Não estamos entre aqueles que ficam felizes com a desgraça
alheia. A leitura da crônica política no dia de ontem, dia 21, no entanto, nos remetem
à conclusão de que a torcida pela decretação imediata dos mensalistas era
enorme. Alguns chegaram às minúcias de
descrever os momentos cruciais vividos pelo ex-ministro José Dirceu que, de tão
abatido, não reuniu as condições de sequer alimentar o blog que mantém. Numa
análise técnica do assunto, Joaquim Barbosa, o presidente do Supremo Tribunal
Federal, conforme já afirmamos, optou pelo julgamento de todos os recursos
antes de determinar a prisão dos condenados. Gurgel e Barbosa estão assumindo
posições republicanas, o mínimo que se esperava deles neste momento. Foram
nomeados para cumprir suas funções públicas, embora não seja esse o raciocínio
de alguns petistas que, dizem, já estão se movimentando no sentido de atingir
Gurgel. Fernando Ferro, parlamentar pernambucano, seria, segundo alguns
cronistas, o petista escalado para incomodá-lo.
sábado, 22 de dezembro de 2012
A farsa, a pantomima e o deputado, artigo de Carlos Chagas
A FARSA, A PANTOMIMA E O DEPUTADO
Por Carlos Chagas
Marx afirmou, Lênin repetiu: a História só se repete como farsa. Em
1966, Castelo Branco cassou o mandato de mais três deputados, às
vésperas da instalação de uma Assembléia Constituinte fajuta, convocada
pelo Ato Institucional número 4. O primeiro marechal-presidente havia
prometido ao presidente da Câmara, Adaucto Lúcio Cardoso, que não
cassaria mais parlamentares, em homenagem à nova Constituição a ser
feita. Terá sido pressionado pela linha-dura, cedeu e viu eclodir a
crise. Adauto não aceitou o gesto truculento e continuou dando a
palavra aos três deputados. Por uma questão de cautela, pediu que se
transferissem para a enfermaria da casa, onde passaram a dormir e a
fazer as refeições. Seguiu-se a invasão do Congresso por tropa armada,
liderada pelo coronel Meira Matos.
Merece ser reproduzido o diálogo entre o militar e o presidente da
Câmara, cercados por soldados de fuzis embalados:
- Alto! Quem vem lá?
- O senhor, quem é?
- Sou o poder civil, e o senhor?
- Sou o poder militar!
- Curvo-me diante da força e cumprimento os fuzis!
As
palavras de Adaucto, pronunciadas em meio a uma reverência maliciosa,
eram as mesmas ditas por Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, em 1823,
quando por ordem de D. Pedro I os militares fecharam a primeira
Assembléia Nacional Constituinte de nossa História.
O
episódio engrandeceu o Congresso, apesar do triste resultado. Os três
deputados foram presos e perderam os mandatos.
Agora vem a farsa. O atual presidente da Câmara, diante da cassação de
três deputados por sentença do Supremo Tribunal Federal, arvora-se em
repetir o episódio anterior. Quinta-feira, quando se duvidava da prisão
imediata dos deputados condenados por corrupção, o deputado Marco
Maia ofereceu-se para abrigá-los nas dependências da Câmara,
insurgindo-se contra a possível aplicação da lei pelo ministro Joaquim
Barbosa. Em nenhum momento a situação foi a mesma, a ditadura saiu
pelo ralo, mas o representante gaúcho embaralhou as cartas e procurou
confundir-se com o ilustre antecessor de 46 anos atrás. Não conseguiu.
Apenas encenou uma pantomima...
sexta-feira, 21 de dezembro de 2012
Brasil 247: Geraldo desconversa sobre candidatura de Eduardo Campos.
Geraldo desconversa sobre candidatura de Eduardo
O prefeito eleito do Recife,
Geraldo Júlio (PSB), deixou em aberto a possibilidade do presidente da
legenda e governador de Pernambuco, Eduardo Campos, se candidatar à
Presidência da República em 2014; afinado com o discurso do seu padrinho
político, o futuro gestor disse que agora não é o momento para se
discutir as próximas eleições presidenciais
21 de Dezembro de 2012 às 16:32
Leonardo Lucena_PE247 – O prefeito eleito do
Recife, Geraldo Júlio (PSB), deixou em aberto a possibilidade do
presidente da legenda e governador de Pernambuco, Eduardo Campos, se
candidatar à Presidência da República em 2014. Afinado com o discurso do
seu padrinho político, o futuro gestor disse que agora não é o momento
para se discutir as próximas eleições presidenciais. Sobre a relação
entre petistas e socialistas, ele acredita que será possível manter a
aliança daqui a dois anos em nível estadual. Se esta parceria será
mantida no plano nacional em função dos planos nacionais de Eduardo
Campos, Geraldo, mais uma vez, desconversou acerca do assunto
“A eleição 2014 deve ser discutida em 2014”, afirmou Geraldo Júlio.
“O que é importante agora? Nós estamos com a presidente Dilma. Somos
parceiro dela, ela é uma grande presidente, uma mulher honrada, aprovada
por mais de 70% dos brasileiros e tenho certeza de que vai nos ajudar
muito a melhorar a vida da população recifense, que é brasileira”,
declarou em entrevista ao repórter Gerson Camarotti, da GloboNews.
A instabilidade na relação PT-PSB veio após o governador de
Pernambuco, Eduardo Campos ter lançado candidaturas próprias em várias
cidades onde o Partido dos Trabalhadores também tinha postulante. O
saldo destas eleições é que o PSB foi a legenda que mais cresceu e
governará o maior número de capitais (cinco). De todo modo, Eduardo foi
acusado de “traidor” pelos petistas, já que ambas as siglas mantinham
uma aliança histórica. Apesar disto, a parceria ainda é mantida em nível
nacional e o PSB integra a base do governo da presidente Dilma Rousseff
(PT). A campanha pela Prefeitura do Recife foi marcada por agressões e
provocações de ambos os lados.
“Não falaria em rompimento. Nós (PT e PSB) continuaremos sendo
aliados no ponto de vista federal e estadual também”, disse Geraldo
Júlio. De qualquer maneira, o PT ganhou Secretaria de Habitação na
próxima gestão, que será comandada por Eduardo Granja. O petista já
passou pelas secretarias municipais da Juventude e de Turismo.
Mesmo assim, os petistas continuam divididos internamente, pois a ala
da corrente Construindo Um Novo Brasil (CNB), liderada pelo candidato
derrotado, o senador Humberto Costa, continua intransigente em sua
posição de não aderir à Frente Popular, encabeçada pelo PSB, a despeito
de boa parte dos seus correligionários.
Assim como o governador Eduardo Campos, possível candidato a
presidente em 2014, o prefeito eleito não responde se PSB e PT serão ou
não adversários nas próximas eleições. “O ponto agora é cuidar de 2013,
um ano importante para o país, um ano em que a gente precisa juntar
todas as forças políticas e a da sociedade para fazer esse país crescer
na casa de 3% ou 4% ao ano”, acrescentou.
Apesar do discurso alinhado com o de Eduardo Campos no sentido de
deixar em aberto a consolidação da possível candidatura presidencial do
governador, Geraldo Júlio disse que a gestão eficaz é a marca do seu
partido. “Mais um símbolo importante para o PSB. Aqui no Recife, com
muita força e determinação, aplicaremos o modelo que o PSB vem
aplicando, governando com sucesso em outras cidades e em outros estados a
exemplo do que vem ocorrendo em Pernambuco”, complementou. Esta posição
é um dos motes propalados por Eduardo no que diz respeito ao modelo de
gestão do PSB e deverá se utilizado como peça de campanha caso ele
decida romper com o PT e se lançar candidato ao Palácio do Planalto em
2014.
STF: Os mensaleiros podem encomendar o peru de natal.
Algumas maldades são praticadas exatamente neste período do
ano para infelicitar ainda mais a vida dos infelizes. Um colega professor foi
comunicado de sua demissão no dia de réveillon, quando preparava a ceia com a
esposa. Nuca vi tanta maldade. Certamente não foram os sentimentos cristãos que levaram o presidente
do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, a determinar que as
prisões dos condenados durante o julgamento do Mensalão apenas deve ocorrer
após o julgamento dos recursos apresentados pela defesa. A Procuradoria Geral
da República pedia a prisão imediata dos condenados. Com o prestígio nas
alturas – hoje ele aparece até mesmo nas sondagens de opinião sobre candidatos à Presidência da República – a expectativa de muita gente é que Joaquim
mandasse encarcerar imediatamente os condenados. Neste caso, prevaleceu o bom o
senso e, sobretudo, uma avaliação meramente jurídica dos fatos. Joaquim não
teria nenhum constrangimento de determinar as prisões movido por outros
sentimentos, embora seja um cidadão com profunda sensibilidade.
Carta Capital: Xavantes, invasores e o Imnpério da Lei
por Felipe Milanez
Uma das maiores operações de aplicação da lei jamais realizada na
Amazônia brasileira começou no domingo 9 de dezembro. Nos últimos dias,
conseguiu minar resistências locais e retomar para o patrimônio da União
cerca de 50 fazendas ocupadas ilegalmente. Trata-se de uma terra
indígena invadida, que é homologada pela Presidência da República e
garantida por reiteradas decisões judiciais (Primeira Instância, Segunda
Instância e o Supremo Tribunal Federal).
A Justiça determinou a posse, mas faltava o cumprimento da ordem. Em
campo, estava estabelecido um conflito territorial e ecológico entre um
povo indígena, os xavantes (A’uwê Uptabi, em sua denominação), e a
estrutura agrária que avança em busca de novas terras, formada por
pequenos produtores rurais, posseiros, grandes fazendeiros, políticos
profissionais, e grandes interesses econômicos do agronegócio. Em
disputa estão 165 mil hectares de terra, dos quais 110 mil eram de
cobertura de floresta amazônica e 20 mil de cerrado. Hoje, segundo a
Funai, mais de 60% virou pasto e soja, e um terço é controlado por 22
“casas grandes” que não admitem interferências em seus negócios.
Caetano Veloso, em seu último disco, canta que “O Império da Lei” há
de chegar, e em uma analogia podemos dizer que “há de chegar no coração
do Mato Grosso, há de chegar lá”. O deslocamento desse império para
cumprir a lei ocorre com sua força mais bruta: Forças Armadas, Força
Nacional, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, e um aparato
burocrático coordenado pela Presidência da República, que envolve, entre
12 órgãos, o Incra e a Funai. E a resistência a ele utiliza métodos
amplos: pressões políticas no legislativo, executivo, judiciário, mídia.
E também as cruéis: ameaças de morte, de sangue, de guerra, e racismo e
intolerância. “A política é a guerra por outros meios”, disse o
filósofo Michel Foucault.
Leia também:
“Esse conflito é uma de história de como o latifúndio opera”
No Mato Grosso, tensão aumenta entre xavantes e latifundiários
No Mato Grosso, tensão aumenta entre xavantes e latifundiários
Pergunte a algum xavante de Marãiwatséde sobre a recente decisão do
STF, em que Joaquim Barbosa, em dezembro, confirmou decisão de Ayres
Britto, de outubro, enquanto este era presidente do Supremo, em que
suspendia uma liminar que impedia a retirada dos invasores. Ou sobre as
manifestações na Rio+20. Ele dirá que é preciso compreender o seu
retorno à região em 2004, a homologação de 1998, as denúncias
internacionais de sua opressão em 1992, a Eco92 e, sem entrar em sua
longa e milenar etnohistória, dos conflitos no nordeste na época da
chegada dos europeus e aldeamentos em Goiás, já no século XVIII, ou nos
primeiros contatos pacíficos com os colonizadores em 1960, e chegará ao
mês de agosto do ano de 1966: data chave para se compreender o que
ocorre hoje.
O
líder Damião com a decisão do desembargador Souza Prudente, do TRF-1,
de 18 de maio de 2012, que revogou decisão que suspendia a desintrusão.
Foto: MPF
Quem primeiro sentiu força do poder do Estado na região do médio
Araguaia não foram os fazendeiros, mas os A’uwê Uptabi. Em 1966, 233
homens e mulheres xavantes embarcaram em aviões da FAB com destino a uma
missão católica 450 quilômetros ao Sul no estado do Mato Grosso. O
território que ocupavam então, próximo ao recém criado Parque do Xingu
(1961), havia sido deixado de fora da proteção indigenista por Jânio
Quadros, que excluiu todas as áreas xavantes que constavam nos primeiros
projetos apresentado pelos irmãos Villas Bôas, Darcy Ribeiro, Noel
Nutels e Eduardo Galvão. A terra era objeto de cobiça de grandes
fazendeiros e grileiros paulistas, liderados por Ariosto da Riva, um
“colonizador” de São Paulo, e também por políticos matogrossenses. Até
então “isolados”, ou tido como “arredios”, os xavantes refutavam relação
com a sociedade hostil que os cercava e com o Estado. Restava a troca
de violência mútua, com os índios atacando ranchos, e os “brancos”
promovendo “expedições punitivas” dizimando aldeias, além de algumas
trocas de alimentos e bens materiais eventualmente pacíficas.
Um gerente de Ariosto da Riva, que cuidava da área na época, reclamou
que os índios estavam frequentando demasiadamente a sede para pegar
facões, machados e farinhas, e estavam dando prejuízo. Com o Serviço de
Proteção ao Índio (SPI) decadente, envolto em escândalos de corrupção
(viria a ser extinto para dar lugar a Funai no ano seguinte), veio a
decisão de “limpar a área”.
A articulação para o desalojamento desta comunidade foi mobilizada no
início da Ditadura. Envolveu o exército, a força aérea, o SPI, a Igreja
Católica, com o padre Mário Panziera tomando a frente, políticos
locais, e o financiamento da Sudam (Superintendência do Desenvolvimento
da Amazônia) para o agronegócio. Nas duas semanas seguintes à
transferência, cerca de dois terços dos A’uwê Uptabi que haviam sido
deslocados de seu território faleceram na missão Salesiana São Marcos.
Sobre os índios caiu uma bomba química conhecida como sarampo. O
número de mortos, em torno de 160, não é preciso. Entre eles estava
Ru’waê. Um senhor magro, alto, forte, que exercia uma liderança
influente sobre seu povo, porém não absoluta – tanto que foi voto
vencido e mudou-se contrariado a sua pretensão de resistir. Entre os
filhos que deixou estão Paridzané (“Damião”), e Ruwa’wé (“Rufino”).
Francisco Tsipé, guerreiro Xavante – o ancião da aldeia, carregando nas mãos um punhado da sua terra de origem. Foto: MPF
Os descendentes de Ru’waê nunca desistiram do retorno. Rufino foi o
guerreiro, mantinha o grupo unido internamente, enquanto Damião o
político que representava a comunidade diante dos brancos. Porém, o
mesmo Estado que os havia deslocado, agia para impedir esse retorno. A
terra foi para Riva e transferida ao grupo Ometto. Os índios, revoltados
com o que acontecia, passaram a ocupar diferentes terras xavante, que
conheciam por laços históricos. A fazenda transformou-se em Suiá Missú
(referência a dois cursos d’água), o maior latifúndio do Brasil, palco
de violência local e objeto de valor no mercado de terras, sendo então
comercializada. Passou para as mãos da Liquigás, sucedeu-se para a
italiana Agip Petroli, e aí permaneceu ao longo dos anos 1980.
Nesse período, os A’uwê Uptabi seguiram uma extenuante diáspora.
Mudaram-se para o território de Sangradouro, depois Parabubue, Areões, e
receberam exílio, finalmente, na terra de um grupo xavante com o qual
possuem antigos relacionamentos de alianças: o grande chefe Warodi
(falecido em 1988), da vizinha terra indígena Pimentel Barbosa,
autorizou a construção da aldeia Belém, existente até hoje.
Nos anos 1970 e 1980, muitos territórios xavantes foram demarcados no
estado do Mato Grosso – que serviram de refúgio aos de Marãiwatséde.
Excluídos de seu território e enfraquecidos em razão da grande
mortandade que sofreram, e ao exílio e à diáspora a que estavam
submetidos, não conseguiram reunir força suficiente para recuperar a
terra. No entanto, em nenhum momento deixaram de se considerar como
A’uwê Uptabi de Marãiwatséde, o que chegava a causar conflitos por
motivos históricos com os outros xavantes. Mas nada que impedisse uma
eventual alianca contra os waradzu, ou “brancos”: Siridiwê, cacique da
aldeia Ethenhiritipá, disse que se precisar ir para guerra para ajudar
Paridzané a defender Marãiwatséde, seu povo está pronto. Assim como
xavantes de todas as terras indígenas têm expressado solidariedade à
luta de Paridzané.
Vem então o fim da Ditadura, a Constituição Federal de 1988, e a
conferência Eco92, e a história da relação dos xavante com o Estado
começa a mudar. É nesse período que ocorre a principal aproximação
política com uma organização internacional, que veio a ser fundamental
para a história da retomada: a italiana Campagna Nord Sud, que funcionou
de 1989 a 1992. Liderada pelo parlamentar verde Alex Langer, a
organização fiscalizava a atuação de empresas italianas no mundo. E o
caso da Agip em terras xavantes foi exposto, causando grande
constrangimento. A mobilização envolveu a ida de Paridzané para a Itália
e matérias nos jornais italianos. A visibilidade da conferência
internacional foi considerada uma esperança para o líder xavante para
atrair atenção ao seu caso. Também para que pudesse ter um novo acesso
às instituições do Estado, dessa vez para beneficiá-lo com os direitos
adquiridos em 1988. Queria o retorno a Marãiwatsède e a demarcação da
terra.
Em 10 de junho de 1992, durante a Eco92, o presidente da Agip
Petrolli, Gabrieli Cagliari, declarou que a empresa iria devolver a
terra aos xavantes. O sopro de esperança aos xavantes na Cidade
Maravilhosa se transformou em um vento forte e turbulento no Mato
Grosso: subsidiária brasileira rebelou-se. Renato Grillo, gerente local
da fazenda Liquifarm Suia-Missu, discordou das intenções dos patrões
italianos, e passou a incentivar as invasões. No dia 16 de junho,
escreveu carta ao Ministro da Justiça informado que 250 posseiros haviam
invadido a propriedade que estava sendo devolvida aos índios. Mas não
poderiam ocupar tudo: mapas indicavam os locais destinados aos pequenos,
aos médios e grande parte, pelo menos um terço no primeiro momento,
tinha outro destino: o agronegócio. Em 30 de novembro a mesma empresa
anunciou um leilão das terras, organizado pela Companhia Brasileira de
Leilões, no Castro’s Hotel, em Goiânia, dispondo um cartaz com selo do
Bamerindus. Além das terras, também foram comercializadas 14 mil cabeças
de gado.
No meio da floresta, em torno no posto de gasolina ilegal que
começava a aglomerar habitantes, o “Posto da Mata”, teve início um novo
uso do racismo para deslegitimar o direitos dos índios, na iminência do
retorno. Racismo semelhante ao perpetrado por Riva, Ometto e os
militares em 1966. As fotografias da época mostram uma terra poeirenta
(era o início da seca), e os longilíneos caules amazônicos com as copas
espessas ao fundo. Uma gravação da Rádio Mundial FM, de 20 de junho de
1992, a partir das 3 da tarde, descreve o encontro de posseiros e
fazendeiros e o movimento de invasão deliberada.
Alguns trechos dos áudios revelam que uma das principais estratégias
dos organizadores da invasão era utilizar o racismo e o ódio aos índios
como uma ferramenta de união:
Primeiro, Mazinho, um político local:
- E se for colocar índio no seu ambiente natural tem que mandar pra onde tem mata virgem. Como é que vai colocar índio no meio do povo?;
Em seguida, Baú, o então prefeito de São Felix do Araguaia:
– Enquanto a empresa estava intacta nos respeitamos a propriedade. Temos que respeitar a propriedade para ser respeitados;
– O povo da região ficou preocupado com o retorno desses índios;
– Se a população achou por bem que deve tomar conta dessas terras ao invés de dá-las para os índios, nós temos que dar esse respaldo para o povo;
– É o próprio povo que está entrando e demarcando suas terras. Ainda não foi passada a escritura para os índios;
– Já conversamos com o governador, que dará todo o respaldo ao povo;
– Essa ojeriza do nosso povo aos xavantes é muito antiga;
– O xavante é um índio arrogante;
– O que já marcou o lugar primeiro o lugar é dele;
– Não tem a mínima possibilidade do retorno desses xavantes. Estamos canalizando a vontade do povo;
– Nós não queremos índios aqui senão vai desvalorizar toda a região;
– Conversamos com o governador e ele disse que não vai mandar polícia, podem ficar tranquilos;
Filemon Gomes Costa Limoeiro, atual prefeito de São Felix do Araguaia, seguiu o discurso:
– Ou nós ou eles, e preferimos ser nós;
– Hoje (a terra) ia ser jogada nas mãos dos índios;
– Aqueles que estão preocupados com os índios, que tem que assentar, tem um monte de país que não tem índio. Pode levar a metade;
– Na Itália tem índio? Não, não tem. Leva! Leva pra lá! Carrega prá lá! Agora, não vem jogar em nós não. Para atrapalhar uma região;
– Se colocar índio aqui acaba;
– A gente ajuda com caminhão, eu tenho caminhão pra carregar eles pra lá. Aqui não;
– Índio vem pra cá e não vai produzir nada;
– Que deixe essa área aqui pro pessoal que quer trabalhar;
– Xavante é de cerrado, em mata ele não entra, tem medo da onça
– Trazer esses índios vai prejudicar a região toda
Imaginando-se “livres” dos índios, planejavam construir uma “cidade”
no Posto da Mata, seguindo um plano bandeirante de Ariosto da Riva. Riva
estava vivo ainda na época e, segundo informa uma voz na rádio, estava
feliz com a possibilidade da “cidade dos posseiros” e o “progresso”.
“Vamos respeitar essa área da cidade porque depois vai dar problema”,
ordenava a liderança aos posseiros que chegavam, seguro de si dos
padrões urbanísticos pretendidos. Alguns mostravam restrições,
perguntando se os índios não iriam voltar, e se voltassem, o que iriam
fazer. Mas daí surge outro, mais durão, e diz em tom de quem se garante:
“nós já temos uns caboclo bom lá do Bom Jesus já na linha de frente ali
na Guanabara. Eu Acho que a gente tem que estar disposto a qualquer
coisa. A terra é nossa. Disposto a qualquer coisa.”
Corajosamente, a antropóloga Iara Ferraz, engajada na defesa dos
direitos dos índios e que assina o laudo de identificação do território
para a Funai, afirma nessa mesma gravação, com voz firme, que a área
está em processo de ser reconhecida. “É uma irresponsabilidade muito
grande do prefeito e de todos que incentivaram a ocupação sabendo que
está em curso um processo de reconhecimento de terra indígena. É uma
irresponsabilidade. É um crime”, dizia ela aos posseiros.
A Funai em 1991 e 1992 mobilizou-se para demarcar Marãiwatséde, e os
primeiros passos são dados nas gestões dos sertanistas Sidney Possuelo
e, na sequência, Cláudio Romero, este identificado ao longo de sua vida
com o povo xavante. Ao mesmo tempo, o poder político na região arma as
estratégias de resistência do território que tentam conquistar. A
antropóloga Iara Ferraz apresentou o laudo com agilidade, a terra é
reconhecida pela Funai em 1992 e demarcada em 1995.
Em 1998 é homologada a Terra Indígena Marãiwatséde, registrada em
cartório no ano seguinte, sem que nenhum xavante consiga entrar na área,
ocupada e vigiada por mais invasores. À medida que a pretensão indígena
ganhava cada vez mais respaldo do governo federal, a ocupação ilegal
era intensificada. Na década de 2000, ano após ano, Marãiwatséde tem
sido a terra indígena mais desmatada na Amazônia.
Liderados por Paridzané, os A’uwê Uptabi deixaram o exílio em
Pimentel Barbosa e partiram, em 2004, com guerreiros, velhos, mulheres e
crianças, para retomar a área. O conflito foi estabelecido com
posseiros em um front marcado por um córrego, ao longo de seis meses.
Três crianças faleceram nesse período. Em agosto desse ano, tendo em
mãos uma decisão favorável, ainda em caráter liminar, da ministra do STF
Ellen Gracie, os A’uwê Uptabi entram na primeira fazenda, Caru, e
fizeram ocupações nas proximidades. Em 7 anos agindo quase que por conta
própria, apenas com apoio da Funai local e pouco assistidos pela força
do Estado, conseguiram retomar menos de 10% do território.
Em 2010, o Tribunal Regional Federal confirmou decisão de primeira
instância, favorável aos xavantes, em ação que discutia a demarcação. O
Poder Judiciário reconheceu a legalidade do procedimento administrativo
de demarcação da terra indígena e, consequentemente, determinou a
retirada dos ocupantes não-indígenas e a recuperação das áreas
degradadas da TI Marãiwatsédé. A decisão garantiu a posse plena dos
indígenas na totalidade da terra indígena – e não apenas na área da
aldeia onde já estavam.
No entanto, o TRF não determinou o cumprimento da ordem. Conforme
esclarece uma nota técnica da Funai: “Após receber em seu gabinete três
representantes de um grupo de aproximadamente 300 mulheres do movimento,
e de dois parlamentares da bancada do Estado do Mato Grosso, todos que
se opõem à desintrusão, o Desembargador Federal concedeu tal ordem de
suspensão. Embasado no seu entendimento de que “na atual situação de exaltação dos ânimos entre os envolvidos, a melhor solução é manter o status quo”. Um eterno “status quo” da ocupação ilegal era pedido.
No final de 2012, a questão chegou ao Supremo. Houve a definição da
Corte, pelo presidente Ayres Britto e em seguida reconfirmada pelo novo,
Joaquim Barbosa, determinando que fosse cumprida a sentença, confirmada
pelo tribunal regional, em que o “status quo” deveria ter o sentido
jurídico de manutenção da ordem jurídica, e não da ordem dos fatos
opostos ao Direito, isto é, a invasão.
Nesse mesmo ano, Paridzané voltou ao Rio de Janeiro, agora para a
Rio+20, e circulou tanto pelo espaço oficial da ONU, quanto pela Cúpula
dos Povos. Era auxiliado pela Operação Amazônica, uma organização de
apoio aos povos indígenas. Encontrou personalidades, políticos, apareceu
novamente na mídia, e expos o drama e a angústia do exílio, da pressão e
das ameaças. Em um dos discursos, mencionou algumas vezes a palavra
morte. Terminando por dizer que queria morrer em Marãiwatséde.
O segundo semestre foi intenso. O governo preparou um plano de
desintrusão, reunindo 12 órgãos e coordenado pela Secretaria-Geral da
Presidência. “O Estado, no caso governo federal, atuando para dar
suporte para essa decisão da Justiça. É isso o que está acontecendo. Da
parte do governo, da presidenta, essa é uma decisão irreversível”,
afirmou Paulo Maldos, coordenador geral do grupo de trabalho em (Clique AQUI para ler).
Os mesmos atores políticos que deliberaram a invasão em 1992
reapareceram. O prefeito Filemon, os posseiros e produtores reunidos em
uma associação, grandes fazendeiros, políticos, deputados, senadores. Ao
contrário de advogados locais, a Associação dos Produtores Rurais de
Suiá Missú (Aprosum), contratou o irmão da influente senadora Kátia
Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) – Luis
Alfredo Ferezin de Abreu. A principal estratégia de defesa passou a ser a
vitimização dos posseiros – uma tentativa de apresentar um “status quo”
de inocência, e glorificar uma “reforma agrária” feita “pelo povo”. Em
oposição às “vítimas pobres”, vinha o ataque aos índios, caracterizado
por mensagens racistas e tentativas de desumanizar e desindigenizar a
comunidade.
Nas redes sociais, jovens de São Felix do Araguaia passaram a expor
um sentimento muito parecido com aquele exaltado por seus pais em 1992.
NO entanto, camuflados pela impessoalidade das redes sociais, se
mostraram mais agressivos: “VAMOS FUDE COM ESSES FILHOS DA PUTA”,
escreveu um no Facebook. “Eu entro com armas e munição”, comentou outro.
A foto em discussão apresentava o dizer: “Vão mesmo deixar 500 índios
preguiçosos que só dorme e come as nossas custas tomar a área de 7 mil
trabalhadores?” O pequeno jornal Bbnews anunciou uma chamada: “Em pé de guerra: ONGs querem transformar o Araguaia em país indígena”.
A bandeira nacional foi queimada, e a violência passou a ser
caracterizada pelo afrontamento, nas últimas semanas, às forças de
segurança, ao “império da lei”. Uma rivalidade entre os irmãos Paridzané
e Ruwa’wé foi acirrada. Ruwa’wé foi expulso da aldeia e a Funai foi
inábil em tentar promover a paz para proteger a comunidade de pressões
externas. Os invasores puseram em prática a “estratégia de Cortez”, e
com dinheiro e promessa para alguns índios, trouxeram Ruwa’wé para o seu
lado. De forma amarga, ele passou a se dizer contrário à terra pela
qual lutou sua vida inteira. O governo do estado oferecia, mesmo sendo
contrário à Constituição, uma outra terra, uma “permuta”. Ruwa’wé
aceitou a oferta, uma sedutora área alagada que é o Parque Estadual do
Araguaia. Um parque de conservação em troca de uma terra indígena é uma
transação plausível na retórica de quem vê “terra” como “fazenda”, e
“índio” como “espécie”, sendo ainda uma “espécie” possível de ser
“transladada” para áreas sem qualquer sentido cultural com a sua
existência.
Ameaças de morte quase foram às vias de fato com o bispo dom Pedro
Casaldáliga e com o líder xavante Damião Paridzané – além também a
pequenos produtores que queria retirar seus pertences e mudarem-se para
um assentamento e ao prefeito de Alto Boa Vista, Wanderley Perin. Na
tribuna do Senado, com um congresso bastante movimentado pelo lobby
ruralista, o senador Cidinho Campos (PR), sugeriu a desumanização dos
índios: “Hoje podemos dizer que, primeiramente, existem os direitos dos
índios e, depois, vêm os direitos dos humanos”. A Comissão Pastoral da
Terra considerou “a manifestação carregada de preconceito e ódio”. Em
carta, afirmam: “Tudo isso vem trazendo um clima irrespirável e
consequências graves não somente para o povo Xavante, mas para toda a
sociedade. Provocam-se e acirram-se, a cada dia, ódios e chantagens
vingativas e violentas.”
Na imprensa local e em sites falava-se em guerra, sangue, resistência
e uma postura desafiadora e intimidadora. Realizaram bloqueios, que
espalharam-se, em agrosolidariedade e agroaltruísmo, pelo estado. Uma
equipe do jornal Folha de S. Paulo foi abordada em um destes bloqueios
no interior do Mato Grosso, onde escutou: “gente de ONG a gente quebra”.
O governo federal enviou um efetivo grande, e articulou toda a força do
Estado, isolando a região, controlando a circulação. Aos poucos, a
resistência foi minando. “Diarréia e dengue minam o ânimo dos moradores
do Posto da Mata” anunciou um site local.
Primeiro, caíram os grandes fazendeiros. Em seguida, os médios. No
último balanço da Funai, de 18 de dezembro, “41 fazendas vistoriadas
desde o início da desintrusão até o fim do dia de ontem (17) e, destas,
18 estavam desocupadas.”
Com relação aos pequenos posseiros, a Funai, representando todo o
grupo do governo, informa: “Até o momento, o Incra já cadastrou 183
famílias, 80 das quais se adequam ao perfil. As famílias reassentadas
receberão um Contrato de Concessão de Uso da Terra, que se constitui no
primeiro passo para o acesso à terra e aos créditos iniciais. Também
serão integradas ao Cadastro Único do governo federal e, por meio dele,
poderão acessar programas sociais como Bolsa Família, Brasil Sorridente,
Brasil Carinhoso, entre outros. A partir de terça-feira (18), será
realizada a mudança das primeiras cinco famílias que se cadastraram no
programa de reforma agrária. Elas serão levadas ao assentamento Santa
Rita, localizado em Ribeirão Cascalheira (MT).”
A primeira vez que eu estive em Marãiwatséde, no início de 2006, eu
não imaginei que estava na Amazônia. Não por alguma imagem de cerrado,
localizado próximo dali e presente originalmente em 10% da área. Mas
pelo grande vazio. Era difícil encontrar a “mata alta”, a “mata
perigosa”, a “mata fechada”, como Paridzané traduziu para mim a palavra marãiwatséde.
Eu poderia estar no interior de São Paulo ou de Minas Gerais, as áreas
hoje ocupadas por grandes empreendimentos do agronegócio, mas que foi
toda dominada pelos extintos caiapós do sul no século XVIII e XIX (Hoje
se imagina que o povo Panará, que vive no Mato Grosso, pode ser
descendente de um grupo desses caiapó).
Havia uma angústia no ar. Um sentimento entre os índios de que a
retomada estava prestes a acontecer, pois eles estavam dentro da terra e
Paridzané descrevia as festas que já haviam realizado ali com grande
alegria. Mas 17 crianças haviam morrido naquele ano – e quase todos os
xavantes, em luto por perder um familiar, tinham os longos cabelos
raspados. “Brígida”, como fui apresentado à mãe de Paridzané, tinha
então mais de 90 anos, e contou palavras que havia dito a seu filho: “O
espírito do seu pai está lá em Marãiwatséde. Quero morrer dentro da
terra de Marãiwatséde.” Ela praticamente não falava, nem levanta de sua
cadeira de rodas. Mesmo assim havia conseguido retornar, acompanhada do
filho. Na época, Paridzané me disse: “Ela veio junto com a gente,
resistiu, lutou, ficou acampada para entrar ao lado dos guerreiros. Era o
sonho dela voltar. Desde que chegou, nunca quis ir para o hospital. Não
quer mais sair.”
Não bastava a vontade dos índios, ou a vontade dos fazendeiros, para
por fim as angústias, seja dos índios, seja dos posseiros inseguros da
posse. Era preciso alguma força maior, um “império da lei” para dirimir
os conflitos. E, principalmente, para reparar uma injustiça histórica. A
operação de desintrusão ora em curso, representa uma nova relação do
poder do Estado com os xavantes, e segundo classifica Paridzané em carta
divulgada pelo Ministério Público Federal, ela é “ótima”.
“Agora a desintrusão já começou. Os anciões esperaram muito tempo
para tirar os não-índios da terra. Sofreram muito. A vida inteira
sofrendo, esperando tirar os fazendeiros grandes.
A lei federal, a constituição, as autoridades estão do nosso lado. As
autoridades da Força Nacional, exército, polícia federal estão do nosso
lado porque a presidente Dilma sabe que a terra é dos xavantes de
Marãiwatsédé.
Agradecemos as autoridades e todas as entidades que nos apoiam nessa luta da verdade contra a mentira. A desintrusão é ótima.”
Joaõ Braga de volta: Agora sim Geraldo Júlio conhecerá o Beco da Facada.
Numa avaliação mais geral, seguramente, ainda é cedo para
concluir muita coisa sobre o secretariado escolhido pelo prefeito eleito do
Recife, Geraldo Júlio. Pontualmente, entretanto, ele parece ter sido feliz na
escolha de alguns nomes, como o de João Braga, para tratar das questões relativas
à mobilidade urbana. Comenta-se que João, quando ocupava a Secretaria de Obras,
numa das gestões de Jarbas, antes mesmo de chegar ao seu gabinete na prefeitura
vinha disparando telefonemas para os seus assessores, cobrando providências
sobre alguns problemas que observava pelo caminho. Anotava tudo. Conhece o
Recife na palma da mão. Certamente levará o prefeito para comer uma buchada e
tomar uma pinga no Beco da Facada. Comentando sobre o assunto, um cronista da
política local afirmou que o governador havia confidenciado que Braga ajudaria
bastante o prefeito a conhecer rapidamente todos os becos da cidade. É verdade.
Antes, se colocássemos Geraldo no Largo Dona Regina ele não saberia mais voltar
para casa. Mas, quem ganhará mesmo é o recifense, com sua larga experiência na
gestão de uma cidade tão complexa.
Eduardo Campos prestigia o PMDB de olho no Planalto.
Eduardo Campos, deliberadamente, parece decidido a fortalecer
o PMDB local. Entregou duas das mais importantes secretarias municipais ao
partido e ainda “pinçou” para a Casa de José Mariano, o agora vereador Jayme
Asfora. Há alguns estranhamentos na relação entre o PMDB e o PSB, embora as
costuras – mesmo que pontuais – esboçam-se desde algum tempo. O PMDB, conforme
afirmamos numa entrevista recente, continua um parceiro estratégico. Na
perspectiva de uma candidatura presidencial, então, suas cartas não podem ser
desprezadas. Sofreu uma refrega nas últimas eleições, mas nada que abale sua
capilaridade e seu poder de fogo. Eduardo Campos sabe disso. Os peemedebistas
também jogam muito bem. Sairiam do colo de Dilma Rousseff apenas se percebessem
em Eduardo Campos uma alternativa real de poder, algo que ainda está em
construção. Por enquanto, matreiramente, adotam a tática do pássaro na mão.
Trabalham com a hipótese de continuarem como parceiros preferenciais para o
projeto de reeleição de Dilma, se tudo der certo, até 2013. Se as coisas
desandarem... Ninguém poderá acusar o “Moleque” dos jardins da Fundação Joaquim
Nabuco de ser um ingrato.
Le Monde Diplomatique: A disputa pelos recursos naturais.
A DISPUTA PELOS RECURSOS NATURAIS |
Para ser ou ouvir Guarani-Kaiowá |
Da
internet para as ruas, a onda de solidariedade traz pressão por justiça
para a segunda maior população indígena do país. Ainda há muito que
fazer por parte de apoiadores, Estado e justiça para superar a situação
de genocídio − especialmente aprender a ouvi-los
|
por Cristiano Navarro |
Não seria necessária uma lupa sobre o povo Guarani-Kaiowá para
constatar a gravidade do processo de genocídio a que nas últimas décadas
está submetida essa que é a segunda maior população indígena do Brasil
(43,3 mil, conforme o IBGE). Segundo dados do Conselho Indigenista
Missionário, entre 2003 e 2011, 279 pessoas do povo Guarani-Kaiowá foram
assassinadas. No mesmo período, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa)
registrou 555 suicídios. A falta de terra acarreta ainda grave
vulnerabilidade alimentar, provocando com frequência morte por
subnutrição entre as crianças.
Estranhamente, no entanto, foi só após a má interpretação de uma carta
que a tragédia teve seu retrato ampliado para boa parte da sociedade
brasileira. Em uma mensagem divulgada no dia 8 de outubro, em resposta a
uma ordem de despejo e reintegração de posse, a comunidade Pyelito Kue,
em Iguatemi (MS), externava sua indignação perante a determinação da
Justiça Federal de Navirai (MS). O texto relatava a impossível
compreensão das 170 pessoas da comunidade com relação à decisão
judicial. “A quem vamos denunciar as violências praticadas contra nossa
vida? Para qual justiça do Brasil, se a própria Justiça Federal está
gerando e alimentando violências contra nós?”, contestava a carta.
Diante de tal situação desoladora, a comunidade afirmava ainda que
resistiria à reintegração de posse até a morte. “Cientes desse fato
histórico, nós vamos e queremos ser mortos e enterrados junto aos nossos
antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por isso pedimos ao Governo e
à Justiça Federal que não decretem a ordem de despejo/expulsão, mas
solicitamos decretar a nossa morte coletiva e enterrar a nós todos
aqui”. Foi exatamente esse trecho da carta sobre resistência que acabou
sendo mal interpretado como uma decisão de suicídio coletivo e chamou a
atenção de milhares de pessoas.
É quase impossível apontar a origem da leitura equivocada. O que se
sabe é que primeiro a confusão tomou conta das redes sociais. Em
seguida, e muito rapidamente, a imprensa passou a publicar matérias
sobre o assunto. Por fim, oito dias após a carta ser divulgada, o líder
do Partido Verde na Câmara, o deputado Sarney Filho (MA), cobrava
publicamente do ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, providências
para evitar um iminente suicídio coletivo.
Quando o boato do suicídio tomou proporções gigantescas, o cacique de
Pyelito Kue/Mbarakay, Apykaa Rendy, decidiu fazer um vídeo para, em nome
da comunidade, explicar que não havia plano de morte, mas sim de vida e
resistência. A voz, até então ignorada, pôde ser vista e ouvida pela
primeira vez em um vídeo no YouTube: “Se for para a gente se entregar,
não nos entregaremos fácil. Se a gente vai se matar ou se a gente vai se
suicidar? Não, nós não iremos fazer isso”, esclareceu Rendy.
Em meio ao clamor pela vida, nasceu a campanha de solidariedade “Somos
todos Guarani-Kaiowá”, em que pessoas, no Facebook, acrescentavam o nome
do povo ao seu sobrenome, demonstrando apoio à luta. Além dos nomes
trocados, protestos em dezenas de cidades dentro e fora do Brasil e
abaixo-assinados foram organizados pela rede social. O apoio foi bem
recebido e a pressão fez efeito. No dia 30 de outubro, a desembargadora
federal do Tribunal Regional Federal, CecíliaMello, suspendeu a
reintegraçãode posse de Pyelito Kue, permitindo aos 170 ocupantes
permanecer em uma área de 1 hectare até o término dos trabalhos de
demarcação de seu território.
De vítimas a suspeitos
Apesar dos sistemáticos crimes de pistolagem encomendados por
fazendeiros contra os Guarani-Kaiowá, até a metade deste ano nenhum não
indígena tinha cumprido prisão por matar um indígena em Mato Grosso do
Sul. Mesmo em casos com provas materiais, testemunhas e réus confessos,
ninguém nunca foi condenado à prisão.
Em julho deste ano, essa história aparentemente começou a ser
reescrita. Beneficiado por uma delação premiada, um homem testemunhou o
ataque de pistoleiros à comunidade Guaiviry, município de Aral Moreira,
em 18 de novembro de 2011. Tendo participado também do incidente, ele
relatou à Polícia Federal (PF) detalhes do violento episódio que deixou
inúmeras pessoas feridas e culminou com a execução e o desaparecimento
do cacique Nízio Gomes, de 59 anos.
Apesar de o inquérito seguir em segredo de justiça, o delator contou
para uma TV local que os fazendeiros decidiram não esperar pela ordem
judicial e resolveram por conta própria retirar as famílias da
comunidade Guaiviry. Segundo o criminoso, a determinação para os
capangas era de chegar atirando. “Velhos, jovens e crianças. Todos, à
força. Era para chegar atirando em todo mundo”, conta.
Na ação foram utilizadas seis armas calibre 12 munidas com bala de
borracha e moedas. “Disseram que era para a gente atirar à vontade
porque não era letal, mas não foi isso que aconteceu. Orientaram para
colocar moedas nos canos das armas para ferir mais, ter mais impacto e
ser mais letal. Foi a ordem passada”, recorda a testemunha.
No início das investigações, a PF chegou a emitir relatórios duvidando
da versão das testemunhas indígenas e trabalhou com a hipótese de que
tudo não passava de uma armação e que o cacique estava vivo. Com o
desenrolar do caso, testemunhas e provas materiais comprovaram que o
plano dos mandantes era sumir com o corpo e comprar uma testemunha
indígena para confirmar a tese de que Nízio estava vivo e escondido no
Paraguai.
No final de julho, a polícia encerrou o inquérito e concluiu que Nízio
Gomes foi assassinado. Seu corpo segue desaparecido. Os dezenove
acusados pela PF responderão por homicídio qualificado, lesão corporal,
ocultação de cadáver, quadrilha ou bando armado, porte ilegal de arma de
fogo e corrupção de testemunha. Entre os que tiveram prisão decretada
estão o presidente do sindicato rural de Aral Moreira, Osvin Mittanck,
catorze funcionários da empresa de segurança privada Gaspem e seu
proprietário, o empresário e ex-policial militar Aurelino Arce. Na ficha
corrida de crimes da Gaspem contra os Guarani-Kaiowá constam a acusação
de pelo menos outros dois assassinatos, tentativas de homicídios e
incêndios criminosos.
Ouvir
Uma imagem verdadeira com informação falsa: a foto é de um
Guarani-Kaiowá com muito sangue escorrendo da cabeça por todo o rosto, e
a legenda diz: “Violência no campo – Guarani-Kaiowá. Segurança indígena
do 18º Encontro de Professores e Lideranças Guarani-Kaiowá é atacado na
noite de ontem por grupo desconhecido com arma de fogo”.
Mas José Villalba não havia sido atacado por arma de fogo nem por
nenhum desconhecido no dia 1º de novembro, durante o encontro, mas sim
caído de bicicleta. Lideranças e professores Guarani-Kaiowá pediram aos
fotógrafos que a imagem não fosse divulgada, mas, depois de publicada na
página do Facebook da Coluna PósTV Guarani-Kaiowá, ligada ao grupo Fora
do Eixo, mais de 3,2 mil pessoas a compartilharam. “Pedimos aos
fotógrafos que não fosse publicada para que não desse uma impressão
errada, mas pelo visto nos desrespeitaram”, lamenta o professor indígena
Anastácio Peralta.
Ainda no afã de dar visibilidade ao genocídio contra os Guarani-Kaiowá,
outros episódios mais graves e sem nenhum fundamento surgiram nas redes
sociais, como as denúncias da participação de um prefeito no estupro de
uma indígena Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue e o assassinato de uma
liderança Kaiowá da terra Yvy Katu − que nunca morreu.
A onda de solidariedade é uma boa oportunidade para avançar na mudança
da cultura do não índio, que não costuma dar ouvido aos indígenas nem
acreditar na voz desses povos.
Cristiano Navarro
Jornalista, é diretor do documentário "Á sombra de um delírio verde"* À sombra de um delírio verde Documentário denuncia a presença de transnacionais no massacre dos indígenas guarani kaiowá no Mato Grosso do Sul http://www.diplomatique.org.br/multimidia.php?id=30 |
04 de Dezembro de 2012 |
Palavras chave: Brasil, indígenas, índios, terra, recursos naturais, violência, guarani, Guarani-kaiowá, justiça, movimento social, fazendeiros, conflito, solidariedade, rede, internet, genocídio, crime, redes sociais, facebook, youtube, mídia, lei, direitos humanos |
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