pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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sexta-feira, 13 de abril de 2018

Durval Muniz: O país da chibata

O historiador Durval Muniz escreve aos domingos na agência Saiba Mais

            Os cientistas sociais sabem que há imagens, há cenas que sintetizam uma dada época, uma dada ordem social. Essas imagens servem como emblemas de dados momentos e dadas circunstâncias sociais. Como observaram o filósofo alemão Walter Benjamin e o historiador da arte Georges Didi-Huberman, há imagens que sobrevivem a seu tempo e, como restos, como fragmentos, como cacos de sua época, reaparecem num tempo posterior, promovendo um encontro revelador entre o passado e o presente. A imagem que, vinda do passado, relampeia no presente, serve como um facho de luz para iluminar o que se passa à nossa volta. Nesse choque entre tempos, nesse pedaço de passado que atravessa a cena do presente, Freud via a possibilidade de entendermos as dimensões inconscientes que governam nossas vidas individuais e coletivas. Recalcadas, amortecidas como brasas cobertas de cinzas, essas imagens emergem, vêm à tona em um dado momento de conflito, que Benjamin chamou de “um dado momento de perigo” dando acesso à camadas profundas da vida social, estruturas de valores, estruturas sociais e culturais marcadas por uma longa duração. Essas cenas, pois elas implicam uma dada dramaturgia, uma dada forma de aparecer, de se expor, elas tem o condão de resumir os traços mais definidores de uma dada sociedade, em um dado momento histórico.
O fotógrafo Guilherme Santos, do jornal Sul21, flagrou o momento em que um fazendeiro gaúcho, munido de um relho, chicoteava simpatizantes do ex-presidente Lula. Imagem arcaica, imagem saída dos porões do nosso passado escravista. Fazendeiro a espancar pessoas a quem, possivelmente, considera não terem o direito de existir, de ser e pensar diferente, talvez que não tenham sequer a condição de humano. Possivelmente para esse representante do latifúndio secular, aqueles homens e mulheres sejam vistos como gado, podendo ser chicoteados, como se fazia com o gado humano trazido à ferros da África. A chibata, o rebenque, o relho, foram durante quatro séculos a encarnação do poder discricionário, absoluto, sem peias, dos potentados senhores de terra, de quem esse agressor é um descendente e continuador. O chicote contra a carne, contra o lombo, contra qualquer parte do corpo, deixava impressas as marcas de um poder sem contestação, um poder de vida e morte protegido pela legislação, amparado pelo Estado, considerado legal. O relho, a palmatória, o chicote eram vistos como pedagógicos, como instrumentos de ensino e educação. Somos um país onde ainda se espanca crianças todos os dias, em nome da educação. Os espancados serão os espancadores de amanhã. O fazendeiro que maneja o relho contra petistas, bem pode ter sido o menino que aprendeu a ser “homem” debaixo de peia. Significativamente, o ex-presidente que é motivo de tanto ódio, foi aquele que enviou ao Congresso Nacional, um projeto de lei proibindo o espancamento infantil, para a revolta de muita gente que se perguntava como os pais poderiam educar seus filhos sem espancá-los. A lei da tapinha, como ficou conhecida, foi um daqueles gestos dos governos do PT que mexeu em nervos expostos da sociedade brasileira, que atingiu o âmago de nossa vida social, ainda profundamente marcada pelas relações escravistas. Pais espancadores e torturadores são apresentados como educadores e se revoltam contra o que seria a ingerência indevida do Estado “no jeito dos pais educar os filhos”. O mesmo enunciado que serve de base para a demagogia da chamada “Escola sem Partido” apresentado à Assembleia Legislativa pelo deputado Jacó Jácome. O princípio republicano exige que o Estado (e a escola é uma instituição do Estado, mesmo quando privada, pois por ele é fiscalizada e deve seguir as regras gerais que dele emana) participe da educação dos cidadãos e partilhe com a família essa educação, em benefício da defesa de interesses gerais da sociedade e em detrimento dos interesses privados das famílias, que podem ser antisociais e antirepublicanos.
Essa imagem que poderia ser tomada como isolada, como sendo o documento de um ato espúrio de um celerado, foi amplamente apoiada pelos setores da oposição ao PT, mostrando que ela é a explicitação de tendências bem mais profundas de nossa sociedade. Uma senadora da República, uma mulher, uma senhora de classe média alta, uma avó, formada no meio urbano, jornalista ligada por décadas ao grupo midiático mais poderoso do sul do Brasil, o grupo RBS, usou o palanque da pré-convenção de seu partido, o PP – que lembremos é um restolho da Arena, o partido que apoiou a ditadura militar, com seus relhos e rebenques, com suas botas, fuzis, cães amestrados, com a tortura e assassinato de presos políticos, também na época chamados de terroristas (o mesmo nome que os grupelhos de direita e extrema-direita que perpetraram vários atos de ataque e agressão a caravana do ex-presidente Lula, chamam aqueles a quem agridem, chicoteiam e tentam matar) – para defender o uso do relho feito pelo seu conterrâneo. Ela disse, como uma boa representante dessa elite brasileira, branca, que nunca saiu da casa-grande, que nunca retirou o pé do latifúndio, da monocultura e da escravidão, bases de nossa colonização: “levantar o relho, o rebenque não é violento”. Possivelmente porque violência seja empunhar uma bandeira vermelha, querer ouvir um ex-presidente, querer saudá-lo, ir para as estradas recebê-lo, portar uma estrela no peito. Possivelmente, para essa gente, violência é reivindicar reforma agrária, divisão dos enormes latifúndios, que nessa região do Rio Grande do Sul, como em tantas outras no país, remontam ao período colonial e escravista. Para essa senadora levantar o relho e o rebenque deve continuar sendo pedagógico, educativo, deve ser legal e legítimo. A senadora da República pretende fundar a República no uso da chibata, como afinal foi fundado o Estado brasileiro. O Império brasileiro esteve por décadas fundado na escravidão, na lei do tacão e do chicote. Foi preciso que, no início da República, os marinheiros se revoltassem contra o uso sistemático da chibata na Marinha brasileira. Não é de espantar que muita gente ainda queira fundar a própria existência política da nação no uso “não violento” do relho.
A senadora cumprimentou Bagé, Santa Maria (uma das cidades mais militarizadas do país), Palmeiras das Missões, Passo Fundo, São Borja e Santana do Livramento, “que botou para correr aquele povo que foi lá, botando um condenado para se queixar da democracia”. Notem a muito particular noção de democracia da senhora senadora: democracia é a prevalência da opinião dela e dos seus, nem que para isso tenha que se fazer uso do chicote, do soco inglês, da pedra, do sopapo, do tiro. Democracia não é a convivência necessária com a diferença, com um outro que é diferente de mim, que pensa diferente de mim, mas que tem os mesmos direitos de existir que o meu. Quando qualquer um de nós chega à terra, já encontramos outros, já encontramos muita gente com línguas, costumes, religiões, ideias políticas diferentes da nossa, o que temos que fazer é buscar coabitar com toda essa diferença. Com que direito eu que cheguei depois, quero fazer da terra algo só meu ? É esse tipo de postura que a existência da propriedade privada, que a existência da propriedade da terra causa. Quem nasce dono de terra tende a se achar dono da Terra, tende a se achar aquele que é dono do mundo, não tendo lugares para outros existirem. Além do dono da terra, só existe o gado, até mesmo as demais gentes são gados, a que se deve dar uma ração e algumas bordoadas quando não obedecem. A senadora Ana Amélia, quando foi candidata ao governo gaúcho, deixou de declarar que era proprietária de uma fazendola de 1,9 mil hectares. Ou seja, fica claro de que lado ela está do chicote, ela está empunhando o cabo, não do lado de quem recebe a lambada. Sua solidariedade com os portadores de chicote é uma solidariedade de classe. Mesmo tendo suas atividades na cidade, como é comum no Brasil, as elites urbanas, quando já não são ou descendem de proprietários de terra, que se acham donos da Terra, tornam-se proprietários, usando o acúmulo de propriedades rurais como reserva de valor, como investimento, já que os baixíssimos impostos cobrados sobre a terra no país, um dos privilégios conferidos a uma elite agrária que ainda tem enorme poder no aparelho de Estado, torna esse investimento tremendamente lucrativo, sem que seja preciso, inclusive, torná-la produtiva.
Alguns dos municípios que mereceram o efusivo cumprimento da senadora da lambada (não a dança, claro!), ficam nas regiões de fronteira do Rio Grande do Sul, tendo uma longa história de conflitos com os vizinhos uruguaios e argentinos, sendo zonas muito militarizadas, com uma cultura marcada pela presença da violência e da escravidão. Nessa região a presença da grande propriedade pecuária é acompanhada por uma forte presença do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST), o principal movimento social do país, nas últimas décadas, que tem sua origem nesse estado, que reivindica a desapropriação para fins de reforma agrária dos grandes latifúndios com baixa produtividade nesses municípios. O ódio dos ruralistas ao MST, os conflitos em torno da terra, é o caldo de cultura para explicar a formação dos grupos que tentaram impedir a passagem da caravana de Lula pela região. O uso de tratores, colheitadeiras, deixa claro a origem social dos manifestantes. No entanto, o candidato a presidência da República pelo PRB, o empresário Flávio Rocha, disse que as manifestações eram do povo e que elas demonstravam a irresponsabilidade do STF por deixar um condenado, no caso, Lula, solto. É interessante que manifestações de minorias intolerantes sejam transformadas em rejeição popular, quando o que se viu foi o uso do rebenque para tentar impedir que a população acorresse até o presidente. O empresário que se revolta contra a justiça quando ela apenas investiga possíveis irregularidades de suas empresas, que tenta sob ameaças intimidar o Ministério Público, que usa de manobras para tentar anular o processo em relação a questão das facções é o mesmo que cobra celeridade da justiça e da punição no caso de Lula. O empresário da Riachuelo também quer que o chicote da justiça só atinja o lombo daqueles que contrariam seus interesses. Ele é mais um que segura o cabo do chicote com gosto, mas acha um absurdo se a folha da chibata vira para o lado de seus costados. Seus trabalhadores têm que aguentar, sem reclamações trabalhistas, a força de seu tacão, têm que sair como rebanho a defender os seus interesses, tangidos por sua chibata invisível: a chibata da ameaça da demissão, do desemprego, da miséria e da fome, os tradicionais instrumentos de acicate ao trabalho no capitalismo.
A senadora, orgulhosa, ainda utilizou um argumento de identidade regional para louvar as chibatadas “não violentas”: disse ela, talvez em nome de um Centro de Tradições Gaúchas, “atirar ovos, levantar o relho, levantar o rebenque para mostrar o Rio Grande, para mostrar onde estão os gaúchos”. Como em todo discurso identitário, toma-se uma parte pelo todo: o fazendeiro espancador, o atirador de ovos, aqueles que fizeram levantamento de rebenque (talvez uma modalidade olímpica no futuro) são os gaúchos, representam todos eles. Aqueles milhares de vermelhinhos que foram ver Lula por onde ele passou, não são gaúchos, quedam alijados da identidade regional. Gaúchos machos devem ser os que usaram soco inglês para agredirem uma mulher grávida, em Cruz Alta, pois, afinal, todo macho é misógino e odeia mulheres. Mas a senadora parece não ter a menor identidade com o seu gênero, ela sabe de que lado estão os verdadeiros gaúchos: eles são machos, latifundiários, reacionários e seguram o cabo do relho e do rebenque, mesmo que urbanamente usem saia e frequentem o Parlamento nacional. Gaúchos machos devem ser o promotor que impediu que o reitor da Unipampa, uma universidade criada por Lula, pudesse receber o ex-presidente, e o próprio reitor que se escondeu para não recebê-lo, dois machaços. Como eles poderiam se identificar com a presidente deposta pelo golpe, uma gaúcha por adoção, uma mulher forte, digna, honesta, mas que se negava a ficar do lado dos verdadeiros gaúchos, aqueles que empunham a macaca pedagógica. O ódio a Lula repercute o enorme preconceito regional, de parte das elites e da população dos estados do Sul do Brasil, contra os nordestinos e o restante dos brasileiros como um todo. É preciso notar que Lula percorreu os estados do Nordeste e do Sudeste sem ter encontrado essas manifestações organizadas de hostilidade e de violência. Foi no sul que estivemos à beira de uma tragédia, com os ônibus da caravana tendo sido emboscados e alvejados por tiros, após grupos extremistas usarem a internet para prepararem o ataque. O separatismo de setores das sociedades desses estados, embora minoritário, seu desprezo e ressentimento pelo Brasil e pelos moradores de outras áreas do país, notadamente pelos nordestinos, de quem Lula é um representante simbólico, explica parte da violência e do ódio que assistimos. Tendo sido colonizados por imigrantes europeus, que aqui chegaram fugindo da miséria e da guerra, nesses estados foi cultivado mitos compensatórios para essa desterritorialização forçada, como a pretensa superioridade racial e cultural, como a pretensa superioridade quando se trata de disposição para o trabalho e, inclusive, o mito de que são mais conscientes politicamente, embora estados como Santa Catarina e Paraná estejam politicamente, há décadas, nas mãos de oligarquias inéptas e corruptas, que embora não sejam consideradas compostas por coronéis, como se costumam chamar as oligarquias nordestinas, para deixar claro o seu atraso, são responsáveis pelo declínio relativo da importância do sul na economia nacional e pela miséria e atraso de dadas áreas de estados como o Rio Grande do Sul, atraso e declínio que são demagogicamente atribuídos ao fato de que o governo federal roubaria o sul e transferiria o fruto de seu trabalho para os “vagabundos e preguiçosos do Nordeste”, do bolsa família, para eles votarem no PT. A falência de um estado como o Rio Grande do Sul, da qual políticos como a senadora Ana Amélia é responsável, é atribuída à transferência de recursos e empresas para fora da região, que teriam sido estimuladas pelos governos do PT.
Se o fascismo grita nas ruas e desvãos do sul do país (ele está presente no país como um todo) temos que lembrar que aí imigrantes italianos e alemães simpatizaram com o nazi-fascismo e grupos neonazistas têm militância permanente e pública, sem que nada seja feito a respeito. Os imigrantes de várias nacionalidades tenderam a se agrupar em organizações comunitárias que construíam suas identidades enquanto grupos reivindicando uma ancestralidade europeia, uma ancestralidade branca, não brasileira, não mestiça, não indígena, não negra. O orgulho racial somado ao isolamento comunitário é um caldo de cultura para a formação de subjetividades reativas ao diferente, para a formação de uma visão de mundo hierárquica, em que outro é colocado em posição de subalternidade. A desqualificação do outro, seu não reconhecimento, passa a ser um perigoso princípio identitário. Quem levanta uma chibata para bater num outro, não o reconhece como igual, como semelhante, como humanamente tendo o direito de existir. A chibata animaliza, rebaixa à condição de animal (já que os humanos ainda se acham no direito de espancar os animais por eles serem pretensamente inferiores). Assim como os nazistas rebaixavam os judeus à condição de ratos, cães, pulgas, porcos para justificarem seus atos, nos emails que prepararam o ataque assassino a caravana de Lula e que comemoravam, depois do ocorrido, que com isso foram parar no Jornal Nacional (deixando claro outra fonte de nosso fascismo, já que com ele o fascismo se identifica), o ex-presidente é reduzido a um saco de bosta que seria explodido com uma bomba em seu avião. O fascismo é justamente essa rejeição passional e reativa à existência do outro na sua diferença. Outro presidenciável, Jair Bolsonaro, em mais um gesto que revela o seu estatuto político e moral, foi a cidade vizinha a Curitiba, onde Lula finalizava sua caravana com uma gigantesca manifestação contra o fascismo (deixando claro que milhares de pessoas no sul não concordam em serem representados pelo relho “não violento” da senadora da lambada), fazia no palanque um gesto indicando que se devia atirar na cabeça do ex-presidente. Essa é a plataforma de Bolsonaro, o extermínio daquele com quem ele não concorda. Afinal, além da chibata, a tocaia, a emboscada, sempre foram tecnologias muito utilizadas por nossas elites, rurais e urbanas, para resolver de forma “não violenta”, de forma “republicana e democrática” os conflitos, notadamente com os trabalhadores negros e pobres. Marielle Franco e seu motorista foram vítimas dessa sofisticada tecnologia de extermínio do diferente, do opositor, daquele que denuncia os desmandos, a exploração, a ganância, a corrupção, a violência, a prepotência dos poderosos desse país, em todas as áreas. A tocaia talvez seja uma evolução da tecnologia da chibata, por ser mais letal e resolver de forma definitiva um problema. Normalmente bastava o poderoso chegar para seu braço armado e dizer: “é preciso tomar providências em relação a fulano”. “Pois não coronel, não se preocupe”. Hoje esse diálogo foi modernizado, ele se dá nas redes sociais: “ Vá numa loja de arma, compre uma puma 38 ou 44, é mais fácil do que vc imagina”. Emoticon com uma carinha piscando, matreira. “Aí é só se posicionar do outro lado do rio e mandar uma bala certeira”. Retorno do recalcado, imagens sobreviventes.
O governador do estado mais rico do país, representante da nossa indústria mais moderna, saído da burguesia que teria levado o país para a modernidade, o centro da inteligência nacional, o estado com os eleitores mais politizados do país, livres de coronéis, governados por gente que domina a “gestão”, território à parte no domínio populista, bolivariano, esquerdista do PT, território do tucanistão, não podia deixar de se associar à política entendida como uso do relho e da bala. Se a política implica sempre uma dada violência, a violência simbólica, verbal, da troca de ideias, da crítica, ela existe desde os gregos para evitar a violência direta, sanguinolenta, carnal. A democracia surgiu para que as diferenças entre os homens pudessem coexistir, pudessem ser negociadas, pudessem ser objeto de discussão e deliberação. O governador Geraldo Alckmin, outro presidenciável, disse uma frase muito sábia: “Lula colheu o que plantou”. Ou seja, nosso governador confunde disputa verbal, política, de ideias, embates eleitorais, críticas e dissensões políticas com chicote e bala. Que me conste nem Lula, nem o PT, jamais usou o chicote ou a bala para atacar nenhum adversário. O que Lula plantou foram 14 novas universidades federais, mais de 240 novos institutos federais de educação, mais de 20 milhões de empregos, milhares de casas populares, a redução da miséria para milhares de brasileiros, milhares de cisternas, centenas de UPAS, farmácias populares, UBS, permitindo que milhares de brasileiros negros tivessem acesso ao ensino superior. É por causa disso que ele e seus partidários merecem ser tratados no chicote e na bala? Nem mesmo se ele tivesse cometido os crimes que lhe imputam era para receber esse tratamento. O processo civilizatório criou o direito e a justiça para se evitar que as pessoas resolvam suas diferenças usando a violência. O PT dividiu o país por defender um projeto político distinto daquele que nossas elites e parcelas da classe média estão dispostos a aceitar, mas isso se resolve nas urnas e não na bala e na lambada.
É significativo que a senadora do uso “não violento” do relho tenha sido jornalista e tenha trabalhado na RBS, afiliada da Rede Globo. Talvez nenhuma instituição tenha feito mais para a instalação desse clima de caça às bruxas que vivemos. Nem mesmo o Judiciário, onde a Corte Suprema do país está à beira do uso da chibata e do clavinote, onde as punhaladas pelas costas têm sido o pão de cada dia, tenha feito tanto quanto a mídia para que a besta fascista esteja mostrando os seus dentes sedentos de sangue, como a intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro mostra claramente. Sangue nos dentes vindo de um governo vampiresco não é de espantar. Nem mesmo a república de Curitiba, com o tacão das conduções coercitivas e das prisões preventivas indefinidas, fez mais para instalar o desejo de morte coletivo, desejo que caracteriza o fascismo, do que o jornalismo de guerra praticado pelos principais meios de comunicação do país. O destilamento diário de ressentimento, inveja, preconceito, má consciência, ódio, desrespeito ao próximo, aos direitos humanos, somados à mentira, à armação, à calúnia, à fabricação de versões parciais e desonestas, produziram essas subjetividades intolerantes, violentas, agressivas, assassinas. No Jornal Nacional todo dia passou a ser dia de Rei do Gado. Todas as estatísticas mostram, nunca se bateu tanto num partido, numa pessoa como a de Lula. Lula leva anos a ser chicoteado em praça pública todas as noites. Seu poder de resistência e resiliência desorienta os senhores da casa-grande platinada. Quando torceram que o câncer o matasse, quando se regozijaram com a morte de Dona Marisa, ficou claro que para essa gente vê-lo morto é um desejo indisfarçável. A Rede Globo, seus jornalistas, suas afiliadas, os órgãos da grande mídia são eles que empunham o cabo do relho que desceu violento sobre o lombo dos petistas e simpatizantes no Rio Grande do Sul. Todos os dias os programas policiais descem o relho no pobre, no preto, no bandido, no marginal, no meliante, no da favela. Eles não são humanos, são bestas que merecem ser violentadas. Direitos, que direitos podem ter ? Aprendemos todos os dias, com esses programas fascistas, como as velhas lições e imagens do passado já nos mostravam, que para quem não concorda comigo o que se deve ter é peia, pau nos bostas que vivem, pensam, desejam diferente da gente, tal como dizia um post na internet. Assim se afundará a República e a democracia, mas os donos dos relhos e das chibatas terão seus privilégios garantidos. Quem segura no cabo do chicote pouco está se importando com a dor de quem está levando sua folha e sua ponta no lombo. O golpe foi dado para que o relho continue a vibrar sobre as contas dos trabalhadores, dos negros, das mulheres, dos pobres, dos marginalizados, do diferentes. O relho senhorial sobrevive, a chibata do senhor de escravo ainda ressoa entre nós, as carnes laceradas dos negros de ontem continuam sendo as carnes mais baratas no mercado hoje, sujeitas à lambadas e a serem varadas de balas quando resistem, quando se rebelam, quando se revoltam, quando apelam até para o crime para ver se são vistas e têm existência.

Durval Muniz é historiador e professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

(Publicado originalmente no site Saiba Mais, Agência de Reportagem, aqui reproduzido com autorização do autor)

sábado, 7 de abril de 2018

PTfobia e Lulofobia


Em sua ciência antropológica, Lévi-Strauss faz uso de duas palavras que definem como nos organizamos na cultura: antropofagia e antropoemia. A primeira indica que simbolicamente aceitamos, assimilamos e “ingerimos” o estranho. A diferença é reconhecida e pode, inclusive, modificar aquilo que havia antes. Antropofagia é devoração do Outro. Uma prova disso, em Natal, foi a presença dos americanos na Segunda Guerra Mundial que nos legou a identificação de algumas avenidas e ruas por números. Ou, ainda, quando identificamos hábitos portugueses, africanos e árabes em nossa culinária, ritos e linguagens. Dizem que o nosso aboio nordestino tem influência da sonoridade árabe e do canto de libertação dos escravos africanos. Na antropoemia, ao contrário, não assimilamos e não aceitamos as diferenças. Ao invés da devoração para a assimilação, “vomitamos” e repelimos aquilo que é da ordem do diferente ou do novo. Noutros termos, temos que expulsá-lo do nosso território, pois representa perigo e repulsa. Ou como definiu Mary Douglas, “Pureza e Perigo”. Do lado da pureza, os limpos. Do lado do perigo, os sujos.
Olhando para a realidade política brasileira atual, percebemos este paradoxo civilizatório. De um lado, o discurso do ódio e da violência simbólica e física. Do outro, a tentativa de garantia do estado de direito e da garantia da vida como uma valor ético universal. Neste ringue civilizatório, estão forças políticas reacionárias como, por exemplo, Bolsonaro e Flávio Rocha. Ambos fazendo do discurso da moral e dos chamados bons costumes, pressupostos da política. Isso materializa-se em teses como aquelas da defesa da Escola sem partido ( eliminação da crítica), contra cotas nas Universidades, contra a máxima feminista “meu corpo, minhas regras” e, por extensão, contrários à descriminalização do aborto, das drogas e da união civil homoafetiva. São os paladinos da pureza. Os antropoêmicos. Aqueles que desejam eliminar qualquer “sujeira” da ordem social. O holocausto dos judeus é, sem dúvida, a maior consequência histórica desta visão política e cultural. Das ideias de raça superior (ariana) e inferior (judeus), herdamos a barbárie das prisões e mortes de milhões de pessoas em campos de concentração e câmaras de gás. A antropoemia nazista! A ditadura militar brasileira, que matou e expulsou vários dissidentes porque eram considerados “sujeiras”, também, servem de exemplo. A atuação da organização ALT-RIGHT( Direita Alternativa) dos EUA em defesa de propostas nacionalistas, racistas, tradicionalistas e no apoio radical a Donald Trump é um outro exemplo
Dou outro lado do ringue, estão aqueles que querem a assimilação e convivência dos contrários. E por isso, muitas vezes, são tratados como ameaças à ordem e à moral dos bons costumes. São as Marielles e Lulas que teimam em desafinar coros de contentes quando defendem os estranhos repelidos e vomitados pela elite: os pobres. Uma elite que de bolsas, só conhecem aquelas da Louis Vuitton. Uma elite que tem ojeriza aos que recebem bolsa-família, aos sem-terra, aos que borram as fronteiras da heteronormatividade. Neste ano de eleições, assistiremos com preocupações a esta briga incivilizada. A morte de Marielle, as milícias armadas contra o ex-presidente Lula em sua Caravana por cidades do Sul, são provas desta deia de pureza e ódio de classe. Ônibus foram alvejados por tiros, pedras e ovos e, pasmem, não vimos nenhum Dallagnol, Moro ou a mídia brasileira repelirem. O silêncio demonstra de que lado estão. Do lado dos antropoêmicos, que agem a todo o momento como caçadores de lulistas e petistas. Justiceiros da “limpeza” com venenos de ódio nas mãos e nos discursos, desejam eliminar a “praga” perigosa. Inauguram a prática da PTfobia e da Lulofobia. Exemplo disso foi o resultado da votação do habeas corpus de Lula pelo STF. Os comportamentos da ministra Rosa Weber (disse que era inconstitucional a prisão em segunda instância, mas…) e da presidenta do Supremo, ministra Cármen Lúcia, ao se negar pautar o tema, são provas cabais da PTfobia e Lulofobia. Fizeram política com a desfaçatez de supostos argumentos racionais. Não teriam tido os mesmos comportamentos perante políticos do PSDB, do DEM e do MDB. O tratamento fóbico é notório também nos Tribunais Brasil afora. O grau da lente da justiça é sempre aumentado quando se trata de julgar os petistas. As dos outros, quase sempre, é cega ou míope.
Uma nação democrática e moderna é aquela que convive com as diferenças e constrói instrumentos formais e culturais que garantam o princípio da igualdade. O outro, como aquele que habita meu território social e simbólico e, por isso mesmo, devemos ser tolerantes. Devemos nos “outrar” e percebê-lo como condição para si mesmo. O embate se faz entre aqueles que aceitam democraticamente o dissenso e aqueles que lutam pela sua eliminação. Para alcançarmos níveis de tolerância civilizatório, faz-necessário acabarmos com a dicotomia entre antropofágicos e antropoêmicas.
(Publicado originalmente no site Saiba Mais, Agência de Reportagem)


Michel Zaidan Filho: Tradição oligárquica e mudança em Pernambuco


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Michel Zaidan Filho
Uma visão panorâmica de Pernambuco no início do século 20 nos levaria a considerar o peso da herança socioeconômica da indústria sucroalcooleira na vida do Estado. A economia dos engenhos e usinas resultou de uma simbiose entre o velho e novo: nos canaviais, ao lado do trabalho assalariado, sobreviviam inúmeras relações de trabalhos remanescentes do cativeiro negro ou a ele associadas. O tom geral que caracteriza a atividade agrícola na Zona da Mata, Agreste e Sertão é determinado pelo velho, pelo anacronismo das relações sociais, transpostas para as cidades, através da influencia política e econômica dos `coronéis, ‘ dos usineiros e dos altos comerciantes. Da mesma forma, aquelas relações delimitam o espaço político das cidades sempre no sentido da exclusão do povo.
Recife, capital do Estado de Pernambuco, se apresenta como um centro natural de atração para todos aqueles que, no Nordeste, querem se aperfeiçoar nos estudos, para os exilados políticos regionais ou para quem busca simplesmente melhores oportunidades econômicas ou sociais. O velho porto comercial e financeiro da região, a exemplo de outras metrópoles, sobrevive principalmente como escoadouro de toda a produção agrícola exportável (café, açúcar, algodão, mamona, etc)do Estado e de zonas agrícolas adjacentes. Suas indústrias são escassas, desconcentradas e caracterizadas por formas artesanais de produção (resumem-se a umas poucas fabricas de tecidos e cigarros, alem, é obvio, de duas usinas de açúcar), e uma parte substancial de seu proletariado urbano está nos serviços portuário e ferroviário, bem como nos transportes urbanos – os ferrocarris. De sua parte, não é desprezível o contingente de funcionários públicos, sobretudo os médios e baixos. Há, também uma grande quantidade de profissionais liberais. O comercio recifense acha-se, em grande parte, nas mãos de ingleses, portugueses, alemães americanos e outros estrangeiros. Só o pequeno comercio encontra-se, de fato, sob o controle de grupos nacionais.
Pernambuco ainda não entrou no século 20 comunga o sonho modernista de um Estado habitado por uma população bela, forte e saudável, seguindo os padrões higienistas e sociais da `Belle Époque’ europeia. Mas tem que conviver a todo instante com bondes de burro, iluminação a gás, falta de saneamento, epidemias, óbitos e muita sujeira nas ruas. A reforma urbana e sanitária de Otavio de Freitas e Saturnino Braga será obra da década seguinte, bem como a reforma do porto do Recife. O torpor oitocentista do Estado só será com a campanha sucessória estadual de 1911, com a chegada do general Dantas Barreto.
É quando o sono dos conselheiros do império será interrompido pelo alarido das massas urbanas, aproximando a praça do palácio e fazendo do Carnaval o estribilho da revolução. Esse episódio – conhecido como `salvação’ – foi a porta de entrada de Pernambuco na modernidade, acabando o longo reinado da oligarquia do conselheiro Rosa e Silva e trazendo o povo para o proscênio da política. Depois dele, Pernambuco não seria mais um condomínio de velhos oligarcas. O sonho republicano de Martins Júnior voltaria a se corporificar. Como a França, também tivemos a queda da bastilha e o nosso 1789… O povo não sairia tão cedo das ruas.
II
A derrota da oligarquia chefiada pelo conselheiro Rosa e Silva, em 1911, não foi definitiva. E os interesses remanescentes do império só esperavam uma oportunidade para se estabelecerem na cena política do Estado. Essa oportunidade foi criada com a luta entre Dantas Barreto e o futuro governador Manuel Borba, seu aliado de véspera. Borba vai se compor com os correligionários de Rosa e Silva, resultando dessa aliança outro divorcio entre a praça e o palácio.
A década de 10 em Pernambuco será palco de imensa agitação política e social. 1914 é a data chave para se entender a criação da federação operaria do nosso Estado. Obra de um incansável militante social pernambucano, o estivador José Elias, enviado especial do 2 o Congresso Operário Brasileiro para a reorganização da classe trabalhadora da região. Importante também será o eco da Revolução Russa em nosso Estado e particularmente sua influencia sobre as `sociedades de resistência’ dos trabalhadores urbanos (estivadores, ferroviários, portuários, condutores de bondes etc). Associada ao eco da revolução Russa, terá, no interior do Estado, uma grave ocorrência política conhecida pelo nome da ‘hecatombe de Garanhuns’: uma violenta briga entre famílias que acaba num banho de sangue, mas que assinala a longa e dolorosa transição do patriciado rural da região para um novo patriciado urbano, ligado ao núcleo agroexportador da economia de Pernambuco.
Contudo, o acontecimento de maior repercussão do Estado e mesmo além de suas fronteiras é a greve dos operários da Pernambuco Tramway. Essa grandiosa paralisação, que se iniciou como uma mera disputa corporativa entre a empresa e seus funcionários, terminou assumindo uma dimensão regional, graças à habilidade de um assessor jurídico da federação operaria, e imobilizou a economia do Estado durante vários dias.
Mas uma vez, os trabalhadores urbanos de Pernambuco eram chamados a participar da `grande política’, através de uma estratégia de remotas raízes na política de nosso Estado: a fusao dos interesses corporativos como uma questão nacional. O resultado dessa inteligente política foi o apoio generalizado ao movimento dos operários contra a avidez de um truste internacional.
Essa experiência de mobilização policlassista, na esteira de revoluções passadas, como a Praieira e o Movimento Salvacionista, abririam definitivamente as portas da política de Pernambuco para a participação popular, nem sempre – como veremos – em beneficio do povo.
III.
As mobilizações policlassistas que marcaram a historia política e sociais de Pernambuco voltaram a ocorrer durante os anos 20, uma época de muitas agitações e transformações importantes: o Tenentismo, a fundação do PCB, o Movimento Regionalista, as reformas do governador Sergio Loreto. Alias, há quem diga que o fim da `Republica Velha’ tenha começado em Pernambuco, tal o estado de ebulição social, política e cultural aqui existente na década de 20.
Nesse sentido, a década se inicia com duas grandes mobilizações populares, capitaneadas pelo professor Joaquim Pimenta. Uma contra o chamado `orçamento monstro’ – nome atribuído ao abusivo aumento de impostos decretado pelo então governador José Rufino Bezerra, em 1921, que uniu industriais, comerciantes, donas de casa, operário e o povo em geral. A outra, contra a ameaça de intervenção federal do Estado, ordenada pelo presidente da Republica, o paraibano Epitácio Pessoa. Em ambos os casos, os trabalhadores urbanos, os funcionários públicos e a população foram arregimentados pelo Dr. Pimenta para lutar por questões apresentadas como de `interesse geral’ da sociedade.
O desfecho dessas agitações será a indicação do juiz Sergio Loreto para o Governo do Estado, pacificando a disputa entre borbistas e dantistas. A assunção de Loreto assinala i inicio de uma gestão modernizadora em Pernambuco, com a reforma do Porto do Recife, a abertura de grandes avenidas, a criação do Departamento de Assistência e Saúde (sob a direção do medico Amaury de Medeiros), a reforma da Escola Normal… O perfil modernizador de Loreto se associava intimamente a um ranço autoritário e conservador, sobretudo no que diz respeito `as manifestações sindicais e operarias, a exemplo do que ocorreu com a ultima grande greve deste período (a dos ferroviários da Tramways), com a prisão e o exílio de lideranças políticas e sindicais.
Mas os anos 20 foram, o marco de fundação de importantes iniciativas político-culturais: a criação do Centro de Estudos Sociais, embrião da seção local do Partido Comunista; a instalação do Centro Regionalista, em 1924; a coluna do intrépido tenente Cleto Campelo, que deveria se unir `a coluna Prestes no Sertão pernambucano; as co conspirações da Rua Velha; a criação do Diário da Manhã do futuro interventor Carlos de Lima Cavalcanti e, finalmente, a realização do congresso Regionalista.
Os agitados anos 20 haveriam de ser uma época seminal em muitos sentidos politicamente, com a crise das velhas oligarquias e a radicalização ideológica que então se anunciava; administrativamente, com as profundas reformas urbanas, sanitárias e econômicas; com a criação e difusão da `regionalismo nordestino’. O alcance e abrangência dessa produção discursiva – `a brasilidade nordestina’ – dos anos 20 só se explicitará anos mais tarde, com a sobrevida simbólico-cultural da saga de uma oligarquia, deslocada do poder pelos correligionários de 30.
O sonho de modernidade alimentado pelo imaginário social da primeira década do século 20 iria se concretizar, ao seu modo, na década de trinta. Anos de profundas instabilidades política e grande radicalização ideológica (a luta entre fascismo e comunismo), a década se anuncia em Pernambuco – como em todo o Brasil – como um período de ruptura com o passado neocolonial do país.Ruptura, contudo, conduzida pela elites através do que passou a ser conhecido como `a via prussiana’do desenvolvimento capitalista, ou seja, através de uma conciliação entre o velho e o novo . Daí, a fachada de `pardieiro político’ com que se revestirão as grandes transformações políticas do Brasil.
Dessa forma, quem representará em Pernambuco a legenda da Aliança Liberal será nada menos do que a figura de um tradicional usineiro: Carlos de Lima Cavalcanti, proprietário do jornal Diário da Manhã e antigo aliado de Estácio Coimbra, o Governador de posto pela Revolução de 30 em nosso Estado.
Com a vitória do movimento de 30, Carlos de Lima Cavalcante é nomeado o primeiro interventor federal do Estado. A interventoria, que se estende até o golpe de 1937, será caracterizada por um misto de inovação administrativa e repressão política aos movimentos sociais. O contraponto da ação administrativa de Carlos de Lima será a recorrente instabilidade política do período. AS organizações trabalhistas se dividirão. De um lado, a Federação das Classes Trabalhadoras de Pernambuco colaborará com o Governo; de outro, a União Proletária de Pernambuco a atacará. Os militantes do PC seriam, por sua vez, detidos inúmeras vezes sob a acusação de agitadores sociais e teriam seus mandatos eletivos `degolados’ pela justiça eleitoral.
Outros eventos que merecem destaque nesse período são a chapa da esquerda `Trabalhador, Ocupa teu Posto’, que concorreu às eleições de 34; a revolta do 21 BC contra a interventoria (também conhecida como `a revolta de Pedro Calado’);o Congresso Afro-Brasileiro realizado sob a inspiração de Gilberto Freyre; a Constituinte de 1934, com a eleição de Carlos de Lima Cavalcanti para o Governo do Estado; à realização do Congresso Eucarístico no Parque 13 de maio;a leitura do Manifesto Integralista no Recife e, certamente, o levante da Aliança Nacional Libertadora, onde se destacaria a bravura e o patriotismo do então Sargento Gregório Bezerra.
Mas o ambiente de intensa radicalização política e ideologicamente existem no País e as indefinições políticas no mundo seriam responsáveis pelo Golpe de Estado de 1937 e a subsequente instalação de um regime ditatorial no Brasil, conhecido pelo nome de Estado Novo. Em Pernambuco, a nova situação política será representada pela figura de Agamenon Magalhães, chamado até pelos amigos de `china gordo’, não só em função de seu aspecto físico, mas, sobretudo pelas características de sua ação administrativa.
IV
Os agitados anos trinta foram na verdade, a preparação para o advento de uma experiência de Governo no Brasil, e particularmente em Pernambuco, que iria transformar profundamente a sociedade brasileira. Manobrando ora com a direita (o integralismo), ora com a esquerda (a ANL), Getulio Vargas criaria a oportunidade tão esperada para dar o golpe de Estado, de novembro de 1937, e instalar o chamado Estado Novo, um regime altamente centralizado, autoritário e intervencionista.
Nos estados não seria diferente. Uma vez rasgada a constituição (e a ordem jurídica) pactuada em 1934, sobreviria uma onda de intervenções estaduais e municipais patrocinada pelo ditador. Em Pernambuco, o Governo constitucionalmente eleito de Carlos de Lima Cavalcanti começara a perder prestigio depois do levante da Aliança Libertadora Nacional, em 1935. e terminaria por ser deposto por Vargas, após um período de intensas intrigas fomentadas por Agamenon Magalhães, o escolhido pelo ditador para trazer “a emoção do Estado Novo” para Pernambuco.
Analisar o que foi essa experiência de Governo entre nós é reconhecer o laboratório político-ideológico e social que se tornou o nosso Estado no âmbito mais geral do regime varguista: não só pelas características biográficas do interventor, mas, sobretudo pelas características de sua ação administrativa e os resultados de sua gestão.
Agamenon Magalhães era um sertanejo que havia sido seminarista e recebido uma grande influencia da doutrina social-católica (de Leão XIII). Na crise do pensamento liberal do século passado, ainda mais exacerbada pelo conflito entre Nazismo e Comunismo, o social-catolicismo aparecia como uma variante do credo antiliberal, preocupado em assistir os trabalhadores (para evitar a influencia do comunismo), através do reforço da família, da propriedade, da ética do trabalho, do respeito à hierarquia e, sobretudo, à tradição. Dessa forma, o que vamos assistir com `a emoção do Estado Novo’ em Pernambuco é à montagem de um regime fortemente centralizado na pessoa do interventor, apoiado num ideário tradicionalista e interveniente nos mínimos detalhes da vida social (inclusive no lazer).
A obra administrativa de Magalhães pode ser dividida, primeiro, pela busca desenfreada do `consenso máximo’ na sociedade pernambucana, a partir de uma falsa imagem de paz e harmonia social no Estado. Objetivo perseguido através de uma feroz repressão aos adversários, críticos, comunistas, prostitutas, afro-brasileiros, vadios e homossexuais, bem como da criação do Departamento de Imprensa e Propaganda.
Esses foram os instrumentos utilizados por Agamenon, além de seu jornal diário, a Folha da Manhã, para a produção do `consenso máximo’ em Pernambuco. É preciso acrescentar que o anticomunismo foi utilizado como matéria-prima de primeira classe para induzir a opinião publica a aceitar as idéias do interventor, a pretexto de se desenvolver o sentimento de brasilidade entre os pernambucanos.
Outro aspecto dessa obra que merece atenção é a criação dos Centros Educativos Operários, cujo fim era “educar, regenerar, civilizar e integrar” os trabalhadores no seio da sociedade. A meta principal era fazer um trabalho de saneamento e profilaxia social, afastando os operários da doutrina marxista da luta de classes.
Mais um ponto a ser ressaltado foi a campanha contra os mocambos, que assumiu um caráter ressocializador, na medida em que vinculava estreitamente habitação, saúde, integridade física e moral da família, trabalho e cidadania. A campanha de erradicação do mocambo foi objeto de intensas e apaixonadas controvérsias entre sociólogos, antropólogos, engenheiros, sanitaristas e urbanistas. Na verdade, ela escondia uma intenção civilizatória com a qual muitos não concordavam, como Gilberto Freyre, Mario Sette, Manuel Bandeira e outros.
A conjunção entre modernidade e autoritarismo, revestida das cores locais do mandonismo sertanejo, foi essencial ao projeto reformador das elites brasileiras nesse período, em consonância, aliás, com as utopias sociais surgidas da crise do liberalismo. A cara feia que ela tomou entre nós não invalida as transformações por ela produzidas.
Quando se tornou evidente, depois da entrada do Brasil na guerra, que o regime iria mudar, o interventor deixou o cargo, para ocupar o Ministério da Justiça e preparar a transição política. Mas antes deixou uma herança importante: a potente maquina partidária do PSD, responsável pela reprodução de `agamenonismo’ em Pernambuco ate pelo menos a derrota eleitoral de 1958.
V
O Fim do Estado Novo em Pernambuco, prenunciado com a saída de Agamenon Magalhães para o Ministério da Justiça, não significou o fim do `agamenonismo’ na vida política do Estado. O `china gordo’ – como ironicamente o apelidara o poeta Manuel Bandeira – legou a seu sucessor, o bacharel Etelvino Lins, a importante tarefa de estruturar, em nível estadual, a potente maquina partidária do Partido Social Democrata (PSD), apoiada numa extensa rede de coronéis do Agreste e do Sertão, que garantiria dali para frente a vitória de todos os candidatos ao Governo do Estado indicados pelo ex-interventor ou seu partido.
Dessa maneira, ainda que tivesse de administrar a crise do regime em Pernambuco, e particularmente as tendências oposicionistas do Recife e adjacências, o PSD conseguiria eleger Barbosa Lima Sobrinho, em 47; Agamenon, em 51; Etelvino Lins, em 53, e o marechal Cordeiro Farias, em 55 – só perdendo as eleições na capital, onde seus candidatos sempre obtiveram menos votos do que os partidos de oposição (PCB,PTB,PSB,PST,etc).
A grande disputa ideológica desses anos, em Pernambuco, seria entre a visão conservadora, agrarista e ruralista do PSD – que, apesar do nome, era identificado com as oligarquias interioranas – e o pensamento nacional-desenvolvimentista definido por uma frente de partidos que congregava industriais, classes media, militares nacionalistas, comunistas, socialistas, católicos progressistas, trabalhadores, camponeses e estudantes. Essa disputa ocorre no bojo do segundo Governo de Vargas e de seus sucessores, imersos na crise do nacionalismo populista da segunda metade dos anos 50.
Como se recorda, o nacional desenvolvimentismo se assentava num pacto político de classes muito diferentes. Quando a ação do governo – ameaçado por pressões externas e por grupos conservadores no Brasil – pendeu para a esquerda, tornou-se difícil a sua manutenção. Dessa forma, assistiríamos em Pernambuco a um afastamento progressivo do PSD da agenda desenvolvimentista.
Os anos 50 viram o nascimento de importantes iniciativas políticas, que brotaram graças ao clima de agitação desenvolvimentista da época, a exemplo do Congresso de Salvação do Nordeste, em 1954, que daria origem ao GTDN e depois à Sudene em 1958, pelas mãos do economista Celso Furtado – um importante instrumento do planejamento regional destinado a combater as desigualdades sociais, através de incentivos fiscais para a industrialização e do apoio à introdução de processos regionais do uso e cultivo da terra, bem como pela liberação de lotes para a reforma agrária.
Outro evento notável foi a organização do movimento camponês e dos trabalhadores agrícolas, dando origem à formação das ligas e sindicatos rurais. Contudo, mais importante foi a coalização política reformista que foi se formando em reação ao longo domínio do PSB em Pernambuco, para dar à luz o movimento chamado `Frente do Recife’, a partir das primeiras vitórias da oposição nas eleições para Prefeitura da capital do Estado.
O Congresso de Salvação do Nordeste propiciara uma aproximação do Partido Comunista com ala nacionalista de PTB. A corrente desse partido, juntamente com os comunistas e socialistas, formaria o núcleo ideológico da `Frente’, dando-lhe a necessária consistência eleitoral para desbancar o `pessedismo’. O primeiro grande resultado dessa articulação política foi a vitória do engenheiro e professor Pelópidas Silveira para a Prefeitura do Recife, em janeiro de 1955. Estava lançada, assim, a semente para a derrota eleitoral e política da maquina `pessedista’, criada por Agamenon no Estado.
Dessa maneira, nas eleições de 1958 para o Governo do Estadual, o embrião da experiência eleitoral de 55 deu forma a uma grande coalizão política, constituída pela UND, PCB, PSB, e PTB, reunindo industriais, sindicalistas, comunistas e socialistas, num acordo desenvolvimentista para o Estado. A chapa composta pelo industrial e usineiro Cid Sampaio e Pelópidas Silveira derrotou fragorosamente o candidato `pessedista’ e também usineiro João Cleofas de Oliveira, numa das mais memoráveis campanhas políticas de Pernambuco (talvez só comparável à derrota do Conselheiro Rosa e Silva no começo do século). A partir de então, iniciava-se um novo período de radicalização política no Estado, que vai dar no golpe militar de 1964.
VI
A derrota eleitoral do PSD, em 1958, para legenda das Oposições Unidas, foi o inicio da desagregação do quadro partidário em Pernambuco e de uma progressiva desinstitucionalização da política no Estado. Com o fim do longo domínio da maquina pessedista sobre a política estadual, nenhum partido deteria mais, sozinho, a hegemonia do sistema partidário. Daí as constantes modificações do jogo político no Estado, produzindo alianças conjunturais onde os aliados de ontem seriam os adversários de hoje, e assim por diante.
As alianças entre usineiros industriais, trabalhadores, camponeses, classes médias urbanas e a esquerda – representada pela Frente do Recife – estava fadada a ter uma breve existência no contexto da instabilidade política nacional e das próprias contradições do nacional desenvolvimentismo. Nesse sentido, a crise da aliança se inicia com o alinhamento de Cid Sampaio à candidatura de Jânio Quadros à Presidência da Republica, em 1961, recompondo-se com a direção nacional da UDN. Mas aprofundou-se com a repressão movida pelo Governo do Estado ao movimento camponês e com o esvaziamento paulatino da SUDENE enquanto órgão de planejamento e intervenção regional. Pressionado pelas ‘classes conservadoras’ ora pelos aliados da esquerda e movimento popular – que cobravam coerência do governador em relação aos compromissos de campanha – Cid rompe finalmente com seus aliados, em 1962 reaproximando-se do PSD e das velhas oligarquias do Estado.
O rompimento da Frente do Recife deu inicio a um processo de radicalização política sem paralelo na vida do Estado. Radicalização produzida pelas ambiguidades e hesitações da própria republica populista desses anos. A renuncia de Jânio jogara o País numa profunda instabilidade política (aliás, ocasionada pelo frágil sistema partidário brasileiro de então). João Goulart, o vice-presidente, assume o poder sobre tutela do Congresso, em razão da emenda parlamentarista votada em 1963. Jango procura mover-se entre dois focos: de um lado, uma frente conservadora – alimentado pelo imperialismo americano através do IBAD – de outro, a frente nacionalista democrática apoiada pelos partidos de esquerda e movimento sindical a UNF e outros. O presidente hesita em tomar mediadas radicais e definidas, para evitar um golpe de direita. É esse ambiente em que as forças progressista vão se reaglutinar no estado para eleger Miguel Arraes de Alencar governador de Pernambuco, em 1963, ao lado do político pessedista Paulo Guerra.
A coligação política que elegeu Miguel Arraes assinala o fim de um ciclo, não o seu inicio. Ela só foi possível em função da desagregação do sistema partidário estadual e da perda de unidade nos hostes pessedista e pela progressiva desinstitucionalização da política representada pelo pujante movimento dos trabalhadores rurais, dando origem a vários congressos, encontros e organizações. A emergência desse ato político na vida do País desequilibra o precário arranjo da republica populista, que vigorou de 1945 a 1964, quando a coligação dos partidos de esquerda, católicos progressistas, sindicalistas e independentes se uniu ao movimento camponês e passou a contemplar suas reivindicações, estava dada a largada para conspirações civis e militares que derrubariam o Presidente da Republica e Governador de Pernambuco.
A saga do `Governo popular’ começou a ser criada com eleição de Pelópidas Silveira para prefeitura do Recife, em 1954 foi reforçada pela vitória de Arraes para o Governo municipal, em 1958, quando o ex-governador – em prosseguimento à gestão de Pelópidas, fez uma excelente gestão, inovando a política municipal em vários pontos: educação, abastecimento, segurança publica, desenvolvimento regional/agrário, direitos trabalhistas no campo, etc.
Mas foi com o Governo do Estado, em 1963, que Arraes mudou inteiramente as prioridades da administração estadual, elegendo o povo (leia-se os camponeses e trabalhadores rurais) como prioridade numero um, nos marcos da legalidade constitucional então vigente. Dois aspectos de sua gestão merecem ser destacadas: a extensão da Legislação Social Trabalhista ao campo e o Movimento de Cultura Popular (MCP).
Num contexto de radicalização política, efervescência dos movimentos sociais e profundas instabilidade das instituições políticas, a experiência do `Governo popular’ não poderia sobreviver, particularmente diante de uma intensa mobilização ideológica das classes médias urbanas, atemorizadas com o espantalho do comunismo. A derrota do PSD foi também a derrota das precárias instituições da republica populista. A memorável campanha de Frente do Recife em 1958, e depois, de 1963, só poderia ter vingado no quadro de uma nova institucionalidade democrática que contemplasse a participação dos trabalhadores rurais e camponeses no complicado jogo das alianças políticas. Infelizmente, o que se viu foi a gênese de um regime muitas vezes mais autoritário e liberticida do que o que vigorou a partir de 1937 no Brasil.
VII
A frágil institucionalização do quadro político brasileiro, face à mobilização anticomunista das classes médias urbanas, conduziu a um golpe bonapartista de direita no Brasil. As características do regime implantado pelos militares uniam a centralização política, uma razoável dose de repressão às liberdade civis e um furor desenvolvimentista, que desmentiria facilmente as analises sobre o caráter regressivo da intervenção militar. Na verdade, o golpe de 1 o de abril de 1964 impôs, pela via do terrorismo de Estado, uma modalidade de capitalista monopolista, que transfiguraria profundamente a sociedade brasileira.
Aspecto relevante do centralismo político imposto ao país foi a nomeação de governadores e prefeitos para os estados e capitais. A violação da legalidade constitucional, através da edição de sucessivos atos institucionais, atingiria seu ápice com o famigerado Ai-5, que fechou o congresso, impôs uma drástica censura aos meios de comunicação de massas e desencadeou uma feroz perseguição política aos opositores do Regime Militar.
Pernambuco, como um dos pólos regionais de maior agitação política e social do País, não poderia escapar ileso a essas medidas de força, patrocinadas pelos Governos Militares desde a deposição do governador Miguel Arraes de Alencar até as torturas medievais infringidas ao militante comunista Gregório Bezerra, passando pelas perseguições, prisões, assassinatos e maus tratos a lideres estudantis, intelectuais, jornalistas e membros do clero progressista, como o cruel assassinato do Padre Henrique.
Caracterizar a vida política de Pernambuco, nesta quadra, não fugiria muito ao padrão centralizador intervencionista dos militares no resto do País. O Estado teve quatro governadores indiretos, além do vice-governador de Miguel Arraes de Alencar, saída do remanejamento dos grupos políticos tradicionais da região, cuja principal marca de atuação foram a subserviência aos militares, a intransparência administrativa e a realização de grandes obras publicas.
O Estado – como o resto do país – viveu o clima da euforia desenvolvimentista do Regime Militar, muito auxiliado pela conquista da Copa do Mundo em 1970 pela Seleção Brasileira de Futebol. Euforia baseada num imenso arrocho salarial, na manipulação de índices estatísticos, na repressão aos sindicatos e partidos de esquerda e bastante ajudada pelo brilho platinado da indústria cultural moderna (leia-se Rede Globo de Televisão).
O saldo desse regime foi a falta de a renovação da vida política brasileira, no acanhado espaço do bipartidarismo oficial, um grau inaudito de internacionalização da economia brasileira e uma sociedade civil complexa e diferenciada, ansiosa por encontrar formas de participação.
VIII
O regime implantado pelos militares em 1964 terminaria por engendrar as suas próprias contradições. O processo de uma modernização da economia brasileira, à custa do arrocho salarial, hiperinflação e endividamento externo, despertaria forças e atores sociais difíceis de conter na camisa de força do bipartidarismo oficial. A partir das eleições proporcionais de 1974, quando a oposição ao regime militar venceu em toda linha, o núcleo estratégico do Governo passou a elaborar um plano “que permitisse uma distensão controlada e auto- reforma ou a institucionalização da ditadura militar”.
Ocorre que o processo de abertura política foi mais veloz que o projeto dos militares. A complexidade e a diferenciação da sociedade brasileira -suscitada pela modernização conservadora – produziram atores e demandas incompatíveis com acanhado espaço de participação política então existente, ultrapassando as manobras continuístas do regime. A partir dos anos 80, ficou claro que o controle do processo de abertura não estava com os militares e sim com a sociedade civil (OAB, ABI, CNBB), o sindicalismo do ABC, o movimento de intelectuais, de donas de casa, estudantes e entidades comunitárias.
É preciso atentar, também, para a evolução da participação institucional da oposição do regime: o MDB, depois PMDB, os sindicatos de trabalhadores urbanos, e os aparelhos privados da sociedade civil. Cada vez mais, o sistema bipartidário criado pela ditadura estava se tornando um instrumento involuntário de canalização da insatisfação social. E muitos parlamentares da esquerda e/ou das correntes de centro esquerdistas passaram a se eleger sob a legenda do MDB. Foi tentada, ainda nos anos 80, uma reforma partidária para conter os avanços eleitorais da oposição. Mas não deu certo. O centro manteve-se unido à esquerda, isolando o partido do Governo nos Estados e, depois, nas capitais.
Em Pernambuco, a evolução do bipartidarismo não foi diferente. Criado inicialmente para acolher todas as forças e legendas de oposição ao regime, o MDB tornou-se o autentico partido de oposição, apoiado, inclusive, por setores progressistas da Igreja Católica. A eleição de Marcos Freire ao Senado Federal, em 1974, foi fruto de uma campanha memorável da oposição em Pernambuco. Na política estadual, o MDB também elegeu vários deputados, vereadores e prefeitos. A exemplo de São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, o Estado nunca deixou de lado a sua intensa politização. O caráter ideológico do partido – em nível regional – se traduzia por uma linha de centro-esquerda (à qual nunca esteve alheio o Partido Comunista Brasileiro), representada por uma geração de novos políticos como: Marcos Freire, Marcos Cunha, Fernando Bezerra Coelho, Cristina Tavares, Roberto Freire e outros.
Esse processo de renovação político-partidário em Pernambuco encontraria seus limites na redemocratização e na volta dos exilados políticos ao Brasil. Quando o ex-governador Miguel Arraes de Alencar retorna ao Recife, vem em busca da liderança outrora exercida no conjunto das forças esquerdas no Estado. Mas as suas pretensões encontrarão fortes resistências nos novos políticos do ex-MDB, agora PMDB. Essa disputa, inicialmente com Marcos Freire quando da indicação do candidato para as eleições de 1982 ao Governo do Estado, evoluindo para uma dura e amarga briga pessoal com o hoje governador Jarbas Vasconcelos, que teve seu nome preterido na convenção partidária, em nome do político udenista Cid Sampaio.
Nas primeiras eleições para as capitais depois do fim do regime militar, Jarbas Vasconcelos abandona o PMDB para candidatar-se à Prefeitura do Recife por uma coligação partidária arrumada na ultima hora.
Em 1990, Jarbas tenta se eleger governador do Estado contra a candidatura do hoje deputado federal Joaquim Francisco, que sai vitorioso. Ele responsabilizaria Miguel Arraes pela sua derrota, o que o leva a buscar uma aliança com o PFL, para derrotar Arraes a qualquer custo.
A ruptura aconteceu na segunda gestão de Jarbas Vasconcelos à frente da Prefeitura do Recife. A partir daí, a política de Pernambuco sofreria uma nova inflexão, com a volta do PFL ao poder e a derrota da coligação dos partidos de centro-esquerda nas eleições municipais de 1996 e, depois, nas eleições estaduais de 1998. As consequências dessa aliança neoconservadora ainda não são de todos visíveis para o futuro político do Estado, até porque não se sabe ao certo qual será o tempo de duração de tal aliança.
IX
Quando, em fins de 1993, cogitou-se pela primeira vez a possibilidade de uma aliança política entre o então prefeito da cidade do Recife, Jarbas Vasconcelos e os próceres do Partido da Frente Liberal contra a candidatura de Miguel Arraes de Alencar ao Governo do estado, houve quem saudasse com entusiasmo aquela aliança, acenando para o surgimento de um fato novo na vida política de Pernambuco. Dizia-se que a aliança era o fim da tradicional polarização política em nosso estado e o inicio da construção de uma terceira via. É dessa época, aliás, a cantilena da terceira via produzida pela junção das palavras ‘socialismo’ e `mercado’.
Ou seja, a conversão do pensamento da direita ao evangelho social, e o dá esquerda ao credo liberal, criando um pensamento de centro-direita. Nem esquerda, nem direita: neo-social ou social-liberal, como afirmava cinicamente o presidente da Republica, referindo-se aos ingentes esforços de um certo senador baiano para aumentar o salário mínimo do trabalhador brasileiro e acabar com as mazelas da administração publica no País.
Desde aquela época, já se advertia para o possível malogro dessa terceira via nordestina, em face do caráter eleitoreiro da aliança, fundada de um lado na esperteza política do PFL e, do outro, na obsessão de Jarbas em derrotar Miguel Arraes a qualquer custo. Afirma-se também que as consequências dessa estranha aliança para o quadro partidário de Pernambuco seriam desastrosas (e isso não apenas pela vergonhosa metamorfose de ex-comunistas engajados até o pescoço na administração municipal), mas, sobretudo pelo desequilíbrio e pela desestabilização do poder relativo das demais forças políticas do Estado, produzindo uma `reoligarquização’ da esfera publica e reduzindo o já exíguo espaço para novas candidaturas ou propostas partidárias.
Não demorou muito e os resultados dessa malfada experiência começaram a se manifestar: a implosão do PSDB e sua transformação em legenda de aluguel nas mãos de trânsfugas partidárias; a implosão do PSB com a derrota de Miguel Arraes e a saída de ilustres parlamentares socialistas para outras legendas partidárias; a desmoralização do PMDB, transformada em mero instrumento das pretensões eleitoral de Jarbas; e o estreitamento do campo político da esquerda, reduzido agora ao PPS, PT, PcdoB, PSB e PCB.
Mas grave, contudo, foi a promiscuidade que se estabeleceu entre o poder publico, o poder econômico e uma parte da mídia, a serviço de interesses nem sempre confessáveis dos parceiros dessa aliança. As inúmeras denúncias de corrupção, favorecimento ilícito de empresas privadas e de abuso do poder econômico puseram a nu o processo de formação dessa nova oligarquia política, traduzida finalmente na ampla e rica coligação eleitoral encabeçada pelo ex-prefeito da cidade do Recife Roberto Magalhães. As agressivas estadualizações da campanha com o engajamento explicita da figura do governador em favor de Magalhães foi, entre outras causas, uma das principais razoes da derrota do ex-prefeito, abrindo um novo capitulo na Historia política do Estado, com o inicio das administrações petistas nos grandes colégios eleitorais de Pernambuco.
À aliança neoconservadora do PFL com o PMDB, ora dominante em nosso Estado, contrasta vivamente com o quadro de uma economia diversificada, apoiada em atividades competitivas e diretamente atreladas ao mercado externo, como: a fruticultura; o turismo; os pólos tecnológicos metropolitanos; a indústria de lazer e alimentação, etc. economia moderna mas altamente concentradora de renda, porque baseada na renuncia fiscal e na precarização das relações de trabalho.
Na realidade, dada a ausência de um projeto de desenvolvimento regional integrado, que contemple políticas compensatórias para setores e regiões mais pobres ou deprimidas, o Governo de Pernambuco vem aderindo à agenda liberal, adotada por FHC. O que se traduz em inverter o fluxo dos recursos públicos, agora, em direção às chamadas atividades competitivas, destinando à filantropia e ao chamado terceiro setor o atendimento das imensas carências sociais de grande parte da população. Os últimos lances da atual administração foram a utilização dos recursos obtidos com a privatização da CELPE na duplicação da BR232 e a posição dúbia assumida em face da extinção da Sudene, o que só comprova as consequências problemáticas daquela aliança para os verdadeiros interesses do Estado e da região.
                 Um relato como esse mereceria, naturalmente, uma complementação com uma análise sobre o que sucedeu em Pernambuco com o casamento entre o PT e PSB, a separação entre as duas siglas e a reaproximação que se anuncia com as proximidades da campanha eleitoral deste ano.
                A impressão que vai se formando na cabeça dos eleitores é da  existência de um  pragmatismo exacerbado entre um pequeno número de atores políticos e famílias tradicionais que procuram uns aos outros, em épocas como essas, para celebrar acordos e, depois, o distinto público é chamado apenas para homologar, através do voto, tais acordos. A política de Pernambuco, desde a aliança de Jarbas Vasconcelos com Marco Maciel, para a derrota da família Arraes, inaugurou uma espécie de “método pragmático” de compor alianças políticas, que transformou  a política em mera atividade estratégica, desprovida de toda e qualquer pretensão de validade ética ou mesmo ideológica. Os eleitores estão sendo chamado a convalidar acordos e tratativas, de que não participaram, e onde têm muito pouco a ganhar. Nunca – como hoje -  o chamado espaço público foi transformado em antessalas e gabinetes para entendimentos e articulações não necessariamente republicanos, mas a serviço da reprodução das oligarquias políticas da região. Afinal, qual seria a diferença (se é que há) entre Paulo Câmara, Armando Monteiro, Fernando Bezerra Coelho?  - Quem souber, por favor, diga.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPED-UFPE.

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sexta-feira, 6 de abril de 2018

A Destruição do Estado de Direito e do Poder Judiciário

       

Samuel Pinheiro Guimarães interpreta o atual momento brasileiro em artigo 

05/04/2018 15:57
 


Samuel Pinheiro Guimarães
Secretário Geral do Itamaraty (2003-2009)
Ministro de Assuntos Estratégicos (2009-2010)
05 de abril de 2018


1. As práticas de corrupção e o comportamento ilegal têm caracterizado a ação das classes hegemônicas não somente no Brasil como em outras sociedades, desde as mais desenvolvidas, como os Estados Unidos, às mais pobres, como diversas nações africanas.
2. Os principais integrantes dessas classes hegemônicas são grandes proprietários rurais; donos de grandes bancos e instituições financeiras; proprietários de grandes empresas industriais e de serviços; donos de grandes meios de comunicação; os principais rentistas; executivos de grandes empresas nacionais e estrangeiras; seus representantes no Poder Legislativo, no Poder Executivo e no Poder Judiciário.
3. No caso do Brasil, como no de outros países, desenvolvidos ou não, exemplos desse comportamento são:
- as práticas de “engenharia financeira” para evitar ou reduzir o pagamento de impostos;
- a pressão sobre os Governos para reduzir legalmente os impostos que incidem sobre os mais ricos;
- a evasão de impostos;
- os recursos enviados e depositados em “paraísos fiscais”, em geral decorrentes de atividades ilícitas;
- as fraudes praticadas por empresas para obter contratos públicos e em sua execução;
- a conivência dos grandes bancos com a movimentação de recursos provenientes de atividades ilícitas, inclusive do narcotráfico;
- o financiamento de campanhas políticas para eleger indivíduos que vêm a constituir bancadas no Congresso para a defesa de legislação de interesse econômico e político dessas classes hegemônicas.
4. A sociedade brasileira, composta em sua esmagadora maioria por trabalhadores urbanos (empregados, desempregados e subempregados); trabalhadores rurais sem terra e pequenos proprietários rurais; indivíduos “excluídos”, que recebem o Bolsa Família, cujo valor pode variar de 85 a 195 reais por mês; indivíduos sem teto nas cidades; e, finalmente, a classe média de baixa renda, é extraordinariamente honesta e trabalhadora.
5. O Brasil não é uma sociedade corrupta pois os brasileiros, em sua enorme maioria, não são corruptos e, ao contrário, são vítimas da corrupção e das práticas ilegais das classes hegemônicas.
6. A luta contra as ações ilegais praticadas contra o Estado e a sociedade e contra a corrupção é de grande importância, pois em sociedades com extremas desigualdades sociais, a começar pelas de renda e riqueza, somente o Estado pode executar políticas redistributivas, pois as empresas, ONGS e indivíduos não têm a capacidade legal e financeira para atender ao número enorme dos atingidos pelos efeitos das desigualdades.
7. Todavia, a luta contra a corrupção não pode ser feita contrariando a legislação, e muito menos a Constituição Federal, nem com objetivos políticos.
8. A “politização” da ação e a publicidade de opiniões na imprensa de membros do Poder Judiciário em todos os seus níveis, desde as Varas de Primeira Instância ao Supremo Tribunal Federal (STF), de procuradores individuais até a Procuradora Geral da República (PGR) e de agentes da Polícia Federal têm levado a práticas e decisões que agridem os princípios fundamentais do Direito e violam os direitos dos cidadãos.
9. A pretexto do “excesso” de recursos legais, que pode levar à prescrição de ações, e de atender ao anseio público por “moralidade” e “punição”, juízes de primeira instância, cujo principal expoente é o Juiz Sérgio Fernando Moro, da 13º Vara Criminal Federal em Curitiba, com o auxílio de alguns Procuradores do Ministério Público Federal (MPF) e de agentes da Polícia Federal, cometem uma gama de ilícitos para conseguir extrair delações que acusem determinados indivíduos em troca da liberdade e da redução de penas excessivas impostas por aqueles juízes.
10. Essas delações são vazadas seletivamente para a imprensa ainda que sequer as investigações tenham sido iniciadas e menos ainda concluídas, ou que haja qualquer sentença definitiva condenatória.
11. As delações que são “extraídas” através de prisões injustificadas e de longa duração e da imposição em Primeira Instância de penas extraordinariamente longas são delações de indivíduos que, para obter redução de pena, confessam, sob pressão, serem criminosos e que denunciam, muitas vezes sem provas, supostos cúmplices, em especial políticos.
12. Enquanto isto, os vazamentos ilegais permitidos pelo juiz Sérgio Fernando Moro, e tolerados pelos Tribunais Superiores, insuflam a “opinião pública” contra os indivíduos mencionados em trechos, selecionados, de delações tornados públicos, com estardalhaço, pela imprensa a qual passa a exigir a sua condenação pelo Judiciário.
13. A Operação Lava Jato, com o consentimento informal das altas instâncias do Poder Judiciário, tem cometido as seguintes infrações legais:
- a ação judicial a partir do argumento de que os “fins justificam os meios”;
- a desmoralização e humilhação pública, por agentes policiais, de suspeitos e acusados (condução
- coercitiva, uso de algemas, ostentação de força);
- a tortura psicológica, com aspectos físicos, (longas prisões, sem culpa formada) com o objetivo de extrair confissões e delações;
- desvirtuamento do uso da prisão provisória;
- a intimidação, através da imposição de penas absurdas, daqueles que são acusados por delatores;
- o vazamento seletivo de trechos de delações, de documentos e de informações sigilosas;
- a “convicção de culpa” arguida pelos juízes como fundamento para condenar acusados;
- a desobediência ao princípio constitucional de presunção de inocência, que é o princípio básico do Estado de Direito, e que deve ser obedecido do início das investigações até o trânsito em julgado de sentença penal;
- a transferência para o acusado do ônus da prova;
- a aplicação absurda da teoria do “domínio do fato”;
- o desrespeito ao amplo direito de defesa;
- o desrespeito à garantia de imparcialidade da jurisdição;
- a sonegação de documentos à defesa de acusados;
- a violação da privacidade da família dos acusados;
- a extensão à família do acusado das consequências sociais da divulgação de suspeitas e acusações;
- a execração pública de delatados, indiciados e réus e a incitação da opinião pública contra esses indivíduos;
- a desobediência ao princípio da inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas (Art. 5°, inciso X, da Constituição Federal).
14. A pretexto do combate à corrupção, à imoralidade, à morosidade dos processos na Justiça e à impunidade, essas práticas têm contribuído para a destruição dos fundamentos do sistema judiciário e de garantias individuais.
15. A Constituição Federal determina os casos de perda ou suspensão de direitos políticos:
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
III. condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;
V. improbidade administrativa, nos termos do art. 37, parágrafo 4.
Art. 37. Parágrafo 4:
Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos (...).
16. A perda dos direitos políticos e de direitos civis, como a liberdade, somente pode ocorrer ao indivíduo que seja considerado culpado após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
17. Todavia, a lei 135, chamada de Ficha Limpa, enumera uma série de situações em que a condenação em segunda instância, por um tribunal colegiado, pode acarretar a perda dos direitos políticos por 8 anos. A expressão “tribunal colegiado”, na realidade, pode significar uma turma de apenas 3 ou 4 juízes de um Tribunal Regional.
18. A Lei Complementar 135, de 2010, é, portanto, de inconstitucionalidade flagrante, pois viola uma cláusula pétrea da Constituição Federal, que é clara ao determinar “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. (Art. 5°, inciso LVII) e, portanto, por não ser declarado culpado não deve cumprir pena.
19. Por outro lado, duas decisões do STF, uma de fevereiro de 2016, por 7 a 4, e outra de outubro de 2016, por 6 a 5, consideraram constitucional o cumprimento de pena após a condenação em segunda instância. O STF, em realidade, “emendou” um dispositivo constitucional o que não pode fazer por ser competência exclusiva do Congresso Nacional emendar a Constituição.
20. A Operação Lava Jato tem contribuído para beneficiar os interesses de empresas e Estados estrangeiros no Brasil:
- ao apresentar o Estado como a principal “causa” da corrupção na sociedade brasileira;
- ao apresentar o Estado brasileiro como ineficiente e culpado pelas dificuldades econômicas do país;
- ao “justificar” a necessidade de reduzir ao mínimo a competência e capacidade de ação do Estado;
- ao enfraquecer a capacidade de regulamentação do Estado brasileiro;
- ao justificar o programa de privatização (e de desnacionalização indiscriminada) implementado a toque de caixa pelo Governo Temer;
- ao enfraquecer as grandes empresas brasileiras, de capital nacional e estatais, no mercado brasileiro e no mercado internacional face a megaempresas de terceiros países e
- ao enfraquecer o Estado brasileiro em sua missão e capacidade de promover o desenvolvimento, de fortalecer a democracia, de defender a soberania e em sua ação internacional, inclusive no âmbito dos BRICS.
21. O objetivo da Operação Lava Jato não é acabar com a corrupção nem na sociedade nem no sistema político e administrativo brasileiro. Se este fosse seu objetivo os juízes, procuradores e policiais seriam discretos e cautelosos em seus procedimentos para evitar a eventual anulação de processos e de sentenças e os Ministros de instâncias superiores coibiriam as atividades ilegais da Lava Jato.
22. Em realidade, os verdadeiros objetivos políticos, em âmbito nacional, da Operação Lava Jato, em grande medida alcançados, são os seguintes:
- difamar os políticos em geral, em especial os políticos progressistas, e a atividade política;
- desmotivar as forças progressistas em geral;
- desmoralizar os trabalhadores como classe social;
- desmoralizar o Partido dos Trabalhadores como corrupto e apresentá-lo como igual aos demais Partidos;
- identificar o Presidente Lula como chefe de um esquema de corrupção no Brasil e por ela principal culpado;
- difamar e desmoralizar o Presidente Lula e impedir sua eleição.
23. A solução para a “morosidade” dos processos na Justiça, todavia, poderia e deveria ser atingida por medidas simples:
- absoluta imparcialidade e transparência pública no sorteio dos processos entre Ministros dos Tribunais Superiores;
- cumprimento do prazo limite para devolução dos pedidos de vista de processos feitos pelos Ministros;
- julgamento dos processos pela ordem cronológica de sua entrada nos Tribunais Superiores;
revisão do número de recursos possíveis;
- prazo limite para julgamento final após a data de ingresso do processo no Tribunal Superior.
24. Por outro lado, o combate eficiente à corrupção implicaria uma reforma política que limitasse a influência do poder econômico nas eleições e na política e de nenhuma forma pode ser feito com desrespeito às leis e à Constituição por alguns juízes que se atribuíram uma “missão salvadora”.
25. Em realidade, no Brasil se assiste hoje à destruição do Estado de Direito, do Poder Judiciário e da Constituição de 1988 a partir do momento em que, como em 1963, as classes hegemônicas sentiram escapar, ainda que parcialmente, a partir de 2003, o seu controle sobre o sistema político e estarem em risco seus privilégios e seu permanente e histórico comportamento corrupto e ilegal.
26. Todavia, e finalmente, a luta histórica do povo brasileiro pela democracia, pelo desenvolvimento, pela justiça social e pela soberania prosseguirá, como sempre árdua, e jamais cessará até sua vitória final.
(Publicado originalmente no portal Carta Maior)