pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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segunda-feira, 25 de julho de 2016

Professora da rede pública é afastada ao abordar Marx em sala de aula




Caso fomenta o debate sobre o projeto “Escola sem partido”, discutido nacionalmente no Legislativo

Curitiba (PR), 
Parodia "Karl Marx é baile de favela", feita por estudantes do Colégio Estadual Profª Maria Gai Grendel, viralizou na internet e foi alvo de ataques de blogs e sites da direita.  - Créditos: Flickr Flávio Arns
Parodia "Karl Marx é baile de favela", feita por estudantes do Colégio Estadual Profª Maria Gai Grendel, viralizou na internet e foi alvo de ataques de blogs e sites da direita. / Flickr Flávio Arns





Em menos de 24 horas, um vídeo publicado nas redes sociais por uma professora de sociologia da rede pública do Paraná obteve mais de 150 mil visualizações e virou alvo de ataques por blogs e sites da direita. Na gravação, alunos do primeiro ano do ensino médio, do Colégio Estadual Profª Maria Gai Grendel, do bairro Caximba, na região sul de Curitiba, cantam uma paródia com o funk “baile de favela”. O protagonista da nova letra, no entanto, é um teórico que tem causado polêmicas no Legislativo nacional, estadual e municipal: Karl Marx.
 “Os burgueses não moram na favela/ Estão nas empresas explorando a galera/ E os proletários, o salário é uma miséria/ Essa é a mais-valia, vamos acabar com ela”, dizem os versos da paródia “Karl Marx é baile de favela”, que resgata temas e análises abordadas em sala de aula.
De acordo com a professora Gabriela, acusada pelo colunista Rodrigo Constantino de promover “doutrinação marxista”, ela estava incentivando os estudantes a compreender melhor os teóricos da sociologia, como Émile Durkheim, Karl Marx, Erving Goffman, entre outros autores previstos nas diretrizes curriculares. “Íamos começar a estudar Max Weber”, conta.
Após a repercussão do vídeo, Gabriela foi afastada pela diretoria do colégio, que alegou exposição dos alunos e “difamação” da instituição. Em resposta, dezenas de estudantes se manifestaram pela volta da professora e iniciaram a campanha “#VoltaGabi”. “O que ela fez de errado em ensinar a realidade para nós?”, escreveu uma aluna em rede social.
Na última quarta-feira (6), os estudantes organizaram um protesto no colégio, imprimiram cópias da letra da paródia e cantaram durante o intervalo. Segundo informações de um dos organizadores, que não quis se identificar por medo de represália, participaram aproximadamente 180 alunos. “Começamos a gravar a manifestação, os alunos gritavam ‘volta Gabi’ e os funcionários do colégio quiseram tomar os celulares, mandando todo mundo apagar as imagens. Logo depois de uma confusão com um estudante que discordava da ação, a diretoria chamou a patrulha e vieram três viaturas da Rotam. Entram no colégio com escopeta e tudo”, descreve.

 “Lei da Mordaça”


O caso da professora de sociologia afastada fomenta o debate sobre a implementação da proposta “Escola Sem Partido”, que inspira atualmente três projetos de lei na Câmara dos Deputados. Um deles, o PL 1411/2015, apresentado pelo deputado Rogério Marinho (PSDB/RN), tipifica o crime de “assédio ideológico” em sala de aula, prevendo penas de até um ano de prisão, além de multas aos professores. Entre as justificativas para a aplicação do programa nas diretrizes e bases do sistema nacional está a de que professores e autores de livros didáticos estariam se aproveitando da “audiência cativa dos alunos” para promover determinadas correntes políticas e ideológicas, contrárias àquilo que é ensinado dentro do ambiente familiar. 
Em audiência pública no Senado, realizada na última quarta-feira (6), o ministro interino da Educação, Mendonça Filho, se posicionou contrário aos projetos de lei, alegando que a liberdade de expressão garante o acesso a todas as correntes de pensamento. 
Apesar disso, os três projetos de lei- entre eles os PL 861/2015 e PL 867/2015, apresentados pelo deputado Izalci Lucas Ferreira (PSDB-DF)-, continuam incentivando a aplicação do programa “Escola Sem Partido” em 11 estados e em câmaras municipais, como no Rio de Janeiro. No Paraná, a proposta que ficou conhecida como “Lei da Mordaça”, apresentada em outubro de 2015 na Assembleia Legislativa pelo deputado Pastor Gilson de Souza (PSC), líder da bancada evangélica, foi derrubada. O texto previa punição para professores que expressassem suas opiniões políticas, ideológicas e religiosas, e proibia a veiculação de conteúdos sobre questões de gênero em sala.
Na avaliação do doutor em Educação e professor da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), Antônio Fernando Gouvêa da Silva, o “Escola Sem Partido” é uma proposta autoritária, defendida por grupos que também se posicionam politicamente. “Toda a ação humana tem sempre uma intenção. É preciso perceber que não há neutralidade no ato educativo, como não há neutralidade em nenhuma ação humana”, afirma.
Para Gouvêa da Silva, o modelo de educação do “Escola Sem Partido” propõe apenas a formação de pessoas para o mercado de trabalho e não estimula o pensamento crítico dos estudantes. “Uma escola que é apática, passiva ou que muitas vezes estimula preconceitos raciais, sociais ou em relação à questão de gênero, que desqualifica alguns cidadãos em detrimento de outros, essa escola não é sem partido, ela já tem um partido, só que ela não assume o papel político que ela exerce”, questiona.

Polarização política


A hostilidade em relação ao caso do Colégio Estadual Profª Maria Gai Grendel e a outros professores do estado pode ser interpretada dentro de um contexto mais amplo, caracterizado pela polarização política associada à intolerância que surge após as eleições de 2014. Essa é a opinião do doutor em Ciência Politica e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Alexsandro Eugenio Pereira. “As reações contra os professores que lecionam Marx mostram os efeitos dessa intolerância sem sentido e sem propósito. Se você tiver oportunidade de coletar depoimentos dos pais, verá como eles associam Marx à doutrinação ideológica e ao PT, como se Marx, socialismo e PT fossem uma coisa só”, comenta.
Segundo Pereira, lecionar Marx nas disciplinas de Sociologia e História nas escolas é tratar de um conteúdo obrigatório, mas que pode ser mal interpretado. “Marx é um teórico importante das Ciências Sociais, mas também um pensador cujas ideias tiveram enorme repercussão no século XX. Suas ideias influenciaram as revoluções socialistas e sua crítica ao capitalismo serve de referência para os movimentos sociais que lutam contra a desigualdade, a exploração do trabalho, a miséria, etc.”, explica.  
(Publicado originalmente no site Brasil de Fato)

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domingo, 24 de julho de 2016

Charge! Aroeira via Facebook

Editorial: Chefes de Estado estarão ausentes da abertura das olimpíadas.





Todos os dias surgem novas informações de hostilidades contra as autoridades públicas de algum modo identificadas com as urdiduras que afastaram a presidente Dilma Rousseff da Presidência da República. Depois das hostilidades sofridas pelo governador Paulo Câmara(PSB-PE) durante a abertura do 26º Festiva de Inverno de Garanhuns, a cantora Elza Soares, que se apresentou durante o festival, puxou um "Fora, Temer" com a galera, quando de sua apresentação, o que significa dizer que a temperatura política está quente por aquelas bandas, apesar do friozinho que faz por ali nessa época do ano. No contexto internacional, a imagem de um Brasil sob um governo interino ilegítimo também vai de mal a pior. 

Em termos da presença de autoridades estrangeiras durante a abertura oficial das olimpíadas, tudo leva a crer que seremos um fiasco. Apenas dois chefes de Estado estão confirmados até o momento: François Hollande, da França, e Peter Cosgrove, da Austrália. Segue-se um pelotão de ministros de esportes, presidentes de comitês olímpicos e coisas do gênero. Há várias explicações para isso. O Brasil enfrenta uma fase de transição política. Dilma Rousseff ainda não foi afastada em definitivo, o que deverá ocorrer - se ocorrer - apenas depois da realização das olimpíadas. O governo interino não goza de "legitimidade" perante a comunidade internacional, posto que chegou ao poder através de um expediente bastante questionável. Afastar um presidente eleito sem que fique configurado o elemento jurídico do crime de responsabilidade - previsto nas melhores democracias - por menos que eles gostem de ouvir isso, é golpe. 

Melhorar essa imagem do Brasil no exterior não será um tarefa muito simples. Não raro, a emenda sai pior do que o soneto. Essa última medida "espetacular" do Ministério da Justiça no que concerne à prisão de perigosos terroristas do Estado Islâmico que estariam planejando ataques no Brasil, é um bom exemplo do que estamos falando. O que ficou disso tudo? as autoridades batendo cabeça - ministro da Justiça, o juiz que decretou a prisão e o ministro da Defesa -; o entendimento de que houve um certo exagero - um dos "terroristas" era criador de galinhas -; no final, talvez um lance de marketing institucional mal-sucedido ou a "justificativa" para medidas de endurecimento do regime. Em ambos os casos, uma "jogada". 

Li que o senhor Michel Temer escreveu um longo artigo na edição francesa do Le Monde. Nenhum problema por aqui, não fosse por dois motivos. Ele se refere às conquistas sociais obtidas pelo país nos últimos anos, além de termos atingido o estágio de uma democracia consolidada. Como bem observou o jornalista Paulo Henrique Amorim, ele pega uma espécie de "carona" ou "surfa na onda" do êxito das políticas de inclusão social que foi a "marca" do governo que ele conspirou para depor. Depois, pelos últimos acontecimentos políticos do país, não nos parece assim que ele seja um ator político dos mais confiáveis para falar de consolidação democrática no Brasil. Infelizmente, o país deverá interromper um ciclo virtuoso no combate às desigualdades sociais.

Democracia, sobretudo nesses tempos bicudos de Estado de Exceção Permanente, é uma grande utopia. Quem poderia imaginar o que o correu no Brasil ou na Turquia há alguns anos atrás. Sempre faço referência ao filósofo Gabriel Cohn: dormimos um sono político profundo e acordamos sob um pesadelo. Aqui no Brasil o golpe institucional atingiu a espinha dorsal das instituições que, constitucionalmente, teriam a obrigação de proteger a democracia. Agora serão necessárias muitas noites em claro para reverter este quadro de instabilidade política.   






[Blog da Folha] Governador Paulo Câmara é hostilizado no Festival de Inv...

sábado, 23 de julho de 2016

Le Monde Diplomatique: Cavalo de pau nas políticas sociais


Qual é a concepção de projeto para o Brasil que está aí reinando? A de uma sociedade mais democrática e igualitária? Ou a de um país que “precisa voltar a gerar lucro”, custe a quem custar (isto é, aos pobres e trabalhadores)?
por Amélia Cohn



Há cinquenta maneiras de ser mais generoso com os pobres e gastar menos.” Essa afirmação de Ricardo Paes de Barros (El País, 16 maio 2016), um dos colaboradores do programa de governo do presidente interino Michel Temer, é emblemática da concepção que ora se tenta introduzir sobre o combate às desigualdades sociais e à pobreza no Brasil. Reagir contra o golpe de que a democracia brasileira foi vítima não se limita a protestar ou se indignar, e sim procurar entender a lógica que instrui a atual equipe vexatória que ocupa o poder. A pergunta que se apresenta é: qual é a concepção de projeto para o Brasil que está aí reinando? A de uma sociedade mais democrática e igualitária? Ou a de um país que “precisa voltar a gerar lucro”, custe a quem custar (isto é, aos pobres e trabalhadores)?
Se hoje há “cinquenta maneiras de ser mais generoso com os pobres”, uma a mais é a que vigorou nos últimos treze anos nos governos do PT, com muito mais acertos do que erros. E qual foi ela? A de pensar a desigualdade de renda e social como um fator que impede não só o crescimento econômico, mas também a construção de uma sociedade mais igualitária e justa. Generosidade não significa justiça social. Significa desprezo a um segmento importante de nossa sociedade, aqueles que foram relegados historicamente por nossas políticas sociais e, portanto, pela sociedade até 2002, e objeto de iniciativas tímidas aqui e ali no período da redemocratização do país e nos governos Fernando Henrique Cardoso.
Generosidade significa, aí sim, ao contrário do discurso dos técnicos modernos, avançados, com familiaridade em estudos e métodos estritamente econométricos sobre pobreza e desigualdade social, a opção por políticas de alívio imediato da pobreza dos segmentos “em situação de urgência econômica”, como essa visão costuma classificá-los. E isso nada mais é do que o velho e bom assistencialismo, que nega qualquer visão desses sujeitos sociais como cidadãos com direitos iguais. A cidadania – tida como a alienação política e social que se resume à luta contra a corrupção, combatida de forma discricionária e oportunista – é para as elites e a velha classe média. Porque aí a disputa é por exclusividade de espaços sociais até então sob o conforto do seu monopólio.
Poucos anos após a introdução do programa Bolsa Família, uma beneficiária afirmou em carta a Lula, então presidente: “Uma ajuda, ela se acaba; o que necessito é de um emprego que garanta minha vida”.1 Hoje, em 2016, dez anos depois, essa afirmação revela-se certíssima! Nada mais preconceituoso e enviesado por uma concepção elitista sobre a pobreza do que afirmar que os pobres não querem trabalhar; e hoje, como afirma um dos atuais ministros interinos, “Bolsa Família não pode ser uma proposta de vida” (O Globo, 12 maio 2016). Isso nada mais é do que a expressão do desconhecimento emprenhado de certezas e preconceitos sobre o que é a pobreza, a situação de vida dos pobres e suas inexistentes oportunidades de inserção social no mercado via trabalho.
Seria de esperar que uma nova equipe de governo minimamente equilibrada e com status de dirigentes responsáveis da nação, mesmo que interina, entrasse tendo já alternativas não para “cortes cirúrgicos” dos programas sociais, e sim de como aperfeiçoar e ampliar os programas em vigência. Claro está que a prioridade da atual equipe interina de governo veio com outra missão: quebrar os avanços dos direitos sociais e trabalhistas garantidos na Constituição de 1988, em nome da primazia e independência desse próprio governo da área econômica, pois o “país precisa voltar a dar lucro”, nas palavras de Temer.
Em consequência, o SUS é demasiado grande, o Bolsa Família é demasiado generoso, a educação necessita de cortes de “gastos” e se possível deixar de ser gratuita, sem falar nos direitos trabalhistas, que impedem que os empresários possam usufruir os lucros e voltar a investir produtivamente. Como se isso fosse automático. Portanto, a conta que orienta a equipe interina é a do ajuste fiscal, claro que sem onerar o capital. Daí que a solução é o corte nos gastos sociais e nos direitos sociais e trabalhistas.
Em primeiro lugar, recursos na área social, para um projeto de nação e de sociedade, não são gastos; são investimentos. Há pouco tempo se falava do “apagão” de mão de obra qualificada para a atividade econômica do país, algo que a crise deixou para lá, como se ela fosse daqui para a frente estrutural – talvez seja o que queiram os atuais donos do poder, retomando de forma extremamente oportuna Raymundo Faoro.
Em segundo lugar, olvida-se que investimentos na área social têm retorno econômico, além de social, claro, dado seu efeito multiplicador. Não só põem em funcionamento as linhas de produção daquilo que demandam de infraestrutura, como, no caso do Bolsa Família, por exemplo, dinamizam a economia local via aumento do consumo.
Em terceiro lugar, borra-se do cenário o impulso dado nestes últimos anos à pequena produção – agrária, industrial e comercial –, incentivado por programas sociais específicos de investimento no “empreendedorismo”, por mais ambíguo que seja esse processo. Em contrapartida, miram-se os direitos trabalhistas, já tão combatidos pela nova ordem de que não há mais trabalhadores, mas “colaboradores”.
Em consequência, para fins de aparência, fundem-se sem critérios ministérios em nome da economia de recursos por parte do Estado. Ciência e Tecnologia não é mais um impulso essencial ao desenvolvimento do país, e sim mais uma função “gastadora” de recursos, pois o inexistente projeto de nação e de sociedade dos governantes interinos não contempla a sociedade do conhecimento. A fusão de ministérios responde ainda a efeitos imediatos junto à opinião pública, desconhecendo-se que a máquina estatal com seus recursos humanos não pode ser borrada sem mais e que distintos quadros, com suas hierarquias e seu acúmulo de conhecimento sobre o funcionamento das distintas dinâmicas das políticas setoriais, não se fundem sem mais. Isso porque esses quadros trazem consigo não só um saber, como também interesses incrustados seja de natureza corporativa, seja de defesa do conhecimento específico em suas respectivas áreas.
Essa fusão é para fins de aparência, pois na essência ela expressa e significa muito mais do que aparenta ser para o público em geral. Se a aparência é não fracionar a ação pública respondendo a interesses políticos mesquinhos (coisa que a própria escolha do corpo de ministros interinos desmente, pois traduz o fisiologismo mais clássico e rasteiro), sua essência é a divisão entre ministérios receptores de recursos de um lado (Ministério da Fazenda, incorporando a parte rica da Previdência Social) e ministérios gastadores de outro (o INSS sendo incorporado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário). Claro está que um dos maiores orçamentos do Estado fica no âmbito da Fazenda, disponível para capitalização, desvinculação desses recursos, investimentos estatais etc. E que o outro lado, o do “gasto”, ficará à mercê dos “cortes cirúrgicos”. Lembra a história de dois amigos que compraram uma vaca, e, quando um deles reclama que ela só dá despesa, o outro responde: “Não tenho culpa que você ficou com a metade da frente, e eu, com a de trás”...
Além de estar claro que esses cortes cirúrgicos serão feitos sem anestesia prévia do paciente, isto é, dos portadores de direitos sociais segundo a Constituição vigente (ainda), e dos beneficiários dos programas sociais, há que indagar, como devem fazer os bons cirurgiões, quem fará o diagnóstico prévio. Esses diagnósticos (no plural, porque se anuncia que toda a área social passará por um severo exame que não tem nada de preventivo, e sim de intervenção imediata e direta de cortes) serão feitos por instituições públicas nacionais, como as universidades públicas, que possuem know-how de sobra para tanto, ou por empresas privadas nacionais e internacionais de avaliação já moldadas pela fórmula custo/efetividade, tão ao gosto das instituições de financiamento multilaterais? Não pensem que essa é uma questão de pouca monta. Dou testemunho de minha experiência, negociando com o Banco Mundial em 2003/2004 o financiamento para o Bolsa Família: nos documentos sucessivamente apresentados por aquela instituição para firmar o convênio, já vinham registradas reiteradamente – quase como falha técnica da programação do computador – as empresas que fariam a avaliação do programa. Não foi fácil convencer seus técnicos de que as avaliações seriam feitas por universidades e centros de pesquisa públicos nacionais.
Que fique claro, desde já, que a proposta desse governo interino não consiste numa política neoliberal de “bom coração” (Verissimo). Trata-se de uma proposta de governo que concebe que pode até ser “generoso” com os pobres, desde que eles voltem para seu lugar e não venham contaminar os espaços daqueles que sempre tiveram o monopólio, como universidades públicas, acesso ao consumo, o acesso absurdo a viagens aéreas, ao lazer, à educação, à saúde, à cultura e, fundamentalmente, aos direitos sociais. Os governos do PT terem tirado o Brasil do mapa mundial da fome não é fato que mereça atenção.
As declarações iniciais dos novos/velhos ministros são elucidativas do que vem por aí: o equilíbrio das finanças públicas não se fará por meio de cortes dos privilégios de quem ocupa cargos nos três poderes da República (nem falar da bolsa-moradia dos juízes nem da frequente troca das frotas de luxo e verbas de gabinete dos legisladores, tão castos e austeros em seus gastos e comportamento). Isso seria cortar primeiro na carne dos principais interessados, e assim honrar a moral judaico-cristã, dar o exemplo, para depois atingir os “outros”. Mas não, eles vão diretamente aos “outros”. Vamos a dois exemplos: Bolsa Família e SUS.
O primeiro já foi examinado e analisado exaustivamente por especialistas nacionais e internacionais. Tanto que ganhou prêmio mundial da mais alta expressão como o melhor programa de transferência condicionada de renda. No entanto, o que se busca agora é realizar uma nova avaliação (por quem?) para nele fazer um corte cirúrgico, de preferência que focalize a faixa dos 5% mais pobres do país, pois com isso se estaria expressando a generosidade dos mandantes interinos. Mas se esqueceram de alguns fatos fundamentais: o Bolsa Família “gasta” somente 0,5% do PIB e é internacionalmente reconhecido como o programa de menor custo administrativo entre os existentes; e, apesar disso, sua focalização apresenta pouco mais de 1% de desvio, o que está muitíssimo abaixo da média internacional.
Raciocinar dessa forma, porém, significa pensar o programa de outra maneira, como vinha sendo estruturado desde 2003, que não a atual. Aí está o pulo do gato! As políticas sociais e de combate à pobreza não serão mais norteadas pelo direito universal da cidadania e de inserção social, mas por políticas pontuais para aqueles que não conseguem fontes de subsistência próprias. Estes estão em situação de “urgência social”, sendo, portanto, objeto de medidas estatais pontuais e efêmeras. Daí não se extrai a cidadania, visto que esta necessita, tal como o mercado, de regras estáveis e de longa permanência, pois, como já é sabido pela população de baixa renda, com suas condições de vida drásticas, “uma ajuda, ela se acaba”, e isso não possibilita que se construam projetos de vida.
Se generosidade não significa – pelo contrário, é o oposto de – justiça social, porque dessa perspectiva se reproduz a subalternidade (o patrão é generoso, pois deixou de dar chibatadas), a outra face das políticas sociais, como a de transferência condicionada de renda, consiste em acentuar a dimensão da condicionalidade. O Índice de Desenvolvimento da Família (IDF), idealizado por Ricardo Paes de Barros, implica uma série de variáveis familiares que teriam de ser monitoradas minuciosamente para que se elegesse ou não uma família como potencial beneficiária adequada da bolsa, ou como “desvio” da focalização. Isso significa, quer queira, quer não, domesticar os pobres, discipliná-los como beneficiários objetos da generosidade do Estado, e não como cidadãos potenciais e sujeitos autônomos da sua trajetória e destino. Na atual conjuntura, sujeitos sociais autônomos é tudo o que não se quer, tanto que o horizonte é criminalizá-los, já que os “direitos são relativos”, nas palavras de outro ministro interino.2
A ignorância sobre a pobreza do ministro interino do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra, já destacada pela ministra Tereza Campello, vem carregada de preconceitos, extraídos do senso comum das classes altas sobre os pobres e a pobreza. Ele ignora que 75% dos beneficiários do Bolsa Família trabalham e que 4 milhões deles já se desligaram espontaneamente do programa por terem superado o limite de renda estabelecido. É mais fácil e socialmente mais convincente para a sociedade a visão de que pobre não quer trabalhar; quer comer o peixe, e não pescá-lo; que não se encontram mais empregadas no Nordeste porque elas preferem o benefício, e não que o benefício lhes possibilita negar condições de trabalho e remuneração indignas (até porque em sua grande maioria certamente não são assalariadas). Não é nada bom para nossas elites que esse segmento social se rebele contra as condições indignas de vida e trabalho que sempre lhe foram impostas, em nome de um bem comum.
No entanto, com o ataque e o corte cirúrgico do Bolsa Família vem o enforcamento do Sistema Único de Assistência Social (Suas), que se desenvolveu a partir de 2004 (sua formulação) e 2005 (sua aplicação). A assistência social não poderá mais ser um direito, tal como consta na Constituição de 1988; ela também será fatalmente um apêndice destinado aos pobres, se não uma área reservada às primeiras-damas. Voltamos assim ao pré-1988: assistência social é a ação de, tal como o Bolsa Família corre o risco de sê-lo, amenizar situações de urgência econômica e de carência social, normalmente atribuídas à ignorância das classes subalternas.
Quanto ao SUS, o que está em jogo é sua desestruturação e desconstrução, num setor – o da assistência médica – que concentra alta densidade de capital e de tecnologia e tem um retorno de sete a oito vezes do que foi investido, dadas as características da cadeia produtiva do complexo médico-industrial da saúde. Embora esse processo não seja de hoje, com esse governo as contradições tornam-se mais explícitas: apesar de seu crônico subfinanciamento, trata-se agora de alavancar ainda mais o setor privado da saúde, que vem se popularizando por meio de novos planos e seguros de saúde altamente precários, que na realidade, por essa precariedade, acabam onerando ainda mais o setor público estatal da saúde.
Talvez por ser o setor que mais avançou desde 1988 em sua nova institucionalidade enquanto SUS e por contar com defensores organizados socialmente, levanta-se agora se ele não seria grande e abrangente demais para os “parcos” recursos do Estado. Joga-se o balão de ensaio para ver suas repercussões sociais. No entanto, seria otimismo pensar nisso como se fosse um balão de ensaio; na realidade, trata-se de uma equipe de governo (não por acaso com exceção da área econômica) que, além de interina, não veio com uma proposta de um projeto para o país, a não ser o de instituir um novo equilíbrio econômico nos moldes clássicos do neoliberalismo.
Em resumo, a lógica por trás dos balões de ensaio e das medidas aparentemente incongruentes na área social está clara: acabou-se o ciclo de políticas sociais estruturantes, orientadas pelos direitos sociais. O que os interesses privados estavam conseguindo no varejo agora vem por atacado. A capilaridade dos distintos programas sociais, grande avanço nos últimos governos, agora corre o sério risco de virar o feitiço contra os pobres: a disponibilidade de dados sobre eles e o acesso dos serviços públicos à esfera privada desses indivíduos podem se transformar em um instrumento de controle social do Estado sobre os mais pobres, um instrumento de culpabilização e castigo pelo não cumprimento das condicionalidades, originalmente pensadas como ferramenta de monitoramento das políticas públicas locais, e não de punição das famílias. Isso porque não se trata só de desconhecimento dos governantes sobre a pobreza: eles acham que a conhecem porque dispõem de indicadores sobre ela e que isso é suficiente. Trata-se, sim, de desprezo com relação aos pobres. Daí poderem até ser generosos, mas sem exageros.

Amélia Cohn
Amélia Cohn é socióloga e pesquisadora sênior do CNPq.


Ilustração: Anderson Riedel/cc

1 Amélia Cohn, Cartas ao presidente Lula: Bolsa Família e direitos sociais, Azougue, Rio de Janeiro, 2012, p.58.
2 “‘Nenhum direito é absoluto, e país precisa funcionar’, diz ministro da Justiça”, Folha de S.Paulo, 16 maio 2016.
06 de Junho de 2016
Palavras chave: Temergolpeimpeachmenteconomiadireitos sociaisbolsa famíliasaúdecultura,educaçãoPIB

Cartunistas contra o golpe!

sexta-feira, 22 de julho de 2016

O xadrez político das eleições municipais de 2016, no Recife: Precisamente às 09h03, conforme recomendava os astros, João dá a largada.




José Luiz Gomes


Em convenção realizada na noite desta quinta-feira, dia 21, na Câmara Municipal do Recife, o PT homologou a candidatura de João Paulo às eleições municipais de 2016. Conforme recomendação do seu astrólogo, ele ocupou o microfone exatamente às 19h03 minutos, claro, depois de acertos com os possíveis oradores, que até abdicaram de suas falas em nome da estrela principal do evento. Em seu discurso, João Paulo teceu alguns comentários sobre a conjuntura política que atravessamos no momento, sobretudo a este estágio de intolerância a que chegamos. O Plenário da Câmara Municipal ficou completamente lotado, com a presença de figuras de proa da agremiação no Estado, como o ex-prefeito João da Costa, Oscar Barreto, Humberto Costa e o líder dos Sem-Terra, Jaime Amorim. 

Assim, de início, três aspectos positivos devem ser elencados nesta etapa inicial da campanha. A certeza de que essas eleições serão difíceis, em razão de inúmeros aspectos, realizadas numa conjuntura de instabilidade política e de dificuldades de financiamento. É preciso ser criativo, ter bons argumentos e os pés no chão; pela primeira vez, o time demonstra uma capacidade de união que podem trazer bons dividendos eleitorais. As divergências de João Paulo com João da Costa e Oscar Barreto parecem que foram, enfim, superadas; A expertise administrativa dos Joões, capazes de abrir um flanco de críticas contundentes à gestão do socialista Geraldo Júlio(PSB). Num momento, João Paulo lembrou que o legado petista na gestão da cidade foi tão importante que nem Geraldo Júlio não conseguiu desmontar. O senador Humberto Costa também bateu forte, apontando que o atual gestor faz uma administração para os mais ricos, que, a rigor, não são assim tão dependentes do poder público; outro aspecto que já é possível sentir pelas redes sociais é um flerte do candidato com os movimentos anti-golpe não necessariamente ligados ao PT, conforme já discutimos aqui pelo blog. 

Há quem acredite que essa conflagração nacional tenha seus reflexos efetivos nas próximas eleições municipais. Talvez nunca tenhamos realizado uma eleição municipal com um quadro político nacional tão conflagrado como este. Como mesmo observou o candidato, os ânimos estão bastante acirrados. Por outro lado, volta-se à velha tese de que, nas eleições municipais, o eleitor está muito mais preocupado com o seu cotidiano, com aquilo que mexe diretamente com a sua qualidade de vida, como os problemas de mobilidade, limpeza pública, manutenções de serviços essenciais etc. Em qualquer circunstância, o PT apresenta um bom quadro para o debate nacional e para o cotejo de gestões. O eleitor recifense deve ganhar com isso, uma vez que a pirotecnia deverá ceder espaço à saliva. 

Surpreende nessa composição  ausência dos comunistas do PCdoB, que, segundo João Paulo, seriam muito bem recebidos, dado o alinhamento e convergência no plano nacional. Diversos caciques que se posicionaram em favor das urdiduras que solaparam o mandato da presidente Dilma Rousseff(PT) fizeram questão de demonstrar o seu "desconforto" em caminhar com o Luciano Siqueira(PCdoB) na condição de vice de Geraldo Júlio (PSB) no seu projeto de reeleição. Mesmo assim, ele permanece. Vão longe aqueles tempos em que os comunistas sofriam com os "encargos de natureza ideológica". Hoje eles se orientam por outros fatores. Em Jaboatão, por exemplo, nenhum constrangimento em caminharem ao lado de tucanos e "socialistas". O PCdoB deve apoiar o nome de Heraldo Selva(PSB).   

Charge! Aroeira via Facebook

Editorial: João Santana e esposa entram no programa de delação premiada.



O marqueteiro João Santana e a esposa Mônica Moura entram no programa de delação premiada da PGR. Ambos são publicitários e estiveram diretamente ligados às últimas campanhas políticas do Partido dos Trabalhadores, logo que o conterrâneo Duda Mendonça foi deletado do posto, já como resultado dos famosas caixa dois. O assunto ocupa um bom espaço no trend do microblog Twitter. Fica ali pelo meio e, se a gurizada deixasse, poderia atingir o top, uma vez que os "coxinhas" estão loucos para verem o Lula preso e eles acreditam que as declarações de João Santana podem contribuir para isso. Até o momento, João Santana só falou o estritamente necessário, comprometendo, se é este o caso, apenas as empreiteiras, que já estão mais sujas do que pau de galinheiro. 

Ninguém pode negar aqui a identidade entre o marqueteiro João Santana e o PT. Como estamos vivendo numa época de muitas ilações, mentiras, boatos e calúnias, chegou a circular pelas redes sociais a informação de que o senador Cássio Cunha Lima(PSDB-PB) - logo ele - teria a informação de que a carta de despedida da presidente afastada, Dilma Rousseff, teria sido escrita por João Santana, que se encontra preso. Na época de Lula, o ghost writer do Planalto era Gilberto Carvalho. Não seria nenhuma surpresa que, como uma espécie de assessor direto para os assuntos envolvendo a imagem do governo, Santana pudesse ser ouvido ou requisitado. Não acredito, porém, que a presidente Dilma Rousseff tenha requisitado seus serviços nessas circunstâncias. Isso está nos parecendo mai uma coisa plantada.

Uma das primeiras coisas que os "coxinhas" precisam entender é que, como publicitário, João Santana participou de diversas campanhas políticas, de vários candidatos, de inúmeros partidos, aqui e fora do país. Não nos consta que ele tivesse qualquer identidade ideológica com o Partido dos Trabalhadores. Não se aceita um acordo de delação premiada apenas com o propósito de atenuar as consequências dos ilícitos cometidos pelos acusados. Pelo que informou o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, as cláusulas são bem exigentes. Creio que o marqueteiro João Santana deve abri o jogo sobre a dinâmica e a estrutura dos mecanismos irregulares de financiamento de campanhas políticas. Neste aspecto, ele pode dar uma contribuição muito importante para que sejam aperfeiçoados os instrumentos de fiscalização e controle dos órgãos públicos. Ganha a res publica com esse tipo de delação. 

O resto é torcida e nós não vamos entrar aqui neste mérito. Há problemas com os financiamentos das campanhas do PT? creio que sim e, se a delação premiada de João Santana for, de fato, homologada, ele poderá revelar essas possíveis irregularidades, pelas quais, inclusive, ele já se encontra preso. João está na cadeia em razão de campanhas recentes, realizadas para o Partido dos Trabalhadores, onde suspeita-se que parte dos seus ganhos, depositados no exterior, tenha origem na malversação de recursos públicos envolvendo a estatal Petrobrás, fulcro da Operação Lava Jato. Se isso seria suficiente para prender Lula no dia seguinte - embora seja este o propósito desta engrenagem - aí já estamos diante de uma outra questão. 

Havia a informação de que João Santana e Mônica Moura não estavam bem, o que não seria surpreendente. Esses são momentos difíceis na vida de qualquer cidadão. Segundo dizem, apesar da pressão dos familiares, ele só não entrou antes no programa em razão dos possíveis problemas profissionais que poderia vir a enfrentar. Não há inocentes aqui. Se há irregularidades - como se prevê - os agentes envolvidos conhecem bem a engrenagem. João Santana passaria a ser um ator não confiável para futuro negócios dessa natureza. Com o avanço da legislação sobre o financiamento de campanhas, entretanto, o que se presume é que o expediente do caixa dois seja definitivamente encerrado. Este fato, inclusive, está afastando muita gente boa das próximas eleições municipais previstas para 2016.  

terça-feira, 19 de julho de 2016

Como na ditadura, República de Curitiba usa os jornais para destruir os inimigos

É preciso acabar com Lula, fazer sua caveira, antes que ele tenha chance de voltar pelo voto. E antes que sua defesa desmoralize a Lava Jato.


Ricardo Amaral - Conversa Afiada
reprodução
Nos últimos dez dias, Globo, Folha e Estadão republicaram antigos vazamentos da Lava Jato contra o ex-presidente Lula.  Notícias velhas foram requentadas e servidas como carne fresca a quem perdeu a memória dos desmentidos: uma sede do Instituto Lula que nunca existiu, uma rodovia na África e o acervo que Lula tem de guardar por força da lei. Isso se chama publicidade opressiva, violência inerente ao estado de exceção e essencial aos “julgamentos pela mídia”. 

Não pode ser coincidência. A ofensiva dos vazadores e seus repórteres amestrados segue-se à ação da defesa de Lula, que levantou a suspeição de Sérgio Moro para julgá-lo, por perda da imparcialidade. Essa é a notícia nova do caso, que a imprensa brasileira escondeu. Deu no New York Times, mas não saiu no Jornal Nacional.

A ação aponta 12 afirmações de Moro antecipando a decisão prévia de condenar Lula. Registra os abusos que ele cometeu – da condução coercitiva sem base legal à divulgação criminosa de grampos telefônicos. No estado de direito, Moro deveria declinar do caso para outro juiz, isento, imparcial, condição que ele perdeu em relação a Lula. 
O Datafolha também ajuda a entender a ofensiva. Só Lula cresceu. Tem um terço dos votos válidos no primeiro turno e mais de 40% no segundo, contra os três tucanos e a insustentável Marina. Só perde, hoje, para o antipetismo; e debaixo de uma campanha de difamação sem precedentes. 






É preciso acabar com Lula, fazer sua caveira, antes que ele tenha chance de voltar pelo voto. E antes que sua defesa desmoralize a Lava Jato. Tem de bater na cabeça da jararaca. Mas como, se não há crime para acusá-lo? Se há só pedalinhos, obras de alvenaria, propriedades imaginárias, palestras profissionais, presentes de governos estrangeiros.

Desde a reeleição de Dilma (aliás, por isso mesmo), Lula, seus filhos, sua empresa de palestras e o Instituto Lula tornaram-se alvos de 9 inquéritos do Ministério Público e da Polícia Federal,  3 proposições de ação de penal, 2 fiscalizações da Receita e 38 mandados de busca. Quebraram e vazaram seus sigilos bancário, fiscal e telefônico. 
Numa afronta à Constituição e a princípios universais do Direito, adotados pelo Brasil em tratados internacionais, Lula é investigado pelos mesmos fatos em inquéritos simultâneos: da Procuradoria-Geral da República, de procuradores regionais do Paraná e Brasília e de promotores do Estado de São Paulo. É tiro-ao-alvo.

Essa verdadeira devassa – insisto: sem precedentes no Brasil – não encontrou nenhum depósito suspeito, conta no exterior, empresa de fachada ou contrato de gaveta; nenhum centavo sonegado, nenhuma conversa de bandido. Nada que associe Lula direta ou indiretamente aos desvios na Petrobras investigados na Lava Jato ou qualquer ilegalidade.

Nem mesmo os réus delatores, que negociam acusações sem provas em troca de liberdade e (muito) dinheiro, apontaram fatos concretos contra Lula. No máximo, ilações, do tipo “ele devia saber”, conduzindo à esfarrapada tese do domínio do fato. No estado de exceção midiática, apela-se à tese da obstrução da justiça (o maldito direito de defesa), a partir do pré-julgamento de grampos ilegais. 

O fato é que a Lava Jato e a Procuradoria-Geral da República não têm como entregar – na só-base da prova, da lei e do direito – a mercadoria esperada desde sempre por seus patrocinadores: Lula na cadeia. Não em julgamento justo, com policias e procuradores apartidários, juiz natural e imparcial, tribunais fiscalizadores da primeira instância. Não no estado de direito democrático.
Para tirar Lula do jogo, precisam desesperadamente da cumplicidade dos meios de comunicação; a Rede Globo à frente e o rebotalho dos impressos na retaguarda.  Precisam promover um julgamento pela mídia, com base na publicidade opressiva. Precisam espalhar que Lula estaria metido “nessa coisa toda”; silenciar e até intimidar quem duvide disso, para sancionar uma condenação sem prova.

Quem foi jornalista na ditadura tem amarga lembrança de colegas que serviam à repressão (alguns em dupla jornada, como na Folha da Tarde, da família Frias). Noticiavam assassinatos de presos como “atropelamentos”, tratavam torturas como “rigorosas investigações”. Faziam a caveira dos “subversivos”. Eram chamados jornalistas de “tiragem” – a serviço dos “tiras”, é claro, não da verdade.

Recordo sem intenção de ofender os jornalistas “investigativos” de hoje que comem na mão dos “investigadores” anônimos. Podem acreditar sinceramente que contribuem para “combater a corrupção”. Ganham as manchetes, mas abrem mão do jornalismo, que é a busca da verdade. Quando a meganha pauta e o repórter obedece, cegamente, quem perde é a notícia. E perde a democracia.
(Publicado originalmente no portal Carta Maior)
Créditos da foto: reprodução

Charge! Aroeira via Facebook

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Le Monde Diplomatique: O desequilíbrio da Democracia Brasileira


No Brasil, a democracia não está balanceada. A combinação de direitos, maiorias e republicanismo se desorganizou demonstrando que nosso sistema político é mais frágil do que se supõe
por Fábio Kerche

Muro levantado para votação do impeachment na Câmara dos Deputados, em  Brasília

Democracia talvez seja o conceito da política mais popular e de uso mais corrente em nosso dia a dia. Quem nunca ouviu a frase “você não está sendo democrático” nas suas relações cotidianas? Isso não significa, entretanto, que seja o conceito mais entendido. Geralmente, democracia é usada tão somente como um sinônimo de desejo da maioria. No atual debate político brasileiro, por exemplo, muitos justificaram e defenderam o impeachment da presidente Dilma Rousseff como democrático por ser a vontade da maior parte da população segundo pesquisas. Há indícios que a maioria dos brasileiros aprova a atuação dos procuradores do Ministério Público e dos juízes envolvidos na operação Lava Jato, assim como apoiaram a decisão do Supremo Tribunal Federal em condenar os réus na época do Mensalão. Mas isso é suficiente para concluir que o processo foi ou é realmente democrático? Em outras palavras, sempre que uma ação for sustentada pela maioria, ela é democrática?
A resposta é não necessariamente. Se uma maioria resolver linchar alguém, para ficarmos em um exemplo extremo, isso não é democrático. Como não é democrático condenar alguém sem provas ou prender alguém sem um julgamento, mesmo que uma maioria eventual defenda isso ardorosamente.  As primeiras experiências democráticas que ocorreram entre diversos povos no passado se basearam exclusivamente no princípio intuitivo da maioria, mas alguns séculos separam tais experiências do ressurgimento da democracia na Europa e na América do Norte.
Não é sem sentido que ao descrever um país como democrático não seja incomum adjetivarmos o conceito para diferenciarmos da democracia baseada na simples ideia de maioria: democracia representativa, democracia liberal, democracia parlamentar etc. Há um importante cientista político[1] que argumenta que a palavra democracia, em seu sentido pleno, é algo fora do mundo real e propõe o termo poliarquia para o sistema político que inclui amplas parcelas da sociedade no processo e permite a disputa entre forças políticas diversas. O desejo da maioria não é suficiente para caracterizar as democracias contemporâneas, embora seja parte fundamental do processo. Ou seja, levar em conta os desejos da maioria, especialmente aquela expressa nas urnas, é parte fundamental da democracia, mas não é suficiente. A democracia, portanto, não tolera a tirania de uma minoria, seja ela a mais rica ou a mais forte, mas tampouco aceita a tirania da maioria.
A democracia contemporânea, na verdade, é o encontro de pelo menos duas tradições surgidas em momentos históricos diferentes e em territórios diversos: por um lado, a democracia, baseada na ideia de maioria, especialmente vinda do mundo grego, por outro, o liberalismo político europeu, sustentado pela defesa de que os indivíduos são portadores de certos direitos que precedem ao próprio Estado e a qualquer tipo de maioria. Esse liberalismo não surge em conjunto com o liberalismo econômico, chamado de liberismo, embora ambas escolas de pensamento tenham se unido para enfrentar os socialistas no século XIX[1].
Esse encontro não se resolve de maneira simples e nem se dá da mesma forma nos diferentes países democráticos. Conciliar maioria e limites é tarefa complexa, dinâmica e não linear ou acumulativa. Até que ponto os desejos da maioria podem ser limitados para ainda considerarmos um país como democrático? Até onde os direitos individuais podem impedir avanços para o bem da maioria da sociedade? Quem pode rever os direitos?
Pode-se afirmar que para a esquerda, que não incorporou os direitos da tradição liberal de imediato, a balança pesa mais para o lado democrático que liberal, mais para o princípio da maioria do que para os direitos individuais. O direito à propriedade, por exemplo, tem seus limites mais flexíveis para um partido de esquerda do que para os liberais. Para estes, os direitos individuais devem prevalecer frente às maiorias, mesmo que isso signifique manter certos privilégios de uma minoria de proprietários de terra, para lembrarmos da reforma agrária. O ajuste fino é que o sistema não deve pesar excessivamente para o lado dos direitos, a ponto de impedir avanços sociais, e nem para a maioria, a ponto de não respeitar a proteção aos indivíduos e às minorias que a tradição liberal política assegura.
O Estado contemporâneo é organizado para refletir e organizar esse complexo encontro. O Poder Executivo e o Legislativo nas democracias representativas são baseados primordialmente no princípio majoritário e, portanto, na lógica da construção de maiorias, tanto no processo eleitoral, quanto no decisório. Os políticos são selecionados pelo voto e precisam ser apoiados por amplas parcelas do eleitorado. Como o pressuposto é que os políticos buscam continuar no poder, pessoalmente ou por meio de seus partidos, eles não devem nunca perder de vista, teoricamente, o desejo da maior parte da sociedade. Para tanto, na arena decisória, as propostas devem ser aprovadas pela maioria preocupada em preservar o voto dos eleitores.
O Poder Judiciário, por sua vez, é o guardião de direitos individuais e não deve se preocupar com o clamor popular. São os juízes que funcionam como o freio aos impulsos reformadores dos políticos quando estes tomarem medidas populares, mas incompatíveis com a preservação de direitos. Se amanhã os legisladores decidirem punir a homossexualidade, exemplo hipotético, mas cabível no atual momento, caberia ao Poder Judiciário barrar tal iniciativa porque esta feriria direitos individuais e de minorias, por mais apoio que esta ideia tivesse na sociedade. Enquanto o Poder Judiciário é conservador e defensivo, no sentido de preservar direitos, o Poder Executivo e Legislativo deve ser reformador, buscando mudanças e sugerindo políticas sustentadas em maiorias populares e parlamentares.
Esta ideia do encontro do liberalismo político com o princípio da maioria que resultou na democracia está presente em diversos pensadores. Guillermo O’Donnell, contudo, acredita que a democracia contemporânea é formada também pelo princípio republicano. Este princípio separa o público do privado e transforma o serviço público em uma atividade nobre, que demanda virtude e, neste sentido, é algo elitista, já que a virtude não é distribuída amplamente. Enquanto o princípio democrático é amplo, o republicanismo é restrito. Nesse mesmo sentido, enquanto o liberalismo atribui direitos defensivos aos indivíduos na esfera privada, o republicanismo atribui obrigações na esfera pública.
Assim como o excesso de liberalismo em detrimento da democracia, e vice-versa, são incompatíveis com a democracia contemporânea, a supremacia do republicanismo sobre os outros princípios também é prejudicial ao modelo. O predomínio deste sobre os outros gera um Estado “paternalista de uma elite que se autopresume moralmente superior”[2].
Como estaria o Brasil atual neste tripé que forma a democracia contemporânea?
O modelo brasileiro não está balanceado. A combinação de direitos, maiorias e republicanismo se desorganizou, demonstrando que nosso sistema era mais frágil do que se supunha. O lado democrático caiu num paradoxo. Ao mesmo tempo que o processo político atual baseia-se aparentemente numa maioria eventual, o desejo das urnas, típico instrumento para se ouvir os desejos dos eleitores, é desrespeitado. Por outro lado, os direitos liberais estão fragilizados, frente às decisões pouco ortodoxas dos atores do sistema de justiça. Aqueles que deveriam se afastar do clamor popular, lastreiam sua atuação no apoio das ruas. A parcela republicana, formada por agentes não-eleitos, diga-se de passagem, reforçou uma elite moralista, crente ser portadora e sabedora do interesse público, transformando-se na vertente mais forte do atual processo.
O problema é que, mesmo que haja a prevalência de um princípio sobre os outros,  sem algum equilíbrio, não há democracia. A questão agora é se o que estamos assistindo é permanente, a ponto de colocar em risco a própria democracia, ou é um desarranjo momentâneo, que teremos capacidade de superar em um breve futuro. Oxalá seja a segunda opção.      

foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Fábio Kerche
Fábio Kerche é Doutor em Ciência Política pela USP e pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa. É autor de Virtude e Limites: Autonomia e atribuições do Ministério Público no Brasil. SP, Edusp, 2009


[1] Vários autores defendem essa interpretação. Destacaria Norberto Bobbio, Giovanni Sartori e Guillermo O’Donnell.

[2] O’Donnell, Guillermo. “Accountability Horizontal e Novas Poliarquias”. Lua Nova, n.44, 1998. Pag. 34.



Editorial: Quem vai pagar o pato da FIESP?




Há um amigo que sempre faz questão de afirmar que vivemos, hoje, sob um Estado de Exceção Permanente, mas ainda não perdemos a esperança de que a ordem democrática, no momento tão fragilizada, seja restabelecida. Como o raciocínio do companheiro não se resume ao Brasil, até mesmo um golpe militar nos moldes da década de 60 foi tentado na Turquia. Felizmente, sem muito sucesso. Quem imaginava que isso pudesse ser retomado pelos atores que não tem muito compromisso com as instituições democráticas? Todo o "figurino" de um golpe tradicional estavam presentes ali, exceto o apoio da população civil, que saiu às ruas em defesa da democracia. 

Esse clima de "tencionamento" é provocado por inúmeros fatores,sobretudo o choque de civilizações, que divide ocidentais e muçulmanos, cujo radicalismo, liderado pelo Estado Islâmico, vem ceifando a vida de milhares de inocentes em todos os quadrantes, em guerras e atentados terroristas. Argélia e Turquia são países que, em razão da sua composição étnica, são, naturalmente, mais vulneráveis aos confrontos de geração, como diria o cientista político americano, Samuel Huntington. Talvez por isso o mundo tenha olhado com tanta cautela a retomada do poder pelas forças legalistas do presidente Recep Tayyip Erdogan. Por incrível que possa parecer, ainda existe coisa pior do que uma Ditadura Militar: um Estado Teocrático, que é uma possibilidade não muito distante daqueles países.

Mas, de volta ao Brasil, também parece ser uma realidade que vivemos sob um Estado de Exceção, conforme já discutimos aqui pelo blog algumas vezes. Se preferirem, um clima de muita instabilidade política e econômica, onde as liberdades coletivas e o Estado Democrático de Direito ficam temporariamente em banho maria. Um outro fato que também costumamos discutir por aqui diz respeito ao combustível que moveu a engrenagem que afastou ilegitimamente a presidente Dilma Rousseff do exercício do seu mandato. Do ponto de vista geopolítico, fala-se num rearranjo de forças no continente sul americano, onde o Brasil representa um papel preponderante. Do ponto de vista econômico, os interesses internacionais parecem mirar em nossa soberania sobre a exploração do Pré-Sal, hoje já comprometida. Isso se tomarmos como referência um olhar de fora para dentro do país.

No contexto interno, alguns atores emblemáticos que estiveram diretamente envolvidos nessas urdiduras, mesmo que involuntariamente, acabaram revelando algumas dessas intenções, como um mecanismo para poupar alguns peixes graúdos de caírem na rede da Operação Lava Jato, a despeito de seu caráter de seletividade. Mas é que as coisas nem sempre saem conforme o esperado, apesar daquele juiz interromper os delatores com um "isso não interessa", sempre que eles envolvem os tucanos. Outros atores convergiram para este movimento pelos mais distintos motivos, até mesmo levado por uma falsa onda "anti-corrupção", liderada por gente mais suja do que pau de galinheiro. Este fato hoje, inclusive, abre uma dissidência até mesmo entre os "coxinhas" minimamente mais consequentes, quem sabe se sentido "lesados". 

No dia de hoje, 18, as redes sociais, sobretudo o microblog Twitter estão estampando aquilo que poderia se constituir numa outra motivação de um ator que preside uma instituição, a FIESP, apontada como envolvida diretamente nessa conspiração de golpe parlamentar. O diretor da FIESP , Laodse de Abreu Duarte, deve algo em torno de 7 bilhões aos cofres públicos, na condição de pessoa física. Trata-se da pessoa física que mais deve à união. A pergunta mais óbvia, neste momento, é quem vai pagar este pato da FIESP, da plutocracia paulista, desde sempre favorável às urdiduras golpistas? 

domingo, 17 de julho de 2016

O pecado original de Sérgio Moro


'Com um juiz acusador, nem Deus como advogado resolve' - A obsessão de liquidar o PT e prender Lula complica o juiz e a discutível Lava Jato.


Mauricio Dias - Carta Capital
Rovena Rosa / Agência Brasil
A Operação Lava Jato, maquinada pelo juiz Sergio Moro, da 14ª Vara Criminal de Curitiba (PR), e executada por procuradores da República e pela Polícia Federal, no 27º mês de existência, enfrenta obstáculos de um lado e de outro. Ora por boas razões, ora por maus propósitos. Essas são metas guiadas pelo objetivo de “estancar a sangria”, segundo a frase suspeita do senador Romero Jucá.
Em essência são dois movimentos iguais com objetivos distintos. Um reage para conter os arrufos de Moro nos limites da legalidade, o outro costura um acordo, conforme as delações indicam, para conter e guarnecer a liberdade de empresários, funcionários públicos e políticos envolvidos com propinas bilionárias. Para esse grupo é preciso estancar a Lava Jato. A qualquer preço.
Isso é possível? Os céticos dizem sim. Os confiantes dizem não. Invisível a olho nu, a Lava Jato está sob fogo cruzado e, mais do que isso, anda pressionada por inúmeras contradições internas, inesperadas, como aquela exposta há poucos dias pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal.
Eis que Mello, decano do STF, bateu de frente com a interpretação conservadora da maioria da Corte. Recentemente essa maioria, pressionada pela crença da sociedade nas soluções discutíveis da Lava Jato, tornou como regra a prisão de réus em segundo grau. Ou seja, antes do trânsito em julgado.
O ministro, conservador, foi um dos quatro votos derrotados no STF, quando o tribunal tomou a decisão de condenar “à morte” o trânsito em julgado. Nesse caso, Mello aliou-se aos juízes “garantistas”. Em princípio, são liberais.
Sergio Moro não gostou do voto de Celso de Mello. Pode-se afirmar isso, embora esse espetaculoso juiz de 1ª instância não tenha se manifestado publicamente. Até agora, pelo menos.





Dallgnol pontifica: ninguém faz acordo se existe perspectiva melhor (Foto: Vladimir Platonow/ABr)


 
Falou sobre o caso, no entanto, o lépido procurador Deltan Dallagnol, coordenador das ações da Lava Jato, para quem a execução da pena em segundo grau não pode ser regra. Ela serve à delação premiada. Essa mudança “pode prejudicar a realização de acordos”, diz o procurador.
Dallagnol tem uma expectativa cruel quanto a isso. “O réu passa a ver o horizonte da impunidade como algo alcançável. Ninguém faz acordo, quando existe alternativa melhor do que o acordo.” Essa afirmação representa a falência da investigação policial, sem tortura psicológica ou física.
Como se sabe, não há histórico de punições dos criminosos de “colarinho-branco”. Os crimes, por aqui, são cometidos “apenas” por “pretos, pobres e prostitutas”, constatará aquele que voltar de uma visita ao sistema penitenciário.
A Operação Lava Jato, embora ainda não tenha liquidado Lula e o PT, já fez prisões inesperadas. Exceto na cúpula da política. Líderes do PMDB, com extensões do PSDB, são forças capazes de emperrar apurações do Ministério Público, comandado por Rodrigo Janot.
Não fosse uma ação originalmente comprometida politicamente, com auxílio luxuo­so no Supremo, seria possível crer que a Lava Jato estivesse mudando hábitos centenários na Justiça brasileira.
Como pensa parte da sociedade. Aquela que, se pudesse, tosquiaria os petistas. Esse é o ponto.
É preciso acabar com o PT e inviabilizar a vantagem eleitoral de Lula para 2018. Antes disso, porém, é necessário prender suspeitos de hábitos sujos, e de colarinhos alvos para não tornar visível o complô.
Este é o pecado original da Lava Jato. Do juiz Sergio Moro.


Créditos da foto: Rovena Rosa / Agência Brasil

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sexta-feira, 15 de julho de 2016

Charge!Aroeira via Facebook

O xadrez político das eleições municipais de 2016, no Recife: PT e PTB fecham acordo local, de olho nas eleições nacionais.



Nos últimos dias, foi intensa a movimentação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva(PT) aqui na província. Diríamos mesmo que foram movimentações de quem é candidato às eleições presidenciais de 2018. Aqui pelo blog, no dia de ontem, fizemos alguns comentários a esse respeito, apontando as dificuldades de o PT viabilizar uma candidatura competitiva ao pleito presidencial de 2018, mesmo que este nome seja de Luiz Inácio Lula da Silva, que já exerceu a presidência da República por dois mandatos, possuindo um recall nada desprezível. Essa confissão deixa os petistas em polvorosa, mas é preciso que seja dita. 

A retomada do poder pelo campo progressista não é uma missão impossível, mas se apresenta, hoje, com algumas dificuldades inerentes. Quando entrevistado pelo Programa Roda Vida, da TV Cultura, de São Paulo, o cientista político Antonio Lavareda jogou uma ducha de água fria na pesquisa da CNI que dava uma ligeira dianteira de Lula sobre candidatos como Marina Silva(Rede) e Aécio Neves(PSDB). Dizem que Lavareda nutre uma certa simpatia pelos tucanos, mas seus argumentos foram bastante consistente ao tratar desta questão, até mesmo se remetendo a exemplos.

O PT descolou-se dos movimentos sociais, burocratizou-se, oligarquizou-se, assumiu, em parte, um perfil de partido de "quadros", aliou-se às forças retrógradas e conservadoras da política nacional, chegou ao poder e depois foi traído por essas mesmas forças. Qual o caminho a trilhar agora para a retomada do poder? Talvez não estejamos aqui diante de uma equação política muito simples. Não será surpresa se o PT enfrentá um longo período de "hibernação política" que, em última análise, poderá até lhe fazer muito bem. 

Em todo caso, como a política muda como as nuvens e o governo interino enfrenta grandes adversidades neste momento inicial, melhor semear a semente para 2018. Em seu périplo por Pernambuco, Lula foi a Petrolina, Caruaru, Carpina e o Recife. Em Petrolina, fechou acordos envolvendo a candidatura do petista Odacy Amorim e, no Recife, deu aval à aliança entre o seu partido e o PTB do senador Armando Monteiro. Pelo acordo, João Paulo(PT) continuaria como cabeça de chapa e a vice caberia ao Deputado Estadual Sílvio Costa Filho, do PRB. 

A aproximação entre as duas candidaturas era evidente, com a possibilidade, até mesmo, de o PT apoiar o filho do deputado Federal Sílvio Costa, um nome que tem muito crédito político na agremiação, em razão da defesa que fez da presidente afastada Dilma Rousseff, durante o processo de votação do impeachment. Mas esta era uma equação mais simples de resolver, posto que o cacique do grupo, Armando Monteiro(PTB) deve disputar o Governo do Estado nas eleições de 2018 e contará com o concurso do PT. Pesou igualmente, segundo alguns observadores, uma análise sobre as perspectiva do que poderá ocorrer na votação do Senado Federal, selando de vez o destino da presidente Dilma Rousseff. 

Num primeiro teste, quando apresentado à militância petista, o deputado Sílvio Costa Filho foi bastante aplaudido. Não teria sido vítima, ainda, clivagem de idoneidade ideológica, no passado tão cobrada pelos militantes. Sílvio Costa Filho vinha atuando como um parlamentar rigorosamente de oposição ao PSB no Estado. Em razão das contingências - é Deputado Estadual - atirava mais na gestão de Paulo Câmara, mas atingia, por tabela, o prefeito Geraldo Júlio. Nos últimos meses, sua atuação contundente abriu diversas frentes de arestas com o Governo Estadual. Agia como quem, de fato, desejava encabeçar uma chapa para disputar o Palácio Antonio Farias. 

Mas a vice também lhe cai bem, sobretudo se considerarmos as "entrelinhas" desse acordo, na eventualidade de uma vitória de João Paulo. Na última pesquisa de intenção de voto para a Prefeitura da Cidade do Recife, realizada pelo IPESPE, a pedido do jornal Folha de Pernambuco, o candidato do PT aparece praticamente empatado com Geraldo Júlio, do PSB, o que parece ter injetado um sangue novo às hostes petistas no Estado. Mas, se por um lado o projeto de reeleição de Geraldo Júlio enfrenta algumas "turbulências", é preciso deixar claro o desgaste de imagem que enfrenta o PT neste momento, vítima maior da investida da cruzada "anti-corrupção" - que embalou a conspiração de golpe parlamentar - que o atingiu muito mais do que qualquer outra agremiação. 

As manifestações populares que pedem o "Fora Temer" por outro lado, não necessariamente, mantém vínculos orgânicos com o PT.Esse movimento, como disse aqui em editorial, está preocupado, isto sim, com a normalidade da democracia no país e a ameaça que este governo interino possa representar para a sua estabilidade.Trata-se de uma rejeição "não petista" ao governo interino do senhor Michel Temer. Se, mesmo diante das dificuldades, o PT conseguir integrar essa "onda democrática", que envolve uma juventude aguerrida e bastante consciente politicamente, talvez possamos estar diante de um cenário de contra-hegemonia anti-golpe muito importante para o país.  

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Editorial: #OcupeFunai, porque o golpe sofrido pelas populações indígenas é permanente




Infelizmente, já faz algum tempo que não temos notícias boas para comentar através desses editoriais diários, publicados religiosamente, todos os dias, desde o começo das urdiduras do golpe parlamentar que afastou a presidente Dilma Rousseff temporariamente da Presidência da República. De fato, talvez não tivéssemos notícias boas para comentar mesmo. Gosto muito do Lula, mas ele insiste numa conciliação de classe – costurando alianças com setores conservadores – que já conduziu o país a este impasse institucional, de consequências nefastas para a saúde de nossas instituições democráticas, assim como para o andar de baixo da pirâmide social, que, pela primeira vez em nossa História, estavam tendo seus direitos reconhecidos.

Pelo andar da carruagem política, as conquistas sociais dos governos da coalizão petista estão irremediavelmente comprometidas, o que desaconselha qualquer tipo de acordo com essa gente. Alianças com esses setores já indicaram onde podem parar: num golpe parlamentar. O que o PT precisa, na realidade, é retomar sua relação histórica e orgânica com os movimentos sociais organizados, perdida com o crescente processo de burocratização e oligarquização da legenda, que tornou-se preocupada unicamente com o flerte e o exercício do poder. O carinho com que Lula foi recebido num acampamento do Movimento dos Sem Terra, o Normandia, em Caruaru, aqui em Pernambuco, dão a dimensão sobre onde o partido deve plantar e colher os seus frutos.  

Até fazemos algumas concessões para o jogo pragmático - e pesado - da realpolitik, mas que isso não se torne a regra de sua atuação política. As movimentações de Lula nos últimos dias, sobretudo quando se está em jogo a eleição do novo presidente da Câmara dos Deputados, infelizmente, parecem reprisar um filme antigo, de terror, daqueles que nos assustam na poltrona. Outra notícia ruim, aqui da província, são os altos índices de violência contra as mulheres. Nunca se matou tantas mulheres no Estado desde o início do Pacto pela Vida, em 2007. Volto a comentar este assunto com vocês, posto que o debate sobre a violência é uma das linhas de discussão do blog.

Noticia boa mesmo talvez seja a ocupação da sede da FUNAI, em Brasília, por representantes de diversas etnias, num protesto contra o governo interino do senhor Michel Temer. Os conflitos estão se agravando com fazendeiros e grileiros em terras indígenas ainda em litígio burocrático, tendo como resultado a morte de algumas lideranças indígenas. Tivemos alguns avanços durante os governos da coalizão petista no tocante à legislação sobre a terra e os direitos de comunidades indígenas e quilombolas, mas a tão sonhada reforma agrária continuou sendo empurrada com a barriga, em razão dos limites impostos por um presidencialismo de coalizão. 

Hoje, com a retomada temporária do poder por essa coalizão de forças conservadores, o drama tende a agravar-se. Até mesmo um general que apoiou o regime militar instaurado no país com o golpe civil-militar de 1964 chegou a ser indicado para presidir a FUNAI. O protesto das comunidades indígenas levou o Ministro da Justiça a recuar da decisão. Hoje, o que as comunidades indígenas e quilombolas percebem, nitidamente, é que estamos diante de um retrocesso. O Estado de Goiás, que é um Estado onde se verifica, no momento, uma incidência mair de conflitos entre sem-terra e latifundiários, é monitorado e “cercado” pelo aparato militar federal. Quem entende de jargão militar, sabe do que estamos falando. E olha que eles não estão lá para defender a integridade física dos integrantes do Movimento dos Sem Terra. 

No Maranhão, até recentemente, representantes dos movimentos indigenistas foram recepcionados por porretes pelo governo do comunista Flávio Dino(PCdoB). O que eles reivindicavam? Escolas para as comunidades indígenas. Isso ainda é reflexo da herança oligarca que o senhor governador do PCdoB não conseguiu romper. Vários integrantes do seu governo já foram aliados da oligarquia Sarney, com aqueles métodos conhecidos de tratar os movimentos sociais. O pleito das comunidades indígenas vão muito além de uma questão fundiária. Eles envolvem assistência médica, escolas entre outros problemas enfrentados. Dando uma passadinha pelo microblog Twitter, na hashtag #OcupeFunai, encontrei uma manifestação de uma internauta que talvez traduza muito bem essa questão: #OcupeFunai, porque o golpe sofrido pelas populações indígenas é permanente. O crédito desse feliz twitter é da amiga Ana Carol Belei.