostos perdoados aos empresários financiadores do golpe, vivemos dois anos de recessão, o desemprego triplicou, milhões de pessoas retornaram para a miséria, estados e municípios faliram, o país se tornou um pária nas relações internacionais (todo chefe de Estado que vem a América do Sul ignora o Brasil e seu governo ilegítimo).
Nas Universidades, os patos de canudo e título de doutor, que deram pulinhos pelos corredores, comemorando o golpe, veem os recursos escassearem, as bolsas e programas de financiamento a pesquisa desaparecerem, a liberdade de cátedra ser atacada por grupos de direita, parlamentares e membros do judiciário e do Ministério Público, pelos patos togados que querem se apossar do poder. No vazio de poder criado pelo golpe, na desmoralização das instituições, no desprestígio da política e dos políticos, os patos togados veem a possibilidade do assalto ao governo. Sem nenhum pudor grasnam suas sentenças nas mídias, palpitam sobre políticas publicas, se reúnem na calada da noite com membros do governo ameaçados pela justiça para ditar-lhes suas soluções mirabolantes para o país. Saídos das universidades públicas, professores de universidades públicas defendem publicamente a privatização da educação superior, enquanto um ator pornô define nossas políticas educacionais. Os patos analfabetos políticos querem assim espalhar indefinidamente seu analfabetismo, tornando-o analfabetismo político de cátedra, ou escola “sem partido”. Qualquer coisa aparentada com o uso da razão e da crítica lhes cheira a “comunismo”, conceito que usam para nomear pessoas e situações que apenas provam que eles sequer sabem o verdadeiro significado desse conceito. Para um pato qualquer crítica é patacoada lamurienta de comunista, petista, bolivariano, mortadela, que para eles, com sua visão aguçada, é tudo a mesma coisa.
Os patos foram as ruas se queixando dos serviços públicos, do preço dos combustíveis, da eficiência na gestão, até escolheram um deles para prefeito da maior cidade do país, por não ser “político”, ser “gestor”, embora o “gestor” não político após fazer uma patacoada de gestão na prefeitura, já esteja na segunda candidatura em menos de três anos. Os patos de linda plumagem rapidamente viraram patinhos feios: o governador santo atolado em corrupção; todas as principais lideranças dos tucanos (outra ave de famosa plumagem, a mais midiática de todas, a ave canora da mídia, embora mal grasne alguma ideia com sentido) flagrados em escândalos sem fim, ameaçados por paulos pretos (essa cor é um problema para essa gente) da vida; o comandante do golpe na cadeia; o juiz arauto do golpe transformado em defensor de corruptos e execrado pela mesma mídia que o deu audiência; impolutos senadores que fazem até chover dinheiro e que foram os porta vozes do golpe respondendo a inúmeras denúncias, muitos ameaçados de prisão; os novos líderes que fizeram peregrinação a Brasília pelo golpe revelando em querelas internas que não passavam de aproveitadores e oportunistas em busca da fama de quinze minutos no Jornal Nacional, a Bíblia dos patos. A saúde se deteriora com a redução dos recursos por causa da PEC do fim do mundo, com a realização do sonho dos patos de roupa branca que era o fim do programa Mais Médicos e a paralisação da expansão do ensino de medicina no país, tudo em nome da reserva de mercado e da defesa de privilégios de classe e de família. Interesse público e da população que se dane, que pobre morra, é a mensagem que vinha e vem das gloriosas faculdades de medicina, das instituições médicas, apoiadoras e entusiastas do Aécio, realmente um campeão da saúde e da sanidade.
Apesar da entrega do pré-sal às empresas estrangeiras, com o fim da destinação de seus royalties para educação, saúde, ciência, tecnologia e inovação, apesar do fim da política de preferência nacional nas compras da Petrobras, o preço dos combustíveis não para de subir. Os patos que inventaram até um adesivo misógino e machista para encher o tanque de seus carros e, ao mesmo tempo, estuprar a presidenta do país (e nada sofreram por isso, numa leniência com o crime, pois isso é crime, típica dos governos petistas que alimentou e engordou as cobras que terminou por mordê-los) hoje enchem seus tanques calados quando a gasolina se aproxima dos R$ 5,00. Não se vê as estradas serem interrompidas por locautes de caminhoneiros e empresas de carga (velha tecnologia de golpes de estado empregada pela CIA) embora o óleo diesel não pare de subir e as condições de trabalho dos caminhoneiros só tenham piorado e se precarizado com a nova legislação trabalhista (o governo golpista acabou com a obrigatoriedade dos caminhoneiros pararem entre as 22 horas e as 4 da manhã, retornando a barbárie de motorista de caminhão drogado com estimulantes circulando pelas estradas).
Os amarelinhos dos correios, dos bancos públicos, das polícias federal e rodoviária, que foram crédulos apoiadores do golpe, levando para as manifestações ilegalmente as suas viaturas, hoje veem seus salários minguarem, as agências serem fechadas, o desemprego atingir uma grande parcela deles. Hoje, circulando como motoristas da Uber para sobreviverem, choram seu arrependimento ou exibem seu ressentimento prometendo, agora, solucionar tudo votando em Bolsonaro. Não é preciso dizer que esses patos não aprendem que não se deve levar o pathos, a paixão, a irracionalidade, o ódio, os maus bofes para a política: elas são péssimas conselheiras. Achar que alguém capaz apenas de frases de efeito, de tiradas grotescas e grosseiras, que alguém incapaz de ter uma ideia sobre economia, saúde, cuja saída para segurança é distribuir armas e para a educação instalar um militar no MEC, possa ser a solução de algo, é levar sua condição de pato à enésima potência, é uma patacoada de mal gosto.
Mas nem todos os patos foram pegos de surpresa pelas políticas de descontinuação (eufemismo usado pelo erudito presidente para nomear a paralisação e fechamento de inúmeros programas que beneficiavam a população mais carente) do governo nascido do golpe: os patos espertalhões estão conseguindo boa parte daquilo que esperavam, embora a incompetência do governo que colocaram no poder é tão grande que nem a eles consegue agradar completamente. Senão vejamos. Os lobos disfarçados de patos conseguiram destruir as conquistas legais que os trabalhadores haviam conquistado na última década e, não satisfeitos, conseguiram que as conquistas de mais de sessenta anos fossem devastadas: fim da política de valorização do salário mínimo, ataque ao financiamento dos sindicatos, destruição da legislação trabalhista, precarização do trabalho, fim de garantias quando do desemprego, possibilidade da existência do trabalhador intermitente, exposição da trabalhadora grávida a condições de trabalho insalubre, extensão da tercerização para as atividades meio, ameaça a existência da própria justiça do trabalho. O país recua em dois anos o que se levou décadas para se construir em termos de direitos e garantias para o trabalhador. Sob a penugem dos patos vemos surgir a casaca do patrão, do patrão à brasileira, aquele que não quer pagar impostos e nem salários, que quer lucros exorbitantes e socorro do Estado – que sempre amaldiçoa-, sempre que estiver em dificuldades. Existem patos desse tipo até como candidato a presidência da República, cantando até musiquinha falando do painho patinho.
Os patos donos de empresas privadas de educação, que fizeram do MEC o seu poleiro, investem numa “reforma” do ensino médio que o torna uma excelente mercadoria, sem que nela esteja nenhuma preocupação genuína com a melhoria da qualidade do ensino oferecido. Retiram disciplinas que garantem uma educação crítica e humanizadora, para apostarem numa ensino de tecnologias e tecnicalidades, visando a produção do homem maquínico e não do homem pensante. O ódio a inteligência grassa e torna energúmenos símbolos de sabedoria, mestres que só dizem patacoadas. O ódio e a ignorância sobe à tribuna de um Congresso que deseja bandido morto, a criminalização dos movimentos sociais e a lei da bala e do chicote para os que pensam diferente. A ignorância pomposa se manifesta num presidente que em convescote empresarial (uma reunião de grão patos golpistas e intreguistas) pontifica a grande descoberta que a segunda-feira é o primeiro dia da semana (imagine se essa sandice fosse dita pelo odiado presidente analfabeto ou pela anta da presidente vítima do golpe?). A inteligência se retira envergonhada a cada sessão de uma Corte que existe para defender a Constituição e a conspurca a cada vez que se reúne, com argumentos tão palavrosos e contraditórios que o Kant, crente da razão pura, se mataria, quando não se tem quase que se convocar a polícia de costumes dado o palavrório que esquece o latim e passa quase ao baixo calão. E não falemos da argumentação presente nos votos dos juízes justiceiros da república da patolândia e na peroração dos especialistas todos os dias convocados a dizer que o golpe não foi golpe na mídia nativa e na Globo News, aquela que torna patacoada informação e análise, sempre entre aspas. Parece que não estão conseguindo: aqueles que eles achavam que eram os verdadeiros patos, em pesquisa recente, majoritariamente, disseram que o golpe é golpe, os patos queiram ou não o chamar assim. Contra fatos não há argumentos, a não ser, claro, para os patos.

Durval Muniz de Albuquerque Junior é historiador e professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

(Texto publicado originalmente no site Saiba Mais, Agência de Reportagem, aqui reproduzido com autorização do autor)
 

Charge! Renato Aroeira

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sábado, 2 de junho de 2018

Le Monde Diplomatique: Greve dos caminhoneiros, disputas ideológicas e urbanização rodoviaristas

A greve dos caminhoneiros tem caminhado para uma mobilização da classe trabalhadora e de outros segmentos da população no sentido de criar uma relação de solidariedade com essa luta, a exemplo de produtores de leite e alimentos que, diante da possibilidade de perda do produto, doaram para trabalhadores e desempregados, numa forma de apoio a greve que tem sacudido o país nessa semana que cada vez mais vai ampliando a pauta contra a política do atual governo
A greve dos caminhoneiros iniciada na semana de 20 de maio de 2018 está contribuindo para expor diversos problemas para a classe trabalhadora e povo brasileiro, problemas oriundos do golpe parlamentar de 2016 que empossou o usurpador Michel Temer e o seu governo neoliberal na política de preços da Petrobrás. Além disso, vem mostrando problemas estruturais de nossa formação socioespacial, resultado da urbanização rodoviarista entre as décadas de 1950 e 2000, processo que gerou uma intensa segregação urbana entre as classes sociais e representações sociais distintas da história social concreta dessa mesma realidade.
O primeiro aspecto a ser compreendido é que a greve dos caminhoneiros foi organizada pelo segmento dos caminhoneiros autônomos, muitos proprietários de seus caminhões, que representam cerca de 70% da categoria dos caminhoneiros. Com a paralisação iniciada dia 21, esse segmentou contou com o apoio dos demais 30% representados por empresas do setor de transporte e logística, que foi exatamente o semento do setor ouvido na negociação com o desgoverno golpista no dia 23, mas com propostas recusadas na reunião do dia 24. O segmento dos empresários de transporte foi representado pela Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), que reúne cerca de 700 mil caminhoneiros e conta com o apoio de 600 sindicados espalhados no Brasil. Esse segmento reivindicou a retirada de impostos como PIS, Cofins e da CIDE que estão embutidos no preço do combustível, enquanto que o segmento dos caminhoneiros autônomos questionam os preços a partir de outro problema mais profundo: a indexação dos preços dos combustíveis à flutuação do dólar e do mercado internacional.
Desde outubro de 2016, quando o governo implementou a política de indexação do preço dos combustíveis da Petrobrás ao dólar e mercado externo, tirando a autonomia da maior empresa brasileira nesse setor para favorecer os seus acionistas e colocando em questão a soberania do país, que as condições de toda a categoria de caminhoneiros só vem piorando e se precarizando ainda mais. A categoria reúne cerca de 2,3 milhões de caminhoneiros em todo o país e mostrou com essa greve que é possível parar a produção e a reprodução da economia parando a circulação das mercadorias. A greve, que tem sido chamada de paralização pela mídia burguesa, já foi vitoriosa por inverter e virar do avesso os problemas da política econômica de um país desgovernado desde 2016, que cujo pacto conservador para o golpe vem apenas tirando direitos dos trabalhadores através da contra-reforma trabalhista e da PEC 51 que congela investimentos públicos, para manter o pagamento da divida pública oriunda dos títulos do tesouro nacional ofertados a juros exorbitantes no mercado de ações.
Para compreender algumas das contradições instauradas com a greve dos caminhoneiros, pretendo problematizar a disputa ideológica sobre ela, a urbanização rodoviarista e o debate oculto das classes sociais nesse processo.
Disputas ideológicas nos discursos sobre a greve e as classes sociais
Como analisou o historiador E.P. Thompson: “classe e consciência de classe são sempre o último e não o primeiro degrau de um processo histórico real”. Então, a consciência de classe dos trabalhadores só pode advir de sua luta política direta contra os interesses do grande capital, e ela não se dá antes da luta concreta e real na produção, muito menos por uma “consciência” filosófica, sociológica ou mesmo representação da realidade social. Com efeito, o que pudemos verificar nessa primeira semana de greve foi uma confusão e desinformação a respeito da greve dos caminhoneiros no Brasil, tanto por parte da esquerda institucional como pela direita conservadora.
A confusão inicial, presente nas chamadas redes sociais, iniciou sob o argumento de que a greve seria uma espécie de locaute (lock out, em inglês) proibido por lei, que é quando empresários e proprietários de caminhões obrigam os trabalhadores pararem para prejudicar a economia e derrubar o governo. Há algo de estranho nesse argumento reproduzido também pela mídia burguesa capitalista, pois nenhum empresário faria isso explicitamente no Brasil, até porque sua maioria apoiou o golpe parlamentar de 2016 que instaurou o atual governo. O que a presença dos empresários da Abcam na reunião com o governo mostra é que esse segmento defende a redução de impostos, mas não questiona a política de preços da Petrobrás. O que essas negociações têm ocultado é que a greve foi de iniciativa dos caminhoneiros autônomos, que continuaram parados mesmo depois do governo anunciar um acordo para acalmar os ânimos dos meios de comunicação e não alardear a sociedade. No entanto, a categoria dos caminhoneiros é heterogênea e complexa para ser vista apenas pela aparente unidade política nessa greve, o que requer estudos mais aprofundados de sua composição.
Da parte da direita conservadora há uma disputa pelo discurso ideológico sobre a greve, pois pegam carona na luta dos caminhoneiros e tentam levar suas pautas de redução de impostos, de intervenção militar e de conservadorismo de seus privilégios de classe num momento de crise econômica e política escancarada, mas não questionam a política monetária e neoliberal do atual governo que ela ajudou no golpe.
A luta política dos caminhoneiros autônomos adquiriu apoio da maior parte da população brasileira, sobretudo, da classe trabalhadora, por causa do que representam para o país e pelas condições de precariedade que estão submetidos, a exemplo de outras categorias de trabalhadores que agonizam com o aumento do custo de vida, o desemprego e sentem concretamente as consequências da farsa do golpe parlamentar de 2016. A greve conta com apoio importante do setor dos Petroleiros, da Frente Brasil Popular e da Frente Povo Sem Medo, e o que ela evidencia são as condições de trabalho desses caminhoneiros, que só têm sido noticiadas nas redes sociais e mídias alternativas por causa dessa greve, ao mostrar uma realidade desconhecida pela maioria dos brasileiros: jornadas de trabalho que chegam a 24 horas diretas; em média 19 dias de trabalho longe da família; os caminhoneiros rodam cerca de 10 mil quilômetros por todo o Brasil nesses dias de trabalho; há assalariamento entre os caminhoneiros proprietários de mais de um caminhão; e eles recebem em média R$ 4 mil reais de salário ou renda, comprometida agora com o alto custo dos combustíveis e as dificuldades de negociar o frete ante flutuação dos preços e manutenção de caminhões. Entretanto, não se mostra as condições econômicas de empresas e de proprietários de vários caminhões entre os caminhoneiros autônomos, dada sua heterogeneidade e complexidade.
No entanto, as representações sociais sobre a greve dos caminhoneiros produzida pela mídia burguesa, quando tenta ludibriar os trabalhadores mentindo descaradamente sobre a circulação de medicamentos, e por certos agentes ao reproduzir o argumento de locaute e focar sua crítica apenas nas faixas de intervenção militar que parte dos caminhoneiros expõe, mostram a complexidade da categoria, da greve e das classes sociais, mas também como as representações sobre um determinado fenômeno social precisam ser reconhecidas e superadas. O sociólogo e filósofo Henri Lefebvre analisou que a representação está ligada filosoficamente ao conhecimento, porém, há uma dimensão que é de desconhecimento. Ele destacou que há uma cisão entre ser e saber que precisa ser superada, ao questionar a ideologia nos processos de representação da realidade, e expor que o tempo de trabalho abstrato socialmente necessário apagou os trabalhadores e o trabalho no processo de conhecimento, o que tem dificultado na apreensão do movimento real e apenas uma compreensão da representação da realidade. Em síntese, as pessoas tendem entender o real a partir das representações sobre a realidade e não a partir da própria realidade mediada pela teoria ou representação. Isso se verifica no fenômeno das redes sociais e na amálgama de informações e desinformações que circulam nessas redes. O aspecto mais palpável desse problema é o da chamada Fake News (notícia falsa), que não é exclusivo das redes sociais, mas que está presente e cuja origem vem de organizações como o MBL, Movimento Vem Pra Rua e outras, que disseminam notícias falsas sobre a realidade econômica e política.
Todavia, são as condições de precarização do trabalho e aumento do custo de vida, oriundos das políticas de ajuste fiscal e corte de investimento da atual política, que levam determinadas categorias a fazer greves e paralizações. A greve sempre é o último ato de quem não conseguiu chegar num acordo razoável e com respeito às partes. Nesse quesito, não há acordo na greve por causa de interesses antagônicos e contrários de classes presentes nas negociações com o governo que advém das contradições econômicas, políticas e sociais, resultado da contradição entre produção e apropriação privada da riqueza socialmente produzida, aspecto que é ocultado pela ideologia dominante no atual governo, nos meios de comunicação, nas escolas, nas empresas.
A ideologia dominante opera de modo a pegar um aspecto da realidade e universalizá-lo como sendo problemas de todos. Isso acontece no caso das pautas de determinadas classes ou grupos sociais quando querem que outras classes se unam aos seus interesses. A corrupção, por exemplo, que efetivamente é um problema social, político e econômico, foi alçada como problema central da sociedade pelas “classes médias” e parte das classes dominantes, mas reproduzida pela maior parte da classe trabalhadora como sua bandeira. No entanto, não é em si o principal problema da classe trabalhadora, cuja reprodução social está dificultada por causa do regime de acumulação despótico de capital que gera aumento do custo de vida e baixos salários, e que acaba reproduzindo esse discurso como sendo seu pela dificuldade de produzir um discurso próprio a partir de seus problemas reais de vida pelas dificuldades de se constituir como classe na batalha política e ideológica por seus interesses econômicos.
Por isso, a greve dos caminhoneiros tem sido alvo de disputas ideológicas ou de discursos sobre a realidade que partem de representações sociais, que precisam ser compreendidas nessa conjuntura política, econômica e social complexa, mas sem perder as condições materiais do processo de trabalho e de valorização do capital e sua estrutura de classes. A dificuldade talvez se dê pela ausência de um programa político e de um projeto de sociedade que articule os diversos setores produtivos e de transporte para resolver o impasse da crise dos combustíveis, levando sempre às medidas paliativas como redução de impostos ou congelamento do preço. No entanto, a dificuldade maior tem sido o reconhecimento dos interesses de classe, pois o fenômeno das classes sociais é o mais complexo e de difícil compreensão neste tipo de sociedade, já que a divisão técnica e social do trabalho, a heterogeneidade dos tipos de assalariamento e a ausência de organização sindical e política dificultam a compreensão dos trabalhadores enquanto uma classe social. Há quatro elementos fundamentais para se entender classes no Brasil a partir do marxismo: 1º) posição dos indivíduos no processo produtivo (proprietário de meios de produção – patrão, e não proprietários – assalariados); 2º) relações entre as classes no processo de valorização do capital (disputas pelo aumento de seus rendimentos – lucro e salário); 3º) a luta política das classes com relação aos seus interesses econômicos e alianças de classes (através de leis e regimes políticos); e 4º) condições espaciais de vida na cidade e no campo (moradia, localização e deslocamento), o que nos leva a discutir o ponto nodal da atual crise.
Urbanização rodoviarista, segregação urbana e Petrobrás: o ponto nodal da crise
A greve dos caminhoneiros vem mostrando um problema que há décadas faz parte da vida social brasileira: as consequências de um desenvolvimento dependente, desigual e combinado alicerçado na industrialização automotiva e urbanização rodoviarista, cujo ponto nodal dessa relação tem sido a cadeia produtiva do petróleo e da produção automotiva nacional e internacional. O tripé dessa relação entre indústria petroleira e indústria automotiva nesse modelo de “desenvolvimento” tem sido articulado pela indústria da construção civil, pouco destacada pela chamada esquerda institucional e revolucionária que não disputa os sindicatos de trabalhadores dessa categoria, e condições de superexploração dos trabalhadores totalmente negligenciada pela direita conservadora. A categoria dos caminhoneiros também não é disputada politicamente devida sua heterogeneidade, o que mostra a dificuldade de entendimento da atual greve. Por sua vez, a cadeia da construção civil está ligada ao setor imobiliário, que detém o poder de produção de cidades e metrópoles, bem como de infraestrutura urbana e rodoviária para a circulação de mercadorias. Mas ela apresenta um elemento fundamental apresentado por Lefebvre e aprofundado por outros teóricos: o de impedir ou barrar a tendência de queda da taxa de lucro em outros setores da indústria mais dinâmicos e contraditórios, ao ser o enlace atual entre setores imobiliário e financeiro numa economia política da urbanização baseada na extração de mais-valia absoluta.
Por isso, analisar o processo de urbanização é fundamental para entender sua importância para o desenvolvimento capitalista e a superação de suas crises, ao compreender por que a greve dos caminhoneiros ganhou a força de parar o país, enquanto que outras categorias de trabalhadores da indústria não conseguem mais fazê-lo. A urbanização brasileira tem sido um processo induzido pela produção capitalista do espaço, ao passo que o espaço urbano de metrópoles e cidades grandes no Brasil apresenta visualmente os efeitos das desigualdades estruturais deste tipo de capitalismo dependente. A luta de classe se lê no espaço urbano produzido, espaço que precisa ser “objeto” de discussão ampla da esquerda institucional e revolucionária, que não investiga na realidade a relação entre o tripé contraditório apresentado por Marx: terra, trabalho e capital, pressuposto de análise do modo de produção e desenvolvimento da sociedade capitalista, aprofundados apenas por teóricos marxistas da cidade.
As consequências desse tipo de desenvolvimento são visíveis e se manifestam por meio da segregação urbana, entendido aqui como processo social em que as classes que dominam a sociedade (industriais, ruralistas, banqueiros, proprietários de terras) habitam e trabalham numa área da metrópole ou da cidade produzida exclusivamente para elas, enquanto que as demais classes sociais habitam um lugar e trabalham em outro, numa segregação que se efetiva com o sistema viário e de transporte produzido para a reprodução social dessas classes, condição estrutural que indica a necessidade de deslocamentos diários de trabalhadores, pequenos burgueses, profissionais liberais e camadas médias, mas também das mercadorias produzidas. As causas e determinações sociais do deslocamento diário de milhões de trabalhadores se encontram na relação entre segregação urbana, renda da terra e modais de transportes, o que pode evidenciar os fundamentos da mobilidade urbana originado na contradição deste tipo de urbanização, mas também o modelo de dependência do petróleo como combustível.
Essa urbanização tem um caráter rodoviarista desde os governos de Juscelino Kubitschek (1956-1961), que priorizou a urbanização rodoviária articulada a produção automotiva, promoveu a parceria com as montadoras estrangeiras e transnacionais que se instalaram no país para o “desenvolvimento” nacional. No entanto, foi necessário criar a ideologia do “carro próprio” entre as classes médias e trabalhadoras, para viabilizar esse projeto político-econômico, o quê gerou consequências e problemas para a vida urbana metrópoles e cidades médias do país no final do século XX e início do século XXI. Nesse sentido, a ideologia do carro próprio, oriundo da classe média brasileira, nos últimos anos se expandiu para parte da classe trabalhadora, que assumiu esse modo de vida baseado no carro articulado ao sonho da casa própria também, em decorrência dos limites, precariedades e alto custo do transporte público, o que provocou a produção de cidades e metrópoles calcadas na urbanização rodoviarista.
Eduardo Vasconcellos analisou com profundidade a história da “questão do trânsito” em São Paulo, por exemplo, ao contribuir para se pensar o predomínio do modelo rodoviarista e a ideologia do carro próprio que fundamentam a sociedade de classes que vivemos. Para Vasconcellos, o resultado da discussão pública, na década de 1950, entre o ex-prefeito de São Paulo Prestes Maia, defensor do modelo de mobilidade americano, e o urbanista Anhaia Mello, que defendia a ampliação do transporte coletivo, pode explicar a origem do caos viário que se tornou a cidade de São Paulo, mas também as metrópoles brasileiras e sistemas viários na atualidade. O caos instaurado no trânsito só é possível por causa da força produtiva produzida pela infraestrutura urbana de ruas, avenidas, rodovias, pontes e viadutos, enquanto que o transporte coletivo e público não recebeu a mesma prioridade ao longo de décadas, ao desencadear uma crise urbana que explodiu com a revolta da tarifa em 2013 e volta a explodir com a greve dos caminhoneiros em 2018 no país.
A engrenagem da produção automobilística, dos viários e da “cultura” do “carro próprio” só pode ser compreendida no contexto de industrialização e urbanização, ao passo que as duas grandes guerras mundiais aceleraram a industrialização e as grandes aglomerações nos centros urbanos que, mediante a dependência do uso do petróleo até para a construção de asfalto e muitos gêneros de mercadorias, torna-se possível entende as determinações externas para os estímulos dessas políticas econômicas e para quais classes elas visam favorecer: a classe dos capitalistas industriais (montadoras), construtoras (sistema viário), combustível fóssil (petrolíferas e distribuidoras), o agronegócio (ruralistas) e classes médias e pequena burguesia consumidoras de carro. Nessa “engrenagem” da produção de automóveis e urbanização viária da cidade e metrópole, foi necessária a criação da ideologia da circulação e a construção do imaginário de ascensão social baseadas no carro, que negligenciou os problemas urbanos de deslocamento da relação entre moradia e trabalho e a segregação urbana.
Um dos estudiosos dessa questão no Brasil tem sido o urbanista Flávio Villaça, que aprofundou a problemática da segregação urbana e dos vetores de valorização ao explicitar que: “Daí decorre a importância da segregação na análise do espaço urbano de nossa metrópole, pois a segregação é a mais importante manifestação espacial-urbana da desigualdade que impera em nossa sociedade. […]”. Ele analisou ainda que os vetores de valorização nas diversas metrópoles brasileiras convergem para uma direção: a localização das classes dominantes na metrópole. No caso de São Paulo, essa localização está bem delimitada: o quadrante sudoeste da cidade, que abriga as classes dominantes da cidade, mas também da metrópole e parte do país.
Por isso, a greve dos caminhoneiros anuncia uma crise estrutural que precisa ser compreendida em relação dialética e contraditória com o problema conjuntural dos preços dos combustíveis, e mostra também que o capitalismo produz seus próprios coveiros, tal como indicado por Marx. A política de preços da Petrobrás, indexada a flutuação diária do dólar e do mercado internacional de barril de petróleo, expõe o problema de soberania nacional ao favorecer apenas acionistas da Petrobrás, enquanto que desfavorece caminhoneiros e trabalhadores, possuidores de caminhões, automóveis, motocicletas e outros tipos de veículos motorizados. O atual presidente da Petrobrás, Pedro Parente, adotou uma política de preços para favorecer os acionistas e ajudar as petroleiras internacionais a entrarem no mercado brasileiro, como uma das diretrizes do golpe de 2016 na tentativa de entregar o pré-sal às empresas estrangeiras e imperialistas.
Brasília – Caminhoneiros protestam na BR 040, nas proximidades da cidade de Valparaíso de Goiás (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Para onde vai a greve dos caminhoneiros e a luta da classe trabalhadora?
A greve dos caminhoneiros autônomos tem mostrado ao povo brasileiro que não basta apenas diminuir impostos (como reivindicado pelo patronato), pois essa medida tem efeito momentâneo e não resolve o problema da flutuação dos preços no mercado externo. Com a política monetarista de inflação baixa, mas de altos custos públicos e sociais, as consequências dessa política de preços dos combustíveis mostram que o preço atrelado às variações diárias do barril do petróleo internacional expõe o aumento dos custos de vida (transporte, alimentos, e outros) não só para os caminhoneiros, mas para o conjunto da população brasileira, além de expor a maior empresa brasileira que é estatal, a Petrobrás, ao retirar subsídios e tornar quase um terço das refinarias ociosas para abrir espaço para as companhias de petróleo imperialistas, obrigando o país a importar derivados de petróleo por causa do real desvalorizado. Essa política representa um desastre e é contra ela que aparentemente se insurgiu atual greve.
A greve dos caminhoneiros tem caminhado para uma mobilização da classe trabalhadora e de outros segmentos da população no sentido de criar uma relação de solidariedade com essa luta, a exemplo de produtores de leite e alimentos que, diante da possibilidade de perda do produto, doaram para trabalhadores e desempregados, numa forma de apoio a greve que tem sacudido o país nessa semana que cada vez mais vai ampliando a pauta contra a política do atual governo, apesar de haver segmentos da direita disputando com sua pauta de intervenção militar. Ela mostrou também a importância dos trabalhadores do setor de transporte, que precisam ser compreendidos nas complexas relações de classes sociais no atual modo de produção no país, e de que a luta política dos trabalhadores precisa ocorrer de baixo para cima na atual conjuntura para inverter as estruturas institucionais viciadas na hierarquia de cima para baixo. Em síntese, a luta se dá pela base e a partir da base e, evidentemente, exige organização, projeto político e alianças para os enfrentamentos. Por isso, é necessário partir das condições de trabalho presentes no processo produtivo e de circulação, e não das representações sociais que circulam em redes sociais e na mídia burguesa hegemônica.
Por fim, a greve dos caminhoneiros tende a conseguir importantes aliados nessa luta com a greve dos petroleiros, já anunciada pela Frente Única dos Petroleiros (FUP) ao dizer que “a atual política de reajuste dos derivados do petróleo, que fez os preços dos combustíveis dispararem, é reflexo direto do maior desmonte da história da Petrobrás”, e que realizou paralizações nessa segunda 28 de maio. Eles denunciam ainda que “o número de importadoras de derivados quadruplicou nos últimos dois anos, desde que Parente adotou preços internacionais, onerando o consumidor brasileiro para garantir o lucro do mercado. Em 2017, o Brasil foi inundado com mais de 200 milhões de barris de combustíveis importados, enquanto que as refinarias, por deliberação do governo Temer, estão operando com menos de 70% de sua capacidade. O povo brasileiro não pagará a conta desse desmonte”, conclui a nota da FUP. De uma mobilização pela queda dos preços de combustíveis e derivados, a luta dos caminhoneiros está sendo o estopim de uma luta em defesa da Petrobrás e por uma política econômica soberana e voltada para a classe trabalhadora e povo brasileiro, abrindo mais uma janela histórica de transformação que precisa ser aproveitada pelas organizações de esquerda comprometidas com os trabalhadores do campo e da cidade.

Sandro Barbosa de Oliveira é cientista social, professor e educador popular. Bacharel em Ciências Sociais pelo Centro Univ. Fundação Santo André, mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo e doutorando em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas. É também associado da Usina Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado e militante da Frente Itaquera Sem Medo.

(Publicado originalmente no site do jornal Le Monde Diplomatique Brasil)

O princípio Lula: democracia e eleições em 2018

                                         
Marcia Tiburi

O princípio Lula: democracia e eleições em 2018                                    
Atividade das mulheres no Acampamento Democrático Lula Livre, em Curitiba (Foto: Ricardo Stuckert)

Falar de democracia no Brasil hoje significa, mais do que nunca, falar de um espectro.
Desde o final dos anos 80, com a chamada Abertura, vivemos dentro de uma espécie de bolha democrática que foi furada pelo Golpe. A partir de então, a fragilidade da redemocratização formal que vivíamos veio à tona e, como aquela energia elétrica que falta, a urgência e a importância de democracia apareceu mais radicalmente. Se de um lado ela é frágil e precária, de outro a democracia é uma forma aberta que requer reinvenção. Como cidadãos, seguimos nessa linha.
Se é verdade que vivíamos em uma democracia de baixa intensidade, em meio a avanços e retrocessos, erros e acertos, pelo menos a vida política brasileira desenvolvia-se dentro dos marcos impostos pelas regras do jogo democrático. Existia democracia, ainda que insuficiente. Hoje, nem isso.
No momento presente, apostamos em eleições, mesmo depois dos 54 milhões de votos vencedores jogados na lata do lixo da história em 2016.  Resistir é insistir. O desejo de democracia segue e a utopia de um mundo melhor permanece presente entre nós exigindo atitudes capazes de superar esse estado político, econômico e social injusto.
O caráter excepcional da eleição em tempos de Golpe
Talvez o conjunto das forças de centro-esquerda – ou seja, daqueles que acreditam que o Estado tem um papel ativo e fundamental na redução das desigualdades sociais e na implementação do projeto constitucional de vida digna para todas e todos – parece não ter percebido que a próxima eleição tem um caráter excepcional. Trata-se da primeira eleição presidencial que se dá em um quadro de quebra da normalidade democrática.
Os efeitos de um golpe de Estado, ainda inconcluso, se fazem sentir diariamente. O impeachment da presidenta eleita sem crime de responsabilidade, a implementação de um projeto político derrotado nas urnas e a utilização do sistema penal para perseguir os inimigos políticos dos atuais detentores do poder político, que se confundem com a parcela significativa dos detentores do poder econômico, deixam claro que o Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) atua fora dos limites da legalidade democrática para atender interesses que não se confundem com os da maioria do povo brasileiro.
O “Golpe”, portanto, deve ser a categoria de análise da situação política. Não basta afirmar a existência de um golpe, mas, a partir dessa constatação inafastável, perceber as consequências e formular estratégias de atuação compatíveis com esse quadro.
O que está em jogo é, mais uma vez, a democracia. Não só a democracia formal e a importância do voto na escolha dos governantes estão em risco, mas uma concepção de Estado comprometido com a dignidade da pessoa humana, a realização dos valores republicanos e a concretização dos direitos e garantias fundamentais de todas as pessoas.
É justamente esse “comum” que evolve a efetiva participação popular na tomada das decisões políticas e a realização dos direitos e garantias fundamentais da população, que deve unir todas a forças de centro-esquerda e ser posto em oposição ao golpe e aos candidatos dos grupos econômicos responsáveis pela quebra da normalidade democrática.
Princípio Lula
Podemos chamar esse “comum” capaz de aglutinar e promover reações às consequências práticas do Golpe contra a população e a democracia de Princípio Lula. Esse princípio não se confunde com o pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva, que atualmente está submetido a uma brutal perseguição judicial com finalidade política.  O cidadão Lula da Silva é um homem de carne e osso, com seus erros e acertos, que se tornou a maior liderança política do Brasil, um ex-presidente que deixou o cargo com 83% de aprovação, segundo dados do Datafolha.
Já o princípio Lula é um vetor de orientação que exige ações concretas à redução da desigualdade, um mandamento de conduta direcionado a resistir ao projeto neoliberal que quer transformar tudo e todos em objetos negociáveis. O princípio Lula fundamenta a luta de todos aqueles que querem o retorno e o aprofundamento da democracia.
O ex-presidente Lula, antes de sua prisão, disse que é impossível aprisionar ideias. Ele tem razão. Lula, esse espectro que ronda o Brasil, vai se concretizar na próxima eleição cada vez que o eleitor votar em candidatos radicalmente contrários ao Golpe. Mais do que apenas em Lula, o voto possível do campo democrático será no que ele representa no imaginário popular, ao que podemos chamar de princípio Lula. Esse princípio atravessará o voto de todos os que desejam a democracia. A união das esquerdas, indispensável à defesa da democracia, queiram ou não, passa pela adesão ao princípio Lula.
Não é novidade que para reduzir a pobreza, gerar empregos formais e promover o crescimento econômico, o governo protagonizado por Luiz Inácio Lula da Silva adotou uma postura pragmática, por vezes conflitante com princípios históricos que levaram à criação do Partido dos Trabalhadores. A questão era e ainda é: vale  ou valeu a pena um amplo ciclo de alianças e as tentativas de conciliar na medida do possível os interesses de classes distintas quando isso é necessário a um projeto de governo voltado a atender aos interesses da maioria da população? Intelectuais de esquerda ainda divergem. Os altos índices de popularidade de Lula da Silva, mesmo depois de uma terrível campanha empresarial-midiática contra a sua imagem, parecem indicar que o povo não tem tantas dúvidas ou apego ao purismo doutrinário.
Porém, criticar o Partido dos Trabalhadores à esquerda, tensionando pelo abandono de certo conservadorismo da política macroeconômica ou pela adoção de posturas revolucionárias, era um luxo de tempos democráticos. Hoje, qualquer reflexão séria sobre os rumos do país deve partir da constatação de que o Brasil durante o governo Lula reduziu a desigualdade, promoveu um crescimento econômico bem superior à média das últimas décadas, diminuiu o furor privatizacionista e reduziu substancialmente o desemprego.
Devolver o Estado ao Povo
O Golpe, todos já sabem, deu-se em razão dos acertos e do que havia de compromisso popular no governo petista e não por causa dos erros dos governantes, que não foram poucos. No entanto, para reagir ao golpe, o mais importante é reafirmar e defender os acertos do Partido dos Trabalhadores. Isso não significa que o Partido dos Trabalhadores está livre do dever de formular uma autocrítica. A autocrítica é fundamental para que erros não se repitam no futuro, mas não deve servir para demonizar o passado.
Todo governo é complexo, como produto histórico caracteriza-se por acertos e erros. Não se pode, porém, ignorar que hoje os erros dos governos petistas são utilizados na retórica golpista, acolhida pela esquerda mais ingênua, para ocultar e demonizar os acertos que tanto incomodaram à muitos dos detentores do poder econômico que, no Brasil e no exterior, não tem qualquer compromisso com o destino do país, e à parcela da classe média que se mostrou incomodada com a ascensão social das classes populares.
Hoje, em um momento marcado por uma ameaça concreta à democracia brasileira, não há mais espaço para o narcisismo das pequenas diferenças ou ressentimentos daqueles que, por idealismo, purismo ou vaidade, acreditaram ter sido traídos ou abandonados pelos governos petistas. Diante do crescimento do pensamento conservador e do projeto de destruição do Estado brasileiro, como insistir com idiossincrasias, projetos pessoais de poder ou desejos de reforçar identidades partidárias?
Nesse momento, é preciso que todos aqueles que possam participar diretamente das eleições de 2018 o façam como apoiadores de uma união das esquerdas – e até mesmo como candidatos quando for o caso, o que envolve certa dose de generosidade e sacrifício pessoal em muitos casos. Os rumos da política democrática brasileira dependem da união das esquerdas. Junto ao princípio Lula, não há nada mais importante do que a união das esquerdas nesse momento.
Há uma missão histórica posta às forças progressistas: devolver o Estado ao povo, impor limites democráticos ao poder econômico e concretizar os direitos fundamentais de todos e todas. Os golpistas, em nome do desejo de enriquecer e de lucrar ilimitadamente, implementaram uma espécie de vale-tudo para se manter o poder, impõe-se uma resposta popular que passa necessariamente pelas urnas, embora não se limite a elas.

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

O Quarto Poder - Episódio 2


Caminhoneiros e seus patrões fornecem combustível ao golpismo. Temer é o principal artíficie do caos.





Mário Magalhães



O combustível sonegado aos postos atiça há dez dias a brasa do golpismo. Caminhoneiros autônomos ou a serviço de empresas de transporte rodoviário de cargas apelam pela ruptura institucional. Em frente à Refinaria Duque de Caxias, uma faixa pregou “Intervenção militar é solução; buzina, Brasil!”. Ali, taxistas e motociclistas se uniram aos caminhoneiros em gritos pela dita intervenção, cuja tradução sincera é golpe militar ou golpe de Estado.
Num bloqueio na rodovia Régis Bittencourt, picharam no asfalto “Queremos intervenção militar já”. Na cidade potiguar de Mossoró, esbanjaram pontos de exclamação: “Queremos intervenção militar no Brasil urgente!!!”. No país inteiro, aflito e atônito, foi assim.
Difundiu-se num grupo de rede social restrito a caminhoneiros a mensagem, anotada pelo repórter Ricardo Senra: “As reações à greve dos caminhoneiros, amplamente apoiada pela população, demonstram que o brasileiro está sem paciência alguma com as ‘autoridades’. As condições são ideais para uma verdadeira revolução que refunde o Brasil. Mas onde está a liderança desse processo? Escrevam no para-brisa dos caminhões e carros. Intervenção militar!”.
A repórter Josette Goulart capturou esta incitação em vídeo, no grupo catarinense de WhatsApp “Carreteiros na luta”, que reúne 257 participantes: “Vamos parar o Brasil. Vamos parar tudo. Você que quer uma intervenção civil e militar saia às ruas e dê apoio aos caminhoneiros”. Na manhã da quinta-feira, as consultas sobre “intervenção militar” alcançaram o segundo lugar no ranking brasileiro do Google. Parentes de caminhoneiros e aliados deles promoveram no fim de semana atos diante de quartéis no Rio Grande do Sul e em Minas. As vivandeiras, essa espécie imortal, imploravam por “intervenção militar”.
O cineasta Jorge Furtado contou: “Um amigo passou por uma fila de caminhoneiros em greve e gritou: ‘Força aí, companheiros!’. Os caminhoneiros responderam: ‘Sai fora, vermelho! Comunista!’”.
Acossado pela ditadura nas décadas de 1960 e 1970, o ator Francisco Milani teve de trocar de ofício. Passou a exercer a digna e dura profissão de caminhoneiro. De regresso à carreira artística, elegeu-se vereador no Rio. Militava no Partido Comunista Brasileiro.

Um pouco de história

A história oferece pistas para elucidar o caráter de certos movimentos sociais e caldos de cultura. Em novembro de 2015, caminhoneiros interditaram estradas de ao menos 14 Estados. Um dos líderes bravateou como reivindicação prioritária a queda de Dilma Rousseff. A presidente reagiu à obstrução com o aumento dos valores de multas e sanções aos motoristas. Derrotou o protesto.
Os empresários do transporte rodoviário do Chile tramaram em 1972 uma paralisação de quase um mês que provocou vasto desabastecimento de mercadorias. A CIA integrou a conspiração oposicionista que estacionou os caminhões. Às vésperas da deposição do presidente Salvador Allende, em 1973, reeditaram a operação e devastaram ainda mais a economia.
O golpista Michel Temer nada tem a ver com Dilma e muito menos com Allende, governantes consagrados pelo voto popular. Mas os três locautes e greves prestaram-se a idêntico propósito: extremistas de direita alvejarem a democracia.
É claro como roupa lavada em propaganda de sabão em pó que nem todos os caminhoneiros comungam da fé intervencionista. Mas foram raras as invocações por “Lula livre” e raríssimos, e olhe lá, os incentivos às candidaturas presidenciais de Marina Silva, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, Manuela D’Ávila ou Guilherme Boulos.  “Não tem uma bandeira vermelha, estão de parabéns”, festejou o deputado Jair Bolsonaro.
“Sabe que todo caminhoneiro vota no Bolsonaro, né?”, esclareceu, com uma pergunta, o empresário e caminhoneiro Claudinei Habacuque, dono de quatro caminhões. Parcela expressiva dos caminhoneiros e sobretudo dos seus patrões tem lado, e a este tem sido útil. Desfralda a bandeira para se livrar do problema, “Fora, Temer!”, mas acrescenta o estandarte liberticida “Intervenção militar!”.
Bolsonaro hesitou mexer as peças, mas no auge da mobilização fez o seu lance. Manifestou-se por Twitter e WhatsApp: “Qualquer multa, confisco ou prisão imposta aos caminhoneiros por Temer/Jungmann será revogada por um futuro presidente honesto/patriota”. Logo recuou o cavalo: “A paralisação precisa acabar, não interessa a mim, ao Brasil, o caos”. Carcomido açulador de golpes, condenou a “intervenção militar”.
O jornalista Janio de Freitas alertou: “Na gravidade e nos modos, a situação provocada pelos caminhoneiros empresariais e autônomos se ajusta, com precisão, ao que Jair Bolsonaro diz e representa para o eleitorado. O governo fraco e frouxo, a falta de ordem e de quem a ponha sob controle, o Congresso dos negocistas, o alto Judiciário confuso e confundindo, e a população indignada, a esperar das ‘autoridades’ a solução que não vem”.

Conspirações fardadas e paisanas

Janio revelou que têm havido “reuniões de militares fora dos quartéis, para ‘discutir a situação’”. Jabeou: “Só poderiam ser vistas como prática de civismo se o passado brasileiro, a partir do golpe da República, não as intrigasse com o espírito da democracia”.
Que o diga o general-de-exército Antonio Hamilton Mourão, fanzoca do torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra e partidário da candidatura presidencial de Bolsonaro. Em entrevista à jornalista Joice Hasselmann, o oficial da reserva vociferou: “Terá que haver uma intervenção forte num primeiro momento, colocando ordem nessa casa”. Atemorizou: “Se o país irá flertar com o caos, só existe uma instituição capaz de impedir que isso aconteça, e essa instituição são as Forças Armadas”.
O general Mourão rechaçou, entrevistado pelo repórter Rubens Valente, a “intervenção militar” nos moldes do estímulo dos caminhoneiros. Porém, desafiou: “Se o governo não tem condições de governar, vai embora, renuncia. Antecipa as eleições […]”. Um dia antes, o deputado e pastor Silas Malafaia rumara pela mesma prosa: “Antecipe as eleições. Dê posse antecipada ao presidente novo”.
Quando Mourão e Malafaia, sócios do consórcio anti-Dilma, especulam sobre antecipação das eleições, a pulga cambalhota na orelha. Com menos de 1% de intenção de voto para o Planalto, Temer é tão abominado que, se um jiló gritar “Fora, Temer!”, os brasileiros elogiarão seu gosto adocicado. Só o ministro Carlos Marun, celebrizado como leão-de-chácara de Eduardo Cunha, encena devoção pelo chefe.
Temer fora é uma coisa – ele já iria tarde. Antecipar o pleito de 7 de outubro, outra. Efetivá-lo hoje favoreceria quem agora mostra vigor nas pesquisas, mas pode sofrer com os segundos parcos no horário eleitoral – Bolsonaro. Noutras trincheiras, diminuiria o tempo para Lula transferir votos ao candidato que apadrinhar e encurtaria campanhas promissoras. A essa altura, conversa sobre mudança do calendário eleitoral planta antecipação para colher adiamento ou cancelamento. Faltam quatro meses e sete dias para o primeiro turno.
Outra conversa ladina é a do “semipresidencialismo” preconizado pelo protagonista do golpe de dois anos atrás. Michel Temer edulcora tal regime como “extremamente útil para o Brasil”. A despeito da retórica ardilosa, seria desprestigiado o instituto do sufrágio popular, ou o presidente escolhido pelos cidadãos. Esvaziariam seus poderes. O ministro Gilmar Mendes é um dos articuladores da proposta, que, alegam, passaria a vigorar em 2023. Não surpreenderia, a depender das restrições ao eleito em outubro de 2018, implementarem a manobra quatro anos antes.
A crise é política. Só adivinhões prognosticam seu desfecho. Ele será influenciado pelo silêncio ou pelo rugido das ruas.
O céu está nublado. Deputados, senadores e ministros do STF percebem que cresce a possibilidade de Temer não completar o mandato. Um senador da base governista sugeriu a derrubada do vice de Dilma. José da Fonseca Lopes, presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros, disse que há “um grupo muito forte intervencionista” que “quer derrubar o governo”. Não seriam, afirmou, caminhoneiros. Há “infiltrados” denunciou o governo. Inexiste liderança única dos manifestantes ou interlocutores plenamente autorizados.
A crise é política. Só adivinhões prognosticam seu desfecho. Ele será influenciado pelo silêncio ou pelo rugido das ruas – neste caso, do recado que se ouvirá.
Como escreveu o Barão de Itararé, há qualquer coisa no ar, além dos aviões de carreira – menos os que permaneceram em solo, imobilizados nos doze aeroportos sem querosene.

20 anos em 2

É justa a bronca dos 2 milhões de caminhoneiros do Brasil. A tresloucada política de preços de combustíveis da Petrobras no governo Temer tornou imprevisível o custo dos fretes. Os reajustes oscilam conforme a cotação internacional do petróleo e a flutuação do câmbio. Em um ano, o barril pulou de 45 para 80 dólares. Só em maio o óleo diesel subiu 11,85% nas refinarias.
Os contratantes, contudo, não pagam um centavo a mais pelo transporte. O caminhoneiro combina um valor que, ao final, pode nem cobrir as despesas com a viagem, porque o combustível ficou mais caro. Inexiste margem para negociação: há frota demais para carga de menos. Se um caminhoneiro não quer, outro topa. O litro do diesel só foi mais caro em 2008. Mas naquele ano o barril saía a US$ 140.
A paralisação foi locaute e greve, mais aquele do que esta. Trinta por cento dos caminhoneiros são autônomos. Os demais trabalham para grandes, médias e pequenas transportadoras. Os patrões apoiaram, se é que não organizaram, o movimento dos trabalhadores. Seria uma greve peculiar. Ao pedirem redução de impostos federais e estaduais e serem atendidos, os caminhoneiros serviram de estridentes porta-vozes dos empresários.
Na noite do domingo, Temer rendeu-se, em pronunciamento recepcionado por panelaços (com muito menos decibéis do que os que atazanavam a antecessora). Abateu tributos, reduziu o preço do diesel, congelou-o por 60 dias, comprometeu-se com reajuste só uma vez por mês, criou tabela mínima para frete, barateou pedágios. Destinou a caminhoneiros autônomos 30% dos fretes da Companhia Nacional de Abastecimento. Manteve a desoneração tributária na folha de pagamento das transportadoras, para júbilo patronal. O acordo sugará R$ 10 bilhões ao Tesouro.
Os contribuintes bancarão com subsídios o lucro dos acionistas privados da Petrobras. Uma sociedade de economia mista sob controle da União não deveria se guiar exclusivamente por vantagens mercantis, à revelia de políticas públicas. É uma aberração brasileiros miseráveis patrocinarem, com novos cortes nos magros recursos sociais, a política de preços da companhia presidida por Pedro Parente.
Os caminhoneiros pareceram poupá-lo de sua artilharia. Melhor para quem conjura a privatização da Petrobras. Os petroleiros iniciam hoje uma greve de três dias para “baixar os preços do gás de cozinha e dos combustíveis, contra a privatização da empresa e pela saída imediata do presidente Pedro Parente”.
O poder dos donos e motoristas de caminhões é imenso no país em que dois terços das cargas são transportadas em rodovias. Excluindo petróleo e minério, 90% delas seguem por estradas. Anteontem persistiam 556 pontos de bloqueios, em rodovias federais. Mesmo com a rendição do governo, numerosos caminhoneiros temem ser passados para trás.
É uma aberração brasileiros miseráveis patrocinarem, com novos cortes nos magros recursos sociais, a política de preços da companhia presidida por Pedro Parente.
Temer e seus aspones os subestimaram. Os caminhões começaram a se enfileirar nas pistas e nos acostamentos na segunda-feira retrasada, 21 de maio. Seis dias antes, a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos protocolou na Presidência da República o aviso de que a manifestação começaria dali a menos de uma semana. Pediu audiência “em caráter emergencial”, e o governo ignorou a advertência.
Teria sido mais uma bobeada? Interessaria a alguém, no Planalto, conflagrar o país? Na sexta-feira, encurralado, Temer convocou as Forças Armadas para escoltar caminhões-tanque abastecidos em refinarias e outras missões –não pediram uma “intervenção militar”? O de costume: governo pusilânime, tropa na rua. Em São Paulo, a polícia reprimiu com bombas de gás um protesto de motoboys por combustível mais barato.
Anúncio do governo federal com o mote “Avançamos com o Brasil”.
Anúncio do Governo Federal com o mote “Avançamos com o Brasil”.
Foto: reprodução/Governo Federal
Em meados do mês, o governo distribuíra um convite para a cerimônia comemorativa dos dois anos da administração Temer com o slogan “O Brasil voltou, 20 anos em 2”. Todos leram, curvando-se aos fatos, sem a vírgula. Já com os 40 mil postos quase sem uma gota de gasolina, Temer entregou 369 automóveis em evento no Estado do Rio.
Na segunda-feira, oitavo dia da mobilização, jornais publicaram um anúncio do governo federal com o mote “Avançamos com o Brasil”. Na foto, as gôndolas estão abarrotadas de legumes e frutas. Nos supermercados reais, estavam vazias. Não basta empurrar o Brasil para o abismo; Temer tripudia sobre carências e desesperos alheios. Com seu furor ultraliberal na Petrobras, ele é o principal artífice do caos.

À beira do abismo

Nos dias em que o Brasil sem caminhões se equilibrou à beira do abismo, rarearam nas farmácias insulina, hormônios e remédios. Hospitais adiaram cirurgias agendadas e só asseguraram as urgentes. Estoques de oxigênio estiveram na iminência de esgotar. Suspenderam campanhas de vacinação. Não recolheram o lixo em São Paulo e em muitas cidades. Ambulâncias não circularam devido à ameaça de pane seca. Famílias sofreram sem gás de cozinha. Com incômodos ou dramas, os brasileiros padeceram.
Escolas e universidades fecharam – só no Rio, 1.500 estabelecimentos da prefeitura, mais de 650 mil alunos, dos quais metade não costuma levar lanche; perderam a refeição diária garantida. Sem fornecimento de alimentação e com funcionários sem transporte, creches não receberam as crianças país afora.
Hortifrútis desapareceram. Escassearam carne de frango e de boi, muitíssimos produtos. Supermercados limitaram compras. Em pânico, houve gente que estocou comida como um francês aguardando a invasão alemã ou, um tcheco, a soviética. A saca de 50 quilos de batata de um dia para o outro saltou de 70 para 350 reais no atacado.
A Cedae pediu para os cariocas pouparem água, por carecer de insumos de tratamento. Uma unidade do McDonald’s de Copacabana ficou sem Big Mac, porque os pães vindos do Espírito Santo e os hambúrgueres fabricados em São Paulo não chegaram. Num restaurante, a rabada com agrião se metamorfoseou em rabada com brócolis. Com carros na garagem, os engarrafamentos sumiram. A frequência aos cinemas caiu a menos da metade. O faturamento do comércio despencou.
Devido à greve dos caminhoneiros, produtos estão faltando nas prateleiras dos supermercados.
Devido ao locaute/greve de transportadoras e caminhoneiros, produtos estão faltando nas prateleiras dos supermercados.
Foto: Marcelo Fonseca/Folhapress
No domingo, os ônibus descansaram em Belo Horizonte e Porto Alegre. O transporte coletivo minguou, com a maior parte das frotas inativa. Trens superlotaram. Quanto mais longe do trabalho se mora, pior –os mais pobres foram os mais afetados. Municípios decretaram situação de emergência e estado de calamidade pública. As polícias fizeram menos rondas motorizadas. Nos postos com estoque de combustível, formaram-se filas, ao pé da letra, quilométricas. Em alguns, os clientes tentaram resolver a tapa quem encheria o tanque primeiro.
Por falta de ração, sacrificaram 64 milhões de aves. Em granjas, frangos famélicos comeram as penas de outros, causando ferimentos que matam. Nos próximos dias, podem morrer 1 bilhão de aves e 20 mil porcos. Interromperam as atividades 167 fábricas de carne de ave e carne suína. Nelas trabalham 234 mil funcionários.
Sem transporte, os produtores jogaram fora leite estragado. Idem os caminhoneiros, nas rodovias. Com o colapso no abastecimento, todas as montadoras de automóveis suspenderam a produção –o setor representa 4% do PIB brasileiro e 20% do industrial. Usinas de açúcar e álcool pararam. Ontem, o movimento dos caminhoneiros arrefecia.
Outro dia o ministro Marun, da Secretaria de Governo, adulou Temer como “o melhor presidente do Brasil por hora de mandato”.
Uns se afligem, outros debocham.

Foto em destaque: Caminhoneiros escreveram pedido de intervenção militar no asfalto da rodovia Régis Bitencourt, em São Paulo.
 
(Publicado originalmente no site Intercept Brasil)

O Quarto Poder - Episódio 1


Charge! Renato Aroeira

sexta-feira, 1 de junho de 2018

Negras na família real britânica: representação ou mera performance

                                         
Dennis de Oliveira                                                                                

Negras na família real britânica: representação ou mera performance?         
A família real britânica durante o casamento de Harry e Meghan Markle (Divulgação)

Nas últimas semanas, causou um certo frisson nas redes sociais o casamento do príncipe Harry com Meghan Markle, realizado no dia 19 de maio. A polêmica se deu pelo fato de Meghan Markle ser uma mulher afroamericana. E as posições que polemizaram nas redes sociais resumiram-se em duas perguntas: a presença de uma mulher negra na família real britânica seria um avanço na “representatividade” da população negra, em especial das mulheres negras? Ou aquilo não teria nenhum significado, dado o caráter racista da Coroa e do Império britânicos?
Acompanhando as discussões que transitavam entre estas posições de representatividade, visibilidade ou um detalhe sem nenhum significado importante, lembrei-me de um texto do pensador jamaicano Stuart Hall sobre multiculturalismo. Segundo Hall, estas visibilidades de diferenças étnicas, culturais, de gênero ou de orientação sexual se inserem na lógica chamada, pelo filósofo pós-estruturalista Jacques Derrida, de differance. Este conceito derridiano é produto da articulação de duas palavras francesas que significam “diferenciar” e “diferir”. Isto é, uma perspectiva discursiva em que a diferenciação é incorporada numa certa lógica, mas sem apagar as marcas que são classificadas como diferentes. Em outras palavras, é a incorporação no terreno da universalização da diferença, mantendo o status de diferença (o que, em última instancia, reforça o caráter do que é referente, hegemônico).
Homi Bhabha, também citado por Hall, fala do “tempo liminar das minorias” em que estas estratégias da differance são executadas como momentos pontuais, episódicos, pontos que enfeitam um quadro já pré-desenhado. Em outro texto, Hall fala da ideia, comum na própria Inglaterra em que ele viveu a maior parte da sua vida, do bit of the other, uma “gota do outro” que chega a ter até uma conotação sexual.
O que é interessante nestas discussões é que existe uma diferença entre visibilidade e representação. Isto porque colocado como bit of the other, como differance, como um tempo liminar – ou ainda como Michele Alexander, na obra A nova segregação, chama: “exceção que confirma a regra” -, a visibilidade de pessoas negras pode ser uma mera estratégia que reforça uma ordem hegemônica. Uma mera visibilidade que não significa, necessariamente, representação. Aliás, mesmo no campo das representações, há que se discutir se ela (a representação) pode ser pensada de forma dissociada do reconhecimento e da redistribuição como afirma Nancy Fraser.
E por que esta visibilidade gera a impressão de uma representação? Muito em função da configuração da sociedade da inflação das informações. É uma demonstração do deslocamento da percepção do poder para o campo da visibilidade, da celebridade. Em boa parte, os movimentos da agenda da diversidade se pautam por este aspecto, como acontece nos filmes Pantera Negra e Mulher Maravilha. A visibilidade midiática dá a sensação de uma proximidade com as estruturas de um poder sinóptico – expressa uma ubiquidade pela sua visibilidade intensa, mas não no sentido do Panóptico de Jeremy Bentham (ou seja, a de criar uma sensação de estar sendo vigiado), mas de ser mostrado, visibilizado. É uma arquitetura do poder que não é apenas temida, mas sedutora.
Em boa parte, esta glamourização das imagens do poder e sua narrativa sedutora escondem tanto as estruturas que o sustentam (a base econômica mantida pela exploração dos povos, inclusive negros na Inglaterra e fora dela) quanto ações que, embora não tenham o glamour do casamento real, a sustentam – como, por exemplo, as guerras imperialistas patrocinadas por este país. Por outro lado, não há como negar o que Hall e Bhabha afirmam em relação a este tempo liminar das minorias que, graças a isto, a narrativa hegemônica nunca se cristaliza totalmente, abrindo sempre espaços para estas contra-narrativas. Aí, as lágrimas da mãe negra de Meghan Markle no casamento podem ter diversos significados.
A única coisa de que se tem certeza neste episódio é que, se não fosse esta discussão, a importância de um fato como este – o casamento real, um evento de uma classe para lá de decadente – não teria importância nenhuma.

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

Editorial: O coito do PT pernambucano

 
Foto: Felipe Ribeiro/JC Imagem
Felipe Ribeiro/JC Imagem
 
 
Não faz muito tempo, li um artigo de um pesquisador cearense onde se fazia uma avaliação das estratégias políticas adotadas pelo Partido dos Trabalhadores no plano nacional. Para embasar seus argumentos, como nordestino da gema, o aludido pesquisador observava as recomendações de um ilustre pernambucano, ali de Serra Talhada. Nada mais nada menos do que Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Virgulino, de acordo com este pesquisador, recomendava aos seus cabras nunca invadir uma cidade com mais de uma torre de igreja, tampouco entrar num coito de uma única saída. Invadir uma cidade com mais de uma torre de igreja significava subestimar o poder de reação do inimigo, possivelmente com uma efetiva capacidade de defender-se. Seria uma cidade de porte médio, do tipo de Mossoró, no Rio Grande do Norte, onde Lampião e seu bando sofreram um grande revés.  Coito de uma única saída, na realidade, trata-se de uma ratoeira, bastante vulnerável a uma emboscada, sem chances de defesa. No plano nacional, a opção do PT em enfrentar as urdiduras golpistas pela via institucional mostrou-se profundamente equivocada, resultando em derrotas sucessivas, consolidando, assim, uma das premissas básicas dos operadores do golpe de 2016: esmagar o PT.
 
Neste momento de instabilidade institucional e  política, a garantia das eleições presidenciais de 2018 tornou-se uma incógnita, a depender de uma série de variáveis. Turbulências é o que não deverão faltar daqui para frente, o que pode levar os atores envolvidos nessas tessituras a "justificarem" seu cancelamento ou adiamento. Sempre convém observar que o establishment golpista ainda não possui um candidato para chamar de seu e salvar as aparências da não-democracia. Mesmo nessas circunstâncias, o PT ainda insiste em manter-se na estratégia de  apostar numa candidatura que se encontra numa cela da sede da Polícia Federal lá de Curitiba, dependendo da "via institucional" para viabilizar-se ao pleito. Dialogar com outras forças políticas do campo progressista, para alguns setores do partido, trata-se de uma atitude reprovável, uma heresia. Uma das condições impostas pelo PT ao PSB pernambucano - para consolidar uma aliança que rifa a eventual candidatura própria do partido do Estado - enfatiza que os socialistas não devem apoiar a candidatura presidencial de Ciro Gomes(PDT) no plano nacional.
 
Parte do PT pernambucano parece ter vocação para entrar em ratoeira. Isso vem de longas datas, desde a aliança com o então governador Eduardo Campos, que hegemonizou todo o processo aliancista - consoante seus interesses pessoais - abandonando o partido quando achou oportuno, colocando em curso seu projeto presidencial. Nem os nacos tradicionais de poder do partido - como era o caso da Prefeitura da Cidade do Recife - foram respeitados, mantendo-se na máquina apenas alguns "queijos-do-reino", que logo se mostraram mais amarelos do que vermelhos. Aqui em Pernambuco, uma aliança com o PSB representa não apenas uma derrota política, mas moral para o PT, como observou o cientista político Michel Zaidan Filho. Ela atende unicamente os interesses comezinhos de uma determinada caciquia partidária que já mandou às favas as instâncias deliberativas do partido, composta por sua militância, e, igualmente, os anseios mais nobres e republicanos da sociedade pernambucana, que, certamente, gostaria de ter na disputa candidaturas com um alinhamento político e programático distinto das velhas oligarquias carcomidas do Estado.
 
Embora nunca tenha participado de uma disputa majoritária, a vereadora Marília Arraes - sangue bom dos Arraes - aparece muito bem nas primeiras pesquisas de intenção de voto realizadas, num empate técnico com os principais nomes da disputa, o governador Paulo Câmara(PSB), que tenta a reeleição, e o senador Armando Monteiro, do PTB. De acordo com o levantamento do Instituto Múltipla, os três principais nomes da disputa aparecem com 15%. Não se nega aqui que Marília seja oriunda de uma linhagem política tradicional do Estado: Os Arraes. Ela hoje, no entanto, constrói seu projeto político envolvendo amplos setores da sociedade civil, além do seu comprometimento com a normalidade democrática e a sensibilidade às demandas sociais de setores socialmente fragilizados. Há uma identidade orgânica entre Marília  e amplos setores do PT, o que anima a militância em torno de sua candidatura. Abortar essa candidatura seria mais um equívoco.  
 
Aqui em Pernambuco, até recentemente, abriu-se uma competição macabra entre o PSDB e o PSB para se saber quem era mais golpista. O tal mandatário foi acusado por um adversário de ser até mesmo padrinho do atual chefe do Executivo Federal. Eis aqui uma das razões pelas quais a movimentação de alguns morubixabas petistas estejam causando tanta repulsa em setores da militância. Em outros momentos, não foram poucas vezes  em que a cidade amanheceu pichada com dizeres que afirmavam que o PT havia matado o ex-governador Eduardo Campos. Um outro gravíssimo problema seria a imposição dessa aliança pela Executiva Nacional da legenda, passando por cima das instâncias deliberativas locais do partido. Se se mantiver essa tendência, a Gruta do Angico do PT fica por ali nas imediações do Palácio do Campo das Princesas. A saída atende pelo nome de Marília Arraes.  

Charge! Mor via Folha de São Paulo

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