pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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sábado, 4 de julho de 2015

Grécia: "Tentam derrubar o governo usando os bancos ao invés de tanques"


A reação intempestiva da euroburocracia política ao referendo deixa claro que derrotar o Syriza é também neutralizar outras iniciativas.


Marcelo Justo
Tiberio Barchielli / Palazzo Chigi
A Grécia está presa numa guerra de palavras que começa com a própria convocação para o referendo. O texto é complexo, mas a pergunta é clara: sim ou não (“Ne” ou “Oxi”) ao programa de austeridade proposto pela Troica (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e União Europeia) no dia 25 de junho. Contudo, os dirigentes europeus, como Jean Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, dizem que não se trata de uma votação sobre a austeridade, mas sim sobre a continuidade ou não do país na Zona Euro. 
 
A maioria dos meios europeus promovem maliciosamente esta interpretação de um referendo voltado à confrontação entre um realismo responsável e um incompetente populismo. Com algumas exceções, praticamente ninguém questiona as duvidosas credenciais de Juncker – que durante seus quinze anos como primeiro-ministro de Luxemburgo, ajudou muito a sabotar o financiamento dos estados europeus com os benefícios à evasão fiscal das multinacionais e dos multimilionários oferecidos pelo paraíso fiscal mantido em seu ducado.
 
A estratégia política e midiática é ganhar difundindo o medo do caos e do desconhecido, figuras que começam a cobrar forma com as restrições bancárias existentes desde segunda-feira (29/6). Mas os efeitos dessa guerra não terão reflexos somente na Grécia. A reação intempestiva da euroburocracia política ao referendo deixa claro que derrotar o Syriza é também neutralizar outras iniciativas visando o austericídio da Troica, como a do Podemos na Espanha. Uma vitória da estratégia de Alexis Tsipras seria uma bendição para o movimento político de Pablo Iglesias, pensando nas eleições gerais de este novembro. Carta Maior dialogou com o acadêmico grego Costas Douzinas, especialista em direito e diretor do Birkbeck Institute for the Humanities, da Universidade de Londres.
 
Carta Maior – Neste domingo, qual é a decisão que a Grécia terá que tomar? A aprovação ou não do programa de resgate proposto pela Troica ou sua manutenção na Zona Euro?
 
Costas Douzinas – Existe uma clara intenção de manipular a verdade a respeito do referendo, que é promovida por políticos como Jean Claude Juncker. O governo grego sempre esteve comprometido com o euro e a União Europeia. A única razão pela qual convocou o referendo foi para chegar a uma decisão democrática com respeito à proposta da Troica, quando as vias de negociação se esgotaram. O governo cedeu muito. Aceitou as exigências fiscais dos credores com propostas de aumentos impositivos e cortes de gastos de 7,9 bilhões de euros, mas buscou uma distribuição mais equitativa, para que 70% desse valor viesse de impostos das corporações e dos mais ricos. Pela primeira vez, as propostas foram inicialmente aceitas pelos credores, que disseram que essa era a base de um acordo. Porém, horas depois, rechaçaram a proposta. E mais que isso: faltando quatro dias para que terminasse o atual programa financeiro, eles passaram a exigir um corte de 11 bilhões de euros, e que esses esforços fossem custeados pelos mais pobres. Essa proposta foi apresentada como um ultimato, quase uma tentativa de golpe de estado financeiro. Toda a negociação foi assim, uma tentativa de derrubar o governo, usando os bancos em vez de tanques.
 
CM – O que acontecerá se os gregos preferirem a opção “não”?
 
Douzinas – O governo grego, com o respaldo democrático das urnas, voltará à mesa de negociação, para buscar um novo acordo, que seja economicamente viável e socialmente justo.
 
CM – Porém, a versão europeia é a de que o “não” significa a saída da Grécia da Zona Euro.
 
Douzinas – Outra mentira. Todos sabem perfeitamente que não há nenhum mecanismo legal para expulsar um membro da Eurozona. Estão pressionando o governo e o eleitorado grego, tentando distorcer os princípios básicos da democracia. É uma política neocolonial, algo que imagino que não surpreenderá muito os leitores do Brasil.
 
CM – Nos meios de comunicação, se fala não só da expulsão da Grécia da Zona Euro, mas também da União Europeia. Essa segunda é uma ameaça legalmente possível?
 
Douzinas – Por incrível que pareça, sim. A UE tem mecanismos para a saída de um membro, algo que já aconteceu aliás, com a Groenlândia, nos Anos 80. Mas quando se criou a Eurozona, não se incluiu nenhuma norma específica sobre os procedimentos a respeito.
 
CM – Seria essa, então, uma via para isso? Quero dizer, expulsar a Grécia da União Europeia para tirá-la, automaticamente, da Zona Euro.
 
Douzinas – Não é o que está em jogo. Nem as mais absurdas manifestações dos líderes europeus chegaram a propor isso. Temos que lembrar que a palavra Europa é uma palavra grega. Todos os princípios que formam a União Europeia estão fundados na tradição grega. E além disso, ainda que existam leis estritas sobre a saída de um membro, a verdade é que o direito está condicionado pela política. Portanto, depende muito da vontade política, e, como disse, ninguém está apostando nisso. 
 
CM – O que acontecerá se os gregos disseram “sim” à austeridade no domingo?
 
Douzinas – O referendo é uma consulta não obrigatória, mas o governo disse que vai acatar o veredito do eleitorado. Uma opção é que o governo continue com as negociações, só que mais fragilizado em sua posição. A alternativa é que renuncie. As declarações do primeiro-ministro parecem indicar que esta seria a opção preferida. Isso levaria a novas eleições, já que o parlamento, tal qual está conformado, não poderia formar um novo governo, pois o Syriza precisa de somente um deputado mais para ter uma maioria própria – nenhuma outra força política está em condições de formar governo. 
 
CM – O que aconteceria nesse caso? Porque existem compromissos financeiros que vencem este mês e não haveria um governo para tomar decisões quando se necessite tomar. Se isso ocorrer, o que será da Grécia, e do euro?
 
Douzinas – A Europa falhou em seus princípios fundacionais. Seja o que for que aconteça, creio que estamos diante de uma pergunta existencial básica na União Europeia, e os líderes terão que lidar com ela. Muitos líderes dizem que querem cada vez mais integração, mas ao mesmo tempo a estão minando. A realidade é que a única interpretação que podemos fazer da conduta da Troica é política. O objetivo é claro. Derrubar o governo, se esse não aceita as condições apresentadas, ou humilhá-lo de tal forma que seja inviável. O sucesso do Syriza e uma redução da dívida, que o mesmo FMI declarou inviável, poderia contagiar outros países, e algo parecido já se viu nas eleições regionais e municipais da Espanha, nos votos antiausteridade da Escócia e nos índices de aprovação de Sinn Fein na Irlanda, que mostram um movimento contra este tipo de ajuste. O Syriza está liderando o ataque contra a premissa neoliberal de que “não há alternativa”. Mesmo uma pequena vitória nesse caso seria um sinal contundente de que a única luta impossível é aquela que não se inicia.
 
Tradução: Victor Farinelli
(Publicado originalmente no portal Carta Maior)

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Tijolinho do Jolugue: Como diria o Conselheiro, é o fim dos tempos.



Tempos bicudos estes que estamos vivendo. Sinceramente, não sabemos onde isso pode parar. É como se o círculo contra os valores da democracia, do respeito às leis, da conduta republicana, da defesa do interesse nacional, da ética estivesse chegando ao fim. Três episódios ou situações são emblemáticas desse estágio a que nós estamos nos referindo: o primeiro dele são os adesivos que estão circulando nos automóveis, adquiridos ao valor R$ 35,00, onde aparece uma montagem com a foto da presidente Dilma Rousseff, despida da cintura para baixo, e a indicação de uma bomba da gasolina, numa clara alusão a um possível estupro ou coito carnal. Uma excrescência sem limite, uma profunda falta de respeito com a presidente. Uma outra dimensão desse problema diz respeito à manobra do Presidente da Câmara dos Deputados, senhor Eduardo Cunha, que, derrotado numa primeira votação contra a redução da maioridade penal, numa manobra ardilosa e inconstitucional, recolocou a matéria para uma segunda votação, desta vez conseguindo atingir seus objetivos iniciais, ou seja, aprová-la. 

Alguns deputados foram "convencidos" a mudarem os seus votos.  Por fim, as manobras não menos perniciosas operadas pelo senhor José Serra no sentido de retirar a Petrobras das operações do pré-sal, o que significaria, em última análise, um processo de privatização daquela reserva de petróleo. Segundo dizem, Serra cumpre apenas o seu papel nesse script, uma manobra que, no final, está alicerçada em todas essas escaramuças contra o Governo Dilma, a começar pelas ações do Juiz Moro, numa postura bastante seletiva para atingir o PT, hoje duramente criticada por um dos ministros do STF. O ardil de José Serra significa que não estamos vendo muitos filmes sobre a teoria da conspiração.

Tijolinho do Jolugue: Polícia Civil do Estado realiza mais uma mobilização


Policiais saíram em caminhada da Rua da Aurora até o Palácio das Princesas (Foto: Ana Regina / TV Globo)


Neste momento, debaixo de toda chuva, os policiais civis do Estado estão em plena mobilização pelas avenidas do centro da cidade. Desta vez, não apenas os agentes. Delegados - e, possivelmente o pessoal da Polícia Científica - também estão acompanhando as manifestações. O Pacto Pela Vida perdeu a coordenação e,com ela, começaram a surgir uma série de problemas, inclusive a o aumento dos chamados crimes violentos intencionais - CVLIs - o principal indicador utilizado pelo Estado para aferir os índices de violência. Segundo as próprias fontes palacianas, esses primeiros seis meses de governo do senhor Paulo Câmara tem sido dedicados a "colocar a casa em ordem", reduzindo despesas, cortando gastos e, preferencialmente, aumentando as receitas do Estado. Em tese, é uma área que o governador conhece bem, uma vez que foi cevado nas finanças públicas do Estado. 

É bom que se diga que o quadro não está bom para ninguém, nas diversas esferas da Federação. A postura no sentido de equilibrar as contas do Estado, impõe-se naturalmente, em razão das circunstâncias adversas. Só não entendo como ele irá se arranjar com as inúmeras categorias de servidores públicos que reivindicam uma recomposição salarial. No caso dos policiais civis, de acordo com o sindicato da categoria, Pernambuco paga o menor salário do país a um agente de polícia. Segundo os dados apresentados pelo Governo, o Estado estaria no limite dos gastos com a folha, previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, ou seja, 46,6%. Para ser mais preciso, os gastos com a folha de pagamento estaria um pouco acima deste limite. Que nos perdoem os policiais civis - entendo que o pleito é justo, por uma série de fatores - mas deflagrar uma greve num quadro recessivo como este é uma temeridade. 

O Governo Federal ofereceu ao pessoal do Executivo um percentual de 21% divididos em 4 anos, a partir de Janeiro de 2016. Nós não sabemos nem se chegamos vivos até lá. E, se chegarmos, a inflação já teria corroído esses percentuais muito antes de recebê-los. Esse país está vivendo um momento muito difícil, e isso não está circunscrito apenas às questões econômicas. Vejam os adesivos que estão circulando contra Dilma. Vejam as manobras inconstitucionais de um cidadão que responde pela Presidência da Câmara dos Deputados, com o propósito de aprovar a redução da maioridade penal . Embora haja esses "constrangimentos", senhor Paulo Câmara, muita coisa pode ser feita pela segurança pública do Estado. Aliás, precisa ser feita. Estão ocorrendo falhas clamorosas no Pacto Pela Vida e a reversão dessa situação passa, tão somente, por atitudes mais condizentes, como a retomada das reuniões regulares, a intimação aos atores envolvidos, numa palavra, vontade política. O Pacto Pela Vida entrou num processo de inércia que parece não mais ter volta.

Michel Zaidan Filho: O fim do abolicionismo penal

 



                          É um triste paradoxo constatar que, numa época em que aumenta a violência e a criminalidade violenta, o garantismo jurídico seja substituído pelo chamado "terrorismo penal", através daquela odiosa inversão em que a vítima se transforma em réu. A grande maioria das pessoas tende a tomar o efeito pela causa e responsabilizar criminalmente os excluídos de todas as oportunidades sociais pelos transtornos da sociedade. Em primeiro lugar, todos somos responsáveis por esses transtornos. Ninguém está, absolutamente, isento de responsabilidade pelos problemas da nossa sociedade. Por comissão ou omissão, cada um de nós tem parte nesse desajuste moral que assistimos pelo rádio, a TV, os jornais e as redes sociais.Segundo, é pouco cristão adotar a vindinta, a retaliação, o ódio como forma de tratar aqueles que nos ofendem ou nos ameaçam, sobretudo quando se trata de menores e incapazes moralmente. Terceiro, não é boa política criminal endossar  o ponto de vista Kantiano da "retribuição" como fundamento do direito penal, ou a chamada "lei de Talião": olho por olho, dente por dente. Não é esse o fundamento da pena ou do castigo. A não ser que não acreditemos mais nas palavras: ressocialização, reeducação, reinserção do apenado ao convívio social. Aí, seria mais honesto defender as políticas de higienização social, faxina social ou o puro extermínio daqueles que ameaçam à "paz social".
                      Esse preâmbulo foi feito a propósito da manobra regimental (ou chicana regimental) que permitiu a aprovação da emenda que antecipa a maioridade penal para os jovens e adolescentes de 16 anos. A PEC já tinha sido derrotada na primeira votação na Câmara dos Deputados. Mas graças a um artifício regimental, o discípulo da Igreja Sara Nossa Terra conseguiu reapresentá-la, sob o argumento de que se tratava de um outro texto, um outro projeto de lei. Não sei se vai ou não prosperar essa manobra, que ainda tem de passar por uma segunda votação, na Câmara, e duas votações no Senado. É possível que seja modificada no Senado, se for formado um consenso em torno da proposta do PSDB, que aumenta o tempo de internação dos menores delinquentes e aumenta a pena para os maiores que aliciam jovens para o cometimento de ilícitos penais.
                      0 que chama mais atenção é o perfil dos que serão atingidos por essa perversa manobra, caso ela prospere: menores e adolescentes pretos, pardos, pobres e analfabetos. Será este o contingente alcançado pelo "terrorismo penal" da bancada da bala e da Bíblia, na Câmara dos Deputados. Ao invés de mais escolas de tempo integral, mais bolsas de estudo, mais profissionalização, lazer e oportunidades sociais, mais cadeias, mais celas, mais vagas nas prisões superlotadas de detentos e apenados. Seria mais honesto defender uma política de extermínio social, sem cotas, para este grupo. Admitir que o fabuloso processo de (EX)inclusão social brasileiro não comporta esse grupo. Ou que a sombra de Cesare Lombroso voltou a pairar sobre a cabeça de legisladores (evangélicos) e  juristas. É que há um relativo consenso na população brasileiro de que o paraíso não é para todos. É para alguns. E que  "o crime de colarinho branco" compensa no Brasil. Rende aposentadoria milionária, estandarte e dia feriado.
                       Aqueles que costumam esgrimir o Poder de Polícia contra os outros e a necessidade de prisão para os mais pobres,  provavelmente nunca foram presos (e acham que nunca serão). Invoque-se o exemplo do Pizzolato na Itália ou de Maluf na cela da Polícia Federal de São Paulo! Ou dos ricos empresários pegos na Operação Lava-jato: é chato, deselegante e pouco confortável ser preso no Brasil. As cadeias não são devidamente aparelhadas, são úmidas, frias ou quentes, não tem televisão, frigobar ou um cardápio sob medida, com comida italiana ou árabe. Ou seja, cadeia mesmo só para pobre e miserável que só depende da defensoria pública e do juiz das execuções penais. Para os demais, liberdade assistida ou prisão domiciliar, com pizza e coca-cola e jogos do Brasil.
                      Segundo o sociólogo francês Pierre Bourdieu, o "habitus" e o "Animus" limita a história de vida das pessoas, mais ou menos determinando o destino de cada um, em sociedades competitivas e desiguais. Mas nada, absolutamente nada impede de que aqueles que vieram de baixo, que não nasceram em berço de ouro, não foram a Boston para aprender inglês, possam mudar esse destino e ter uma vida melhor. Tudo depende da disposição, da vontade política da sociedade em oferecer oportunidades sociais, educacionais, profissionais, artísticas que resgatem esses milhões de jovens e crianças brasileira....da morte certa na guilhotina que está sendo preparada para eles.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
                           

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Crônicas do Cotidiano: Literatura de Engenho


 

Confesso que fiquei fascinado pela leitura do livro do professor Diego José Fernandes Freire, "Contando o Passado, Tecendo a Saudade", sobre a construção simbólica do engenho açucareiro em José Lins do Rego. Na realidade trata-se de uma tese, mas escrita sem os rigores - não raro chatos e estéreis - do campo acadêmico. Por sinal, muito bem escrita. Um calhamaço de 400 páginas, capazes de prender a atenção do leitor desde o início até a última página. Somos suspeitos para falar do assunto. Tudo que diz respeito à literatura regionalista nos interessam de imediato. Nossas leituras começaram com os textos de Machado de Assis. Somente depois, bem depois, é que comecei a ler os romances da literatura de engenho, escritos pelo escritor paraibano, José Lins do Rego. Um livro após o outro, verdadeiramente encantado com a vida na bagaceira.  

Começamos e não mais paramos. Os estudiosos costumam estabelecer alguns ciclos específicos de sua produção literária, como os livros que compõem o chamado "ciclo da cana-de-açúcar", que vai do período de apogeu dos engenhos de fogo morto até a sua completa decadência, motivada pelo avanço tecnológico e as mudanças das relações sociais de produção, com o fim do período escravocrata. O próprio escritor cometeu idas e vindas em sua obra, penso que imbuído pelo sentimento de "saudade" dos seus verdes anos no Engenho Corredor, que pertencia ao seu avô. 

Não tivemos a oportunidade de conhecer engenhos na nossa infância. Quando muito, algumas viagens pelos partidos de cana que margeiam a zona da mata do Estado de Pernambuco, ou mesmo a contemplação das inúmeras referências arquitetônicas - já em ruínas - dos antigos engenhos da região. As leituras desses romances nos transportavam àqueles tempos, como num passe de mágica. Ainda hoje, quando penso em proibir meus filhos de brincarem na lama, tomarem um banho de chuva ou mergulharem nos açudes, a lembrança de que nos vem à mente é a do personagem de "Meus Verdes Anos" que, acometido de fortes crises de asma, ficava prostrado numa cama enquanto os moleques faziam suas algazarras nos quintais e alpendres das casas grandes. Como "Meus Verdes Anos" é o mais auto-biográfico dos livros do autor, era o próprio José Lins naquele isolamento imposto pelos familiares. 

A leitura do livro de Diego ampliou bastante nosso conhecimento sobre a literatura de engenho. trouxe-nos alguns fatos novos e, de certa forma, alvissareiros. Em inúmeros momentos, nos deparamos com um  discurso construído em torno da influência do sociólogo Gilberto Freyre sobre o escritor José Lins do Rego. Aliás, coube ao sociólogo de Apipucos a construção desse discurso, salvaguardando as opiniões em contrário. Os dois mantinham uma relação de muita amizade e, de fato, trocavam muitas ideias sobre literatura. Casa Grande & Senzala e Menino de Engenho são quase do mesmo ano. A partir de um determinado momento, poder-se-ia afirmar que os dois faziam uma espécie de "dobradinha". Enquanto Gilberto se dedicava ao ensaísmo histórico, José Lins romanceava a vida nos engenhos. 

O que Diego insinua, no entanto, é que pessoas como Olívio Montenegro,que conhecia muito bem literatura e fez várias indicações de livro para o escritor paraibano, quiçá, possa ter exercido uma influência ainda maior sobre a carreira literária dele do que o autor de Casa Grande & Senzala. Coube a Joaquim Nabuco, no entanto, a condição de precursor da chamada literatura de engenho. Joaquim Nabuco viveu até os 08 anos de idade no Engenho Massangana, que pertenceu à sua família, e que hoje é administrado pela Fundação Joaquim Nabuco. Num dos capítulos do livro "Minha Formação", o diplomata pernambucana abre um espaço para descrever o engenho onde ele passou parte de sua infância, precisamente num capítulo que leva o nome do engenho: "Massangana".

Escrito bem antes da "Bagaceira", de José Américo de Almeida, e "Menino de Engenho", de José Lins do Rego, coube ao pernambucano a primazia de ter, digamos assim, inaugurado a literatura de engenho. Os pernambucanos, aliás, estão muito bem representados na roda literária da literatura de engenho. O romance "Senhora de Engenho", de Mário Sette, outro pernambucano, se configura como outra obra tão importante quanto a de Joaquim Nabuco, no contexto deste circuito literário. Perdão se não usamos o termo correto.

Há algo curioso que sempre mencionamos quando tratamos do Engenho Massangana. No documentário "Cabra Marcado para Morrer" de Eduardo Coutinho, em certo momento, é mencionado que o líder camponês paraibano, João Pedro Teixeira, fugindo dos seus algozes, que já o ameaçavam de morte, vem para Pernambuco e passa a residir em Jaboatão dos Guararapes. Neste mesmo excerto, é posto que ele chegou a trabalhar no Engenho Massangana. 

O romance de Mário Sette também alcançou grande repercussão, tendo sido adaptado para o teatro, com direito à trilha de Capiba, gravada por Nelson Gonçalves. Trata-se da conhecida "Maria Betânia". O livro de Mário contou com várias edições, tendo vendido bastante para os padrões da época. O mais importante, entretanto, é que foi muito bem recebido pela crítica. Mário Sette, diferente de José Lins, Joaquim Nabuco e Gilberto Freyre, não foi um menino de engenho, na verdadeira acepção da palavra. Menino urbano, filho de comerciantes, sem as contas pagas pela família, Mário não conheceu la dolce vita. Conta os familiares que, numa viagem à cidade de Tracunhaém, a trabalho, em idos bem remotos, Mário apaixonou-se pela cidade e resolveu escrever seu romance rural. Ao contrário de Nabuco, Mário Sette também não teria avançado muito nos círculos acadêmicos, tendo concluído apenas o ensino médio. 

Mário escreveu bastante, em mais de um gênero. No site mantido pela família é possível ter a dimensão dessa produção literária. Veja o que diz o seu filho, Hilton Sette, sobre a experiência do pai, que, conforme já afirmamos, foi até à cidade de Tracunhaém, inspecionar a agencia postal local:


Meu pai evoca em MEMÓRIAS ÍNTIMAS e em APONTAMENTOS AUTOBIOGRÁFICOS (inéditos) as suas reações de agrado e encantamento experimentadas nessa curta e imprevista excursão à Zona Canavieira. Numa certa manhã, a novidade de uma viagem de trem, o sol a doirar o verde da paisagem, os partidos de cana beirando a linha férrea, ocorrências de matas coroando os cimos das elevações, o rumorejar de riachos nos fundos dos vales, aqui e ali a presença de banguês com suas casas-grandes, suas "moitas", seus bueiros fumegantes, seus aromas de mel cozinhando.

A primitiva vila semi-rural acolheu-o e cativou-o com o pitoresco do arruado e com a hospitalidade de sua gente. A simplicidade do casario em redor da igreja, o pátio relvado com peças de roupa a "quarar", a brisa cheirando a mato, os dedos de prosa com os que iam postar ou buscar correspondência, o almoço oferecido pelo Agente Postal, depois de cumprida a inspeção. E, à tardinha, o regresso, enquanto as sombras cresciam, a aragem refrescava ainda mais, a quietude envolvia todo o cenário, e o futuro autor de SENHORA DE ENGENHO trazia na lembrança para ali localizar o engenho Águas Claras do Coronel Cazuza.

Como essa "construção discursiva" não se limita tão somente à literatura, afinal, Diego foi orientando de Durval Muniz,coube ao também menino de engenho, o pintor Cícero Dias, retratar, através dos seus quadros, o universo dos engenhos - um conceito bem mais amplo - que não se resume apenas à arquitetura e nem ao maquinário, mas a todo um complexo de vivências, para fazer jus à letra da música da Banda de Pau e Corda. Cícero, aliás, foi o pintor preferido dos escritores da chamada literatura de engenho. Bem nascido, o pintor pernambucano passou a infância em três engenhos pertencentes aos seus familiares.

José Luiz Gomes 

P.S.: Convém fazer aqui algumas considerações. Apesar de inicialmente ambientado num engenho, a narrativa do livro de José Américo de Almeida, A Bagaceira, apresentado como a obra inaugural da literatura regional, não se resume a uma obra que trata das vivências do universo simbólico dos engenhos. Daí, portanto, não ser classificada como "literatura de engenho". Por outro lado, como deve-se estabelecer a distinção entre literatura regional e literatura de engenho, a obra de José Américo, salvo opinião em contrário, continua com o status de obra seminal da literatura regional.  

Tijolinho do Jolugue: Dilma e Kissinger: Ossos da diplomacia?


Henry Kissinger foi pinçado do circuito acadêmico para o campo político, mais precisamente, para as relações internacionais. Durante os anos da Guerra Fria, como chanceler de Richard Nixon, reinou soberano na diplomacia americana. Os atores são "selecionados" mediante uma série de contingenciamentos. Kissinger foi um ator perfeitamente adaptado ao establishment norte-americano. Mas, quem na realidade é Kissinger, que durante décadas mandou e desmandou na política externa dos Estados Unidos. Apenas um bom diplomata? um ator político hábil? Um analista mais isento poderia afirmar que, de fato, ele possuía essas qualidades. Do contrário, assim como o seu amigo russo, Andrey Gromiko, não teria sobrevivido durante tantos anos naquela engrenagem de poder repleta de escaramuças. Mas Kissinger tem um outro lado. Um lado de perversões, cometidas durante a sua gestão, patrocinadas pelo Governo Americano, do qual ele foi cúmplice. Isso envolve desestabilizações de governos legalmente constituídos;golpes de Estado; assassinatos de opositores; torturas; perseguições e coisas afins. O bem informado jornalista Elio Gaspari chegou a encontrar documentos oficiais comprometedores, que provam o "sinal verde" da diplomacia americana para assassinar opositores. Chegamos a escrever um artigo sobre este assunto. Diplomacia é diplomacia. Tem dessas coisas. Contingenciada pelo protocolo, a presidente Dilma Rousseff foi obrigada a apertar a mão desse crápula. Ela, que esteve na luta armada, certamente sabe o que este cidadão representou para os interesses nacionais na década de 60.

Tijolinho do Jolugue: Redução da maioridade penal foi rejeitada.


 
 
A rejeição, pela Câmara Federal, da Proposta de Emenda à Constituição - PEC 171/93 - que previa a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, em casos de crimes graves e hediondos, é algo que precisa ser bastante comemorado pela sociedade brasileira. Nos últimos meses, o país vem sendo sacudido por uma espécie de "marcha da insensatez", uma espécie de clamor conservador e, para alguns, com  componentes de caráter golpista. Várias pessoas sérias - às quais respeitamos bastante - já se pronunciaram sobre este assunto. A redução da maioridade penal seria uma dessas aberrantes insensatez. 

Por vezes nos perguntamos como as pessoas que defendem essa excrescência não conseguem dimensionar as verdadeiras razões que conduzem os menores ao mundo do crime e dos delitos. Por consequência, a redução também não contribuiria para a diminuição dos crimes ou delitos cometidos pelos menores de idade. No país já existe uma pena de morte oficializada, responsável pela eliminação física de milhares de menores todos os anos. O Estado de Alagoas é o que oferece a condição de maior vulnerabilidade para os jovens pobres e negros. Em outras palavras, é o Estado da Federação que mais mata jovens com essas características. 

Coincidentemente, numa demonstração clara de que pouca coisa mudou nesse país nos últimos anos, os grupos de extermínio atuam exatamente nas antigas terras de quilombo, na zona da mata alagoana. O que o jovem brasileiro precisa é de uma escola decente, de inserção profissional e produtiva,enfim, que os seus direitos sejam preservados e garantidos pelo Estado. Por enquanto, infelizmente, a solução tem sido matá-los ou encarcerá-los em ambientes inóspitos, que não oferecem as mínimas condições de ressocialização. Num quadro como este, é absurdamente incoerente pensarmos em redução da maioridade penal.  Penso que o chargista Laerte foi muito feliz na charge que ilustra essa postagem. 

Tijolinho do Jolugue: Como anda a gestão de Geraldo Julio?

 
 
Nas eleições municipais de 2012, escrevemos uma série de 30 artigos abordando os bastidores daquelas eleições. Já nos sugeriram uma possível publicação, mas nos mantivemos reticentes quanto a essa possibilidade. O que não nos faltam é o entusiasmo de continuar acompanhando as movimentações dos atores políticos, já em razão das eleições municipais de 2016, o que já nos levou a produzir dois artigos sobre esse tema. Já no final daquela série de artigos - mas ainda muito antes dos resultados das eleições - havíamos preconizado uma inevitável vitória de Geraldo Julio (PSB). Confesso que não fomos muito duros, à época, com o futuro prefeito Geraldo Julio. Afinal, por aquele período - a despeito das escaramuças já existentes - o ex-governador Eduardo Campos ainda era um aliado da coalizão petista. 

À época, o artigo foi bastante festejado pelo staff do atual prefeito do Recife.Talvez por isso, a gestão de Geraldo Julio foi tão pouco comentada em nosso blog. Somente mais recentemente, é que esse processo foi destravado, sobretudo em razão dos graves problemas com a condução da política educacional do município do Recife. Convém esclarecer que não havia, de nossa parte, nenhuma simpatia ou torcida em particular pela vitória de Geraldo Julio. Apenas as circunstâncias analisadas daquelas eleições indicavam uma inevitável vitória do candidato do ex-governador Eduardo Campos. 

Há um consenso de que o ex-prefeito do Recife, João da Costa(PT), não fez uma boa gestão do município do Recife.Descer aos detalhes pensamos ser desnecessário.Como administração do município é coisa do cotidiano, o cidadão recifense deve ter ainda na memória sua relação com problemas como limpeza dos canais, mobilidade urbana, recolhimento do lixo, calçadas esburacadas, deslizamento de barreiras, obras inacabadas e coisas afins. Pesou contra João da Costa, igualmente, o rompimento político com o seu padrinho, o também ex-prefeito João Paulo. João da Costa dormiu com o inimigo durante toda a sua gestão. João, o matuto de Angelim, foi fustigado internamente por caciques graúdos da legenda, no plano local e nacional. Embora com problemas na gestão, João da Costa mostrou um hábil articulador no plano interno da legenda. Deu várias cipoadas em atores muito mais experientes.

Foi exatamente aqui que, aliado a outras escaramuças, o ex-governador Eduardo Campos viu a oportunidade única de conquistar para a sua legenda o Palácio Antonio Farias. Formou-se uma grande expectativa em torno da futura gestão de Geraldo Julio a frente da Prefeitura da Cidade do Recife. Convém esclarecer, entretanto, que ela veio no bojo de uma baita campanha de marketing institucional que apontava Pernambuco como um dos Estados mais bem geridos da Federação. A expectativa - em certa medida falsa - é que o Recife repetisse a proeza. Com a morte do ex-governador, logo, as fichas começaram a cair. 

Não apenas pela liderança que ele exercia sobre os seus comandados, mas, sobretudo, em razão de manter junto ao imaginário popular um discurso de bom gestor, de tocador de obras, de captador de recursos e investimentos e de liderança inconteste. Esse discurso ancorava seu projeto presidencial, abortados com a sua morte. No dia de ontem, em razão das duas mortes ocorridas durante aquela tromba d'água que caiu no Recife, logo alguns opositores vieram a público para creditar a responsabilidade sobre o ocorrido à gestão do prefeito Geraldo Julio. A gestão de Geraldo não vai nada bem. Isso é sabido. Assim como as águas que caíram no Recife, a gestão encontra-se numa enxurrada de problemas. 

Não enxergamos como um comportamento positivo esse frenesi em apontar as tragédias que ocorreram como resultado da má gestão do prefeito.A ansiedade é tão grande que chega-se a pensar que havia alguém torcendo para que essas tragédias ocorressem. Recife tem alguns problemas estruturais que nunca foram enfrentados a contento. As inundações, em dias de chuvas torrenciais, é um bom exemplo. Qual foi a gestão que conseguiu enfrentar esse problema? O ex-prefeito, Roberto Magalhães, costumava afirmar que o Recife era um prato, numa referência à edificação da cidade, em alguns trechos, bem abaixo do nível do mar. 

Para que se tenha uma ideia, aquela trecho do bairro do Benfica, em frente ao Clube Internacional, chega a ser 3,5 metros abaixo do nível do mar. Uma verdadeira cratera. Os pontos finais de algumas galerias foram simplesmente obstruídos com a construção de moradias irregulares. Há, aqui, o que chamamos de um refluxo. Lixos são jogados nas encostas dos morros. O incidente que resultou nas duas mortes são o resultado de lixo encharcado, que torna-se um peso insuportável para terrenos frágeis. Infelizmente, esses problemas devem continuar, independentemente de quem esteja ocupando a cadeira de prefeito no Palácio Antonio Farias. Muita coisa precisa ser feita pelo poder público municipal, preferencialmente com a colaboração da população.

terça-feira, 30 de junho de 2015

Tijolinho do Jolugue: Os rumos políticos de nossa querida Paulista.





A cidade de Paulista, localizada na Região Metropolitana do Recife, parece-nos mesmo uma cidade sem a menor vocação republicana. No passado, dominada por uma oligarquia industrial, essa nódoa patrimonial parece ditar o ritmo político da cidade até os dias de hoje. Foi muito feliz uma jovem que, ao estudar a história daquele torrão natal, num lampejo de lucidez, afirmou tratar-se uma "quase cidade". Até o chefe político Agamenon Magalhães, em pleno Estado Novo, quando questionado sobre a emancipação política da cidade - que já foi distrito de Olinda - afirmou ser necessário, antes, que se fizesse uma reforma agrária, distribuindo melhor as terras do feudo familiar dos Lundgrens. 

Politicamente, as coisas não mudaram muito desde então. A administração pública municipal passa de oligarquia para oligarquia, sem que os problemas estruturais da cidade sejam, de fato, enfrentados. Quase três mandatos de gestão socialista e o município continua na rabeira dos indicadores sociais, principalmente em educação, onde ainda é muito fraco desempenho do IDEB, entre as cidades como mais de 200 mil habitantes.Até recentemente, se fazia "rodízio de alunos", o que levou uma bem-humorada internauta a se perguntar: "eu já vi rodízio de carne, rodízio de pizzas, mas de aluno..." Pois é. 

Não se pode negar que, pelo menos nesse aspecto, o município é inovador. Reclamei disso enormemente pelas redes sociais e pela blogosfera. Enormemente e inutilmente. Ontem um blog local informou que a possibilidade de uma reeleição do atual prefeito, Júnior Matuto(PSB), são favas contadas. Nenhum mérito em razão da gestão que ele vem realizando na cidade - envolta em problemas de toda ordem - mas por pura "falta de opção" do eleitorado. O socialista Ives Ribeiro - que governou a cidade por dois mandatos -teria transferido seu título eleitoral para a cidade de Igarassu. O eterno candidato do PT, Sérgio Leite, perdeu as três eleições que disputou e estaria desestimulado a disputar uma quarta eleição. Nena Cabral nunca reuniu o capital político para participar do jogo com chances efetivas de vitória. Falta na cidade, portanto, candidatos sérios, movidos pelo espírito público, capazes de promover uma gestão voltada para o interesse da população. 

Sobram, por sua vez, denúncias de malversação de recursos públicos; conluio do poder público com setores do capital; descaso com a preservação do meio ambiente; destruição dos remanescentes de mata atlântica etc. A destruição da Mata do Frio, onde batíamos nossas peladas de final de tarde com a turma da Torres Galvão, então, já foi denunciada inúmeras vezes, sem que providências fossem tomadas. Não sabemos precisar, mas, criança que conviveu com aquelas matas, podemos assegurar que a cobertura vegetal da cidade foi muito sacrificada nas últimas décadas.  

"Conluio antidistributivo" puniu Dilma, e campanha será mais radicalizada, diz sociólogo.

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Há um "conluio antidistributivo" no Brasil que puniu a presidente Dilma quando ela tentou reduzir as taxas de juros e desvalorizar o real. Empresários compensaram queda no rendimento de aplicações com alta de preços, impedindo uma guinada na política econômica.
A análise é do sociólogo Adalberto Moreira Cardoso, 52, diretor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que inclui no "conluio", parte da classe média rentista e o setor de serviços. Para ele, a campanha eleitoral deste ano será radicalizada, e as mídias sociais alimentam a animosidade.
Doutor pela USP e autor de dez livros –entre eles "A Construção da Sociedade do Trabalho no Brasil" (FGV, 2010) e "Ensaios de sociologia do mercado de trabalho brasileiro" (FGV, 2013)–, Cardoso enxerga Dilma como nome mais forte. Mas, ao contrário do que ocorreu com Lula, prevê que a presidente "não vai poder surfar acima das brigas entre candidatos. Ela vai ser o alvo principal dos ataques".
A seguir, trechos da entrevista concedida por telefone, do Rio de Janeiro.

Zo Guimaraes/Folhapress
O sociólogo Adalberto Cardoso, 52, da Universidade Estadual do Rio
O sociólogo Adalberto Cardoso, 52, da Universidade Estadual do Rio
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Folha - Qual sua visão do processo eleitoral? Adalberto Cardoso - A campanha será mais radicalizada, muito violenta. Não só em relação aos ataques pessoais entre candidatos, mas também nas ruas. Várias cidades há disputas muito intensas pelo poder. Pela primeira vez em 12 anos, a oposição está vendo de fato uma chance de voltar ao poder. No caso do PSB, de chegar ao poder. Ambos estão agindo de maneira muito dura na oposição. As novas mídias sociais estão permitindo o afloramento de um radicalismo raivoso por parte da população. Ele sempre existiu, mas antes não parecia. Nas redes sociais isso fica muito explícito. Isso alimenta uma animosidade entre os contendores muito pouco saudável para a dinâmica da democracia. As redes sociais não têm contribuído para formar opinião, mas para radicalizar as opiniões que as pessoas já têm. Isso é ruim numa dinâmica em que estarão em questão os horizontes da política, o futuro que queremos. Essa eleição reinaugura a disputa política propriamente dita. O PSDB, que agia de maneira errática nas últimas três eleições, está claramente com um projeto mais definido, mais conservador, mais à direita, definindo um eixo de retomada de um projeto que foi bem-sucedido no primeiro mandato de FHC. Mas que fracassou no segundo mandato. O que o Aécio tem afirmando é o projeto do segundo mandato de FHC. O primeiro foi mais claramente neoliberal, com políticas de abertura da economia. Todo o receituário neoliberal, com muita intensidade, foi implementado. No segundo, deu-se um passo adiante, do meu ponto de vista ainda mais equivocado. O primeiro mandato teve a virtude de ter controlado a inflação a um preço muito alto, que foi o do emprego formal, industrial. O Brasil entrou numa rota de desindustrialização a partir de 1995, 1996, que só se aprofundou com o tempo. Chegou-se ao final do segundo mandato com 40% de emprego formal. O emprego industrial, que tinha atingido 22%, foi para 11% da PEA. Houve uma desindustrialização dos empregos e um aumento brutal do desemprego. O custo social das políticas adotadas foi muito alto. As pessoas se esquecem de que o Brasil estava numa rota de dolarização quando Lula ganhou a eleição. O projeto de FHC era de dolarização da economia. Armínio Fraga já tinha transformado quase 40% da nossa divida interna em nominada em dólar, expondo profundamente a economia às intempéries internacionais.
O projeto Aécio é semelhante ao de FHC?
É de voltar às políticas de FHC. Seu possível ministro da Fazenda é Armínio Fraga, um dos responsáveis pela grande fragilidade do Brasil no segundo mandato do FHC. Ele colocou o Brasil numa rota de dolarização da economia num momento em que a dolarização já tinha destruído a economia da Argentina. Ele está fazendo o programa do PSDB, baseado nas políticas neoliberais de financeirização da economia.
Qual o significado da candidatura de Eduardo Campos?
É uma oposição que saiu do governo, uma candidatura de oportunidade. Com a saída de Lula da disputa, ele se sentiu livre para, entre aspas, trair o seu aliado principal. Entre aspas porque a lealdade dele era em relação à pessoa de Lula, não ao partido. Uma aliança típica das oligarquias no Brasil. Ele, como filho de oligarca, agiu como tal. É perfeitamente legitimo. Foi um movimento oportunista, assim como foi oportunista a aliança com Marina Silva, com quem ele não tem a menor afinidade ideológica.
Ideologicamente, como essa candidatura se posiciona?
Campos ainda não disse a que veio em termos de seu projeto de governo. Diz que podemos fazer mais e melhor, que vamos dar continuidade ao governo Lula e esquecer Dilma, como se a Dilma tivesse traído as diretrizes de Lula. É como se estivesse reafirmando sua fidelidade a Lula. Não há outra possibilidade a Campos do que partir para ataques pessoais. A questão da corrupção vai surgir de novo. Faz parte das campanhas em todo o mundo. A corrupção, infelizmente, vai ser de novo a tônica do debate eleitoral no Brasil. Isso vai respingar para cima de Lula e dos governos anteriores. Campos não tem projeto de governo. Vai ser difícil para ele quando a Dilma começar a mostrar os resultados de sua administração –e ela tem muito para mostrar. Ele vai ter que apresentar um programa com alguma credibilidade. De um lado da oposição estão André Lara Resende e Eduardo Giannetti. De outro, Armínio. Vai ficar claro é que existe um projeto neoliberal e de aliança com o sistema financeiro do lado da oposição nas duas candidaturas. De outro lado, há uma candidatura mais voltada para o neodesenvolvimentismo, que de alguma forma olha para a produção, para a economia real.
Se essa campanha vai ser mais radicalizada, como isso vai acontecer do lado do governo?
Todas têm sido muito radicalizadas. A única que não, foi em 2002, quando o PT apresentou um programa alternativo e o governo que estava saindo era muito mal avaliado. Não foi possível bater na pessoa de FHC. Houve uma certa divisão de trabalho na campanha, e ficou para o Ciro Gomes bater. Isso permitiu que Lula surfasse acima das disputas pessoais. Isso não vai ser possível nessa campanha. Dilma não vai poder surfar acima das brigas entre candidatos. Ela vai ser o alvo principal dos ataques. Eduardo Campos sabe que a única possibilidade de ir para o segundo turno é destruir Aécio. O inimigo de Campos não é Dilma; é Aécio. Dilma estará no segundo turno, se houver segundo turno. A campanha ainda não começou. Hoje tudo indica que haverá um segundo turno. A oportunidade única de Campos é impedir que Aécio mantenha a intenção de voto que ele tem hoje. Haverá uma luta no campo da oposição.
Mas ambos aparecem muito juntos, numa relação de boa vizinhança, não?
Não. Marina já disse que o projeto deles não tem semelhança com o PSDB.
Ela está correta?
Ela tem um projeto que é diferente do de Campos. Ela tem uma visão da política que é mais comunitarista, não individualista, que é o caso de Aécio e do PSDB em geral. Ela tem um viés conservador de outro tipo. É um conservadorismo voltado para a vida comunitária, contra a ideia de financeirização, de subordinação do Brasil ao capital financeiro internacional. Ela tem um projeto; Campos não tem. Ele estava costurando uma aliança com o agronegócio quando Marina foi para o partido dele e isso foi desfeito. Então, Aécio se colocou como candidato do agronegócio. Ela tem uma diferença em relação ao PSDB. Ela foi oposição ao PSDB a vida inteira e continua sendo. Do ponto de vista dela, não tem aliança possível com o PSDB. Uma aliança entre os dois partidos que possam marchar juntos para destruir a Dilma no segundo turno dificilmente vai acontecer por causa de Marina.
O que pode acontecer se o segundo turno for entre Aécio e Dilma?
O mais provável é que haja um apoio à Dilma do que a Aécio. Campos está muito mais próximo desse campo da coalizão de governo do que do PSDB. Ele tem se mostrado um político muito pragmático.
O sr. fala que a candidatura Dilma é neodesenvolvimentista, mas o crescimento do país é baixo e a desindustrialização segue.
Crescimento baixo depende do parâmetro. Se olhar para a China, é baixo. Mas se olhar para a América Latina, o Brasil está crescendo na média. O Brasil não está sozinho no mundo. É um erro comparar o Brasil com a China, que é a segunda economia do mundo, que é um regime autoritário.
Mas o governo é desenvolvimentista?
O governo é de uma coalizão, na qual o PT tem a liderança. Implementar políticas com esse Congresso não é fácil. O executivo tem sido refém de uma política que tem troca de favores no Congresso. Por causa do tempo de televisão, que é um grandes elementos da dinâmica política do Brasil. O tempo de televisão é a grande moeda em ano eleitoral e no ano anterior e anterior. Há políticas que não podem ser implementadas por haver uma base política conservadora. O governo chegou tarde à conclusão de que a economia brasileira está profundamente fragilizada. Do ponto macroeconômico está bem, com sinais de que pode piorar depois. A economia do país foi fragilizada ao longo dos últimos 20 anos.
O sr. pode explicar melhor?
Em parte por conta da âncora cambial dos dois mandatos de FHC. Ainda que tenha que tenha acabado em 1999, ela retornou via taxa de juros, uma das maiores do planeta. O dólar chegou a bater R$ 3. Lula restituiu a âncora da economia brasileira via taxa de juros. São 20 anos de política que Dilma tentou reverter quando começou a baixar de maneira consistente a taxa de juros. Dilma foi punida pelo mercado, inclusive pela indústria.
Punida como?
Quando a taxa de juros chegou num patamar que todos, inclusive a Fiesp, saudaram como uma taxa civilizada, juros reais de 2%, todo mundo começou a aumentar preço. Porque o empresariado no Brasil deixou de investir quando a taxa de juros ficou muito baixa, ao contrário do que acontece no mundo inteiro. No mundo inteiro, quando a taxa de juros está muito alta, os empresários não investem. No Brasil é o contrário: os empresários investem com taxa de juros alta, porque ela reduz o risco do investimento. Por incrível que pareça! Quem financia o investimento no Brasil é o BNDES, o investimento é com juros subsidiados. Com taxa de juros alta, os empresários podem ganhar no mercado financeiro. O que ajuda a segurar preço não é o fato de que a demanda é contida pelos juros altos. Porque os empresários compensam os preços das mercadorias ganhando no mercado financeiro. Não é preciso aumentar preço: eles estão ganhando em outro lugar. Quando a taxa de juros cai, a primeira atitude do empresário que começa a perder dinheiro no mercado financeiro é aumentar preço. A economia é oligopolizada. Em todos os setores importantes, três ou cinco empresas ou grupos têm mais de 50% do mercado. Como essa profunda oligopolização, os grandes grupos têm o poder de arbitrar preços. Dilma foi punida fazendo o que todo mundo pediu: redução consistente de taxa de juros e aumento consistente do câmbio, desvalorização do real. Quando o câmbio bateu em R$ 2,4 e os juros em 7,5% todo mundo reagiu contra. Há agentes econômicos com grande poder de veto a medidas que representam, do ponto de vista dos rentistas, perda de renda. Esses agentes não permitiram dólar alto e juro baixo.
Há um pacto pró juro alto no Brasil?
Existe um conluio antidistributivo no Brasil. Reúne as classes médias, que querem juro alto para garantir sua aposentadoria, sua viagem internacional, para garantir dólar baixo. Interessa a essa classe media e parte dela está contra o governo, é conservadora. Vai votar contra, apesar de ter ganhado muito com a taxa de juros. Essa classe média é antidistributiva, é contra as políticas do tipo Bolsa Família, de melhoria da vida dos mais pobres. A indústria reclama da taxa de juros, mas, quando a taxa de juros cai, responde com aumento de preços. O resultado é aumento de preços, não investimento. Aí é o aumento da taxa de juros para conter a inflação. O BC não tem outra saída a não ser aumentar os juros. O setor de serviços é o maior responsável pelos aumentos de preços. São três agentes muitos poderosos: tem consumidores, uma certa fatia de rentistas que é grande, de 25% a 30%, que ganha com as taxas de juros dos fundos públicos; têm a indústria e o setor de serviços. Quando se aumenta a taxa de juros, se transfere diretamente recursos do Tesouro nacional para esses agentes. A taxa de juros é fruto de uma luta política entre agentes econômicos para o aceso dos fundos públicos no Brasil. O governo percebeu a sinuca de bico em que estamos metidos decorrente de muitos anos de taxas de juros muito altas e inflação baixa –para os padrões brasileiros.
Como esse conluio pode ser enfrentado?
A indústria brasileira foi muito fragilizada. A China ficou 20 anos com o câmbio muito desvalorizado e todo mundo foi para lá. Antes tinha sido o Brasil, o México. Isso não tem mais volta, é uma configuração da economia mundial. O Brasil perdeu, mantendo muito valorizada sua moeda nesse período. O processo é de longo prazo. A China levou 30 anos para chegar onde está. O Brasil tomou outro caminho e não se reverte uma política assim em pouco tempo. A política de redução de juros e desvalorização do câmbio durou um ano e meio com Dilma, e ela foi punida pelos agentes que são contra essa guinada. Isso não quer dizer que essa guinada não possa ser dada. Ela provou do custo de dar essa guinada. Poderia ter tentado bancar isso politicamente.
Por que ela não fez isso?
Porque parte do PMDB também é rentista, parte da base do governo também é rentista. A única pessoa que conseguiu uma maioria estável no Congresso foi FHC, no primeiro mandato. Foi um rolo compressor. No segundo mandato, não foi possível. Houve uma coalizão forte nos dois primeiros anos de lula. Depois do mensalão, acabou. Lula ficou mais dependente do PMDB. Dilma continua com uma base muito fragmentada, sem unanimidade no PMDB e inclusive no PT. Numa situação de grande fragmentação, todo o presidente eleito vai depender do PMDB, que vai continuar sendo o fiel da balança no Congresso. Os presidentes vão continuar reféns de uma forma de fazer política que é a do toma-lá-dá-cá.
Esse conluio, como o sr. define, implica crescimento baixo?
Essas pessoas [do conluio] não tão preocupadas com crescimento. A crítica ao baixo crescimento é resultado da crítica em geral à política econômica. Mas não há recessão. A Europa é que está parada desde 2009. O que impede o crescimento é a taxa de investimento. É uma reação dos empresários à percepção sobre o cenário econômico.
Mas o governo também não falha ao não ser mais ativo no investimento?
Houve um problema sério de transformação da vontade de investir do governo em investimento real. Os projetos de infraestrutura continuam com problemas sérios de execução. Há uma coalizão anti-investimento. Isso decorre, em parte, dos controles instituídos pelos partidos políticos. O Ministério Público acha que o sistema político é corrupto e parte do princípio de que a decisão de investimento por parte do poder publico é corrupta do nascimento. Há uma coalizão anti-investimento por parte de todos os mecanismos de controle. Não estou dizendo que não deva ter controle. Mas chegou-se a um paroxismo em que é muito difícil investir. Esse governo demorou a entender isso. Lula conseguiu, por seu voluntarismo, fazer uma série de projetos. Vários estão ainda pelo caminho: ferrovias, São Francisco, barragens. É fácil lançar o projeto, mas a execução, do ponto de vista dos controles, é muito difícil. Projetos do PAC estão capengando. Ao perceber isso, Dilma fez concessões, que é uma forma de privatização. Agente privado não tem que fazer concorrência, não tem controles. E, por definição, o mercado não é corrupto.
A chance maior é a da reeleição?
Dilma é a candidata mais forte. Passaram os últimos quatro anos tentando destruir o legado de Lula, inclusive o seu jornal e a imprensa em geral no Brasil. Não conseguiram. Lula continua sendo a pessoa mais importante na política brasileira hoje. Ele vai entrar de cabeça na reeleição e é um cabo eleitoral importantíssimo. Só se ouve que o governo é ruim. Apesar disso, ela tem 40%. Claro que essa campanha, orquestrada por uma oposição que vê a chance de chegar ao poder, minou parte da base dela. Tirando a possibilidade do inaudito, ela está no segundo turno e é a candidata mais forte.
Como o sr. avalia essa discussão sobre a classe média e como ela deve se comportar na eleição?
Não concordo com a afirmação de que o Brasil é um país de classe média. É uma definição estatística, não sociológica, que só mede o consumo das famílias. É uma definição ruim, arbitrária e equivocada. Uma parte da classe média vai cotar na Marina e em Campos achando que está votando de maneira mais à esquerda. Identifica nela uma novidade, coisa progressista, mesmo que ela não seja isso. Outra parte vai voltar nos candidatos mais à esquerda, uma classe estudantil que é militante, que foi para a rua. Outra vai continuar fiel ao PT, que lê o cenário como um complô contra o PT. Outra parte vai votar no PSDB, achando que o mercado é o caminho e que o Estado é gigante. Uma proporção grande da classe média pensa assim. Isso tudo dá 20% e não ganha eleição. A eleição vai ser decidida pelos outros 80% que incluem os 50% que são pobres e muito pobres e 30% dessa classe popular que ascendeu e que tem demanda reprimida. Esse pessoal vai ser o fiel da eleição.
O sr. espera grandes manifestações de rua nos próximos meses?
Grandes manifestações, como no ano passado, com um milhão nas ruas, é difícil ter de novo. Mas a política está na rua. Isso não vai acabar. As pessoas vão continuar se fazendo ouvir na rua.
Todo o ano de Copa e eleição há a discussão sobre a interferência do esporte na política. Qual sua visão?
Essa discussão vem desde os anos 1970, na ditadura. Para o governante, de todos os níveis, é melhor que o Brasil ganhe. Isso pode contribuir para amainar os ânimos, para pacificar, para reduzir um pouco o calor da disputa política. Mas não acho que se o Brasil ganhar vai ser bom para a Dilma. As pessoas sabem distinguir. O brasileiro é muito mais inteligente do que se imagina. 

(Publicado originalmente no Jornal Folha de São Paulo)

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Tijolinho do Jolugue: Com a entrada de Antonio Campos, as costuras políticas em Olinda se complicam.



Principalmente hoje, ideologia não é, seguramente, um aspecto mais determinante para analisar o comportamento ou as decisões das agremiações partidárias. Quem enveredar por este caminho, não raro, corre o risco de cometer inúmeros equívocos. Outro dia alguns atores políticos históricos, ligados ao PSB, questionavam as especulações em torno de um possível ingresso do neto de Antonio Carlos Magalhães, ACM Neto, atual prefeito de Salvador, nas fileiras do PSB. O Roberto Amaral pode até ter lá suas razões, mas, sinceramente, aqui no Estado, o principal líder da agremiação, o ex-governador Eduardo Campos, garantiu uma sobrevida às viúvas do macielismo. 

Pragmaticamente, sob que argumento essa gente poderia vetar o nome de ACM Neto? Pode-se perguntar, isto sim, o que faz um Roberto Amaral nesta agremiação partidária?  Isso vem a propósito do complexo quadro  de arranjos políticos que deve ser montado em Olinda, em razão de uma possível candidatura do escritor Antonio Campos à Prefeitura Municipal, nas eleições de 2016. Arranjos políticos entre as duas agremiações - PCdoB e PSB - garantiam à Olinda a condição de um reduto dos comunistas. Os comunistas, por sua vez, mesmo com as reações conhecidas, conseguiram, durante esses anos, aplacar os ânimos dos petistas que, mesmo amuados, estiveram ao lado do PCdoB. Com a entrada de Antonio Campos no jogo, várias possibilidades estão sendo especuladas. 

Há quem informe que tudo está "arranjado". PT e PCdoB poderão apoiar o nome do irmão do ex-governador. Uma outra possibilidade, como sugeriu o internauta Ygor Barros​, é a volta da dobradinha PT e PCdoB, reeditando as eleições de 2000. Isso poderia se reeditado em Olinda e no Recife. Mesmo com a morte do ex-governador, um dos principais artífices da guinada à direita dos neo-socialistas, o partido parece desejar seguir essa tendência. Já entabula conversas com o PPS, com os Democratas. Com os tucanos, então, isso já vem de longas datas, envolvendo aves emplumadas em vários ninhos da Federação. 

No Recife eles já integram o Governo de Geraldo Júlio e, pelo andar da carruagem política, há até mesmo a possibilidade deles ampliarem a participação no condomínio governista. As costuras dos neo-socialistas, em Olinda, envolvendo os tucanos e o PMDB, portanto, poderão ser mais facilmente tecidas. Raul Henry(PMDB) é vice de Paulo Câmara e  a vereadora Aline Mariano (PSDB) é a titular da Secretaria de Enfrentamento do Crack e Outras Drogas, na gestão de Geraldo Júlio. O PMDB tem uma penca de pretendentes na cidade, mas a expectativa de "participar" de uma futura gestão consegue fazer milagres. 

Crédito da Foto: Agência Folha/PE

domingo, 28 de junho de 2015

Tijolinho do Jolugue: A Casa da Rabeca transforma-se num comitê eleitoral dos socialistas.







Como já afirmamos, hoje, domingo, em grande estilo, o escritor Antonio Campos comemorou seu aniversário no tradicional reduto cultural da Casa da Rabeca, em Olinda. Na realidade, afirmar que Antonio Campos é um neófito na política constitui-se, tão somente, uma tentativa de estabelecer um procedimento didático, posto que, quando o irmão era vivo, ele já mantinha uma participação ativa nos bastidores da política estadual, embora nunca tivesse antes disputado uma eleição. As movimentações indicam que, desta vez, torna-se quase certa sua participação nas eleições de 2016, em Olinda. A festa de Antonio Campos foi bastante concorrida, contando com a presença de lideranças comunitárias, populares, e a fina flor do staff político socialista do Estado. 

Possivelmente, trata-se de uma candidatura que irá provocar alguns desarranjos políticos na aliança mantida pelo partido com os comunistas do PCdoB. Curiosamente, as lideranças do partido não foram convidadas. E olha que eles adoram uns canapés, uns comes e bebes. Os comedimentos ficaram no passado. Lá para os idos dos anos 60. Hoje, eles estão bem adaptados à dolce vita da burguesia. Pode se fazer algumas leituras, principalmente a política, com o propósito de explicar a ausência dos comunistas entre os convivas. Através de um artigo em seu blog, o escritor Antonio Campos teceu alguns comentários críticos sobre a administração municipal, a princípio, no tocante às políticas educacionais da gestão comunista de Renildo Calheiros​. Isso indica que, para viabilizar-se eleitoralmente como alternativa, o irmão do ex-governador deverá centrar fogo sobre a atual gestão do município, algo que, pontualmente, já vem fazendo.

A festança da Casa da Rabeca, então, passa a se constituir num bom termômetro político sobre as próximas eleições municipais de 2016, em Olinda e, por tabela, em Recife. Algo nos informa que aquele espaço cultural deverá se constituir numa espécie de comitê eleitoral socialista. A entrada de Antonio Campos no "jogo eleitoral" olindense está provocando uma série de "cismas" entre políticos "tradicionais" do município. O principal argumento da rejeição é que ele é um forasteiro. Eis aqui um problema que ele terá que contornar. Entre as lideranças políticas locais e, possivelmente, também entre o eleitorado. Sua inserção no campo literário da cidade não seria suficiente para credenciá-lo.

Apesar do desgaste da gestão de Renildo, Olinda continua estratégica nos planos do PCdoB. Nas últimas eleições municipais de 2012, Olinda foi apontada como "prioridade das prioridades" pelo partido. A cúpula da agremiação, se era assim, deveria ter avisado isso a Renildo, no sentido de que ele cuidasse melhor da joia da coroa. Agora mesmo ficamos sabendo que também circula pelo You Tube um vídeo comemorativo ao aniversário do escritor Antonio Campos.  Mas não compete a nós fazermos julgamentos. Os atores delegados para isso são outros e eles já se pronunciaram sobre o assunto,  afirmando que não há nada demais nisso. Coisas da política, meu filho.

Crédito da Foto: Agência Folha/PE

sábado, 27 de junho de 2015

O xadrez político das eleições de 2016 no Recife: Enquanto Antonio Campos amplia o lastro político em Olinda, no Recife Geraldo Julio tenta cooptar o PSDB





José Luiz Gomes


O caldeirão da política recifense continua em plena ebulição. A máquina mói nos bastidores embora, por razões óbvias, muitas coisas não são tornadas públicas. Isso faz parte do campo político. Hoje tive a oportunidade de ler um pequeno artigo do escritor Antonio Campos, em seu blog, sobre a educação na cidade de Olinda. De posse de alguns dados - como o desempenho do município no IDEB - informa que as coisas não vão bem nessa área, na Marim dos Caetés. 90% dos 185 municípios pernambucanos entregaram, dentro do prazo, o Plano de Educação Municipal. Olinda, nas palavras do escritor, não fez o dever de casa. Não temos muitas informações sobre este assunto, mas algo nos sugere que este blog seja novo e integra uma plataforma de ação - mais uma - que visa ancorar uma possível candidatura do escritor à Prefeitura da Cidade de Olinda. Ou o blog é novo ou, pelo menos, as temáticas que estão sendo tratadas começam a problematizar sobre a cidade de Olinda.

Há grandes questionamentos sobre os arranjos políticos em jogo, com o objetivo de viabilizar essa candidatura. Além de neófito, com a manobra, Antonio Campos provoca um "desarranjo" na correlação de forças locais, em alguns casos, atingindo aliados do primeiro escalação do prefeito Geraldo Júlio(PSB), no Recife. Talvez possamos descobrir mais tarde que tudo já teria sido "arranjado" e que estamos fazendo uma tempestade num copo de água. Talvez. No momento, todos os indícios apontam para uma candidatura. Seu aniversário será comemorado no melhor estilo, na cidade, precisamente na Casa da Rabeca, um tradicional reduto cultural e simbólico do município. Os observadores poderão afirmar que a Tabajara é um distrito em disputa por dois municípios, mas, por outro lado, todos sabem das relações afetivas daquela espaço cultural com a Marim dos Caetés. 


Ademais, pelo que se sabe, os convivas são todos de Olinda e extrapolam os círculos literários e culturais. Em outras palavras, envereda pelos círculos políticos, numa evidente demonstração da estratégia de construção de capilaridade num campo até então estranho ao escritor: o político. Aqui surge mais um dado para analisarmos sobre quem, de fato, dá as cartas entre os socialistas tupiniquins. Outro dia, pelos jornais, em meio às especulações sobre a sucessão no município de Jaboatão dos Guararapes - onde já era intensa as costuras do socialista João Fernando Coutinho - o governador Paulo Câmara veio a público para "por ordem" no recinto: 2016 se discute em 2016. No caso de Olinda, um silêncio obsequioso. Afinal, formiga sabe que roça come. 

Continua ainda merecedora de uma análise mais consistente os "significados" da visita do presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, ao Recife.  Foi daquelas chegadas intempestivas, alvoraçadas, onde ele atirou para todos os lados, atingiu alguns alvos, abriu alguns flancos e depois desapareceu. O prefeito do Recife, teria encontrado com ele em Brasília, onde aproveitou a deixa para questioná-lo acerca da eventualidade de uma candidatura pedetista no Recife, em 2016. Aqui na província, Lupinho havia questionado uma possível fusão - hoje já descartada - entre o PSB e o PPS. Nas suas observações, seria o abraço da morte com os tucanos, via PPS. Em certa medida, ele tem razão, embota essa questão da ideologia seja apenas um "pano de fundo", principalmente quando se está em jogo a filosofia pragmática que regem as nossas agremiações partidárias. 


Tratou-se, tão somente, de um discurso do presidente nacional da legenda pedetista. E como diria o filósofo Nietzsche, toda palavra é uma máscara, todo discurso é uma fraude. Naturalmente que passa longe essa preocupação de Carlos Lupi com a possível "decadência ideológica" dos socialistas tupiniquins. Lupi chegou a levantar a hipótese de uma possível candidatura do ex-deputado federal, Paulo Rubem Santiago - hoje na presidência da Fundação Joaquim Nabuco - à Prefeitura da Cidade do Recife, em 2016. Pouco tempo depois, em entrevista a uma rádio local, o ex-deputado descartou completamente essa possibilidade. Como no dicionário da política não existem as palavras nunca nem jamais, as posições também mudam como as nuvens.



E,afinal, a quantas andam as movimentações no establishment governista do Recife? Começaram a ser veiculadas pela TV algumas peças publicitárias da Prefeitura da Cidade do Recife. Lembro-me de uma que fala precisamente sobre a melhoria da qualidade da merenda escolar na rede municipal. Educação é um dos aspectos nevrálgicos da administração do senhor Geraldo Júlio(PSB). Aliás, há ali uma caveira de burro que precisa ser urgentemente desenterrada. Faz muito tempo que o órgão anda enredado em problemas de toda ordem, sejam administrativos, fiscais, de desempenho etc. Há várias denúncias de irregularidades, contas já foram bloqueadas, merendas e materiais deixaram de ser distribuídos por falta da pagamentos a fornecedores. Até o pessoal do TCE já assumiu a pasta, numa espécie de intervenção branca, a despeito das boas relações entre o órgão e os socialistas da província. Num quadro como este, não se poderia esperar muita coisa sobre o desempenho do alunado. 


Uma verdade, no entanto, precisa ser dita. Esses problemas estão se arrastando já faz algum tempo. Na realidade, Geraldo Júlio pegou as "batatas" e não conseguiu descascá-las a contento. Mesmo sem a forte liderança do ex-deputado Sérgio Guerra, os tucanos mais emplumados estão de bico afiados, de olho no Palácio Antonio Farias. Por muito pouco, uma dessas aves não jogaram as eleições de 2012 para um segundo turno, o que teria provocado a ira do ex-governador, Eduardo Campos, que não ficou nada satisfeito com o "impasse". A bronca teria sobrado até mesmo para o marqueteiro argentino, que o acompanhava desde de 2006. Essa mesma ave, com as arestas mais aparadas no ninho tucano, promete voltar a cantar nas eleições de 2016. 


Trata-se do deputado estadual Daniel Coelho, político ainda jovem, com forte penetração em alguns segmentos do eleitorado recifense. Segundo uma bem informada blogueira do Estado, os estrategistas do staff do prefeito teriam urdido uma manobra que quase sempre dá certo: moveria uma peça do ninho tucano para os espaços da Prefeitura da Cidade do Recife, o que poderia proporcionar um "naco de poder" imediato, atiçando a cobiça e vilania, capazes de refrear qualquer pretensão futura. Um dos nomes convidados teria sido o da vereadora Aline Mariano, que teria recusado o convite. Ainda de acordo com a blogueira, um outro nome aventado seria o do vereador André Régis, presidente da comissão de educação da Câmara Municipal, um ferrenho opositor do prefeito. 


Com a manobra, Geraldo Júlio mataria dois coelhos de uma cajadada só. Por aqui, bem se vê que o interesse público pode esperar. O ilustre vereador - colega do mestrado em ciência política da UFPE - seria convidado justamente para assumir a pasta da educação. Justamente ele que, outro dia, apontou como um dos principais  problemas da educação do município a ausência de ar-condicionado nas salas de aula da rede municipal.

P.S do Realpolitik: O artigo comete um equívoco ao mencionar que a tucana Aline Mariano havia recusado o convite para integrar a equipe do prefeito Geraldo Júlio. Na realidade, a vereadora Aline Mariano é titular da Secretaria de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas. Aliás, convém lembrar que a relação entre neo-socialistas e tucanos, no Estado, sempre foram muito amistosas. O que talvez esteja faltando no momento é alguém para brecar as pretensões de algumas lideranças tucanas, como ocorria no passado, quando o ex-deputado Sérgio Guerra era vivo. Falta a ave de coordenação dos voos. 

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Michel Zaidan Filho: Comunidade de fanáticos


 
 
 
 

O Brasil vive hoje sob uma cruzada evangélica (e evangelizadora), em nome de Jesus Cristo. Seu objetivo é salvar a alma das pessoas para Jesus, ante a ameaça desagregadora de uma sexualidade "perversa" e um modelo "pervertido" de família. Que contaria com a leniência das autoridades públicas e dos militantes de esquerda, fora e dentro do Congresso Nacional. Os oitenta  e cinco  parlamentares evangélicos, sob o comando  do Presidente da Câmara dos Deputados, e apoiados pela bancada da bala e a bancada ruralista, vêm festejando no plenário da Casa cada vitória da sua causa, repercutindo no Legislativo, as vistosas "Marchas para Jesus" em favor da Família, da Propriedade e da Liberdade. O ambiente só não é parecido com o pré-1964 no Brasil, porque não há consenso em amplo setores da população brasileira sobre a agenda golpista dessas manifestações. Nem os militares se aventuram num novo golpe de Estado. Mas o cenário assusta: não só pelo crescimento do ódio, da intolerância em relação aos diferentes, mas também pelo rolo compressor do conservadorismo no Congresso, liderado por um acólito da Igreja Sara Nossa Terra, sequioso de poder.
 
 
Já fui mais tolerante e compreensivo em relação aos religiosos.  Tive uma longa educação em colégios católicos romanos e presbiteriano (animado por missionários norte-americanos). Estudei e lecionei em Universidade Católica (Jesuíta), mantendo uma longa convivência harmônica e proveitosa com padres e pastores. Aprendi muito com eles. Cheguei a ser vice-coordenador de um bispo da Igreja Episcopal, na Pós-graduação de Ciência Política, por muitos anos. E posso dar o meu testemunho de que eram pessoas de mentalidade aberta e progressista.

Nos dias atuais, venho perdendo a paciência e a tolerância com esses grupos religiosos que disputam votos dos eleitores, em nome de Jesus Cristo. Se não fossem tão fundamentalistas e semi-analfabetos, recomendaria que estudassem mais a Bíblia. Não para aceitarem acriticamente os costumes patriarcais dos antigos judeus exilados do Egito, em busca da Terra Santa...dos palestinos. Sugeriria que pesquisassem sobre o modo de vida dos Essênios, os cristãos primitivos, tomados por Engels como modelo de comunistas. A sua simplicidade, seu despojamento, a sua humildade, o seu exemplo  de vida. Em tudo contrário à chamada "Teologia da prosperidade" de certa Igreja neo-pentecostal, ou a amostração  espalhafatosa desses cortejos triunfais para Jesus. Nada disso combina com o espírito de humildade, pobreza, simplicidade que os primeiros cristãos ostentavam, sem alarde.
 
Mas, pelo visto, o objetivo dessa turma é outro: não é ganhar as almas para Jesus Cristo. É ganhar os votos de eleitores incautos, que confundem o mundo profano da política com o mundo sagrado da Bíblia, tal como é lida e interpretada por esses fanáticos. E é aí onde mora o perigo. Eis "o ovo da serpente" sendo, pouco a pouco, chocado pelas larvas do ódio, da raiva, do ressentimento, da ignorância. Templos apedrejados, perseguição aos portadores de uma orientação sexual distinta, encarceramento de menores, pena de morte, onde vamos parar?

Michel Zaidan Filho é historiador, filósofo, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia  - NEEPD-UFPE.