pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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sexta-feira, 22 de maio de 2015

Editorial do Blog Realpolitik



Nosso blog continua modesto, feito com um grande esforço, mantido por uma única pessoa, o seu editor, com a prestimosa ajuda de alguns amigos. Assim deve continuar, posto que os nossos objetivos são também modestos, apenas o de abrir um espaço para o debate de ideias e emitir nossas opiniões, isentas, republicanas, sobre alguns campos sociais, para usarmos uma expressão do sociólogo francês, Pierre Bourdieu. Notadamente, os campos da política e da educação, duas áreas com as quais temos maior afinidade. Eventualmente, enveredamos por outros caminhos, mas não com a mesma frequência com que tratamos estes assuntos. A princípio, a identidade do blog está consolidada, não significando a abordagem de assuntos relativos às políticas públicas de segurança um desvio ou descaracterização de suas finalidades. Nos últimos dias, por força das circunstâncias, educação assumiu um peso bem mais expressivo no blog. Creio que apenas por força das circunstâncias, como a greve dos professores estaduais, assim como a crise que se avizinha nas universidades públicas, algumas delas funcionando em precárias condições, sob indicativo também de greve. Nos últimos anos, o debate político em Pernambuco caiu bastante, interditado ora por força do poder econômico, ora por força de oligarquias que se sentem "donas" da esfera pública, utilizando de métodos escusos para perseguir, isolar ou intimidar seus críticos. Sim, basta ser crítico e, consequentemente, você se torna um inimigo. Como sempre afirmamos, até mesmo o aparelho de Estado tem sido utilizado, de forma nada republicana, para "desqualificar" os adversários. Não faz muito tempo, através do site de uma instituição federal, publicamos uma série de artigos sobre o Pacto pela Vida. Eventualmente, aqui pelo blog, tratamos dessa questão. Até recentemente, escrevemos um longo artigo sobre o assunto. Confesso que não alcançou a repercussão que imaginávamos. Mas, a blogosfera é a blogosfera. Ela, não raro, nos surpreende. Outro dia, recebemos pelo e-mail, uma recomendação de uma empresa francesa que cuida da imagem pública de Jean-Charles Naouri, no sentido de substituirmos uma foto, que acompanhava uma postagem, por uma outra. Consideramos o pleito razoável e procedemos as modificações. Jean-Charles Naouri, para quem não o conhece, é o manda-chuva do grupo Casino, controlador da rede de supermercados Carrefour e Pão de Açúcar. Ontem, mais uma dessas surpresas. Uma entidade internacional solicitou todas as nossas postagens sobre o Pacto pela Vida, além de alguns dados precisos sobre o aumento da violência no Estado de Pernambuco. Eles monitoram essa questão. Pelo andar da carruagem política, o difícil será encontrar dados confiáveis sobre este assunto, num momento em que o Secretário de Segurança Pública  entra em rota de colisão com Associação dos Delegados de Polícia Civil do Estado. Alguma coisa vai muito mal com o Pacto pela Vida e voltaremos a comentar este assunto logo mais. Também deve ter contribuído bastante para esse interesse uma série de artigos que publicamos em site nacionais, com ampla repercussão nas redes sociais, no calor das duras repressões aos manifestantes, em Pernambuco, por ocasião das "Jornadas de Junho". Durante semanas, alguns desses artigos se mantiveram como os mais comentados em sites como o Viomundo. Até hoje esses artigos repercutem, por um "fenômeno" que desconhecemos. É como se num determinado momento, centenas de pessoas resolvessem acessá-los. O blog dá um "pique" de acessos e depois volta à sua regularidade.  


José Luiz Gomes: Por que os últimos protestos no Recife incomodaram tanto? Quem tem medo dos Black Bloc?

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    publicado em 24 de agosto de 2013 às 10:53
    vídeo do Recife Resiste e do Facebook
    POR QUE OS ÚLTIMOS PROTESTOS DO RECIFE INCOMODARAM TANTO? QUEM TEM MEDO DO BLACK BLOC?
    por José Luiz Gomes
    Não costumo acompanhar os noticiários de uma determinada rede de TV, mas tive a curiosidade de observar sua cobertura local sobre os últimos protestos ocorridos no Recife.
    Sem nenhuma surpresa, a edição dos noticiários correspondeu exatamente ao que se esperava, ou seja, uma ação deliberada no sentido de desacreditar os manifestantes, adjetivando-os de vândalos, baderneiros, depredadores do patrimônio público e privado ou coisas afins.
    Um direcionamento explícito no sentido de criminalização do movimento.
    Em nenhum momento seus repórteres invocaram sobre o que estava em jogo, ou seja, reivindicações legítimas de uma população cujos direitos estão sendo aviltados pelo Estado, ou a leniência do poder Legislativo em encaminhar corretamente suas demandas.
    Para completar o circuito, uma longa entrevista com os responsáveis pela Segurança Pública do Estado, “tranquilizando” o establishment sobre as providências que deverão ser adotadas no sentido de coibir a ação desses “baderneiros”.
    Poderíamos invocar aqui uma série de teorias a respeito do papel da grande mídia nesses episódios que sacudiram o país desde Junho.
    Convocaríamos Gramsci, Louis Althusser e Noam Chomsky para sentarem à mesa, mas os leitores, certamente bem informados, já estão familiarizados com essas teorias.
    Posso assegurar que o cardápio seria mais modesto do que o adquirido pelo Palácio da Abolição (Ceará), que incluía até bolinhas de salmão com caviar, uma orgia gastronômica que custará R$ 3,5 milhões aos cofres públicos.
    Uma tradicional buchada, servida no Bar de Dona Maria, no Mercado de Santa Cruz, possivelmente, deixaria esses teóricos lambendo os beiços.
    Duas coisas em particular nos preocupam. Uma delas diz respeito à postura das autoridades da área de Segurança Pública do Estado.
    Estão batendo cabeça no que concerne a essa questão e isso é muito grave. Sinceramente, desejo todo o equilíbrio ao governador Eduardo Campos, neste momento, para manter a situação sob os rígidos padrões do Estado de direito.
    Muito calma nessa hora para a carruagem não sair dos trilhos, reproduzindo o que vem ocorrendo no Rio de Janeiro, onde o prestígio do governador Sergio Cabral ficou mais baixo do que poleiro de pato, depois de chacinas e “desaparecimentos”, dignos dos momentos de rupturas institucionais.
    Em certo momento, a polícia se diz surpresa com a ação dos manifestantes, mas ora diz saber quem seria o responsável, identificando cabalmente a liderança dos mascarados.
    As ações excessivas, aquelas relacionadas a depredações do patrimônio público, como o incêndio de uma moto da CTTU [Companhia de Trânsito e Transporte Urbano], foram praticadas por pessoas que não estavam utilizando máscaras, como mostram as imagens amplamente divulgadas.
    A solução proposta pela SDS [Secretaria de Defesa Social], portanto, foi a de proibir o uso de máscaras durante os protestos, algo que nos parece, constitucionalmente, não encontrar nenhum respaldo.
    Há registro de casos, durante os protestos que ocorrem a partir de junho, onde a polícia infiltrou-se entre os manifestantes ou agiu sem identificação, o que, aí sim, contraria os preceitos legais.
    Por falar em ordenamento democrático, no que diz respeito aos episódios recentes, surgem nas redes sociais uma série de informações que, se confirmadas, dão uma demonstração de que o governador precisa ficar mais atento às ações do aparato de segurança pública do Estado, sob pena de ser acusado de ser omisso, arbitrário, truculento ou mesmo conivente, o que seria mais grave.
    O jovem que foi atingido por uma bala de borracha no rosto estaria sendo vítima de constrangimentos e ameaças após registrar um BO.
    No final da noite de ontem, também começaram a surgir denúncias de possíveis sequestros de membros do grupo Black Bloc.
    O governador, que costuma realizar reuniões de monitoramente com os seus subordinados, precisa intensificá-las.
    Um outro episódio nebuloso envolve o incêndio de um ônibus, nas proximidades da Rua do Príncipe. Neste caso em particular, louve-se o trabalho dos agentes e delegados que estão diretamente envolvidos na elucidação dos fatos.
    Há indícios de que um bandido conhecido pela polícia como “Cinquentinha” teria recebido dinheiro de uma pessoa não identificada para praticar o ato, o que sugere várias possibilidades, inclusive uma ação deliberada no sentido de sabotagem das manifestações organizadas, entre outros, pelo Black Bloc, tentando responsabilizá-lo pelo ato.
    Muita coisa ainda precisa ser esclarecida sobre esse episódio. Comenta-se, igualmente, que várias quantias de R$ 150,00 teriam sido distribuídas entre os diretamente envolvidos com o incêndio do coletivo.
    A violência é uma constante em nosso cotidiano. Algumas ações de violência — inclusive as perpetradas pelo Estado — passam incólumes entre os porta-vozes das classes dominantes, como a violência funcional, aquela praticada para garantir os privilégios e a “ordem burguesa”, seja pelos agentes do Estado ou até por grupos clandestinos ao seu serviço.
    Muito interessante as postagens das redes sociais sobre a violência simbólica, traduzida por elas como verdadeiros atos de “vandalismo”, como a ausência de escolas públicas decentes, hospitais públicos deficitários, mobilidade caótica e coisas do gênero.
    Por falar em mobilidade, verdadeiros atos de vandalismo estão ocorrendo com o trânsito do Recife. As Av. Cabugá, Agamenon Magalhães, Norte e a Estrada de Belém, nas proximidades da Encruzilhada, estão completamente “travadas” nas primeiras horas da manhã. Em percurso pequeno, entre a Av. Getúlio Vargas, em Olinda, e a Av. Agamenon Magalhães, nas proximidades da McDonald’s, leva-se mais de uma hora. Um verdadeiro massacre.
    Ninguém parece se importar com os negros e pobres massacrados nos bairros periféricos cotidianamente.
    Agora, quando a violência das classes subalternas ultrapassa os limites “impostos”, constituindo-se em violência disfuncional, dessas que depõem contra a ordem estabelecida, aí sim as coisas mudam completamente de configuração, taxando-se de vandalismo tudo aquilo que se contrapõe à ordem burguesa, como afirma o professor Lincoln Secco em brilhante artigo publicado no Viomundo.
    Outro aspecto que nos chama atenção é a proposta do Black Bloc, marcadamente orientada pela democracia direta, anticapitalista, cujos símbolos mais vistosos dos seus ataques são as instituições bancárias e concessionárias de automóveis.
    Os integrantes do grupo não acreditam nos partidos e muito menos nas instituições da democracia representativa burguesa, com o prestigio – não sem motivos – sensivelmente abalado.
    Que estes não nos representam parece óbvio. Representam, na realidade, em sua maioria, interesses corporativos e personalistas, se locupletando da máquina pública para desvios, desmandos, tráfico de influência, enriquecimento ilícito e coisas do gênero.
    Ocorre, entretanto, que fora desse arcabouço institucional deficiente, as soluções não são as melhores, algumas delas historicamente inviáveis.
    Seria fundamentalmente importante criarmos mecanismos de aperfeiçoamento dessas instituições e de controle efetivo da gestão pública, minimizando essas possibilidades de subversão dos interesses de natureza republicana.
    Igualmente espantoso é a leniência dos poderes republicanos em relação às demandas encaminhas pelas mobilizações de rua.
    O que é que efetivamente mudou desde então? Em alguns casos, os governantes chegaram a pilheriar essas mobilizações, numa atitude de profundo desrespeito com a população.
    O “rancor” e a indignação dos jovens estão nas ruas novamente, prometendo um “Setembro Negro”, criando cenários perigosos que poderiam ser perfeitamente evitados se houvesse o compromisso efetivo, por parte dos nossos legisladores e gestores públicos, no sentido de responder satisfatoriamente a essas demandas.
    O maior perigo, como já advertiu um articulista, é que fica evidente que a direita está indo às ruas pela porta da esquerda.

    Foto Flávio Japa, no G1
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    Veja íntegra da nota divulgada pela Frente de Luta pelo Transporte Público de Pernambuco, nesta quarta:
    1. O caos e o campo de batalha que se tornou o centro da Cidade do Recife, nesta quarta-feira (21), tem 3 responsáveis: o presidente da Câmara, Vicente André Gomes (por ter dado um golpe no movimento ao não ter cumprido NENHUM ponto acordado na ocupação da Câmara, além de ter impedido o acesso à Casa Legislativa), o prefeito Geraldo Júlio (por ter prometido o passe livre em sua campanha, e até agora sequer sentou com o movimento) e o governador Eduardo Campos (que permanece silente e negligente em relação à pauta do movimento. Lembramos que estamos nas ruas desde janeiro deste ano, e o máximo que o governo fez foi dar uma resposta formal aos 13 itens formulados pela Frente).
    2. O presidente da Câmara Municipal do Recife fechou a Casa e consequentemente o expediente (mais uma vez!) ao meio-dia, deixando claro de imediato a não-predisposição ao diálogo com o movimento. Estamos tentando diálogo com o Poder Público desde 21 de junho do presente ano, sem lograr êxito, com todos os protestos ocorrendo até então de maneira pacífica.
    3. Neste sentido, tiramos como estratégia política intensificar as mobilizações de rua para que o Poder Público perceba a pressão e o nível de indignação popular com o descaso no transporte público. Até então, apenas o vereador Raul Jungmann se apresentou na entrada da Câmara Municipal, quando estávamos em passeata, ou seja, a comissão instituída para tratar do passe livre não nos procurou, nem estava na Câmara, inclusive, seria ilógico, porquanto se a Câmara estava fechada.
    4. A Polícia Militar de Pernambuco, através da Rádio Patrulha, assim como faz todos os dias nas periferias e favelas do Recife, chegou atirando bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e balas de borracha quando os manifestantes se encontravam na altura do Cinema São Luiz. Esta ação da polícia deixou vários cidadãos feridos, entre eles, dois garis que faziam a limpeza pública, uma estudante secundarista e um estudante universitário, além de alguns jornalistas. No calor do confronto, é muita ingenuidade achar que as pessoas não se protegeriam frente aos ataques da Polícia Militar, que parecia descontrolada. Por óbvio, nos defendemos com o que estava disponível. Mas, esclarecemos que A FRENTE não tinha, sequer cogitou, como tática política QUALQUER tentativa de depredação ou ação direta ao Cinema São Luiz. Importante frisar que a Frente apenas puxa os atos, mas estes são do povo, abertos para que qualquer grupo ou pessoa participe.
    5. Na volta para Câmara Municipal, fomos recebidos com mais repressão da Polícia Militar e da Rádio Patrulha, e mais uma vez o confronto e o campo de batalha se formaram. Não eram só os manifestantes do Passe Livre que se defendiam; ambulantes, trabalhadores, transeuntes, todos e todas se defenderam dos ataques da Polícia da maneira que podiam.
    6. O recado das ruas e da pressão popular está dado. Não aguentaremos mais golpes, mentiras e falácias. Intensificaremos as mobilizações até que a CPI do Transporte Público seja instaurada, o Projeto de Lei do passe livre tramitado e aprovado, e as audiências com Geraldo Júlio e Eduardo Campos, marcadas.

    (Publicado no blog Viomundo)
     
     
     
    Nota do Editor: Publicado no site Viomundo, ainda no domingo, o presente artigo alcançou nas redes sociais uma repercussão que merece ser registrada: Mais de 800 curtidas na Rede Facebook, 17 tuitadas e e dezenas de comentários que, certamente, contribuíram para aprofundar o debate sobre as manifestações de rua que ocorrem em todo o Brasil desde o mês de Junho. Um aspecto curioso ( e preocupante), como já advertiu Zizek, é a tendência ao "endurecimento" do exercício do poder político, fenômeno que vem se verificando principalmente nos Estados do Rio de Janeiro e Pernambuco. Em Pernambuco, artigo escrito pelo professor Michel Zaidan Filho, publicado no nosso blog, denuncia o problema. No site Viomundo o leitor terá a oportunidade de acompanhar comentários mais densos sobre o artigo, seja reconhecendo suas qualidades, seja se contrapondo à nossa possível defesa dos "baderneiros", o que não corresponde à realidade dos fatos. Defendemos, isso sim, a ampla liberdade de expressão e manifestação. Pelas redes sociais, por razões óbvias, os comentários são mais telegráficos, permitindo sua publicação. Muito grato a todos pelas observações. Um forte abraço.
     

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Vamos à luta, professores de Pernambuco.





No dia de ontem, ocorreu uma mobilização dos policiais civis do Estado de Pernambuco. A categoria anda inconformada com as condições de trabalho e a ausência de uma política de recomposição salarial. Segundo o SIMPOL, o sindicato da categoria, o Estado paga o menor salário a um policial civil no Brasil. Quando foi concebido, o Pacto pela Vida previa uma série de medidas com o objetivo de beneficiar o trabalho da Polícia Judiciária, como premiações, promoções por merecimento, investimentos objetivando melhorar as condições de trabalho do policial e coisas do gênero. Algumas dessas promessas ficaram apenas no plano das intenções. Até mesmo os índices de resolutividade de delitos ficaram comprometidos, posto que os inquéritos eram feitos às pressas, não raro significando a sua devolução pela Justiça. Em última análise, até essa estatística, a rigor, precisaria ser revista. A mobilização dos policiais civis foi de advertência, mas tudo caminha para uma possível greve, a julgar pela ausência de diálogo e negociação da categoria com o Governo do Estado. 

Aqui pelas redes sociais, sabe-se de uma assembléia decisiva dos professores para o dia 29 de maio onde, provavelmente, será decretada uma greve por tempo indeterminado. Desde o início, afirmamos que esse desfecho seria quase inevitável. O Governo advoga a tese da absoluta ausência de condições de atender ao pleito da categoria, em razão do contingenciamento da receita estadual. Os professores, por sua vez, já não aguentam mais a chafurdação em torno dessa conversa sobre o piso salarial. Mas, o que mais nos chamou a atenção foi uma publicação do Centro Luiz Freire sobre os gastos do Governo do Estado, com publicidade institucional, para convencer a população de que o Governo, digamos assim, vem fazendo seu dever de casa com as questões relacionadas à educação, inclusive tratando dignamente os professores. Foram gastos mais de 800 mil reais com essa brincadeirinha, distribuídos por diversos veículos de comunicação. 

Não sabemos precisar o comprometimento da folha de pagamento caso o Governo do Estado resolvesse atender ao pleito da categoria dos professores, mas eles alegam que estão no limite da Lei de Responsabilidade Fiscal. Certamente esse montante seria expressivo em qualquer circunstância, ainda mais para um Estado que estabeleceu acordos com empreiteiras, em negociações não necessariamente muito sadias ao interesse público. Também não vale aqui o raciocínio de que o Governo tem recursos para a publicidade institucional e não tem recursos para recompor as perdas salariais dos professores. Como diria nossos professores de matemática, não daria para comparar essas grandezas. São muito desproporcionais. Agora, numa coisa, tanto os professores quanto as outras categorias de servidores do Estado que criticam a postura do Governo Paulo Câmara têm razão: há uma dinâmica interna de estabelecimento de prioridades bastante invertida e lesiva aos interesses dos servidores e da população.

Para usarmos uma expressão do sociólogo Gilberto Freyre, o Estado está "inchado" de cargos de confiança, como resultado de acordos políticos para abrigar aliados e aparentados. Justiça seja feita, o ex-governador dos olhos verdes, já no final do seu segundo mandato, estava usando a tesoura, que parece ter cegado na gestão do afilhado. Outro grande problema é essa política de renúncia tributária e patrimonial, que, na realidade, compromete a receita estadual e, de quebra, não produz os resultados alardeados. A Arena da Copa, por exemplo, vem se revelando um grande malogro, uma cipoada a ser paga com os recursos dos nossos impostos, de resultados profundamente duvidosos. Um outro fato a ser exposto é a lógica de um Governo sustentada em cima de um mega investimento em publicidade institucional. Nisso, o senhor Paulo Câmara parece reproduzir os ensinamentos do padrinho político. Esse número específico, levantado pelo Centro Luiz Freire, deve ser "fichinha" diante do montante destinado à publicidade institucional. Os pernambucanos só tomaram conhecimento da verdadeira realidade - perdoem-me os professores de língua portuguesa - quando o governador Eduardo Campos morreu. Não se trata aqui de afirmar que isso decorreu de uma "descontinuidade de gestão" - até porque se trata de um ungido - mas que o Paulo Câmara, de fato, encontrou alguns cactos na cadeira que ocupa no Palácio do Campo das Princesas. E tem que aguentar calado as espetadas... 

Que nos perdoe o Papa Francisco, mas discutir a relação nessas circunstância é, de fato, muito complicado. Penso que dá divórcio. Na agenda pública dos nossos governantes, educação continua não sendo prioridade. Ainda no dia de ontem, por aqui mesmo, discutíamos o gigantesco fracasso que deve ser esse Plano Estadual e Municipal de Educação, com data limite de entrega prevista para 25 de Junho. Durante os protestos da chamada "Jornadas de Junho", Pernambuco foi um dos Estados mais violentos na repressão aos manifestantes. Esperamos que o senhor Paulo Câmara não radicalize contra os professores, assim como ocorreu no Estado do Paraná. Como professor, eu também estou com vocês. Vamos à luta.  

Educação no campo: a estratégia dos usurpadores

Em parcerias com as secretarias de educação, as gigantes dos agrotóxicos e transgênicos querem ensinar nossas crianças como cultivar os alimentos.



Najar Tubino
reprodução
Usurpar significa apossar-se, para este texto, foi o sinônimo melhor adequado para tratar dos projetos socioambientais das corporações dos agrotóxicos no Brasil. A maior parte deles realizado em parcerias com as secretarias de educação dos municípios e de governos estaduais. O mais antigo deles é o da Syngenta chamado Educação no Campo, que nos últimos anos atendeu milhares de alunos nos principais estados produtores. Além disso, a Associação Nacional de Defesa Vegetal (ANDEF), que reúne 14 empresas, sendo as sete maiores do mundo – Syngenta, Bayer, Basf, Dupont, Dow, Monsanto e FMC. As seis maiores faturaram em 2013 mais de US$ 62,74 bilhões. O único dado de 2014 é da Bayer – 9,464 bilhões de euros. No Brasil elas faturaram US$12,2 bilhões em 2014, crescimento de 6%, conforme informações do presidente da ANDEF, Eduardo Daher – “nós esperávamos crescer 9%”. Em 2010, as mesmas seis corporações tinham faturado US$52,1bilhões.
Por que da usurpação? Porque os projetos socioambientais das corporações que espalham veneno e sementes transgênicas, que também são venenosas, tem como tema a produção de alimentos saudáveis e seguros, e também a proteção do meio ambiente. Uma explicação de Eduardo Daher sobre os projetos educacionais da ANDEF:
“- O agronegócio está no DNA dos brasileiros, mas ainda é pouco discutido nas escolas. Buscando disseminar conhecimento sobre ciência e sustentabilidade no agronegócio, a ANDEF faz um trabalho junto aos estudantes em todo o país, da pré-escola ao MBA”.


A cartilha distribuída pela ANDEF - crença

Para isso criaram um mascote, o Andefino, em parceria com a Secretaria de Educação de Campinas, contemplando 50 escolas municipais da região, que percorre os estabelecimentos de ensino contando estórias sobre a agricultura. A base desta divulgação é uma cartilha intitulada “Pequenas histórias de plantar e colher”, da jornalista Ruth Bellinghini, que conta a saga do agronegócio no Brasil, conforme a divulgação oficial. É uma cartilha com a visão da agricultura que as corporações divulgam pelo planeta afora com 64 páginas, um histórico sobre domesticação de plantas, muita coisas sobre as terríveis pragas e ervas daninhas. Para então introduzir conceitos como esse:
-“Desde essa época – a autora registra o lançamento do livro da Rachel Carson denunciando o envenenamento dos campos nos Estados Unidos – muita gente começou a desconfiar de quase tudo o que vem da química e da indústria. De lá para cá, muita coisa mudou. Os produtos agora são mais controlados e seguros, e os agricultores têm meios de obter informações sobre quanto, quando e como aplicá-los.”
Sobre o cultivo de orgânicos: “cresceu muito nos últimos anos na esteira do movimento ambientalista e da crença de que fertilizantes e defensivos químicos são perigosos para a saúde humana e para o ambiente. Existem normas para o cultivo desses produtos e recomendações de uso”.
Venenos banidos em seus países de origem, que são principalmente a Alemanha e os Estados Unidos – agora como forma de desvirtuar as legislações nacionais, na China ou na Índia – por provocarem câncer, doenças no sistema nervoso, alterações no metabolismo e no aparelho reprodutor de humanos, sem contar a contaminação das águas e de lençóis freáticos são tratados dessa forma. A cartilha teve uma tiragem inicial no ano passado de 10 mil exemplares e foi enviada para quatro mil escolas brasileiras. No final de 2014, a ANDEF firmou um convênio com as secretarias de Agricultura e Educação para entregar a cartilha a mais 3.800 escolas no estado de São Paulo. Tem um tópico da cartilha destinado à indústria canavieira e a produção de etanol.


Transgênicos são seguros, diz a cartilha

É óbvio que os transgênicos fazem parte da saga do agronegócio. A autora mostra como é a transferência de um gene do DNA da lagarta BT, que é um inseto, para uma planta produzir a mesma toxina, que outra lagarta logo comerá e morrerá. Com exceção da Helicoverpa Armigera, que é uma lagarta de outra espécie e que tem assombrado os mentores do agronegócio em todos os estados brasileiros. Ou então o Omega3, que ajuda a combater o colesterol e os triglicerídeos.
“- Essa técnica provoca muita discussão – a transgenia – mas a FAO e as academias de ciências afirmam que esses são os alimentos mais testados e seguros que a humanidade já produziu”.
A ANDEF também um programa de certificação aeroagrícola sustentável chamado CAS, coordenado por universidades reconhecidas como a UNESP, de Botucatu, a Universidade Federal de Lavras e de Uberlândia. Quarenta empresas, 168 aeronaves e 143 pilotos já aderiram ao projeto. A entidade explica o motivo da iniciativa:
“- A aplicação aérea de defensivos agrícolas é uma atividade extremamente importante para a agricultura em larga escala no Brasil. Em um país de dimensões continentais como o nosso as fazendas tendem a ocupar áreas maiores – em alguns casos as plantações podem se estender por centenas de quilômetros. Nesses casos é quase impossível fazer um controle de pragas eficiente utilizando apenas o maquinário convencional.”


Syngenta começou por São Paulo

A Syngenta, que desde 1991 iniciou o projeto Escola no Campo em parceria com a Secretaria de Educação de São Paulo, é uma empresa anglo-suíça que foi a maior produtora de venenos do mundo – teve faturamento em 2013 de mais de US$14 bilhões. O objetivo era formar uma nova geração de agricultores conscientes da necessidade de preservar o meio ambiente e usar a tecnologia para a produção de alimentos mais saudáveis.
“- Para cumprir esse objetivo foi desenvolvido um programa didático que é usado em escolas rurais. O projeto conta com a participação ativa dos professores, que inserem os conteúdos educativos do projeto, na grade curricular das séries atendidas. Na Escola do Campo os jovens são estimulados a transmitir o que aprendem para suas famílias e para a sociedade em que vivem. Dessa forma, o projeto também assume papel importante na conscientização dos adultos sobre os conceitos da agricultura sustentável”.
Em determinado momento, depois de analisar o discurso socioambiental das corporações, comecei a alterar os verbos. De usurpar para escarnecer, como forma de acentuar o menosprezo, o desprezo, que estes grupos globais adotam para lidar com a inteligência do ser humano. No caso da Dupont são cinco projetos especiais voltados para o uso correto e seguro dos agrotóxicos – eles só usam o termo defensivos agrícolas, embora uma lei federal de 1989 defina o termo agrotóxico com clareza. É a Plataforma Segurança e Saúde e inclui os programas Dupont na Escola, Dupont Mulheres no Campo, Dupont Natureza e Dupont Universidade. Cada um deles tem uma frase-âncora, como define a corporação.


Meu herói, o agricultor

No caso das mulheres, esposas e filhas de agricultores que frequentam os eventos, que os representantes comerciais das regiões do interior do país organizam – eles vendem os venenos e organizam a educação socioambiental- a frase-âncora é: “filhas da terra, donas da vida”. No projeto Uso correto e seguro a frase é “sua saúde é nossa vida”.
“- Inspirados nos valores corporativos da Dupont os projetos visam melhorar a qualidade de vida das pessoas, comunidades e também estimulem a produção de alimentos seguros e saudáveis. A plataforma Dupont Segurança e Saúde no Campo atingiu mais de um milhão de pessoas nos últimos anos. O Dupont na Escola está beneficiando milhares de crianças de escolas rurais com idades entre 7 e 10 anos a desenvolver trabalhos sobre boas práticas agrícolas. Premia alunos e professores com materiais didáticos e tem como tema: Meu herói, o agricultor”, informa a Dupont em seus comunicados oficiais.
Para complementar este festival de anúncios educativos sobre alimentação segura e saudável, patrocinado pelas corporações que envenenam o planeta há décadas e que agora estão assustadas com o crescimento da agroecologia e da produção orgânica no mundo – US$39,1 bilhões a comercialização de orgânicos apenas nos Estados Unidos em 2014. E, por consequência, com as mudanças climáticas, que evidencia a falência dessa fórmula de produção baseada em fertilizantes químicos e venenos com alta intensidade. Os lençóis freáticos estão tomados de salinidade no sul da Ásia e na Índia, a desertificação avança em vários continentes, os rios estão empanturrados de terra erodida.


Disputa pelas mentes

Agora as corporações entraram na disputa pelas mentes, querem convencer a população do planeta que sem venenos e transgênicos não existe outro alternativa para produzir comida. A Bayer é a corporação que entrou com tudo nesta questão. Lançou a plataforma “Farming’s Future Dialogues”. O executivo chefe da Bayer Cropscience, Liam Condon explica o objetivo:
“- O diálogo com a sociedade tem uma importância crucial para que a inovação tenha sucesso. Portanto, o maior nível de transparência sobre como exatamente as soluções agrícolas beneficiam a sociedade é uma obrigação para a sua ampla aceitação. Desta forma a Bayer Cropscience está intensificando o diálogo público para promover a necessidade e os benefícios da ciência e inovação na agricultura. Muita gente confia na abundância de alimentos. Mas o sistema é frágil, necessita de inovação constante e apoio para garantir que o mundo disponha de alimentos suficiente para seu consumo”.
Tudo isso para argumentar que o lançamento de um novo agroquímico leva mais de 10 anos e custa 200 milhões de euros. A corporação também insiste que os seus novos tratamentos de sementes de milho, soja, trigo e outras oleaginosas com produtos chamados neonicotinoides são seguros. A União Europeia proibiu o uso dos neonicotinoides porque foram apontados como responsáveis pelo sumiço das abelhas.    
A Bayer faturou US$2,98 bilhões com estes agrotóxicos, inseridos nas sementes antes da germinação, e pretende faturar até 2020 US$5,61 bilhões. Eles reduzem a superfície tratada em 10 vezes e em até 200 vezes se comparada com a aplicação pulverizada.
Para não alongar mais, e com a troca do verbo agora para escorchar, significa tirar a pele ou o revestimento, no caso das corticeiras, apenas citarei os projetos da Basf chamado Mata Viva de Educação e Adequação Ambiental e o programa Crianças Saudáveis, Futuro Saudável, que a Fundação Monsanto pratica em escolas para diminuir a anemia e a verminose, sem contar o Monsanto na Escola, com atividades de complementação pedagógica, melhorar a qualidade de vida, das crianças que são vizinhas à fábrica de venenos da empresa em São José dos Campos (SP).
Escorchado quer dizer esfoliado, é o que se pode dizer frente ao poder das corporações dos agrotóxicos para continuar expandindo o agronegócio brasileiro e mundial. Por um lado, financiam as campanhas da bancada ruralista, que aprovou o Código Florestal, que simplesmente reduziu tudo o que era área de preservação permanente e matas ciliares, somente para simplificar. Do outro, querem conscientizar as crianças do campo a preservar. Por fim, saudável quer dizer conveniente à saúde.



(Publicado originalmente no Portal Carta Maior)

Tijolinho Real: Em seu programa, o PSDB mostra porque não é alternativa ao PT

Pelas contingências impostas, me sinto na obrigação de acompanhar os programas partidários, transmitidos em horário nobre, pelas redes de rádio e TV. Algumas expectativas já são aprioristicamente formadas, como se nós já soubéssemos o que viria por aí, sobretudo quando se trata do programa de uma agremiação partidária que faz oposição ao atual governo. No dia de ontem não foi diferente. Evidente que os tucanos iriam explorar ao máximo os problemas de corrupção no país, de preferência atribuindo ao PT as causas e consequências de todas essas mazelas, colocando mais fermento nesse bolo, como aliás, tem sido a prática de alguns setores da sociedade brasileira, notadamente oriundos da classe média tradicional. Essa classe média, segundo os estudos do sociólogo Daniel Pereira Andrade, da FGV, está transferindo a agressividade que vive cotidianamente no trabalho - como resultante dos modernos métodos de gestão - contra o governo e os trabalhadores pobres emergentes. 

Os tucanos estão adotando uma estratégia bastante conhecida, que consiste em replicar no outro os defeitos que você tem. Quando, depois de uma batalha jurídica, o saudoso Leonel Brizola conseguiu um direito de resposta emblemático nas organizações Globo, ele afirmou um pouco isso, ao dizer que os Marinhos costumavam enxergar nos outros ops defeitos que eles tinham. Os problemas de corrupção na estatal Petrobras são históricos, envolvendo diversos governos, inclusive os governos tucanos, a julgar pelos depoimentos prestados,até o momento, pelos envolvidos, beneficiados pela delação premiada. Os tucanos fazem isso de caso muito bem pensado. Disseminou-se a tese de que todos os males da Petrobras podem ser creditados aos governos da coalizão petista. Uma manobra ardilosa, que esconde interesses obscuros, para muito além da reconquista do Palácio do Planalto. Esse desgaste da imagem do PT seria inevitável e há até quem anteveja uma derrota do Partido em 2018, como o cientista político Octávio Amorim, tendo como um dos fatores mais relevantes o desgaste de imagem provocados por esse discurso. 

Os tucanos adotam aqui uma lógica bastante pragmática, de corte maquiavélica, explorando um discurso, em certa medida por eles mesmos construído, contra o Partido dos Trabalhadores. Um programa partidário, entretanto, seria muito mais do que apontar o dedo acusador contra os adversários, escondendo, debaixo do tapete, as mazelas cometidas por eles durante o período em que foram governo, inclusive no quesito corrupção, onde possuem pós-doutoramento. Este seria o momento de o partido comunicar-se com o eleitorado, apresentar suas propostas para o país, cumprir o seu papel dentro de um sistema político representativo, apresentando-se como uma alternativa para o exercício do poder. Não foi bem isso o que observamos. Talvez porque os tucanos não sejam alternativa mesmo. Os tucanos não possuem nenhuma moral para criticar eventuais desvios de conduta de alguns petistas. Num passado recente, se lambuzaram o quando puderam em falcatruas e desvios de recursos públicos, dilapidaram o patrimônio nacional e praticamente ignoram o andar de baixo da sociedade brasileira. Por aqui, não passarão. 

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Tijolinho Real: E os tais Planos Municipais de Educação?

 
 

 
Pelo andar da carruagem política, vamos ter muitos problemas com os Planos Estaduais e Municipais de Educação. O artigo 8.o da Lei 13.005/2014 informa que até o dia 25 de junho deste ano os Estados e Municípios deverão ter isso pronto, mas os debates e discussões sobre o tema andam a passos de tartarugas. Há uma série de percalços em todo esse processo, a começar pelos problemas de comunicação entre o Governo Federal,  Estados e os municípios. Aliás, esses problemas de comunicação são mais comuns do que se imagina, envolvendo outras linhas de atuação do Governo Federal. Não se trata aqui de uma questão deliberada, mas o problema existe e, como tal, não pode ser negligenciado. Talvez tenha faltado aqui uma maior mobilização no sentido de conscientizar os gestores municipais sobre a importância de construir, em articulação com o Governo Federal, um plano de educação do município. 

Claro que o Governo Federal não pode ser responsabilizado pelos gestores municipais que não dão a mínima para essa questão. E olha que não são poucos, embora essa articulação se apresente como fundamental para a concepção e implementação de políticas públicas para o setor, com chances de êxito. Um dos problemas mais evidentes dessa desarticulação entre o Governo Federal e os municípios ocorreu na época da municipalização da educação básica, durante o Governo de Fernando Henrique Cardoso. A medida foi empurrada goela a dentro, pegando a maioria dos municípios brasileiros com um funcionamento bastante precário das condições de educação. Não havia transporte escolar, não havia professores preparados, não havia carteiras, não havia sequer água potável. Uso o verbo no pretérito, mas a situação não mudou muito desde então em alguns municípios.  O que não faltava mesmo eram as falcatruas e malversações de recursos destinados para a educação.

E aqui faço mais uma observação sobre o quanto este problema é sério. Uma das teses mais propaladas no sentido de justificar a a municipalização do ensino básico era a de que o seu controle se tornaria mais democratizado, mais próximo do cidadão, que poderia abrir um canal direto de comunicação com os gestores locais, tornando-se mais simples o seu acompanhamento. Logo isso se mostraria uma grande falácia, assim como outras tantas. Os canais entre o cidadão e os gestores municipais da educação não seriam tão desobstruídos assim como se imaginava. E aqui estamos diante de mais um problema. A ausência de uma cultura de diálogo e acompanhamento das questões relacionadas à educação, envolvendo munícipes e poder público. Em última análise, os possíveis atrasos nesses debates sobre a construção dos planos municipais de educação tem raízes históricas, exigindo um amplo processo de quebra de paradigma, algo que exige muitos encontros de conscientização. 

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Michel Zaidan Filho: Ainda é cedo para comemorações




                                    

                          No contexto de ajuste das contas públicas e demora no repasse  de verbas para o funcionamento das universidades públicas, os gestores das IES deveriam se acautelar diante da possibilidade (iminente) da deflagração de uma greve nacional dos docentes universitários. A primeira, aliás, desse segundo mandato da presidente Dilma. A situação não é nada boa: nem do ponto de vista da manutenção das universidades, nem do ajuste de salário, haja vista uma inflação de quase 8% ao ano. Diante da crise (e do ajuste fiscal), duas posturas são esperadas, a do reitor que, comprometido com os interesses e necessidades da comunidade acadêmica, apoia esse movimento, fazendo-se solidário com ele; e o papel de gerente interno do Governo Federal. Qual desses papéis, esse reitor reeleito vai desempenhar?

                            Há dois aspectos relacionados ao histórico desse gestor que merecem ser considerados: primeiro, a docilidade e servidão que tem caracterizado sua gestão, em relação ao Governo Federal (marca, aliás, do seu antecessor). Apesar do “sorriso de aeromoça”, de sua fácil comunicação social e a imagem de “bom moço”, o perfil administrativo do atual reitor não deve enganar ninguém: ele é um fiel servidor das políticas do Governo Federal, não um advogado de sua comunidade acadêmica. Não se espere desse gestor nenhum gesto de autonomia, independência ou coragem no que diz respeito à defesa intransigente das reivindicações dos professores, estudantes e funcionários. Ele deve se comportar como um servidor (ou serviçal) perante o MEC e a política de contingenciamento dos recursos federais. 0 outro aspecto está associado à legitimidade (ou o custo dela) de seu segundo mandato. E aqui a coisa se complica. 

                     Os métodos utilizados na campanha eleitoral e a forma de angariar votos entre docentes e discentes nos vários centros da UFPE tornam essa legitimidade comprometida. As redes de clientelismo que existem e foram reforçadas, durante a campanha eleitoral, começam na própria reitoria da instituição universitária, passam pelas pro-reitorias e pelos seus diretores, pelos órgãos suplementares da UFPE, pelas demais “campi” da nossa universidade, se estendendo pelos centros e suas diretorias, coordenações de curso e chefias de departamento. Essas redes são abastecidas por um fisiologismo de corar os deputados evangélicos, comandados pelo sr. Eduardo Cunha. E não se trata grandes promessas ou prioridades administrativas. São cargos, editais de pesquisa, bolsas, equipamentos etc. Essa é a moeda de troca das redes clientelísticas da UFPE. Como a experiência histórica tem fartamente demonstrado, esse tipo de apoio é precário e custoso, não merece a menor credibilidade. Quem troca cargos por apoio sabe quão inseguro e temporário é esse apoio.

                       Diga-se, de passagem, que os reitores que se elegeram já na época de Lula e de Dilma frustraram profundamente os anseios da comunidade universitária. E se tornaram consultores e conselheiros do Governo Federal. É o velho e conhecido fenômeno do “transformismo”. Uma vez investidos do cargo de dirigentes universitários, num passe de mágica, mudam de lado e passam a tratar os docentes e discentes na base do troca-troca.

                        Menção especial vai para o atual presidente da Associação dos Docentes da UFPE, prof. Gilberto. Este militante sindical não só procurou desacreditar os apoiadores da candidatura do professor Edilson, através de várias acusações, como hipotecou publicamente o seu apoio ao atual reitor. Quem precisa de um dirigente sindical, como esse, num momento de turbulência e dificuldades para o financiamento das IES, como o que estamos prestes a atravessar? – Já se vê que sua postura deve ser a defesa incondicional do seu candidato, à frente da reitoria da UFPE.
                        Se não fosse um militante histórico – desde o Congresso de fundação da Andes, na cidade de Campinas (SP) nos idos dos anos 80 – da minha categoria profissional, eu me desfiliava dessa entidade em protesto à conduta desprimorosa desse dirigente sindical.

                        Por tudo, ainda é muito cedo para comemorar. Ganhar não é tudo. Mas importante é honrar os compromissos assumidos publicamente com aqueles que acreditaram nas promessas do vencedor.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE.


domingo, 17 de maio de 2015

Tijolinho Real: A canonização de Dom Hélder Câmara

O teólogo Gustavo Gutiérrez recentemente esteve no Vaticano e foi muito bem recebido pelo Papa Francisco. Com o gesto, o Papa abriu o diálogo com uma das correntes mais rejeitadas pelo conservadorismo da Igreja Católica, a Teologia da Libertação. Tudo foi muito simbólico neste encontro, a começar pelas observações de Gutiérrez, indicando que talvez seja o memento de falarmos de uma era de pós-pobreza. Nada mais emblemático para quem, na Igreja, sempre defendeu uma linha de opção preferencial pelos pobres. Como mesmo afirmou o padre peruano, já que se fala tanto em pós-capitalismo e pós-socialismo. No país, existem alguns teólogos famosos ligados à essa teologia, como o Frei Beto e Leonardo Boff. Mas, para nós pernambucanos, talvez a figura mais identificada com essa linha de pensamento seja mesmo o eterno arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara muito identificado, igualmente, com a luta pelas direitos humanos no país, em momentos bicudos, como o da Ditadura Militar. Impossível de esquecer, no entanto, o Dom Hélder das Comunidades Eclesiais de Base, da luta pelas mais humildes. Já no final do seu episcopado, Dom Hélder sentiu o peso das medidas conservadoras do Vaticano. Resignou-se fora dos palácios - que, aliás nunca ocupou - naquela igrejinha humilde da Rua das Fronteiras, bem ao seu estilo. Agora, com um Papa que se propõe ao diálogo, vejo que ele pode ser reabilitado. Vou cometer a heresia de afirmar que este Papa está botando para lascar. Pediu pressa aos assessores nos processos que envolvem a beatificação de Dom Hélder e Dom Oscar Romero, que foi assassinado durante a guerrilha salvadorenha.

Pensamento do filósofo Michel Foucault ainda incomoda muita gente.


De acordo com a Fundação São Paulo, os estudos do filósofo “não coadunam com os valores da igreja”, o que justificaria a não criação da Cátedra com seu nome na PUC-SP
Por Marcelo Hailer*
Foi com alegria quando, em 2011, recebemos a notícia da parceria entre o Collège de France e a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), onde a instituição brasileira seria a primeira do mundo a receber cópias dos áudios dos 13 cursos que o filósofo Michel Foucault ministrou na instituição francesa. Como contrapartida, uma Cátedra Michel Foucault seria criada. Fato importantíssimo, visto que a PUC-SP seria a primeira instituição do mundo a disponibilizar para pesquisa os cursos do filósofo.
Porém, foi com espanto que recebemos a notícia de que o Conselho Superior da Fundação São Paulo, mantenedora da PUC, recusou a criação da Cátedra Michel Foucault no início deste ano. O fato se tornou público na última reunião do Conselho Universitário (Consun). A censura e intervenção contra a criação da Cátedra foi deliberada pelo Conselho Superior, órgão máximo constituído pela reitora Ana Cintra, bispos da Arquidiocese de São Paulo e o cardeal dom Odilo Scherer.
De acordo com relatos, a censura se deu por que os pensamentos do filósofo “não coadunam com os valores da igreja”. O que espanta é que o Conselho Superior tenha levado mais de 40 anos pra descobrir isso, visto que a PUC-SP é internacionalmente conhecida pelos vários estudos e grupos de pesquisa ligados à sua obra. Portanto, a censura do Conselho se dá por dois motivos: 1) Moral: Michel Foucault era homossexual, crítico da igreja e foi uma das primeiras pessoas públicas a morrer de aids na França; 2) Político: apesar da PUC ser uma referência em estudos foucaultianos, a universidade não tinha um ligamento oficial com o filósofo, a partir do momento em que a Cátedra fosse criada, a instituição passaria a ser visitada por pesquisadores do Brasil e da América Latina por conta dos áudios de seus cursos.
Também não é possível ignorar o momento político em que o Brasil está mergulhado. Desde que os grupos de direita resolveram ir pra rua foi estabelecida uma agenda (que não é nova) de estigmatização não apenas de grupos políticos, mas também de epistemologias historicamente ligadas ao pensamento de esquerda. Ora, e Michel Foucault foi um militante da esquerda francesa, obras como Vigiar e Punir, Anormais e os três volumes da História da Sexualidade são análises críticas aos dispositivos de controle e vigilância das instituições conservadoras e claro, entre elas (principalmente), a Igreja Católica e o seu papel na disseminação de conceitos patologizantes contra os sujeitos “demoníacos” e “perigosos”, entenda-se comunistas, bichas, aborteiras, feministas… O seu pensamento ainda é uma arma política que incomoda, assim como os estudos de Karl Marx são, também, motivo de perseguição das instituições conservadoras.
É dentro deste contexto que devemos compreender a censura à Cátedra Michel Foucault, pois apenas o fator ideológico é que explica uma sandice desta envergadura contra a universidade, que já sofre com evasão de alunos e que vai contra toda a história da PUC-SP, berço de movimentos, pensadores e ativistas políticos do campo progressista do Brasil.
Escândalo internacional
Trata-se de um escândalo e vergonha internacional. Segundo o professor Márcio Alves da Fonseca, em declaração ao jornal O Estado de São Paulo, os áudios, que foram doados em 2011 pelo Collège de France e teve intermediação do Consulado-Geral da França, à época foi pedido que a universidade criasse uma Cátedra Michel Foucault como forma de contrapartida, com a censura do Conselho Superior, existe o risco de que estes áudios tenham que voltar a Paris, o que seria uma perda acadêmica inestimável.
Esta atitude não deixa de ser irônica. É impressionante o poder político e o incômodo que os estudos de Foucault exercem aos setores religiosos e conservadores. E é aí que reside a ironia deste triste fato: que hoje ele, mesmo depois de morto, seja vítima daquilo que mais denunciou a sua vida inteira: os dispositivos disciplinares perpetrados por instituições, tais como as escolas e igrejas, que não tem outra meta senão formatar sujeitos e rasurar o pensamento crítico.
Pode ser que, ao ter em suas mãos o poder de censurar Michel Foucault, o Conselho Superior tenha resolvido se “vingar” do filósofo e ,assim, além de eliminar a Cátedra, acabaram também com a autonomia acadêmica da PUC-SP e a transformaram em símbolo de vitória para aqueles que hoje pedem o retorno de 1964 e a eliminação dos “vermelhos”. Este fato só nos reforça a certeza da importância e atualidade dos estudos de Michel Foucault.
PS: ao término deste texto somos brindados com a informação de que o deputado estadual, Coronel Telhada (PSDB-SP), assumiu a Comissão de Direitos Humanos da ALESP. Tá bom pra você?
*Marcelo Hailer é doutorando em Ciência Sociais (PUC-SP) e membro do Núcleo Inanna de Pesquisa Interdisciplinar de Sexualidades, Gênero e Diferenças (NIP-PUC-SP)
(Publicado originalmente na Revista Fórum)

sábado, 16 de maio de 2015

MST zera analfabetismo em assentamentos!

Do site do MST:

“Zerar o analfabetismo é o primeiro passo para libertar o trabalhador das prisões deste sistema desigual”, disse o coletivo de Educação do MST durante a formatura de 180 trabalhadores Sem Terra que participaram do projeto cubano de alfabetização para jovens e adultos, “Sim, eu Posso”.

A comemoração aconteceu neste último sábado (9), na Escola Popular de Agroecologia e Agrofloresta Egídio Brunetto, no Assentamento Jaci Rocha, município do Prado - Extremo Sul da Bahia -, e reuniu mais de 300 famílias.

O projeto de alfabetização conseguiu zerar o analfabetismo nos Assentamentos Jaci Rocha, Antônio Araujo, Bela Manhã, Herdeiros da Terra, José Martí e Abril Vermelho, usando como metodologia tele aulas em dezessete turmas, cada uma acompanhada por um educador.

Além disso, quatro coordenadores pedagógicos estavam cumprindo o papel de organizar e construir coletivamente com os educandos e educadores temas norteadores para os debates em sala de aula.

Com o lema “Sim, eu posso ler e escrever. Essa é uma conquista do MST”, as aulas tiveram início no dia 10 de janeiro e foram finalizadas no dia 25 de abril deste ano.

Dificuldades

Ao longo do processo algumas dificuldades surgiram, especialmente porque a maioria dos educandos estão em idade avançada e trabalham todos os dias na produção familiar. Devido ao cansaço, muitas faltas aconteciam.

Em muitos assentamentos as salas de aula não tinham estrutura para o desenvolvimento do projeto. Para superar essa dificuldade, foi preciso a participação e cooperação de todos educandos, educadores e da comunidade.

Outra dificuldade surgiu nos primeiros dias de aula. Compreender a metodologia abordada pelo projeto, com as tele aulas e associar as letras e números ao processo de alfabetização não foi fácil.

Segundo os educadores, esta dificuldade se dá por conta do processo de alfabetização já construído pelo modelo de educação do Estado, que mecaniza a metodologia.

De acordo com Eliane Kay, coordenadora do projeto, o programa alcançou bons resultados apesar das dificuldades enfrentadas.

“Contamos com ferramentas muito importantes para facilitar a metodologia, como televisores, cartilhas e óculos doados aos educandos”.

Sim, eu Posso

O projeto de alfabetização “Sim, eu Posso” foi construído em Cuba pela pedagoga Leonela Relyz Diaz, falecida em janeiro deste ano.

As atividades desenvolvidas propõem alfabetizar em apenas três meses, utilizando-se da linguagem popular e dos números como referência educativa.

Além disso, são escolhidos temas geradores que dialogam com a realidade de cada localidade, para garantir um espaço de debate e formação política.

“O mais importante deste projeto é que a abordagem parte da comunidade para os educandos. Desta forma, cada estudante acaba se sentindo mais seguro para avançar nos debates e compreender o mundo de uma forma diferente”, afirma o educador Lindoel.

O ‘Sim, eu Posso’ já contribuiu para erradicação do analfabetismo em diversos países, como Vietnã, Bolívia e Venezuela.

Educandos

Durante a formatura muitas histórias de vida emocionaram a todos.

A assentada Maria Aparecida declarou que não tinha pai, e sua mãe era pobre. “Me criei na roça trabalhando, e então não tive como estudar. Quando ainda era criança minha mãe falava que estávamos indo a aula para arrumar namorado, e ai ela não deixava a gente estudar”, recorda.

A história de José Sebastião não é diferente. “Eu não fui à escola quando era criança, porque meu pai colocava a gente nos trabalhos da roça. E não foi só eu, meus dois irmãos passaram pelo mesmo”.

Já sabendo ler e escrever, Sebastião afirma que hoje as coisas mudaram. “Consigo ler algumas palavras, inclusive as cartas e bilhetes que meus filhos mandam para mim. Consigo também escrever meu nome. Me sinto livre. Sempre precisei de alguém para fazer essas coisas. Hoje não”.

Formatura

Ao parabenizar a todos os educandos pela coragem e o desafio de concluir os estudos, Eliane Kai, da direção regional do MST, disse que “este é um momento sublime, de alegria e festividade, porque o objetivo foi alcançado. Conseguimos zerar o analfabetismo em seis áreas destinadas a Reforma Agrária, e a partir de agora essas áreas são territórios livres”.

Já Evanildo Costa, da direção estadual do MST, afirmou que “essa é uma experiência muito importante. É um projeto que deu certo e que as autoridades políticas da região deveriam tomá-lo como exemplo na luta contra o analfabetismo e desenvolvimento da nossa região”.

O Deputado Federal Valmir Assunção (PT – BA) parabenizou o exemplo de força e resistência dos educandos em superar as dificuldades e abrirem novos horizontes.

Para Assunção, o resultado desse projeto deve ser levado ao conhecimento da sociedade. “Defenderei junto ao governador da Bahia, Rui Costa, a importância da multiplicação desse projeto para eliminação do analfabetismo em nosso estado”, concluiu.


P.S do Realpolitik: como diz o Renato Aroeira, : Só pra lembrar que há mais objetivos pelo mundo, além das mesquinhas, pequeninas e egocentradas metas do MMM (Meritocrata Mundo Moderno). Lembro que a UNESCO, em seu último relatório sobre educação na América Latina, observa que há um percentual muito alto de população adulta analfabeta no Brasil, algo em torno de 13 milhões de pessoas, um índice considerado alto até mesmo para os padrões latino-americanos. Nas políticas públicas de educação, mesmo no governo das coalizões petistas,  o analfabetismo de adulto sempre foi posto com o status de políticas de segunda categoria. Parabéns ao pessoal do MST.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Charge! Aroeira via Facebook

A classe média vai às ruas: emoção, política e gestão.


Daniel Pereira Andrade, Sociólogo e professor do Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração (FSJ) da EAESP-FGV

Como el de otras pasiones, el origen de un odio siempre es oscuro”. A observação de Jorge Luis Borges nos conduz a refletir com mais cuidado sobre as causas da forte emoção que tem mobilizado uma parcela considerável da classe média brasileira. Se hoje essa energia psíquica está investida nas manifestações contra a corrupção, o fato é que sua aparição se deu ainda antes do caso da Petrobrás, datando ao menos dos protestos de junho de 2013 e sendo reeditada com crescente fulgor no período pré-eleitoral. Sua origem não está, assim, ligada diretamente aos escândalos atuais, sendo mais provável que tenha sido gestada no dia-a-dia das pessoas. É na transformação da mais cotidiana das atividades, o trabalho, que podemos encontrar o solo fértil onde germina esse sentimento.
Nos últimos anos, não foram poucas as ocasiões em que ouvi queixas sobre a piora das condições de trabalho. Não se tratava das reclamações habituais, mas de mudanças substantivas em profissões tradicionais como engenheiros, professores, advogados, profissionais da saúde, administradores e jornalistas. Muitos foram sujeitos ao fenômeno da “pejotização”, ou seja, à contratação de serviços prestados por pessoas físicas, mas efetivados legalmente sob a forma de pessoa jurídica (PJ), de modo a disfarçar relações de emprego e burlar direitos trabalhistas. Outros foram empregados temporariamente, com baixos salários, e, a despeito de grande esforço, não conseguiram ser efetivados, sendo ou dispensados ou subcontratados como terceirizados. A informalidade também não foi rara. Serviços permanentes ou “bicos” foram formas alternativas para obter ou melhorar os orçamentos.
A fragilização dos vínculos trabalhistas se converteu assim em uma ameaça permanentemente de demissão, mesmo que os índices de desemprego estejam baixos. Esse temor é amplificado por estratégias de gestão que colocam os profissionais em concorrência, numa espécie de seleção contínua. Métodos como o “20-70-10”, em que os 20% que melhor desempenham recebem aumentos substantivos, enquanto 70% permanecem estáveis e os piores 10% são demitidos submetem as pessoas a um jogo de eliminação similar aos reality shows. Nesse contexto, não há como as relações de trabalho se manterem boas. Se o sucesso de meu colega representa o risco da minha demissão, não posso ficar feliz por ele, devo antes me preocupar comigo. Trata-se de uma máquina de maus sentimentos recíprocos, em que a agressividade, o medo, a angústia, a inveja e o ressentimento são os motores da produtividade. Se houver dúvida quanto ao exagero da afirmação, sugiro o teste que Hobbes propunha aos seus leitores: que cada um examine as suas próprias emoções – no caso em questão, durante um dia de trabalho.
O resultado dessa experiência cotidiana de parcela da classe média é uma concepção do mundo como uma luta de todos contra todos no livre mercado, pressupondo acriticamente a igualdade de condições no ponto de partida. A crença cega na meritocracia faz com que toda falha na recompensa aos esforços individuais seja sentida como uma injustiça pessoal pela qual alguém deve ser culpado, e não como uma arbitrariedade cada vez mais comum em uma economia baseada na flexibilidade e na precarização. Qualquer discurso que fuja a esta crua racionalidade econômica e problematize a origem da injustiça social é repudiado como uma forma de burlar a disputa, não havendo lugar para a compaixão.
A consequência desse ethos competitivo é o repúdio de toda política de redistribuição de renda. Os beneficiários das políticas sociais são vistos como usurpadores ilegítimos dos impostos e os partidos que as promovem são acusados de interferência indevida na disputa, rompendo com a “meritocracia” e tornando-se duplamente corruptos. A desaceleração do crescimento econômico intensifica o descontentamento, pois um cenário recessivo amplia o risco de demissão e acirra a concorrência.
Boa parte da classe média tende assim a direcionar a agressividade que vive cotidianamente no trabalho, resultante dos modernos métodos de gestão, contra o governo e os trabalhadores pobres emergentes. Ainda mais quando a ascensão social pode representar o aumento de competidores qualificados dispostos a receber menores salários, resultado da ampliação do ensino superior. Pode também representar maior custo dos serviços, cujo consumo caracteriza a classe média, diferenciando-a até então da trabalhadora. A “classe C” não apenas se tornou também consumidora de serviços, reduzindo a exclusividade distintiva de classe, como ainda obteve a formalização de seus empregos e o aumento do salário mínimo, deixando os serviços braçais mais caros.
A competição, agora de classes e política, é encarada por parcela da classe média como uma luta darwiniana pela sobrevivência. Ainda mais quando o que está em jogo é quem vai pagar a conta da crise econômica. Assim como no trabalho, o inimigo deve ser eliminado ou colocado no seu lugar subalterno. O impeachment ou, mais radicalmente, a intervenção militar surgem assim como alternativas à derrota nas urnas, desqualificando os votos daqueles que recebem auxílios sociais. Mas resta a questão fundamental: mudar o partido no governo vai desfazer esse mal-estar cotidiano? Quem, afinal, ganha com a precarização do trabalho e com o aumento da competição? Certamente não são os pobres, que compartilham da mesma angústia. E não está claro que seja diretamente um partido político. Por isso, além do governo, cabe politizar também a gestão.

(Publicado originalmente no Estadão, 13 de maio de 2015)

Ataques a Lula prenunciam a grande batalha de 2016


publicado em 13 de maio de 2015 às 12:43
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por Luiz Carlos Azenha

A revista Época, dos irmãos Marinho, ofereceu a cabeça do ex-presidente Lula na capa. Um factoide imediatamente demolido. Continha, segundo o Instituto Lula, sete mentiras.
Quem leu a íntegra acabou concluindo que Lula foi acusado de criar empregos no Brasil!
Por que os rápidos desmentidos do Instituto Lula, se o ex-presidente nem candidato é?
Trata-se da grande batalha eleitoral de 2016.
Esqueçamos, por um momento, de toda a fumaça que a mídia e a oposição fizeram em torno de Lula, Dilma e o PT desde 2002. Estes conquistaram três vitórias eleitorais apesar da fumaça, em 2006, 2010 e 2014.
Porém, algo distinto aconteceu em 2014. O PT viu encolher sua bancada no Congresso. Dilma venceu por margem apertada. A inépcia política permitiu que um peemedebista de oposição conquistasse a presidência da Câmara. A crise econômica solapou a base de sustentação de um projeto umbilicalmente ligado ao poder de consumo. A crise geral de representação se aprofundou depois dos protestos de julho de 2013. Mensalão + petrolão, bombardeados de forma incessante, corroeram a crença popular no PT.
Os colunistas da mídia hegemônica acreditam uns nos outros. Por isso, vivem decretando o fim de Lula e do PT. É certo que o partido se distanciou de suas bases, se burocratizou em torno dos mandatos e se jogou nos braços do marketing eleitoral. Porém, ninguém chuta cachorro morto.
Se de fato o PT e Lula tivessem morrido, não haveria a onda de acusações contra o ex-presidente. O fato é que ele é, ainda, o grande cabo eleitoral. Talvez o único capaz de disputar os votos da periferia de São Paulo em igualdade de condições com Marta Suplicy.
É disso que se trata, caros leitores. Estamos às vésperas de uma campanha definidora para o futuro do PT: a da reeleição de Fernando Haddad. Marta, que bandeou-se para o outro lado, pode dar ao tucano Geraldo Alckmin o verniz inclusivo de que ele precisa para disputar o Planalto em 2018. Enfim, um tucano tolerante, convivendo no mesmo barco com uma socialista.
Lula não está sendo atacado como candidato ao Planalto em 2018, mas por ser o principal cabo eleitoral de Haddad.
O resto é a fumaça de sempre.

(Publicado originalmente no site Viomundo)

Francisco, o Papa da era pós-pobreza?


Confesso que o Papa Francisco está nos surpreendendo positivamente. No campo da diplomacia, reconheceu o Estado Palestino, vem mantendo boas relações com Cuba, visitou a ilha caribenha e recebeu, até recentemente,no Vaticano, o presidente daquele país, Raul Castro. São diálogos amistosos, tipicamente no sentido de quem deseja aparar arestas políticas ou ideológicas. Está em curso no Vaticano a elaboração de uma nova encíclica. Francisco não teve a menor cerimônia em pedir, num dos pontos, a colaboração do teólogo brasileiro, Leonardo Boff, ligado à Teologia da Libertação. Aliás, essa aproximação com a Teologia da Libertação , uma corrente teológica duramente perseguida por setores mais conservadores do Vaticano durante anos, tem sido uma prática constante do Papa Francisco. Já recebeu informalmente Frei Beto, estuda a beatificação de Oscar Romero - bispo de El Salvador morte durante a guerrilha - e do nosso eterno arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara. Depois de décadas isolado, perseguido e vigiado, finalmente, o papa Francisco tirou do ostracismo o principal expoente da teologia da opção pelos pobres, o teólogo peruano, Gustavo Gutiérrez. Gustavo esteve no Vaticano e elogiou a atmosfera que se respira na sede da Igreja Católica. Do alto dos seus 84 anos, lúcido e com as convicções inabaláveis, Gutiérrez deixou o seu recado: se fala tanto em pós-capitalismo, em pós-socialismo. Talvez fosse o caso de falarmos em pós-pobreza. Bravo, Gutiérrez!