pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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terça-feira, 29 de agosto de 2017

O xadrez político das eleições estaduais de 2018, em Pernambuco: A oficialização da Conspiração Macambirense






José Luiz Gomes da Silva

Cientista Político



Há alguns meses atrás, o movimento de alguns atores políticos na quadra estadual nos permitiram antever um "novo" conjunto de forças políticas que se integravam no sentido de constituir-se como opção oposicionista ao Palácio do Campo das Princesas. Talvez pudéssemos falar aqui, na realidade, num realinhamento dessas forças, que passaram a integrar dissidentes da base aliada do Governo Paulo Câmara(PSB) e até mesmo atores políticos do núcleo familiar a ele ligado, como o escritor Antonio Campos(Podemos), irmão do ex-governador Eduardo Campos. O nome do senador Armando Monteiro, do PTB, antes tido como o principal nome da oposição, em certa medida, passou a ser "ofuscado" pela desenvoltura de alguns atores desse conjunto de forças, embora o martelo ainda não tenha sido batido no tocante à formação da chapa. Há uma profusão de nomes para o Senado Federal, por exemplo, o que nos recomenda cautela sobre citações. Se o destino do senador Fernando Bezerra Coelho for mesmo o PMDB, está aberta até mesmo uma negociação com o Deputado Federal Jarbas Vasconcelos.  

Embora a migração do senador FBC para o PMDB seja um pouco mais complicada, ainda mais complicado seria Jarbas Vasconcelos aceitar uma possível composição com o PT na chapa situacionista, como se especula. Com as barbas de molho, ele já admite uma candidatura a Deputado Federal, ampliando a margem de manobra do seu sobrinho político, Raul Henry(PMDB-PE), na composição da chapa palaciana. Já há algum tempo se fala que o Palácio do Planalto teria interesse em entregar a legenda peemedebista no Estado à família Coelho. Negociações neste sentido existem, mas eles hoje estão mais próximos dos Democratas. Fernando Bezerra não dá um passo no Estado que não seja acompanhado do ministro da Educação, Mendonça Filho(DEM). Aliás, os quatro ministros de Pernambuco no Governo Temer(PMDB) estão bastante integrados. Todos eles estavam presentes no encontro político de Caruaru, onde praticamente foi selada a nova aliança política do Estado, que deve concorrer ao Palácio do Campo das Princesas, nas eleições de 2018.

Calouro nos bancos do CFCH-UFPE, havia um professor que minimizava o trabalho dos jornalistas e historiadores. Ele enfatizava que esses profissionais não antecipavam os acontecimentos, trabalhando sempre com o pós-facto, ou seja, analisavam situações já ocorridas. Não sem algum exagero, puxava a brasa para o lado dos cientistas políticos. Até mesmo um pouco antes do término das últimas eleições municipais no Estado, já era possível antever a aglutinação de algumas forças políticas oposicionistas. Novamente, a cidade de Caruaru voltava a ser um palco importante nesse rearranjo de forças políticas. Havia ali alguns dados emblemáticos, como, por exemplo, a eleição de Raquel Lyra(PSDB) para gerir os destinos da capital do Agreste, o que significou uma derrota para o Palácio do Campo das Princesas, que havia afastado a família Lyra do comando do PSB municipal. Não sem motivo, denominamos essa nova aliança política de "Conspiração Macambirense", numa referência à fazenda Macambira, da família Lyra, um termômetro político do Estado. Estávamos certos e antecipamos os fatos. 

Emblematicamente, a oficialização dessa aliança se deu na cidade de Caruaru, por ocasião de um evento do Minha Casa Minha Vida, programa do Ministério das Cidades, que reuniu os principais nomes desse novo agrupamento, além de uma penca de prefeitos, o que deve ter deixado o Campo das Princesas de orelha em pé. Fala-se em cinco dezenas, alguns deles, em tese, da base situacionista. Aliás, agindo em conjunto, esse novo grupo está trazendo um montante de recursos razoáveis para o Estado, em plena crise econômica, com os prefeitos de pires na mão, o que é um perigo. Somente Bruno Araújo(PSDB-PE), das cidades, já teria carreado para o Estado um montante de mais de três bilhões. Mendonça Filho(DEM-PE), da Educação, por sua vez, não poupou esforços para ampliar o campus da UNIVASF para a cidade de Salgueiro,no Sertão Central. Num passado recente, esta cidade foi um reduto tradicional de uma arraesista histórica, Creuza Pereira. Salgueiro é uma das cidades mais importantes do Sertão, contribuindo para ampliar a capilaridade politica dos Coelhos na região.

Aliás, como enfatizou o senador Fernando Bezerra Coelho em seu discurso, convém ficar atento à densidade eleitoral do grupo, uma vez que eles reúnem, de princípio, as cidades de Petrolina, Caruaru e, possivelmente, Jaboatão dos Guararapes, uma vez que tanto Armando Monteiro quanto Fernando Bezerra possuem um bom trânsito junto à família Ferreira. Ou seja, em tese, eles detém o controle do chamado "Triângulo das Bermudas". O curioso é que, embora de malas prontas para sair do ninho socialista, em sua fala, FBC fez referência ao ex-governador Eduardo Campos. A essa altura, o técnico já tem o time escalado, mas só será anunciado quando estivermos mais próximo do jogo. Como observou o cientista político Michel Zaidan, num seminário, outro dia, na UFPE, quando está em jogo seus "interesses", a direita sempre chega a um acordo. Suas discordâncias são cosméticas. No essencial, eles sempre concordam.

Este grupo está bastante coeso em torno da agenda ultra-liberal ora em curso no país. Não tenho dúvidas em apontar o "engomadinho", João Dória(PSDB-SP) como o candidato presidencial do grupo. Mais uma vez, todos eles estavam prestigiando a sua passagem pelo Recife, quando realizou uma palestra no Lide-PE. A foto publicado acima é bem elucidativa. Em seu discurso, o senador Fernando Bezerra Coelho fez questão de defender o Governo do presidente Michel Temer. Trata-se de uma aliança chapa-branca, que contingencia os socialistas, quem sabe, buscarem abrigo na roupagem de esquerda do passado. Neste sentido, pode até evoluir as negociações com o Partido dos Trabalhadores. Esta centrífuga direitista diminuiu sensivelmente os espaços políticos de atuação das forças do campo progressista. Se o PT abdicar de uma candidatura própria com a vereadpra Marília Arraes(PT), o leque de opções do eleitorado ficará com um perfil bastante conservador no Estado.    

De Hannah Arendt a Paul Gilroy, cinco livrso que buscam as raízes do ódio contemporâneo


De Hannah Arendt a Paul Gilroy, cinco livros que buscam as raízes do ódio contemporâneo
Hannah Arendt relacionou o mal a um vazio reflexivo (Reprodução225

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é clara: todos têm direitos iguais, independentemente de classe social, gênero, raça, etnia ou religião. Não é o que acontece, no entanto. No Brasil e no mundo, as taxas relacionadas a crimes de ódio são altas, e têm crescido com a escalada de discursos racistas, machistas, homofóbicos e xenófobos, que ganham propulsão nas redes sociais e nas ruas num contexto de avanço do conservadorismo de governos de extrema-direita.
Por dia, no Brasil, ao menos uma pessoa LGBT é morta, oito casos de feminicídio são registrados pelo Ministério Público e 63 jovens negros são assassinados. Dados da Secretaria de Direitos Humanos mostram que denúncias contra casos de intolerância religiosa aumentaram 3.600% no país, entre 2011 e 2016. Apenas a cidade de São Paulo registra um crime de ódio por hora, a maior parte deles relacionada ao racismo, segundo a Secretaria da Segurança Pública.  
Em outros países o quadro é semelhante. No último dia 12 de agosto, a cidade de Charlottesville, no sul dos Estados Unidos, recebeu uma manifestação de supremacistas brancos cujos atos de violência resultaram na morte da ativista Heather Heyer. Estudo da Southern Poverty Law Center divulgado em novembro de 2016 mostra que em menos de um mês de mandato de Trump foram registrados 400 casos de racismo, islamofobia e xenofobia no país.
Desde que o presidente norte-americano começou a fazer campanha, em 2015, crimes contra muçulmanos aumentaram 67% nos Estados Unidos, em relação ao ano anterior, segundo o FBI. Na Itália, Polônia, Espanha e Alemanha, a maioria da população concorda que a entrada de muçulmanos deve ser barrada, de acordo com pesquisa do Instituto Chatham House. Na Inglaterra pós-Brexit, houve um aumento de 20% nos crimes contra minorias. 
Ao longo da história do pensamento foram muitos os intelectuais que se debruçaram sobre o tema. A convite da CULT, Christian Dunker, Juliana Serzedello, João Alexandre Peschanski, Estevão Rafael Fernandes e Celi Regina Jardim Pinto indicam obras que se propõe a refletir, a partir de diferentes abordagens, acerca do ódio político, social e sexual contemporâneo.
Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a Banalidade do Mal, de Hannah Arendt (1963)
Em 1961, a filósofa alemã Hannah Arendt, de origem judaica, foi cobrir o julgamento do soldado nazista Adolf Eichmann para a The New Yorker. Esperando encontrar um monstro, Arendt se surpreendeu ao perceber que Eichmann era apenas um homem comum; um soldado que apenas cumpria ordens sem jamais questioná-las ou pensar em suas consequências.
Surgiu daí o conceito da “banalidade do mal”, o mais famoso da teoria arendtiana. “A obra mostra que não podemos atribuir atos de ódio a monstros não humanos, mas a pessoas que vivem a vida como nós. Há momentos na história em que muitos dos que vivem uma vida dura, sem reflexão, sem espaço para discutir e construir opinião acabam seguindo o mais fácil, e neste momento ideologias do ódio e lideranças fascistas tem facilidade de se tornarem populares”, afirma Celi Regina Jardim Pinto, doutora em Ciência Política, que considera o livro fundamental para que se pense a “simplicidade do ódio”, “como é um sentimento de pessoas que vivem a vida normalmente”.
O ódio à democracia, de Jacques Rancière (2005)

Em O ódio à democracia, o filósofo francês Jacques Rancière aponta contradições de Estados democráticos, como a questão das oligarquias que se revezam no poder em oposição a demandas por representação popular. “Ranciére mostra que, tanto na história quanto em nossa experiência contemporânea, a ideia de um regime político de equidade de relações com a lei e de liberdade no uso da palavra é percebida como uma ameaça à nossa ficção de um mundo estável, seguro e harmônico (ainda que não para todos)”, afirma o psicanalista Christian DunkerO ódio, então, surge como resposta à existência de pessoas que não são iguais dentro do sistema democrático – os ricos ou os filhos de alguém. 
A obra expõe um impasse político central entre a ideia de democracia e a prática social em países industriais, diz o cientista político João Alexandre Peschanski. “Em que medida essas sociedades desenvolvidas estão dispostas a receber em suas instituições políticas e comunidades aqueles que enxergam como diferentes (imigrantes ilegais ou refugiados)?”. A resposta do filósofo não é das mais animadoras. Para ele, há um movimento crescente disposto a destruir as instituições relativamente acolhedoras da modernidade para preservar os privilégios que as constituíram.
História da Sexualidade Vol. I: A Vontade do Saber, de Michel Foucault (1976)
No primeiro dos três volumes de História da Sexualidade, o filósofo francês Michel Foucault se debruça sobre como a sexualidade está intimamente relacionada a mecanismos de poder. “O texto é sobre a gênese dos múltiplos silenciamentos que perpassam nossos desejos e gestão do nosso próprio corpo (que, no fim das contas, acaba sendo tudo, menos nosso), por diversas instituições, dispositivos e discursos”, afirma o antropólogo Estevão Rafael Fernandes. Para ele, a obra é uma porta de entrada para pensar o ódio, especificamente aquele voltado para a diversidade sexual, como a homofobia. Isso porque, em uma sociedade que faz uso da sexualidade como meio de controle, tudo aquilo que foge à regra pode ser entendido como resistência aos mecanismos de poder: “O ódio não se aplica ao diferente, pura e simplesmente, mas à sua potência: sua existência torna possível um ser fora das correlações de força que dão sustentação ao próprio sistema de poder hegemônico.”
Entre campos – Nações, culturas e o fascínio da raça, de Paul Gilroy (2007)
O professor da London School of Economics (LSE) busca compreender como o pensamento de raça distorceu “as melhores promessas da democracia moderna”, mostrando como boa parte do que nasceu combativo dentro cultura negra (como o hip hop e o rap) foi apropriado pelo capitalismo e esvaziado de seu potencial questionador. “Partindo da ideia de que racismo, fascismo e nacionalismo são fenômenos interligados, o autor investiga e critica a fundo a construção de discursos racializados – considerando, inclusive, como problemáticas as reivindicações racializadas de grupos antirracistas. Sua proposta é construir um mundo ‘destituído de hierarquia racial’”, diz a professora e historiadora Juliana Serzedello. Para isso, Gilroy oferece um conjunto de conceitos próprios – como o “humanismo planetário”, em contraposição à “infra-humanidade” construída pela “raciologia” e reiterada pelos atuais padrões “nanopolíticos”. “Sua intenção, apresentada como horizonte utópico, é a de acelerar a desnaturalização da ‘raça’ como conceito organizador das relações humanas contemporâneas””, explica Serzedello.
Dilma Rousseff e o ódio político, de Tales Ab’Saber 

Publicado pouco antes do impeachment, Dilma Rousseff e o ódio político, do psicanalistaTales Ab’Saber, investiga o ódio à política que se desenvolveu entre os brasileiros a partir dos governos petistas. O livro “revela a emergência de uma oposição autoritária e delirante, marcada pelo ódio à presidente”, diz o cientista político João Alexandre Peschanski. Em doze ensaios, Ab’Saber analisa como e por que o humor do eleitorado brasileiro se transformou durante a última década, indo da intensa adoração à figura de Lula para o completo ódio à classe política – um ódio que encontrou em Dilma um bode expiatório, e que teve seu ápice no impeachment.
O psicanalista chega à conclusão de que o ódio político se sustenta em uma “distorção efetiva da capacidade de pensar”, que teria base, escreve Ab’Saber, na “necessidade de saturar a realidade com desejos que não suportam frustração, bem como no impacto corrosivo dos mecanismos psíquicos ligados ao ódio sobre o próprio pensamento”. Hoje, afirma Peschanski, o mesmo ódio analisado por Ab’Saber há dois anos ameaça a própria democracia ao deixar os brasileiros em uma espécie de transe que “remete às neuroses da Guerra Fria”. 
(Publicado originalmente no site da revista Cult)

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Michel Zaidan: Pragmatismo político e movimento social

domingo, 27 de agosto de 2017

O xadrez político das eleições estaduais de 2018, em Pernambuco: Coelhos e Pombinhas em campos opostos.



José Luiz Gomes da Silva
Cientista Político


Neste domingo, num hotel da zona sul do Recife, o PSB realizou o seu 14° Encontro. Nos últimos dias, a política pernambucana parece ter passado por alguns freios de arrumação. Não se pode dizer que o PSB não tenha tomada algumas decisões equivocadas ao longo de sua história. Ter apoiado o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff foi uma delas. Ao longo dos anos, houve, sim, um processo de decomposição ideológica que o afastou sensivelmente de sua matriz ideológica original, identificada com atores políticos como o ex-governador Miguel Arraes. Outro dia, através de um artigo aqui publicado, lamentei profundamente que ele já não estivesse entre nós. Um político com a sua estatura moral seria muito importante para o país - num momento político dos mais delicados - onde o patrimônio nacional vem sendo liquidado para atender as desígnios e interesses de uma agenda neoliberal nefasta, razão principal do golpe institucional de 2016.

O alento é que essa marcha da insensatez não foi acompanhada por todos os integrantes da legenda. Aqui e ali, o "sotaque" socialista foi mantido. Salvo melhor juízo, 16 membros do partido estão na mira de fogo de sua Comissão de Ética, em razão de terem votado contra o prosseguimento da investigação do presidente Michel Temer(PMDB). O Deputado Federal Danilo Cabral, do PSB pernambucano, lidera um movimento que objetiva recolher assinaturas de parlamentares no sentido de impedir a privatização da CHESF, o que equivale dizer privatizar o Rio São Francisco, conforme alertava Arraes à época do Governo Fernando Henrique Cardoso. Essas contingências políticas estão compelindo os atores da legenda a "afinarem" o discurso, fechar alguns portas e abrir outras.

Quando de sua visita ao Estado, na semana passada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, esteve conversando com a senhora Renata Campos(PSB), esposa do ex-governador Eduardo Campos. Tiveram um jantar indigesto do ponto de vista político, posto que pouco assimilado por lideranças políticas petistas locais, tampouco por atores políticos que compõem a aliança política palaciana, de olho nas eleições de 2018. O Deputado Federal Jarbas Vasconcelos(PMDB-PE) é, de longas datas, um dos mais ferrenhos opositores da legenda. Já disse que deixaria a aliança, em caso da retomada das negociações políticas entre o PSB e o PT. Quando esteve aqui no Recife, o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, também foi recebido em audiência pelo governador Paulo Câmara(PSB), que declarou que as portas ainda estão abertas. 

Como afirmamos em artigos anteriores, a recomposição dessa aliança não é uma tarefa política das mais simples, em razão de inúmeros fatores, que vão muito além de possíveis ressentimentos da ala peemedebista afinada com o Palácio do Campo das Princesas. Num passado recente, o PT pernambucano "eduardolizou-se" e, em vez de ganhar capilaridade política, perdeu-a. Entendia-se a aliança naquele momento político específico, mas seria necessária negociá-la em outros termos. Trata-se de uma decisão que precisa ser muito bem amadurecida. Se for para repetir os equívocos do passado, melhor seria seguir em raia própria, com Marília Arraes(PT-PE). Conforme observou o ex-prefeito João Paulo(PT-PE), o rabo não pode abanar o cachorro. Por outro lado, sabe-se que, se o "cachorrão" decidir, está decidido.

O Encontro do PSB já esboçou - ainda que timidamente - um "Fora, Temer", ratificando o afastamento definitivo da legenda da base aliada do presidente Michel Temer. Essa posição parece-nos mais pragmática - antes de pensarmos que movida por princípios - embora o pacote de privatizações do Governo tenha apressado-a. A despeito dos movimentos das aves tucanas locais, lideranças do PSB e do PSDB entabulam negociações de olhos nas eleições presidenciais de 2018. Convém frisar, no entanto, que as escaramuças orquestradas pelo presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves(PSDB-MG), também contribuíram para ampliar as divergências entre alas fortes do tucanato e o Palácio do Planalto. Isso ajuda nas negociações entre os socialistas e petistas na quadra local? Talvez.

Esse "freio de arrumação" também serviu para "acomodar" alguns atores políticos do Estado, como é o caso da família Coelho, que mantém "rusgas" antigas com o partido socialista. Eles não compareceram ao encontro, numa clara demonstração de que Coelhos e Pombinhas já não coabitam o mesmo espaço partidário. Ao contrário, é cada vez maior a "afinidade" entre os integrantes dessa família e o ministro da Educação, Mendonça Filho(DEM), que liberou verbas do MEC para a construção do Campus de Salgueiro, da UNIVASF, que havia sido prometido pelo senador Fernando Bezerra Coelho, em visita àquela cidade. Embora com o "abacaxi" das privatizações em mãos, o que se comenta por aqui é que o ministro das Minas e Energias, Fernando Filho, pode se tornar candidato ao Governo do Estado nas eleições de 2018.  

Charge! Duke via O Dia

sábado, 26 de agosto de 2017

O xadrez político das eleições estaduais de 2018, em Pernambuco: Jantar politico indigesto entre Lula e Renata Campos.

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Em viagem ao Estado da Bahia, Lula praticamente definiu qual seria a chapa encabeçada pelo PT para disputar as eleições presidenciais de 2018. O ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad(PT), encabeçaria a chapa, enquanto o ex-governador daquele Estado, Jacques Wagner(PT), seria o vice. Como se vê, uma chapa puro-sangue. Animal político arguto, Lula sabe qual o real propósito dos seus algozes, ou seja, o de inviabilizá-lo politicamente. A sentença proferida pelo juiz Sérgio Moro, certamente, será confirmada. Com uma taxa de rejeição que beira os 50%, Lula sabe que precisa cativar ainda mais o reduto tradicional do partido, o Nordeste brasileiro, responsável pelas últimas vitórias petistas, ao superar tradicionais redutos conservadores. Este equilíbrio de forças é fundamental para o partido continuar alimentando as expectativas de voltar ao poder algum dia. 

Essas viagens, no entanto, tem retomado os velhos dilemas da agremiação petista, como a política de alianças ou a famigerada conciliação de classes, que deixam sequelas até o dia de hoje. Como se sabe, o PT chegou ao poder somente depois de um grande acordão de classes, que envolvia amplos setores da elite política e econômica. A quem advogue que, de outra forma, não seria possível a chegada do partido ao poder. Por outro lado, há aqueles que apontam os equívocos dessa estratégia, que impediram a implementação de algumas reformas importantes, assim como oportunizou-se a esses grupos a retomada do poder no momento seguinte, através de um expediente político nada democrático ou republicano, sem que fosse possível um esboço de reação à altura. Como agravante, um grade retrocesso, que colocaram por terra as conquistas sociais e de direitos civis que se tornaram possíveis através daquela conciliação de classes.

Com um capital político ainda pouco comprometido aqui na região, as caravanas de Lula tem conseguido um feito inusitado, ou seja, atrair adversários políticos petistas aos seu palanque, numa manobra clara de oportunismo político. Os governadores Jackson Barreto, de Sergipe, assim como Renan Calheiros Filho, Alagoas, ambos do PMDB, são dois bons exemplos do que acabamos de afirmar. As saias-justas, naturalmente, são frequentes. Trata-se, naturalmente, de uma manobra de pragmatismo político, sem qualquer outro conteúdo. Em Alagoas, por exemplo, o projeto é o de reeleição de Renan Filho, assim como a recondução do pai ao Senado Federal. Essa plasticidade de Lula, por sua vez, cria algumas arestas entre membros da agremiação. Renan Sarney, por exemplo, participou ativamente do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Os petistas mais radicais têm ele atravessado na traqueia. 

Ao desembarcar, no dia de ontem, aqui no Recife. As polêmicas continuaram, em razão de Lula ter comparecido à mansão do ex-governador Eduardo Campos, no Bairro de Dois Irmãos, atendendo a um convite da senhora Renata Campos(PSB-PE), para um jantar. Amabilidades à parte, o que ficou no ar mesmo foi o "gesto" político carregado de simbolismos. Comenta-se, nas coxias, que as portas ainda continuam abertas para uma possível reaproximação entre petistas e socialistas, numa reedição da Frente Brasil Popular. Fechado esse suposto acordo, uma das vagas ao senado seria destinada ao PT na chapa governista. Em política nada é impossível, mas há vários obstáculos a serem transpostos e algumas rusgas superadas. As rusgas são mais simples. Os problemas maiores são os obstáculos políticos criados. Ao longo do anos, setores da agremiação petista, finalmente, chagaram à conclusão de que a política aliancista adotada pelo PT no Estado esteve marcada por alguns equívocos. A retomada desse diálogo precisa ser algo muito bem pensado pelo partido. 

Justamente aqui na província, a ala peemedebista aliada ao Campo das Princesas é inimiga figadal do PT. O PMDB local é comandado por Raul Henry, vice governador, tendo na figura do Deputado Federal Jarbas Vasconcelos a sua principal liderança. Há quem garanta que uma das vagas ao Senado Federal na chapa governista está reservada ao deputado. Creio que, nem mesmo para tentar retomar seu mandato de senador, há alguma possibilidade do deputado caminhar junto com os petistas. Ele já afirmou quem se o PT entrar, ele sai. Um outro complicador é que as lideranças locais do partido veem com bastante reticência a possibilidade de reedição de uma aliança com o PSB. Soma-se o fato de o partido ter apoiado o processo de afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff da Presidência da República. 

Quando esteve aqui no Recife, em semana anterior, o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, também manteve um encontro com o governador Paulo Câmara, no Palácio do Campo das Princesas. O teor dessas conversas, por razões óbvias, nunca vazam para a imprensa, exceto por alguma indiscrição de algum conviva. Certamente, os bons resultados obtidos pelo Estado no IDEB não se constituiu no fulcro desse diálogo. Lula também não teria ido à mansão de Dois Irmãos para relembrar daqueles velhos tempos das comidas regionais, da típica cachaça da terra, do suco bem nordestino de pitangas, da sobremesa de rapadura, tampouco dos causos de Ariano Suassuna, que já está num outro plano. Como disse antes, esse gesto é um gesto carregado de simbolismo. Uma reaproximação entre o PT e o PSB é um deles. Vamos aguardar um pouco, mas insisto que caminhar com Marília Arraes seria o caminho mais correto.


Editorial: O escárnio da privatização do Rio São Francisco.


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Em artigo publicado num blog local, o vice-prefeito do Recife, Luciano Siqueira(PCdoB), aborda a proposta governamental de privatização da CHESF, que, na prática, significaria, igualmente, a privatização de um bem público da maior importância, o Rio São Francisco. Neste artigo, Luciano retoma a uma proposta semelhante, da época do Governo Fernando Henrique Cardoso, o que provocou pronunciamentos contundentes do saudoso governador Miguel Arraes de Alencar, um dos raros homens público de conduta irrepreensível. Difícil calcular a falta que faz um político com a sua envergadura moral nesses momentos bicudos que o país atravessa, onde, para se viabilizarem politicamente consoante as regras ditadas por essa nefasta agenda neoliberal, os atores políticos - inconsequentemente - se submetem às manobras mais vis, subtraindo direitos dos trabalhadores e dilapidando o que ainda resta do patrimônio nacional. Além dessa agenda de privatizações anunciadas, no dia de ontem, o Governo Temer desabilitou uma área de reserva ambiental no Pará - para exploração mineral - equivalente em tamanho ao Estado do Espírito Santo. De uma canetada só, tomou uma medida capaz de provocar consequências ambientais de dimensões incalculáveis.  

Como isso tornou-se possível? Eis aqui uma pergunta que os brasileiros precisam responder o quanto antes. Em entrevista concedida a uma rádio local, o ex-prefeito de Petrolina, Júlio Lócio, indaga sobre a legitimidade deste governo para a adoção dessas medidas. De fato, legitimidade não há, mas é justamente este aspecto que permite a aplicação de uma agenda tão danosa aos interesses dos brasileiros. São medidas típicas de Governos de Exceção. Jamais poderiam ser negociada em praça pública, referendada através das urnas. Se, numa ponta, o ministro que propõe a privatização da CHESF ainda continua filiado ao PSB, na outra ponta o Deputado Federal Danilo Cabral(PSB) está propondo uma frente parlamentar contrária à medida. É preciso muita habilidade política para definir as formas corretas de enfrentamento, em razão das condições tão desfavoráveis em que se encontram as forças de oposição a este Governo, a população de um modo geral, assim como os movimentos sociais identificados com a soberania popular, ainda não recuperadas do duro golpe.

Alinhamento programático no país é uma grande utopia. Desde o início que se sabia qual era a agenda de prioridades desse Governo. A bandeira de combate à corrupção, como se sabe, era um pano de fundo da pior cueca, dessas vendidos pelos camelôs nas pontes do Recife. As atitudes de alguns socialistas do PSB - salvo raras e honrosas exceções - parecem indicar que eles estão diante de falsos dilemas. Apoiaram o afastamento da presidente Dilma Rousseff(PT), num processo de impeachment dos mais controversos, assim como emprestaram apoio ao Governo em diversos momentos de votação de pautas congressuais. Apenas mais recentemente é que sua direção resolveu endurecer o discurso contra os parlamentares governistas da legenda, aqueles que votaram pelo não prosseguimento da denúncia de corrupção passiva formulada pela PGR contra o presidente Michel Temer. O processo é tão dantesco que esses deputados dissidentes, liderados pelo senador pernambucano Fernando Bezerra Coelho(PSB), já estão de malas prontas para desembarcarem numa outra legenda, para se sentirem mais confortáveis com essa agenda. 

Profundo conhecedor desse mitiê fisiologista, o presidente Michel Temer (PMDB) manobra com uma desenvoltura incomum. Ele é doutor em direito constitucional, mas nas manhas peemedebistas ele já deve ter concluído alguns pós-doctor. O assédio aos dissidentes socialistas, por exemplo, criou uma rusga dentro da própria base governista, mais precisamente com os Democratas, que desejam os seus passes. Ao se sentir em apuros - em razão da dissidência de deputados tucanos paulistas que ameaçavam votar pelo prosseguimento da denúncia contra ele - procurou o governador Geraldo Alckmin para socorrê-lo. Refeito, no momento seguinte, aproxima-se perigosamente de sua cria política, o prefeito João Dória Jr.(PSDB), com o propósito de convidá-lo para integrar a legenda peemedebista e concorrer à Presidência da República nas eleições de 2018. Em momentos assim, quando sofria uma refrega implacável dos seus algozes, a ex-presidente Dilma Rousseff(PT) resignava-se às circunstâncias políticas das quais era vítima.

Como se sabe, o Rio São Francisco é um rio que agoniza. Perdeu mais da metade das espécies de peixes que habitavam as suas águas; a mata ciliar que o protegia foi brutalmente comprometida; a vazão e a qualidade de sua água foi sensivelmente alterada ao longo dos anos. Não é incomum o encalhe de embarcações que tentam navegar em suas águas. Antes mesmo do início das obras de transposição, já havia um conjunto de técnicos que se contrapunham à medida, alegando, justamente, sua inviabilidade. Hoje já se fala até mesmo que outros rios - como o Tocantins - possa suprir suas necessidades hídricas. Mas, como tudo que está ruim ainda pode piorar, agora vem a proposta governamental de privatização da CHESF que, em última análise, incorre na privatização das águas do velho Chico. Naqueles "tempos", o ex-governador Miguel Arraes já alertava para esse escárnio.  

A princípio, a proposta do Ministro das Minas e Energias, Fernando Filho(PSB), atende a alguns pressupostos claros. O primeiro deles diz respeito ao cumprimento de uma agenda neoliberal que prevê, entre outras coisas, a minimização do aparelho de Estado, com a privatização dos seus ativos. O novo pacote de privatizações é extenso, atingindo a Eletrobras, estradas, aeroportos e até a Casa da Moeda. Visam cobrir o rombo nas contas públicas, provocados, em algum sentido, pela corrupção endêmica do país. Essa história de que as tarifas poderão baixar com a privatização é uma grande balela. Na realidade, o ônus político a ser pago pela privatização de uma empresa como a CHESF será muito alto para a família Coelho, um clã que atua na vida política do Estado há décadas, notadamente na região do Sertão do São Francisco. 

Apenas uma grande mobilização popular de atores e instituições poderiam reverter essa situação. Por incrível que possa parecer, no momento, a única resistência enfrentada pelo Governo Temer diz respeito à sua base fisiologista, preocupadas com os "cargos" - indicados politicamente - que serão perdidos com o processo de privatizações dessas estatais. A Eletrobras, inclusive, era um feudo da oligarquia comandada pelo ex-presidente José Sarney, do PMDB do Maranhão. Ações como as do Deputado Federal Danilo Cabral no sentido de recolher assinaturas de parlamentares contra a medida, assim como a ação movida pelo Instituto Miguel Arraes, comandado pelo escritor Antonio Campos, que visam impedir a privatização da estatal, são muito bem-vindas. Vamos aguardar agora a mobilização dos movimentos sociais, dos parlamentares pernambucanos, assim como do atuante sindicado da categoria. Vamos arregaçar as mangas, Fernando Ferro. 

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Editorial: O racha no ninho tucano.


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O termo "partido político" está tão desgastado que nem os próprios partidos o suportam mais. Praticamente todos os grêmios partidários estão a procura de um mecanismo pelo qual possam se apresentar melhor ao eleitorado, numa espécie, digamos assim, com uma roupagem nova. Todos sabem que o conteúdo continuará sendo o mesmo, mas, com uma nova roupagem - aliada às verbas do fundo partidário e uma boa campanha publicitária - pode-se operar milagres.Por incrível que possa parecer, esta tendência ainda não se tornou perceptível no ninho tucano, quem sabe em razão dos problemas provocados pelas divisões internas do grupo. Ontem, em sua coluna, numa expressão feliz, o jornalista Josias de Souza observou que talvez devêssemos usar a expressão "ninho de víboras" ao invés de ninho tucano, dado o teor do veneno das escaramuças ali perpetradas. 

Ao analisarmos o andar da carruagem política, certamente não encontraremos algum exagero nas palavras do jornalista. Houve um tempo em que a briga no ninho tucano era uma briga de café com leite, envolvendo as pretensões presidenciais de dois nomes felpudos da legenda. Um outro dado é que essas disputas eram decididas pelos próprios tucanos, através das instâncias partidárias pertinentes. Hoje, há alguns estranhos no ninho como, por exemplo, o presidente Michel Temer, que resolveu alinhar-se - ou aninhar-se? - com setores daquela agremiação, tramando contra seus adversários que controlam a máquina partidária, num processo legitimado pelos companheiros, como é o caso do senador cearense, Tasso Jereissati. 

As constantes conversas entre o senador Aécio Neves(PSDB-MG) e o Presidente da República, Michel Temer(PMDB), como não poderia ser diferente, provocaram um grande tsunami no ninho tucano. Vieram à tona algumas notas "duras", emitidas pela regional paulista do partido, sugerindo ao senador mineiro que, primeiro, tratasse de provar sua inocência - numa referência aos grampos da JBS - antes de negociar pelo partido, uma prerrogativa indevida a quem foi afastado da direção e afastado do próprio cargo que ocupa, retomando-o após uma decisão do STF. O episódio tem provocado uma onda de apoio de aves emplumadas do ninho tucano ao senador cearense.Até opositores de outros grêmios partidários, como é o caso do deputado federal Jarbas Vasconcelos, emprestaram sua solidariedade a Tasso Jereissati. 

Uma outra frente de batalha são as eleições presidenciais de 2018. Criador e criatura disputam palmo a palmo a indicação do partido para concorrer àquelas eleições. Estamos tratando aqui, naturalmente, do governador Geraldo Alckmin e do prefeito João Dória Junior. O problema assume uma grande complexidade, uma vez que o andar da carruagem política indica não apenas uma disputa nas hostes partidárias, mas extrapola para outros interesses em jogo, como a "unção" do capital sobre o nome do empresário João Dória, que vem se configurando numa espécie de novo Maurício Macri - sob a perspectiva do stablishment,  um nome ideal para substituir Michel Temer - com a vantagem de vir a ser "legitimado" pelas urnas, assim como ocorreu naquele país, quando a direita chegou ao poder através de eleições "livres". 

Sabedor desses afagos, Dória já se movimenta como candidato, independentemente das rusgas internas que poderão ser geradas no interior da agremiação tucana. Não descarto a hipótese de que ambos, Dória e Alckmin, possam bater chapa nas próximas eleições presidenciais. Nem mal esquentou a cadeira de prefeito, o empresário já vem programando essas viagens pelo país, numa demonstração inequívoca de que a possibilidade de uma candidatura o agrada.  

Charge! Laerte via Folha de São Paulo

Laerte

O xadrez político das eleições estaduais de 2018, em Pernambuco: Os aliados pernambucanos do engomadinho




José Luiz Gomes da Silva

Cientista Político



Ainda repercute bastante um artigo publicado aqui pelo blog no último final de semana, tratando das próximas eleições estaduais de 2018. Creio que o interesse se justifica, sobretudo, em razão de abordarmos, naquele artigo, uma espécie de rearranjo na correlação de forças que devem disputar, pela oposição, o Palácio do Campo das Princesas, em 2018. Não há ainda uma confirmação oficial sobre o que escrevemos, mas, a rigor, os últimos movimentos dos atores políticos relevantes aqui no província sugerem que possamos estar certos sobre as nossas conclusões mais gerais, com algum equívoco pontual, perfeitamente assimilável. E olha que esses atores foram capazes de movimentos expressivos no tabuleiro do xadrez da política pernambucana. A conjuntura política nacional, por sua vez, em alguns casos, converge com esses movimentos provincianos.
 
Nem o governador Paulo Câmara(PSB), tampouco o prefeito do Recife, Geraldo Júlio(PSB) estiveram prestigiando a homenagem do Lide-PE ao prefeito de São Paulo, João Dória Júnior(PSDB), ocorrida recentemente, quando de sua visita ao Recife. Um gesto que pode ser lido como um alinhamento com o governador Geraldo Alckmin(PSDB), caso seja firmado algum acordo aliancista entre os tucanos e os socialistas, num contexto de uma eventual candidatura presidencial, com reflexos aqui noa província. Vão longe aqueles tempos em que as rusgas no ninho tucano se resumiam a um embate de café com leite. O partido está cada vez mais cindido, sobretudo depois das indisposições provocadas pelos encontros nadas fortuitos entre o presidente Michel Temer e o senador mineiro, Aécio Neves(PSDB), que não responde mais pela direção da legenda, mas se arvora de articulador e interlocutor do partido. A direção paulista da legenda emitiu uma dura nota, repudiando o comportamento do senador mineiro, insinuando que ele tratasse primeiro de provar sua inocência antes de falar pela agremiação.

 
Existe uma ala governista no partido e outra que aconselha o desembarque do Governo Temer. Seus parlamentares estão cindidos praticamente pela metade. O partido ainda ocupa 04 ministérios e isso também está provocando um grande desconforto entre os fieis escudeiros do presidente Michel Temer(PMDB). O baixo clero fisiológico que apoiou a rejeição do pedido de investigação que corria na Câmara dos Deputados contra o presidente, preiteiam um melhor tratamento que, neste caso, se confunde com verbas e cargos. É a única linguagem que esses parlamentares entendem. Há apenas duas leituras possíveis dessas articulações entre o presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves: uma retomada do controle da legenda pela ala favorável ao Governo, apeando o senador Tasso Jereissati de suas funções; ou a debandada do grupo para outro grêmio partidário - quiçá o PMDB - para que eles continuem onde sempre estiveram, alinhando-se a uma coalizão palaciana de apoio a um possível sucessor de Temer.

 
Não alheio o que se passa em Brasília, o Ministro das Cidades, Bruno Araújo(PSDB) já se movimenta como candidato, dizem, ao Senado Federal nas eleições estaduais de 2018. A configuração de forças que está agregada a essa possível chapa que concorrerá ao Governo do Estado nas eleições de 2018, pela oposição, reúne, a rigor, nomes bastante ligados ao Palácio do Planalto, como o Ministro da Educação, Mendonça Filho(DEM); Armando Monteiro(PTB), que votou a favor do Governo na Reforma Trabalhista; o senador Fernando Bezerra Coelho(ainda PSB), apoiador inconteste do Governo Temer, razão pela qual abriu uma dissidência no próprio partido; e o Deputado Federal Augusto Coutinho, do Solidariedade. Boa parte desse grupo esteve presente na homenagem ao prefeito João Dória Júnior(PSDB) e num simbólico encontro num restaurante recifense, possivelmente arrematando a composição da chapa, discutida em nosso último artigo de monitoramento das próximas eleições estaduais. 

 
Como afirmamos em editorial, o prefeito paulista parece ser mesmo o nome "ungido" pelo conjunto de forças que chegaram ao poder através do golpe institucional de 2016. Seu nome já está viabilizado como concorrente, sendo apenas um detalhe a escolha do grêmio partidário pelo qual ele deve disputar a Presidência da República. Convites já foram formulados pelo PMDB e pelo DEM, que poderá vir a ser chamado de "Mude", seja lá o que isso possa representar para um partido de DNA conservador, alinhavado às forças golpistas desde sempre. Um representante da família Lyra, de Caruaru, João Lyra Neto, esteve presente às homenagens ao prefeito paulista, o que nos levam a concluir que o grupo, apesar das últimas mudanças, continua afinado com a Conspiração Macambirense, que poderia ter agora um outro nome como cabeça de chapa, uma vez que um representante do clã dos Coelhos assume a liderança da chapa. 


Tudo nos levam a concluir que esse realinhamento das forças oposicionistas do Estado estão umbilicalmente alicerçado num possível projeto presidencial do prefeito de São Paulo, João Dória Júnior(PSDB). Como disse, praticamente o prefeito paulista corre em raia própria, independentemente das divisões internas do ninho tucano. Convém sempre ficar atento ao fato de que o presidente Michel Temer(PMDB) é do ramo e articula-se o tempo todo. Quando esteve com a cabeça a prêmio, pediu socorro ao governador Geraldo Alckmin, que apoia o respeito às prerrogativas de Tasso Jereissati como presidente do partido. Num lance seguinte, sempre de acordo com as conveniências de ocasião, procurou o senador Aécio Neves para tratar dos problemas relacionados à CEMIG, ou seja, dar uma rasteira em Tasso. Mesmo sabendo que o DEM entabulava negociações com os dissidentes socialistas, não se fez de rogado em oferecer aos dissidentes abrigos no PMDB. 

Michel Zaidan: Escola de partidos, sem partido ou de partido único?





 
Acabamos de realizar, na semana que passou, um grande seminário sobre o "Centenário da Revolução  Russa" (vide o balanço dessa extraordinária experiência histórica nos  portais Astrojildo Pereira e Maurício Grabois). Foi um evento que contou com a participação de inúmeros estudiosos e pesquisadores das idéias políticas oriundos de várias universidades da região (UFRN,UFAL,UFCG, UFRPE e UFPE). Discutiu-se de uma perspectiva crítica os desdobramentos e desvios daquela   grande   revolução, com as idéias inspiradoras do movimento. No entanto, o que mais chamou a atenção foi a atitude de um grupo de jovens libertários (anarco punk) que, de maneira muito enfática e agressiva, acusava a mesa de "doutrinação ideológica" pelo simples fato de discutir a ocorrência da revolução e as idéias que ajudaram a fazê-la. Na  mesa, havia defensores  dos anarquistas e críticos da repressão ao movimento anarquista na Rússia.

Apesar disso, foi  trocado o embate franco e honesto de concepções e idéias pela acusação de partidarismo. É bom lembrar que, conforme a lição de um pensador italiano, a escola é o lugar por excelência da  disputa sadia de projetos de hegemonia. Nunca a imposição de uma único projeto. Neste sentido, não existe uma escola neutra. O aparelho escolar, como outros aliás, são atravessados de ponta a ponta pelo conflito de concepções e idéias. E o triunfo de uma delas é sempre provisório, não definitivo. A cada projeto de hegemonia política ou cultural, corresponde um contra-projeto. E assim a luta recomeça. A acusação dos jovens anarquistas serve como uma luva aos defensores da chamada "escola sem partido", pois ignora ou subestima o processo de disputas ideológicas e culturais que existe no interior das instituições públicas ou privadas. Mais ainda, no campo ciências humanas, também chamadas de "hermenêuticas" ou " interpretativas", porque lidam com valores, com a tradição e o horizonte cultural da   humanidade. Querer uma escola asséptica, arredia à disputa sadia das idéias, aí sim é uma ideologia totalitária, disfarçada de "escola sem partido".  Talvez devêssemos dizer "escola de partido único", que vai empurrar "goela abaixo"  dos estudantes a sua ideologia "sem ideologia".

É preciso  muito calma, nesses tempos sombrios e obscurantistas, com esse debate. Num momento em que se discute a intolerância e a falta de respeito pelo diferente, a imposição, sem debate ou discussão, de qualquer projeto ou ideia é um grande risco para a liberdade de pensamento e de expressão. Todas as idéias são convidadas a se apresentar ao debate, de preferência com bons e sólidos argumentos. Que  a comunidade dialógica dos cidadãos e cidadãs as ouça e tire suas conclusões. A isso se chama o processo racional de formação da vontade política da sociedade. A esse processo está associado a noção de "espaço público", lugar de preferência onde se formam os consensos em torno de agendas públicas. Naturalmente, essa noção não se confunde com o trabalho dos meios de comunicação de massa, numa economia de mercado desregulada como a nossa. Estas agências ideológicas - também chamadas de  "indústria cultural" - estão a serviço do mercado e de interesses não necessariamente republicanos,  embora disfarce a sua pregação com a aparência de produtoras de material informativo e neutro.

A neutralidade dessas agências é parecida com a da "escola sem partido": ou seja é uma pseudo-neutralidade; é uma neutralidade a serviço de um imperativo de poder bem definido, mas que aparece como uma opção, entre várias. É mais necessário do que nunca questionar essa aparente neutralidade. E defender com unhas e dentes  as liberdades civis no País, entre elas a livre manifestação do pensamento, sob pena de sucumbirmos diante de uma noite longa, onde aparentemente todos os gatos serão pardos e miam do mesmo jeito.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Editorial: O muro da vergonha.




A edição de hoje, 21, do jornal Folha de São Paulo, traz uma matéria que, certamente, irá suscitar muitos debates dentro e fora dos círculos acadêmicos. Trata-se um grandioso muro, de 10 metros de altura, que está sendo erguido na capital do Peru, Lima, cujo objetivo é separar os contingentes de pobres favelados e ricos que ocupam a mesmo altiplano. Em última análise, visa proteger os ricaços de possíveis investidas da população mais empobrecida que divide aquele mesmo território. Consoante o raciocínio desses últimos, naturalmente.  Se considerarmos a atual conjuntura político-econômica pela qual passamos, a tendência é que "experimentos" do gênero talvez se espalhem por outras praças, uma vez que cada vez mais parcelas significativas da sociedade estão sendo literalmente abandonadas, como consequência da radicalização da adoção de uma agenda neoliberal que não denota o menor comprometimento com a construção da cidadania. 

Existem alguns outros "Muros da Vergonha" construídos pelo mundo, mas este nos parece mais "vergonhoso", uma vez que tem origem no apartheid social, fomentador de uma grande onda de preconceito e intolerância contra índios, pobres, negros, mestiços, favelados e outras minorias sociais. A motivação de erguer os outros muros da vergonha estão mais associadas às questões de natureza política, como o construído pelo Estado de Israel, assim como aquele que pretende ser construído pelo presidente americano, Donald Trump, sob o pretexto de controlar  o fluxo de migração irregular pela fronteira do país vizinho, o México. A novidade deste muro construído no Peru é que, no final e ao cabo, ele ratifica ou institucionaliza a vergonhosa acumulação desproporcional dos recursos produzidos socialmente, o que gera essas distorções entre pobres e ricos. 

O mais grave é que este muro está sendo construído com o beneplácito do aparelho de Estado, hoje completamente aprisionado pelos interesses mais vis do capital, através das grandes corporações financeiras, não raro sob regimes políticos de exceção. Como se sabe, o Estado está em processo de desoneração de suas funções mais elementares, suprimindo direitos, abandonando completamente a perspectiva de cuidar dos contingentes sociais mais desfavorecidos, proporcionando um mínimo de justiça social que seja. O Estado de bem-estar social, que conheceu seu apogeu no continente em décadas passadas,hoje, enfrenta um grave assédio da elite econômica, que conseguiu subjugar a política e o judiciário consoante os seus interesses mais mesquinhos. 

Talvez anda haja algum fôlego aos organismos de direitos humanos internacionais para interferirem nessa questão, tomando medidas contra o Governo peruano, no sentido coibir a construção desse Muro da Vergonha. O direito à cidade - o que equivale dizer o direito à cidadania - a princípio deveria ser um direito de todos, pobres ou ricos. É importante ressaltar que essas práticas de corte higienista na ocupação do traçado urbano remontam a um passado remoto e nebuloso - salvo melhor juízo no bojo dos enfrentamentos aos movimentos insurgentes franceses, que tanto inspiram Karl Marx - sempre concebidas como estratégia de limpeza do espaço urbano, facultando, inclusive, a mobilidade do aparato repressor do Estado,em sua repressão contra aqueles que resolveram ocupar, legitimamente, esses espaços, lutando por seus direitos. As chamadas "barricadas" de Paris constituem-se num bom exemplo do que estamos afirmando. 

Movido por este mesmo ódio, os chamados filhinhos de papai saem por aí agredindo empregadas domésticas, ateando fogo em índios, assassinando crianças em situação de rua, matando homossexuais ou "nordestinos", em práticas identificadas com o fascismo. Em seminário recente na Fundação Joaquim Nabuco, um palestrante observou que, somente neste período do ano, 244 LGBTTs já foram assassinados, numa média de um por dia. Estupros coletivos já atingem a média de 10 por dia. Na atual conjuntura, cabe a pergunta: A quem caberá o exercício do poder moderador nesse retorno à barbárie?  

domingo, 20 de agosto de 2017

Paranoia sexual

                                 
Edição do mês

Paranoia sexual
Arte Andreia Freire


Há alguns meses foi publicado nos Estados Unidos um livro tão interessante quanto preocupante: Unwanted advances: sexual paranoia comes to Campus, da professora feminista Laura Kipnis. O livro é uma mistura de ensaio e relato de tribunal; no caso, o tribunal em curso nas universidades americanas, fruto de uma mudança recente numa legislação específica para os campi. Um tribunal que só produz julgamentos de exceção, mantidos na obscuridade porque se revelam insustentáveis sob o escrutínio público. Laura Kipnis compara o que está acontecendo nessas universidades a momentos inglórios da história americana, períodos de delírio coletivo em que perseguições e punições são instauradas por meras delações, os indivíduos perdem direitos fundamentais, as instituições fraquejam e reina uma violência arbitrária e oficialmente sancionada.
O livro nasceu de um caso concreto, que envolveu a própria autora. No começo de 2015, ela publicou, num veículo de sua universidade, Northwestern (onde dá aulas de cinema), um artigo sobre o que ela identificava como uma onda de paranoia sexual nas universidades americanas. A autora criticava uma recente mudança na legislação, que, combinada a certa perspectiva feminista, vinha “infantilizando os estudantes”, subindo o “clima de acusação” e “aumentando largamente o poder dos administradores da universidade sobre nossas vidas”. Explico. Já há várias décadas existe nos Estados Unidos uma legislação chamada Title IX, sob responsabilidade do Departamento de Educação, e originalmente criada para regular questões de igualdade de gênero nas universidades americanas. Em 2011, entretanto, promoveu-se uma mudança na lei, que passou a abranger também problemas de relações sexuais nos campi: desde estupros, passando por qualquer forma de avanços sexuais indesejados, até, como veremos, o mero uso de linguagem sexual.
Concomitante a essa mudança, estabeleceu-se nas universidades uma perspectiva feminista que enfatiza a passividade da mulher, sua fragilidade, sua posição desfavorecida nas relações de poder, e, assim, as consequentes incapacidades de tomar decisões, exposição a manipulações psicológicas e até inabilidade de consentir relações sexuais. Era essa a articulação criticada por Laura Kipnis. A legislação imprecisa e overreaching somada à perspectiva passiva da mulher teria criado um clima de paranoia sexual nas universidades.
Semanas após a publicação do texto, ela recebeu um comunicado da universidade dizendo que duas alunas haviam instaurado um processo contra ela, dentro da legislação Title IX. Vejam bem: um processo contra um artigo. As práticas de no platform (tentar impedir determinadas falas em âmbito universitário) não são novidade. Mas elas se voltam contra falas escancaradamente preconceituosas (os Bolsonaros da vida), contra posições cerceadoras de direitos, contra visões antimodernas, tradicionalistas, desigualitárias. Nesse caso, alunas feministas tentavam censurar ideias de uma professora feminista. Além do processo, houve um protesto no campus contra o artigo. As estudantes marcharam até a reitoria e exigiram uma “condenação pronta e oficial” do texto.
Foi a partir desse episódio que Kipnis tomou contato com o mundo secreto do Title IX. A notificação do processo vinha acompanhada de um ameaçador aviso de confidencialidade, sob pena de expulsão da universidade. À medida que o processo foi se desdobrando, a autora percebeu que estava distante dos termos de um due process; antes estava diante de um julgamento de exceção, em que o acusado não sabe que acusações pesam contra ele até o momento de ser interrogado; não tem direito a ser acompanhado por um advogado; não pode gravar as sessões; em algumas universidades não pode apresentar material (como mensagens de texto etc.) em seu favor; não pode confrontar testemunhas; e não pode falar publicamente sobre o caso. A confidencialidade é, portanto, parte de uma estratégia de intimidação por parte dos acusadores, e de blindagem por parte dos burocratas que o conduzem. Assim, com medo, nenhum professor antes havia tornado público um processo como esse. Pois o livro de Kipnis abre essa caixa de Pandora.
O sentido geral do livro é o de uma denúncia grave. A distorção radical de problemas e princípios instaurou uma dimensão de exceção na vida universitária americana, em que professores e alunos são severamente punidos em julgamentos farsescos, de cartas marcadas. O campus se tornou “uma secreta cornucópia de acusações”. E essas acusações são tratadas como verdades acima de qualquer suspeita, não importando o quanto as evidências concretas atestem sua inconsistência.
Nesse clima, pululam casos como os seguintes. Um estudante de graduação que entrou com uma ação contra uma professora por ela ter dançado “muito provocativamente” numa festa off-campus. Uma professora que levou um processo acusada de ter feito “contato visual suspeito” com duas estudantes de graduação, enquanto sussurrava em seus ouvidos (acontece que isso se deu numa biblioteca). O caso em que um aluno e uma aluna tiveram sexo consensual, mas uma terceira pessoa avistou uma mancha roxa (o popular “chupão”) no pescoço dela e entrou com um processo de abuso sexual, mesmo contra o interesse da aluna (o rapaz, negro, foi suspenso por vários anos e teve sua carreira como atleta encerrada). Etc., etc.
Mas, como sempre, são os casos-padrão que assustam mais (os caricatos são, afinal, supostamente a exceção). E é um deles o centro do livro de Kipnis.
Um professor de filosofia de Northwestern foi acusado por uma aluna de a ter forçado a se embriagar, de a ter agarrado e, em consequência disso, de ser responsável por ela ter se atirado num lago, tentando o suicídio. Seria impossível aqui retomar o exame detalhado que Kipnis faz do caso, revelando sua inconsistência. Alguns dados: a estudante em nenhum momento foi propriamente forçada a beber; apenas alega ter “se sentido” obrigada. Ela acusa o professor de tê-la agarrado no elevador do prédio dele. Ele nega. Mas, como o processo é extremamente desigual, ele não pôde requisitar a prova material das imagens da câmara de segurança, para provar o contrário (nada de due process: é tudo feito para não dar qualquer chance ao acusado). Já no julgamento civil, fora do campus, no qual o acusador também é interrogado, a suposta cena da tentativa de suicídio revelou-se bastante inconsistente: a aluna não lembrava que roupa usava, se o lago estava congelado, e a suposta testemunha que a ajudou a sair do lago nunca apareceu. Entre diversas outras inconsistências.
Enquanto se desenrolava esse caso, outra aluna processou o mesmo professor. Dessa vez, a acusação foi de estupro. Eis o contexto. Professor e aluna (ela era aluna da mesma universidade, mas não dos cursos dele) mantiveram uma relação amorosa durante três meses. A aluna negaria isso, diria que a relação era estritamente de amizade e orientação intelectual. Entretanto há dezenas de mensagens de texto provando o contrário: “Eu te amo”, “Te amo tanto”, “Nós fomos feitos um para o outro”. Certa noite, eles haviam bebido e tiveram uma discussão (porque a aluna tinha um namorado fora da cidade e estava em dúvidas sobre com quem ficar). Ela acusa o professor de a ter estuprado nessa noite, porque acordou na cama dele, sem roupa. Ela não lembra se houve sexo, mas acha que houve, e acha que não consentiu.
Pois bem, o professor foi dormir em um hotel nessa noite por causa da briga. Ele apresentou o recibo do pernoite no hotel. Apresentou também as mensagens dela no dia seguinte, mensagens amorosas, que nada revelam de anormal. E o que faz a juíza do caso? Conclui que houve estupro. Antes de o processo chegar ao fim, o professor pediu demissão, foi morar no México e teve sua carreira universitária encerrada.
Para Kipnis, o que está acontecendo é da ordem de uma profecia autocumprida. Existe um ideário de fundo: “sexo é perigoso, pode traumatizar para sempre”, que acaba produzindo episódios de “abuso sexual”, que de outro modo jamais seriam assim considerados. Coisas absurdas mesmo, desde piadas sexuais, passando pelo mero uso de termos sexuais, até retiradas retrospectivas de consenso. Sim, pois sob essa perspectiva de um feminismo passivo, no contexto de uma sociedade patriarcal, as condições de produção de consenso são ilegítimas, logo o consentimento ao sexo pode ser sempre retirado après coup – e assim todo homem que fez sexo consentido com uma mulher pode de repente descobrir que a estuprou. E ser criminalizado por isso.
Opondo-se a esse estado de coisas, Kipnis propõe uma perspectiva feminista que não perca a agenda da mulher dona de seu desejo, empoderada – em vez de, como um personagem nietzschiano, exercer um poder triste por meio do papel do desempoderamento.

(Publicado originalmente no site oficial da revista Cult)