pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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sábado, 22 de abril de 2017

Temer revela meandros do golpe, mas Jornal Nacional só fala em Lula


João Filho
EM SETEMBRO DO ANO PASSADO, The Intercept Brasil publicou uma confissão de Michel Temer durante sua passagem por Nova York. O presidente não eleito revelou que os motivos que levaram ao impeachment não seriam as pedalas fiscais de Dilma, mas o fato de ela ter se recusado a adotar o plano de governo neoliberal dos tucanos, rejeitado nas urnas. Apesar da gravidade, ninguém na imprensa ficou escandalizado. Lembremos a confissão:

À época, a grande mídia brasileira fingiu que a declaração não existiu. Pior: teve uma jornalista do Estadão insinuando que The Intercept Brasil teria adulterado o vídeo acima. Para ela, Temer seria incapaz de dizer uma bobagem dessas, já que “ele é professor de Direito Constitucional”. Deve ser mesmo muito duro passar meses defendendo a legalidade do impeachment, debochando da “narrativa do golpe”, e depois ver um dos seus principais articuladores confessando, mesmo que indiretamente, que foi golpe, sim, e que as pedaladas fiscais foram um mero pretexto legal.
Nessa semana, Temer esteve muito à vontade em uma entrevista para seus colegas da Band e deixou escapar uma nova confissão. Dessa vez, o motivo para o impeachment seria outro:
“Em uma ocasião, ele (Eduardo Cunha) foi me procurar dizendo ‘hoje vou arquivar todos os pedidos de impeachment da presidente, porque prometeram-me os três votos do PT no Conselho de Ética’. Eu disse ‘ah, que bom! Muito bom! Porque assim acaba com essa história de que você estava na oposição. (…) naquele dia eu disse a ela (Dilma) ‘presidente, pode ficar tranquila, porque o Eduardo Cunha me disse que vai arquivar todos os processos de impedimento’. Ela ficou muito contente e foi bem tranquila para a reunião.
 No dia seguinte, eu vejo logo o noticiário dizendo que o presidente do PT e os três membros do partido se insurgiram contra aquela fala e votariam contra (Cunha no Conselho de Ética). Mais tarde, ele me ligou e disse ‘tudo aquilo que eu disse, não vale, vou chamar a imprensa e vou dar início ao processo de impedimento’.
Então veja que coisa curiosa! Se o PT tivesse votado nele naquele comitê de ética, seria muito provável que a senhora presidente continuasse.”
Sim, foi isso mesmo o que ele disse. Segundo Temer, quem derrubou Dilma não foi o cometimento de um crime de responsabilidade, mas a recusa dela em não ceder à chantagem de Cunha, cujo único objetivo era se livrar da cassação no Conselho de Ética. A história contada pelo não eleito é, aliás, a confirmação da versão de Dilma para a sua derrubada. Em sua defesa no processo de impeachment no Senado, a então presidenta disse aos senadores:
“A aceitação de meu pedido de impeachment tratava-se de uma chantagem explícita do senhor Eduardo Cunha, com a qual infelizmente vocês se aliaram. (…) As provas deixam claro que as acusações contra mim dirigidas não passam de pretextos, embasados por frágil retórica jurídica. Contrariei interesses. Por isso, paguei e pago um elevado preço pessoal pela postura que tive. Arquitetaram minha destituição, independentemente da existência de fatos que pudessem justificá-la perante a nossa Constituição.”
Ou seja, o atual presidente do país, atolado nas mais graves delações da Lava Jato, confessa em rede nacional que a presidenta anterior só foi derrubada por não ceder às chantagens do seu principal aliado político – um criminoso cujo único objetivo era manter o foro privilegiado para evitar a cadeia. Sem nem corar, o usurpador confirma a tese do golpe defendida por Dilma. E isso, meus amigos, não é a grande notícia do país dessa semana! Os jornalistas da Band aceitaram com tranquilidade, e a repercussão nos dias seguintes foi mínima, irrelevante, para não dizer inexistente.
Faltou espaço para esse escândalo, mas não para Lula no telejornal de maior audiência do país. Mais uma vez, o Jornal Nacional fez o seu recorte sapeca ao noticiar as intermináveis delações da Odebrecht. Na terça-feira (11/04), o dia em que a Lista de Fachin foi divulgada, a edição do jornal surpreendeu e me pareceu bastante equilibrada. Mas, no decorrer da semana, o jornal voltou para a sua programação normal. Enquanto Temer enfrenta uma das mais graves acusações da Lava Jato, quem foi apresentado como o grande vilão do país foi, claro, Lula – o único nome da esquerda com capital eleitoral e que lidera as pesquisas de intenções de voto para 2018.
O site Poder360 analisou o tempo dedicado pelo Jornal Nacional a cada citado na delação durante a semana da divulgação da lista:
Juntos, Dilma e Lula somaram 51 minutos de exposição, enquanto todos os outros somados chegaram a 54 minutos. Mesmo sem estar exercendo nenhum mandato há 7 anos, o Jornal Nacional falou mais tempo sobre Lula do que sobre todos os principais tucanos somados que ocupam cargos públicos importantes – dois senadores e o governador do estado mais rico do país. Mesmo com toda essa pesada artilharia, a rejeição de Lula despencou nas últimas semanas e ele lidera isoladamente as pesquisas.
Não se trata de separar bandidos e mocinhos, culpados e inocentes, mas de apontar de qual lado estão os oligopólios de mídia e quais são os escolhidos para apanhar mais no horário nobre. Não que houvesse dúvidas, mas nunca é demais registrar.
Podem confessar mais mil vezes. Cunha e Temer podem vir a público e assumir textualmente que comandaram um golpe parlamentar que nada irá acontecer.
O colunismo não irá se indignar, o Jornal Nacional não vai dedicar meia hora para o assunto, o Estadão não vai noticiar na capa. Até porque, assim como foram em 64, todos eles são coautores do golpe de 16. Com bem disse o ex-presidente da Câmara –  e atual presidiário – durante a leitura do seu voto a favor do impeachment, “que Deus tenha misericórdia dessa nação”.
(Publicado originalmente no site do Intercept Brasil)

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João Filhojoao.filho@​theintercept.com@jornalismowando

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quarta-feira, 19 de abril de 2017

Todos estão surdos - de uma orelha

J.P. Cuenca
Nas peças de Shakespeare, o vilão costuma quebrar a quarta-parede e dirigir-se ao público, revelando seus reais planos e motivações por trás das mentiras. Por convenção, assumimos duas coisas: esses solilóquios são naturalmente sinceros e jamais são percebidos pelos personagens em cena. Ainda que tudo seja ouvido pela platéia, o que Macbeth fala em “aside” jamais é escutado pelos outros atores, o que sempre parece meio absurdo – e tem o efeito ambíguo de sublinhar a artificialidade da representação ao mesmo tempo em que nos faz mergulhar nela.  
Não é apenas no teatro elisabetano que encontramos apartes do tipo, mas também em seriados como “House of Cards”, óperas de Bellini, autos de Gil Vicente, filmes de Woody Allen, peças de Molière e, claro, quando Ferris Bueller fala com a câmera em “Curtindo a vida adoidado”. Sim, imagino que os leitores já estejam pensando no ilegítimo e suas confissões sobre o golpe registradas em câmera, mas antes de chegar na deplorável caricatura que é Michel Temer, preciso falar sobre… o Lobo Mau.
Qualquer platéia de crianças, ignorando as convenções do aparte teatral, sempre grita alertando Chapeuzinho Vermelho.
A cena é bastante comum aos que já se aventuraram no submundo pantanoso do teatro infantil: qualquer platéia de crianças, ignorando as convenções do aparte teatral, sempre grita alertando Chapeuzinho Vermelho em cena quando o Lobo em roupas de vovozinha revela seus planos para o público. A depender da encenação, ele fará o mesmo com os porquinhos, que também não escutam jamais. É claro: eles estão no mundo da representação e o único a quebrar a quarta parede é o Lobo. Mas as crianças não desistem. Parte da graça – e a justificativa para o extenso uso do recurso no teatro infantil – é essa.
Ultimamente, viver no Brasil é um pouco como ser essa criança que assiste à peça infantil e grita para os personagens.
Ultimamente, viver no Brasil é um pouco como ser essa criança que assiste à peça infantil e grita para os personagens. O problema é que metade do país parece surda para o que a outra metade está escutando. O fato de que as extensas delações da Odebretch sejam lidas e editadas ao bel prazer das simpatias e acordos dos grandes donos da notícia não ajuda. No perfil do facebook do MBL (ou mesmo na boca de algum opinionista da Globonews) a delação parece ser apenas sobre Lula. Em sites de esquerda, vai parecer que é sobre Temer ou Aécio. Nesse ambiente de verdades tão ostensivamente seletivas, talvez a melhor forma de esconder alguma coisa seja deixá-la a vista de todos.
Michel Temer, um canastrão de si mesmo, parece ser um especialista em apartes do gênero.
Ele já confessou duas vezes que o impedimento de Dilma nada teve a ver com pedaladas fiscais– a primeira numa fala em Nova Iorque, descoberta aqui no Intercept, pelo Inacio Vieira, e ignorada com solenidade pelos jornalões brasileiros, a segunda na entrevista para a Bandeirantes dada no último sábado, dia em que se malha o judas. Não é surpreendente que Temer minimize essas falas, e sim que o país e a imprensa o deixem sair ileso.  
O que une alguns desses vilões da ficção, como Iago, João Doria e Ricardo III, não é apenas o hábito de monologar com sinceridade para a platéia, mas o fato de que, ao longo da peça, eles não mudam. Terminam o espetáculo tão inescrupulosos e desgraçados quanto começaram. 
***
Há uma entrada no “Diário do Hospício” de Lima Barreto em que ele escreve:
“Um maluco vendo-me passar com um livro debaixo do braço, quando ia para o refeitório, disse: – Isto aqui está virando colégio.”
Antes estivesse.  
(Publicado originalmente no site do Intercept Brasil)

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J.P. Cuencajpcuenca@​gmail.com@jpcuenca

Com documentário, grupo quer dar visibilidade a casos extremos de lesbofobia


Com documentário, grupo quer dar visibilidade a casos extremos de lesbofobia
Cenas do documentário 'Eu sou a próxima', da Coletiva Luana Barbosa (Foto: Reprodução/Facebook)

Além de denunciar a violência contra lésbicas, Eu sou a próxima dá voz para que mulheres negras, lésbicas e periféricas falem ‘em primeira pessoa’


Luana Barbosa tinha 34 anos quando, em um dia qualquer, saiu de casa para levar o filho ao curso de informática e não voltou mais. Lésbica, negra e periférica, Luana foi abordada por seis policiais militares que queriam revista-la. Quando ela negou, sabendo que tinha o direito de ser revistada apenas por mulheres, foi espancada e morreu cinco dias depois, com traumatismo craniano. Apesar da violência extrema, o caso de Luana foi arquivado pelo Ministério Público – assim como os de tantas outras mulheres em situação semelhante à dela.
Foi a história de Luana que inspirou o documentário Eu sou a próxima, que reúne relatos de agressões e mortes de mulheres lésbicas, principalmente negras, e que estreia nesta quinta (13) em São Paulo e no sábado (15) no Rio de Janeiro. Produzido sem nenhum incentivo governamental ou privado, o longa é um esforço da Coletiva Luana Barbosa – assim mesmo, no feminino -, um grupo de mulheres negras de vários bairros periféricos de São Paulo, que decidiu não se calar diante da violência em relação à Luana.
O grupo é composto por nove mulheres: Márcia Fábia, Jheniffer Santini, Lê Nor, Ariane Oliveira, Micheli Moreira, Liz Delon, Nanda Gomes, Re Alves e Ane Sarinara. Todas são negras e periféricas, lésbicas (ou bissexuais) e duas são mães. Há cerca de um ano, elas se uniram para ajudar na organização da Caminhada de Mulheres Lésbicas e Bissexuais de São Paulo – um evento anual para a visibilidade deste grupo – e desde então seguem juntas, realizando ações para trazer mais representatividade e visibilidade para mulheres como elas: rodas de conversa, eventos feministas, festas exclusivas para mulheres (como a “Sarrada no Brejo”), e até uma espécie de creche para que as mães possam deixar seus filhos e se divertir, o “Brejinho do Pijama”. Todos os ganhos da coletiva são revertidos em ajuda para mulheres desempregadas, em situação de rua ou endividadas.


Intervenção do grupo Levante Mulher em memória de Luana Barbosa durante Caminhada de Mulheres Lésbicas e Bissexuais em 2016 (Foto: Coletivo Indigesto)

Falar em primeira pessoa
Foi só depois da morte de Luana que o grupo tomou forma de coletiva. “Foi um acontecimento que chocou muito a gente. Luana era como nós: negra, periférica, mãe, não performava feminilidade. Foi um massacre”, lembra Liz Delon, uma das integrantes do grupo. Em maio, um mês depois do assassinato, as nove organizaram uma manifestação para que a morte de Luana não fosse invisibilizada, como acontece com muitas outras. O protesto deu frutos: o caso foi desarquivado e pode ir a Júri Popular.
Com essa pequena vitória, a coletiva ganhou ainda mais força, e começou a pensar em formas de espalhar essa história na internet. “Juntamos, ao longo de um ano, todas as notícias de morte por lesbofobia que encontrávamos. A ideia era criar uma campanha com a hashtag #EuSouAPróxima, mas a coisa foi crescendo até virar um documentário”, conta Ane Sarinara, outra participante da coletiva.
O filme, feito sem incentivos do governo ou de empresas, foi um trabalho coletivo: dentro da produção, cada integrante da Luana tinha um papel, e todas se ajudavam. “Mas a gente não teria conseguido sem a incrível Taynara  Bruni, fotógrafa e nossa futura cineasta, que editou, filmou e cedeu sua casa e seu tempo para a gente”, conta Ane.
O título do filme, Eu sou a próxima, já é um soco no estômago. “Se você é lésbica, negra, mãe solo, sem voz política, sem visibilidade, você pode ser a próxima. Sua amiga pode ser a próxima. Sua companheira, sua mãe, qualquer uma que tenha esse perfil. O medo é constante”, explica Ane. Apesar do medo, a coletiva reforça que é difícil os casos de lesbofobia aparecerem na mídia. Ainda segundo Ane, essas mortes não chegam a virar estatística, porque frequentemente estão condensadas a todas as mortes de homossexuais. “Quando assassinam uma mulher lésbica, não dizem a palavra ‘lésbica’. Dizem ‘mulher gay’, ‘mulher homossexual’. Parece que a mídia tem medo de dizer a palavra ‘lésbica’. Afirmar essa palavra para a gente é muito importante”, reforça Liz.
Importante, também, é ter lésbicas falando sobre lesbianidade e lesbofobia, porque o espaço para este grupo ainda é muito pequeno. Um dos objetivos do filme, além de denunciar a existência da violência específica contra lésbicas, é justamente dar voz a elas, como conta Ane: “Essa é uma das raras vezes em que nós não somos coadjuvantes da nossa própria história. Queremos falar em primeira pessoa, quebrar estereótipos e achismos e incentivar outras mulheres a fazer o mesmo”.
E por falar em contar a própria história, as integrantes afirmam que outro trunfo do filme é manter a memória dos casos de lesbofobia vivos, e que ganhem a justiça que merecem. “Espero que esse documentário possa chegar em todo canto, em todas as mulheres, em todo mundo”, diz Fernanda. E conclui: “que as nossas mães e todas as mulheres de nossas vidas possam ter acesso a esse documento tão importante para entender o quanto é difícil viver sendo lésbica”. 
Lançamento Eu sou a próximaDia 13/04, às 18h, na Ação Educativa; r. General Jardim, 660. Ingressos distribuídos 1 hora antes em troca de 1kg de alimento não perecível
(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

Le Monde: O crescimento da extrema-direita no cenário eleitoral francês

O LIBERALISMO POLÍTICO EM JOGO
É fundamental que as esquerdas, atualmente muito fragilizadas, realizem uma urgente autocrítica e repensem seus programas, de modo a encontrar respostas viáveis para os desafios impostos por uma conjuntura tão complexa
por: Leandro Gavião
3 de abril de 2017
triplice-desgaste
Traçar comparações entre diferentes temporalidades históricas é sempre um caminho ardiloso que pode levar a paralelismos bastante equivocados. No entanto, é interessante relacionar os efeitos das crises de 1929 e de 2008, visto que ambas se iniciam como fenômenos restritos à esfera econômica, embora seus impactos atinjam em profundidade a dimensão política.
Conforme argumenta Eric Hobsbawm, a Crise de 1929 resultou num golpe fatal contra o liberalismo econômico, mas seus reflexos foram igualmente devastadores no que se refere ao conjunto de valores do liberalismo político – alternância de poder, eleições livres e regulares, pluripartidarismo, equilíbrio entre os poderes, proteção às minorias e liberdade de pensamento e de imprensa.1 Em pouco tempo, a falência generalizada dos regimes democráticos tornou-se realidade, ao passo que as massas desempregadas e desesperadas viam no fascismo a solução do futuro. Em fins da década de 1930, havia apenas três grandes democracias: Estados Unidos, Reino Unido e França. Em linhas gerais, o restante do mundo independente vivia em regimes totalitários, autoritários ou em democracias deficientes.
Resguardadas as suas diferenças, nota-se que a Crise de 2008 – a maior desde 1929 – também provocou efeitos políticos consideráveis. O desemprego, a redução do poder de compra, o aumento da desigualdade e a aceleração do desmonte do Estado de bem-estar social são processos que foram impulsionados pela crise, contribuindo para formar uma atmosfera de incerteza na Europa. Em face desses problemas, Thomas Piketty sugere que “a resposta mais fácil são a xenofobia e o nacionalismo”.2
Todavia, é importante enfatizar que o crescimento da extrema-direita no Velho Mundo deve ser compreendido dentro de um quadro mais complexo, no qual estejam contempladas variáveis de ordem subjetiva. O fluxo migratório e a permanente ameaça terrorista, por exemplo, têm provocado mudanças no imaginário europeu e estimulado tensões culturais entre estes e muçulmanos, reforçando suas respectivas identidades coletivas.
Outro dilema é o enfraquecimento identitário dos partidos tradicionais. Tal constatação não é necessariamente nova, posto que autores vinculados às mais variadas correntes ideológicas e matizes teóricos têm chamado atenção para essa questão há alguns anos.3 Ao observar as disputas eleitorais no âmbito da União Europeia (UE) – especialmente nos países da Zona do Euro –, nota-se que as divergências entre os partidos do establishment muitas vezes se restringem a temas de liberdades civis – aborto, descriminalização de drogas leves e união homoafetiva –, ao passo que, no âmbito econômico, a margem de manobra é estreita demais para fazê-los escapar de um programa mínimo liberal estabelecido de cima para baixo pelos organismos supranacionais da UE.
A insatisfação do eleitorado com essa aparente homogeneidade programática é algo que tem sido bem aproveitado pelas legendas radicais que se apresentam como uma opção para além do mainstream. Este artigo não pretende analisar as incoerências das propostas de viés nacional-populista, mas sim ressaltar que a extrema-direita sabe muito bem estruturar o seu discurso para capitalizar as turbulências do atual contexto sociopolítico.
O cenário eleitoral francês
Valendo-se das incertezas que rondam a Europa, a Frente Nacional (FN) de Marine Le Pen tem ganhado fôlego e apresentado condições de chegar ao poder, o que torna o pleito pelo Palácio do Eliseu o principal evento do calendário eleitoral de 2017.
Há um profundo anseio popular por mudança. Quanto a isso, os resultados das primárias são eloquentes, tendo em conta que tanto o ex-presidente Nicolas Sarkozy como o ex-primeiro-ministro Manuel Valls – ambos candidatos do establishment – foram derrotados por dois adversários menos expressivos: François Fillon e Benoît Hamon, respectivamente. Ademais, é possível que esta venha a ser a primeira eleição desde a fundação da Quinta República (1958) que não terá a participação nem do Partido Socialista (PS) nem da sigla de centro-direita – atualmente com o nome “Os Republicanos” – no segundo turno da disputa presidencial.
Considerando os candidatos mais bem posicionados nas pesquisas, o cenário eleitoral pode ser resumido da seguinte forma:

POSIÇÃO POLÍTICAExtrema-esquerdaCentro-esquerdaCentroCentro-direitaExtrema-direita
CANDIDATOJean-Luc MélenchonBenoît HamonEmmanuel MacronFrançois FillonMarine Le Pen
PARTIDO POLÍTICOFrança InsubmissaPartido SocialistaEm Marcha!Os RepublicanosFrente Nacional
INTENÇÃO DE VOTOS
(primeiro turno)4
14%10%26%17,5%25,5%

Jean-Luc Mélenchon concorre às eleições com a ambiciosa proposta de fundar a Sexta República, argumentando que a Constituição de 1958 é anacrônica e as instituições vigentes inviabilizam o funcionamento de uma democracia real. Mélenchon propõe uma Revolução Cidadã capaz de realizar um processo de reformulação político-social que devolva ao povo o papel de condutor das decisões por meio de uma espécie de democracia participativa. Mélenchon critica contundentemente os partidos tradicionais, alegando submissão ao receituário econômico liberal imposto pela UE.
Benoît Hamon foi ministro da Educação de Hollande. Situado na ala mais à esquerda do rachado PS, seu programa reivindica a formação de um novo modelo de desenvolvimento e apresenta forte conteúdo social e ambiental, incluindo a redução da jornada de trabalho e o estabelecimento de uma renda básica universal para todos os franceses com mais de 18 anos. Hamon precisa lidar com dois graves problemas: de um lado, a divisão interna do partido, uma vez que parte de seus quadros, incluindo o influente ex-primeiro-ministro Manuel Valls, prefere apoiar o moderado Emmanuel Macron; por outro lado, Hamon herda o desgaste da imagem do PS devido ao governo impopular do presidente François Hollande, que sequer tentou a reeleição.
Emmanuel Macron é o presidenciável que mais tem crescido nas pesquisas. Egresso da ala mais à direita do PS e fundador do movimento Em Marcha!, ele tem reunido milhares de pessoas em seus comícios e empolgado parte do eleitorado insatisfeito com as siglas tradicionais. Fundado em 2016, o novo partido de centro goza da vantagem de estar alheio aos escândalos políticos.
Frequentemente definido como social-liberal, Macron mostra-se disposto a harmonizar, segundo suas próprias palavras, “eficiência” – reformas econômicas liberais que dinamizem a economia – com “justiça” – aperfeiçoamento do Estado de bem-estar e apoio a medidas consideradas progressistas, tais como o casamento igualitário e revisão crítica da colonização da Argélia. Além dos eleitores centristas, Macron tem atraído segmentos de esquerda desiludidos com o PS e uma parte da direita moderada eurófila que se encontra ressentida com as denúncias contra François Fillon.
François Fillon venceu as primárias da direita com folga (66,5%), derrotando o veterano Alain Juppé. De olho na ascensão da extrema-direita, Fillon elaborou um programa que o apresentasse como um candidato capaz de combinar posições conservadoras – reduzir a maioridade penal, armar as polícias municipais e combater o “totalitarismo islâmico” – com uma agenda econômica concentrada na austeridade. Seu perfil à la Thatcher é questionado dentro de seu próprio partido e sua candidatura perdeu força após investigações revelarem que sua família estava envolvida em casos de corrupção. Doravante, muitos correligionários o abandonaram em plena campanha.
Marine Le Pen chega à disputa presidencial impulsionada pelos avanços das variantes de direita populista pelo mundo. A vitória de Donald Trump, a saída do Reino Unido da União Europeia, o crescimento acelerado das legendas nacionalistas radicais em boa parte dos países europeus são fatores que convergem e favorecem diretamente a candidata da FN. O programa de Le Pen é tributário de ideias conservadoras, nacionalistas e protecionistas, apresentando forte conteúdo antimigratório, críticas ao multiculturalismo e à União Europeia.
Le Pen apresenta um verdadeiro repertório de propostas polêmicas. O retorno das fronteiras e da autonomia francesa, por exemplo, seria alcançado mediante a saída da UE, da Zona do Euro e da Área de Schengen, ao passo que a antiga moeda nacional seria recriada e desvalorizada em relação ao Euro, de modo a aumentar a competitividade do país. Para além do controle sobre o câmbio, é importante ressaltar o apelo simbólico por trás da reutilização do Franco, moeda criada no contexto da Revolução Francesa e que por mais de dois séculos foi uma das expressões da soberania nacional.
A candidata também defende a interdição ao uso do véu e do burkini, além de uma medida que aumentará os impostos das empresas que contratarem imigrantes. Ademais, Le Pen faz declarações islamofóbicas com frequência, normalmente apresentando uma visão binária de luta do bem contra o mal.
Uma eleição decisiva
Na Europa, a ascensão do extremismo de direita ocorre em diferentes níveis. Para além da eleição de chefes de governo – exemplo da Hungria, com Viktor Orbán – e de manifestações civis favoráveis às vertentes nacionalistas radicais, há circunstâncias em que a política já reflete uma visão de mundo protofascista.
Um caso emblemático é a cidade húngara de Ásotthalom, onde está proibido o uso de trajes muçulmanos, a construção de mesquitas e qualquer propaganda pública que mostre casais do mesmo sexo. Em 2015, foi divulgado um vídeo grotesco no qual o prefeito László Toroczkai ameaça caçar e prender imigrantes ilegais. Tais declarações são intercaladas com cenas de tropas a cavalo, de moto e até mesmo helicópteros fiscalizando a fronteira com a Sérvia.5
É nessa atmosfera que a eleição presidencial francesa emerge como decisiva. O que está em jogo não é apenas o projeto europeu de integração, mas a preservação dos valores do liberalismo político. Não se pode esquecer o duplo legado da Revolução Francesa: consolidar a concepção moderna de liberdade e atribuir-lhe caráter ecumênico, haja vista que o compromisso dos revolucionários não se restringia aos franceses, mas sim à humanidade. Esse é um dos motivos que torna o pleito ainda mais simbólico. E na política os símbolos são fundamentais. Não é mera coincidência que o curto governo fascista da França de Vichy (1940-1944) tenha substituído o lema “liberdade, igualdade e fraternidade” por “pátria, família e trabalho”.
Contudo, todas as pesquisas indicam que a rejeição atribuída a Le Pen ainda é grande o suficiente para impedi-la de chegar ao Palácio do Eliseu. Por outro lado, poucos poderiam prever o potencial de Emmanuel Macron, “candidato sensação” capaz de reorganizar o jogo eleitoral liderando um pequeno partido com menos de um ano de vida. Salvo algum evento imprevisto, como o surgimento de um escândalo ou a intensificação da covarde campanha difamatória na internet – aparentemente orquestrada por hackers russos –, é provável que o jovem Macron, de apenas 39 anos, seja o novo presidente.
Ainda assim, deve-se enfatizar que uma hipotética derrota da extrema-direita não garante que os impasses e incertezas que rondam a França serão solucionados pelo próximo governo. No mesmo sentido, é fundamental que as esquerdas, atualmente muito fragilizadas, realizem uma urgente autocrítica e repensem seus programas, de modo a encontrar respostas viáveis para os desafios impostos por uma conjuntura tão complexa. Do contrário, continuarão a decepcionar o eleitorado e a perder espaço no tabuleiro político.
Entretanto, em meio a um cenário internacional pouco auspicioso, é compreensível que um revés da Frente Nacional seja motivo de sincera comemoração.

1 HOBSBAWM, E. Era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
2 Disponível em: http://bit.ly/2mjVJLV.
3 A lista é longa e inclui autores como Jean-Marie Guéhenno, Jacques Rancière, István Mészáros e Zygmunt Bauman.
4 Pesquisa divulgada pelo instituto Ifop-Fiducial em 29/03/2017.


5 Disponível em: http://bit.ly/1iySJFq.

A cultura do assédio entre a cantada e a covardia




  1. Marcia Tiburidisse:
    12 de abril de 2017

    Obra da artista Eva Hesse, Spectres, de 1960 (Reprodução)


    A sociedade do assédio forma pessoas capazes de produzi-lo e de consentirem com ele. É a sociedade do desrespeito, mas é também a da covardia



    Enquanto muitas pessoas se escandalizam e indignam diante do assédio praticado por José Mayer contra a figurinista Su Tonani, outros decidem apoiá-lo criando campanhas machistas tais como “Mexeu com José Mayer, mexeu com todos”. A frase choca à medida que expõe uma verdade. A campanha “Mexeu com uma, mexeu com todas”, levada adiante por atrizes, colegas de corporação midiática de Mayer, que surgiu a partir da denúncia de assédio feita no blog “Agora é que são elas”, realmente “mexe” com muitos homens, porque atinge sobretudo o machismo estrutural. Ela põe em questão algo que estava “quieto”, o verdadeiro hábito do assédio, que é um dos pilares mais importantes do machismo de nossa sociedade.

    Tanto o assédio moral, quanto o assédio sexual (que não deixa de ter também uma dimensão moral), não se desenvolveriam tão facilmente se não acontecessem em um clima socialmente propício. Falamos ultimamente em cultura do estupro, mas a cultura do “assédio”, seja moral, seja sexual, é tão arraigada que permite o surgimento de posturas antiéticas tais como a dos apoiadores do assediador. A cultura do assédio constitui um círculo vicioso. Ela cria a permissão para que surja o assediador enquanto depende também de seu apoio. Não denunciar os casos de assédio produz uma conivência em relação à qual nem todos tem consciência.

    Antes de seguir, é interessante colocar a questão de que assédio não é cantada. Não se trata de defender a cantada, mas de discernir jogos de linguagem e sua relação com a violência. Enquanto o termo “cantada” remete a certa poética popular, o termo assédio define uma violência. O limite entre um e outro é tão tênue que em tempos sombrios talvez não seja oportuno dar cantadas sob pena de errar a mão. De qualquer modo, é interessante ver que uma cantada é algo que se dá. Dizemos: me deu uma cantada, dei uma cantada. Ninguém é capaz de dizer “pratiquei uma cantada”, “ele praticou uma cantada”. Quando dizemos “ele me cantou”, “eu o cantei”, fica claro que o “objeto” da cantada se torna poético. Não um objeto manipulado, simplesmente, mas muito mais um objeto do desejo. Aquele que leva uma cantada se torna uma espécie de “metáfora objetiva” ao entrar no campo da expressão poética do outro. Como a cantada é poética, ela é variável, há muitas formas de cantar alguém e, portanto, de “poetizar” o “objeto”. Por meio da cantada, preserva-se algo da dimensão sexual como uma dimensão poética, motivo pelo qual talvez ainda valha a pena viver essa dimensão.

    Como toda estética é acompanhada de uma ética e de uma política, uma cantada nunca pode ser agressiva. Se ela perde a dimensão poética ela se torna assédio. O limite entre uma e outra torna-se claro. No entanto, em uma época caracterizada pela brutalidade como é a nossa, é fácil perder isso de vista.

    No assédio dizemos que houve uma prática e ela é inteiramente desprovida de poesia. O assédio é gradativo, entre o chato e o agressivo, ele vai da deselegância à violência. Quando surgiu a campanha “Chega de Fiu Fiu”, muitas pessoas não conseguiram entender que ali já havia uma semente de assédio. A crítica do “fiu-fiu” veio questionar uma prática inicial de assédio inscrita de tal forma na cultura que apenas as atingidas conseguem entender. Isso porque a cultura machista usa o assédio como uma prerrogativa e até mesmo um privilégio daquele que tem poder – ou pensam que tem – poder sobre as outras pessoas, no caso, as mulheres.

    O assédio, como escrevi há tempos atrás (em texto que foi publicado no livro Como conversar com um fascista, Record, 2015), é uma prática antiética de opressão baseada na pressão direta a um indivíduo. O assediador é aquele que pressiona o assediado a fazer sua vontade. Ele trata o assediado como um objeto que deve lhe servir.

    A sociedade do assédio forma pessoas capazes de produzir o assédio e de consentirem com ele. Quando não tratamos as outras pessoas como sujeitos de direitos, é fácil tratá-los como coisas. Nós mesmos nos tratamos como coisas, quando, assediadas, nos calamos. Hoje, o machismo chama a atenção, mas também o mercado, o capitalismo, a publicidade generalizada, o consumismo, fazem parte do sistema do assédio. De um consentimento generalizado a ser usado, marcado e humilhado pelo outro. Assim como um homem assediador acha que pode impor um desejo a uma mulher, o capitalismo faz com o consumidor. Todos se tornam dóceis e o assediador conta com essa docilidade.

    A sociedade do assédio é a sociedade do desrespeito, mas é também a da covardia. O covarde sempre prefere o dócil. Por isso, o assediador se desculpa das maneiras mais torpes para despertar a docilidade perdida com a qual ele contava. Quando pego em flagrante, ele desdiz, ele se justifica, no extremo afirma não ter feito nada demais, nada que outros também não fizessem. Apoiado pelos pares covardes, ele tenta preservar um lugar de privilégio que só se sustenta na união de todos por um ideal comum perverso.

    Contra isso, a voz das vítimas é a única força, o verdadeiro poder capaz de desmontar a lógica da cultura do assédio.

    (Publicado originalmente no site da Revista Cult)

Charge! Aroeira

terça-feira, 18 de abril de 2017

Editorial: Odebrecht: a banalidade da corrupção


Resultado de imagem para corrupção na Odebrecht
Estamos acompanhando o curso Fundamentos Morais da Política, organizado pelo cientista político e professor da Universidade Yale, Yan Shapiro. Uma das questões principais do curso é o que assegura legitimidade aos governos? quando devemos obedecê-los ou quando não devemos obedecê-los? Lá para tantas, Shapiro refere-se ao caso Adolf Eichmann, um criminoso de guerra nazista sequestrado pelo serviço secreto israelense, o Mossad, quando se escondia na Argentina, "julgado" e condenado à morte pelo Estado de Israel, num julgamento sumaríssimo. Mesmo em se tratando de um criminoso de guerra responsável pela solução final que eliminou milhares de judeus, Shapiro aponta várias violações de direitos cometidas pelo Estado de Israel neste caso. Logo pela manhã, li um texto do jornalista Josias de Souza, onde ele estabelece um contraponto entre os delitos cometidos pelos operadores da Construtura Odebrecht e os traficantes de drogas, cujas práticas parecem ser mais bem atinentes à ética do que aquelas adotadas pelos executivos do departamento de propinas. 

É preciso que se veja com bastante atenção como serão tratados esses delatores, assim como em que termos esses acordos foram firmados. Se, por um lado, a sociedade clama por uma punição exemplar aos homens públicos envolvidos nas falcatruas denunciadas, por outro lado, convém ser severo igualmente com esses corruptores e seus operadores. Em alguns casos, observa-se uns padrões de benefícios que bem poderiam ser questionados, como redução drásticas das quantias que deveriam ser repostas ao erário, assim como as modalidades de cumprimentos de suas penas. Um deles recebeu o benefício de uma prisão domiciliar numa fabulosa mansão à beira-mar, possivelmente apenas com o incômodo das tornozeleiras. Também aqui é preciso entender que julgamento essa turma do Departamento de Obras Estruturadas da Odebrecht fazia de si mesmos, com esse típo de prática institucionalizada na organização. Nenhum julgamento moral em torno dessas atitudes de corromper agentes públicos? causar rombos de milhões ao erário? Nunca questionaram a autoridade de quem emitia essas ordens? sabidamente desonestas? Nunca questionaram os reflexos desses atos para o cidadão que pagava seus impostos e que demandava os benefícios dessas obras públicas? Eram apenas bons gerentes que, no final, embolsavam igualmente suas gratificações? 

O julgamento de Adolf Eichmann pelo Estado judeu, naturalmente, ficou bastante comprometido, por uma razão muito simples. Ele estava aprioristicamente condenado. Nestes casos, há, obviamente, um cerceamento da defesa do acusado. Mas, sugere-se que, em sua defesa, ele argumentou com base nos preceitos levantados acima, ou seja, independentemente dessas questões morais ou éticas, era apenas alguém que se esforçava para realizar o seu trabalho da melhor maneira possível, com o objetivo de obter o reconhecimento do chefe. Um bom gerente, talvez. Transportava gente para os campos de concentração, mas poderia ser pedras, armas ou qualquer coisa que o valha. Essas coisas são curiosas. Outro dia, um grande empresário nacional - hoje preso - estava sendo apresentado como um modelo a ser seguido pelos jovens executivos; dando entrevistas às revistas de negócios de uma grande editora; vivendo uma vida de luxo; com carrões, namorando beldades, passeios de iates e coisas do gênero. No momento seguinte, apontando como um empresário que conquistou seu patrimônio através de relações promíscuas com agentes públicos. Os leitores naturalmente sabem a quem estamos nos referindo.

O caso de Eichmann, a ascensão e os crimes cometidos pelos nazistas, inspiraram Hannah Arendt em suas reflexões sobre a banalização do mal. Aqui, a julgar pelos acontecimentos narrados pelos executivos, ex-executivos e herdeiros da construtora Odebrecht, estamos diante de uma espécie de banalização da corrupção. Difícil saber quando essa cultura da corrupção será extirpada de nossa sociedade, se é que algum dia ela será extirpada. Talvez possamos elencar aqui mais um elemento da "impossibilidade" de um país chamado Brasil.  

Charge!Duke

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Editorial: Ainda o Brasil da Odebrecht


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Certamente, os efeitos produzidos pelas delações dos executivos, ex-executivos e herdeiros da Construtora Odebrecht terão um efeito ainda duradouro sobre o nosso cenário político. A mídia impressa, os telejornais, as redes sociais e a blogosfera ainda se dedicam ao assunto, em razão dos seus desdobramentos. Hoje se fala, por exemplo, no custo social que o país pagou esses anos todos, quando bilhões foram desviados dos cofres públicos para financiar campanhas políticas através de Caixa 2 ou mesmo apropriados por políticos e agentes públicos corruptos. Creio não ser nenhum exagero afirmar aqui que este modelo "institucionalizado" execução de obras públicas no país - descrito pelo pessoal da Odebrecht - deve se repetir igualmente em relação a outras construtoras e empreiteiras que atuam no país.


Todo esse bombardeio de informações diárias, além de trazer à tona os estertores da corrupção com dinheiro público no país, também serviu para ilustrar como era o funcionamento desse famigerado Departamento de Obras Estruturadas da Construtora, um verdadeiro duto operacional de ilicitudes com recursos do erário. De fato, ficam aqui comprovadas algumas teses ou suposições por nós aqui levantadas sobre a dinâmica de funcionamento desse departamento de propinas. Com Marcelo Odebrecht, segundo alguns delatores, esse departamento assume contornos profissionais na empreiteira, estabelecendo regras claras para seus executivos atuarem nesse mundo subterrâneo, gratificando-os pela capacidade de subornar agentes públicos, "aditivar" obras em andamentos - superfaturando seus valores inicialmente negociados - e coisas do gênero. Os políticos ou agentes públicos eram avaliados consoante a sua capacidade de influência junto ao aparato estatal, o que significava propor e aprovar obras, conceber emendas ou dispositivos de interesses da construtora, inclusive socorro de bancos estatais. Executivos da empresa participavam, como assessores de parlamentares, da concepção de algumas dessas emendas de interesse da construtora. 

Comenta-se sobre a possibilidade de um grande acordão político nacional, em razão da dimensão que essas denúncias assumiram, mas é muito pouco provável que algum consenso possa ser construído em torno do assunto, em razão da visível fragmentação do sistema político ora em curso. Nem mesmo a base aliada golpista converge em alguns pontos, como  a Reforma da Previdência, por exemplo. Não por acaso, o presidente Michel Temer agendou um encontro no Palácio do Planalto para tentar reunir os cacos, depois do tsunami Odebrecht. Um dos grandes gargalos que surgem no horizonte político são as eleições de 2018, onde os políticos tentarão a reeleição e, consequentemente, obterem um foro privilegiado. Foro privilegiado é foro privilegiado. Bem melhor do que as desconfortáveis poltronas da 13º Vara da Justiça Federal do Paraná. No atual cenário político, para onde se olha, o que se enxerga é uma possibilidade concreta de um abraço dos afogados. Lula já teria procurado Fernando Henrique Cardoso, mas este fez questão de afirmar que o tal encontro apenas seria possível mediante uma agenda prévia muito bem definida. 

Parece não haver mesmo uma saída republicana para este impasse político. Diante dos caos, o mais provável é o surgimento de algum aventureiro político, conforme afirmamos em editoriais anteriores. Pode acontecer aqui algo semelhante ao que ocorreu na Itália depois do escombro político provocado pela Operação Mãos Limpas, ou seja, diante do fracasso dos políticos profissionais, surgiu um outsider, o Silvio Berluscone. São dilemas e mais dilemas, porque, a princípio, não se cogita a possibilidade de algum retrocesso na ação judicial a esta altura do campeonato. O mais provável é que uma penca desses políticos amarguem mesmo o chilindró e façam companhia àqueles que já estão atrás das grades.O ônus de um grande "acordão", neste estágio representaria um ônus muito caro a ser pago. Trata-se de uma sangria que já não se pode mais ser estancada. Se, a princípio, nessa manada política havia alguns atores preferenciais, hoje podemos generalizá-los, independentemente de ideologias ou credos religiosos, uma vez que todos participaram dos banquetes e orgias com o dinheiro da viúva. 

A charge que ilustra este editorial foi publicada no dia de hoje, no jornal Folha de São Paulo

Charge! Benett via Folha de São Paulo

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Charge!Humberto via Folha de Pernambuco

Feliz páscoa