pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
Powered By Blogger

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

José Luiz Gomes: A razão das hostilidades aos médicos cubanos no Brasil




                                   O Brasil, na realidade, tem muitos intérpretes. Alguns deles, como Gilberto Freyre, Caio Prado e Sérgio Buarque de Holanda, cada um a partir de um paradigma de análise social específico, se tornariam famosos ao se debruçarem sobre a empresa de entender o país. Mas, a constelação de grandes intérpretes da realidade social brasileira é bem mais ampla, permitindo o ingresso, certamente, de um Roberto DaMatta, de um Celso Furtado, de um Darcy Ribeiro, de um Josué de Castro, observando que não há um rigor absoluto nessa listagem, fazendo justiça às possíveis ausências.  Antes de falecer, o professor Manuel Correia de Andrade organizava um seminário na UFPE com o objetivo de debater exatamente a obra desses grandes intérpretes da nacionalidade. Uma iniciativa bastante interessante, mas que se foi com o autor de A Terra e o Homem no Nordeste.
                                   Entre outras razões, a partir das suas escolhas metodológicas, torna-se perfeitamente possível observar de onde esses autores lançaram seus olhares sobre a nossa realidade, se a partir dos sobrados e casas grandes ou a partir das senzalas, mocambos e palafitas. Josué de Castro, por exemplo, arregaçou a camisa e foi conhecer a realidade dos alagados do Recife, dos bairros de Afogados, Pina, do Coque, da Ilha de Deus, experiência que o tornaram um dos maiores conhecedores do problema da fome no mundo.
                                   Outro dia, um leitor, fazendo uma observação sobre um artigo nosso, publicado num site nacional, mencionou que eu estava se referindo ao cansativo tema dos 512 anos de atraso do país. Em certa medida ele tem razão, se considerarmos que, desses 512 anos, aproximadamente 385 anos foram de um regime escravocrata e o restante está relacionado às suas consequências nefastas para a sociedade brasileira, traduzida no racismo, na intolerância, na histórica injustiça social. O Brasil é um país que insiste em manter os seus muros, quando deveria construir pontes que nos aproximassem, enquanto uma nação, e não como um arremedo de convivência entre a sua elite e o seu povo, com escaramuças cotidianas indisfarçáveis.
                                   O resultado é que somos um país sem identidade, sem um projeto de nação, do eterno de vir. Um país do futuro, mas que, na realidade, já encruou. Possuímos um sistema político secularmente hegemonizado por oligarquias ou grupelhos que apenas defendem seus interesses no interior do Estado. Uma democracia representativa capenga, eivadas de vícios solenemente conhecidos de todos os brasileiros. Um país extremamente polarizado, hierarquizado, desigual e, em virtude de tudo isso, necessariamente com um viés susceptível ao autoritarismo. Praticamente não há diálogo entre o andar de cima e o andar de baixo.
                                   Sempre que o andar de baixo vai às ruas, seus atos são tipicamente tratados como de “vandalismo” ou de “baderna”, sem sequer entrar no mérito de suas reivindicações. A elite utiliza com maestria seus “aparelhos” para reprimir a violência disfuncional, ou seja, aquela que atenta contra seus interesses cristalizados. Na chamada grande mídia, nenhuma indignação contra os pretos, putas e pobres eliminados diariamente numa espécie de “cordão sanitário” para proteger a “dinâmica” da nossa organização social. A chamada violência funcional, fundamental para preservar os interesses e privilégios da burguesia.
                                   Isso cria problemas para ambas as partes: temos uma elite insensível, preconceituosa, que só admite o Estado atuando de acordos com os seus interesses. Uma intelectualidade forjada nos estratos de classe média, média alta, cooptável, perfeitamente integrada à burocracia e aos negócios de Estado. Alguns deles até levantando - apenas como discurso - bandeiras de esquerda, mas muito bem acomodados em gabinetes de alguma repartição pública, com ar-condicionado e cafezinhos, articulando suas redes. Afinal, como já observou um digníssimo sociólogo, nossa intelectualidade sente um fetiche irresistível pelo Estado.
                                   Remeto a essas observações para analisar o mérito das recentes vaias e xingamentos dirigidos aos médicos cubanos, na cidade de Fortaleza, orquestradas por uma galera de médicas patricinhas (ou seriam coxinhas) formadas em nossas universidades públicas, mas que prestaram juramento ao capital. Atos de racismo explícito, que poderiam, inclusive, ser passível de enquadramento e punição rigorosa. Os currículos dessa rapaziada deselegante todos já conhecem. Estudaram em bons colégios e reuniram condições de passar na peneira de concorridíssimos vestibulares para ingressarem em universidades públicas, financiada com dinheiro público, entre os quais os impostos daqueles que não reuniriam as condições de cursá-las. O perfil social? Notadamente a classe média alta tradicional.
                                   Esse “ranço” era mais do que previsível no contexto de um país com as nossas características e, se desejam acrescentar, o célere processo de privatização da medicina brasileira, onde os hospitais públicos estão sendo geridos por organizações da iniciativa privada, e estão se formando verdadeiros cartéis de planos de saúde, cujos atendimentos – para aqueles que podem custeá-los – vai tudo bem até suas necessidades não ultrapassarem os rotineiros exames de fezes periódicos. Por essas épocas, os laboroatórios especializados ficam aborrotados de vendedoras de "perfumes". Nunca vi tantas sacolas de produtos da Natura ou da Avon.Na Ilha do Leite, um dos maiores pólos médicos do país, a grande maioria dos leitos de UTI’s, podem pesquisar, estão sendo ocupados em função de liminares concedidas pela Justiça. Nas favelas que circundam o bairro, certa vez, um cidadão precisou transportar sua esposa, que sofrera um enfarto, através de um carrinho de mão, até o Hospital da Restauração. A senhora faleceu. Eis aqui um ato de "vandalismo".
                                   Essa urticária da elite não se restringe apenas aos médicos cubanos que estão chegando para atuarem no Brasil. O ódio também é destilado aos programas como Bolsa Família, o programa de cotas de ingresso nas universidades, a PEC das empregadas domésticas, assim como todas as políticas públicas que se propõem a atender as demandas do andar de baixo. O Bolsa Família transformou-se no maior e melhor programa de transferência de renda do mundo. Estudos irrefutáveis, realizados por pesquisadores idôneos, contribuem para debelar todos os esteriótipos dirigidos ao programa. Nos últimos anos, por exemplo, 1,6 milhões de pessoas saírem espontaneamente do programa. Agora, por ocasião da grande estiagem no Nordeste, como lembrou o jornalista Bob Fernandes, sobretudo em razão do programa, não foram verificados problemas de saques na região.
                                   As cotas e o Prouni foram responsáveis pelo maior ingresso de jovens de estratos sociais desfavorecidos, entre 18 e 22 anos, no ensino superior nos últimos anos, desmistificando tudo que se afirmava a respeito. O Brasil possui 700 municípios onde não existe sequer um único médico. Prioritariamente, é para lá que irão os médicos cubanos, formados numa educação socialista, ou seja, onde se aprende para contribuir socialmente com a melhoria da qualidade de vida da população. A lógica do capital é bem diferente. Essas localidades ficam, por razões históricas já elencadas no início do texto, em regiões como a Norte e o Nordeste e no Vale do Jequitinhonha, um bolsão de miséria nos grotões do país, que essas patricinhas talvez nem sequer tenham ouvido falar.
                                   Aliás, senhor Aloízio Mercadante, precisamos mudar urgentemente o desenho curricular dos nossos cursos de medicina. Em entrevista concedida a um determinado blog, a principal liderança envolvida nas hostilidades contra os médicos cubanos, em Fortaleza, afirmou um monte de bobagens que, na realidade, não depõe apenas contra o seu preconceito latente, mas, igualmente, evidencia sua precária formação acadêmica, além da absuluta ausência de educação doméstica, como diria nossas avós.

José Luiz Gomes Silva

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Michel Zaidan Filho: Todos nós somos mascarados



POSTADO ÀS 14:31 EM 28 DE Agosto DE 2013
Por Michel Zaidan Filho, sociólogo

Não há um conceito tão importante para a Ciência Social como o de "persona", "persona social". A palavra de de origem latina está ligada à pessoa e quer dizer "máscara", as diversas máscaras que a vida em sociedade nos impõe. Nós desempenhamos papéis, vários papeis na nossa vivência societária: ora pai, ora filho, ora professor, advogado, médico, juiz, policial, político etc. São máscaras e papéis, através dos quais viabilizamos a nossa existência em comunidade. Mas há "máscaras" e "máscaras". Um tipo decorre de uma necessidade social, imperativa, indispensável. O outro tipo é contingente, episódica, acidental.

É o que ocorre com a "máscara" dos democratas de ocasião, quando em campanha eleitoral promete tudo (inclusive o que não pode fazer). Depois de eleito, tira a máscara e se revela um perfeito "mussolini de fancaria", um ditadorizinho de quarterão. Destes mascarados a sociedade precisa tomar muito cuidado, porque são lobos em pele de cordeiro, serpentes venenosas sem as virtudes do leão,como queria Maquiavel.

São só víboras peçonhentas e mais nada. Há também os mascarados títeres, marionetes, sem vida própria, animados por  um mestre mamulengueiro do mal, que faz de suas criaturas de animação, um exercício de ventriloquia perigoso, porque com recursos públicos, tendo em vista interesses meramente eleitoreiros, ocupando cargos públicos de mais alta responsabilidade. Esses são os mascarados perigosos, que os cidadãos e as cidadãs precisam urgentemente "desmascarar".

Os mascarados que vão às ruas são de outra natureza. Simbolizam - para o títere ou o ditadorzinho de plantão - a criminalização recorrente do protesto social  no Brasil. Representam o que é proibido, censurado, interditado ou ilegal, em face dos interesses dominantes, das conveniências políticas reinantes ou dos objetivos e estratégias eleitorais.

A máscara é sim uma ameaça! Mas a quem? - A que interesses? - A que estratégias de poder? ´- Certamente para alguns, que se arvoram em falar em nome da "democracia", da "proriedade", da "família", dos "bons costumes", da "paz social"; quando na verdade falam em nome de seus próprios interesses ou os interesses de seu grupo social. A  máscara faz temer um movimento social cujas razões transcendem de longe a propaganda enganosa e milionária dos meios de comunicação de massa, que contagiam a juventude, o lado sadio, bom, generoso, da chamada "sociedade civil" brasileira. De que é que têm medo os mascarados do interesse? - Por que mobilizam a força policial, à revelia da Constituição?

É disso que todos nós precisamos saber neste momento. Entre a repressão da Polícia e os mascarados da sociedade civil, há muito  mais do que sonham ou dizem as nossas autoridades públicas. Vamos abrir a "caixa de pandora" dessa administração e fazer a contabilidade dos mal-feitos, das operações não-publicizadas, dos favores e das concessões públicas. Aí sim, tiramos definitivamente as nossas máscaras!

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Michel Zaidan Filho: Estado de Exceção?

Por Michel Zaidan Filho, sociólogo

Injustificáveis e inconstitucionais as últimas medidas tomadas pelo excelentíssimo senhor governador do estado e o digníssimo secretário da Secretaria de Defesa Social, A. Damásio, o homem forte a quem confiou o governador o comando da segurança pública de Pernambuco, por não confiar nem na Polícia Civil nem na Polícia Militar.

O primeiro mandatário do estado sabe as razões porque convidou um policial estranho a essas corporações para dirigí-las. Esqueceu, porém, de combinar com a Constituição Brasileira, com as garantias e direitos individuais dos cidadãos e cidadãs brasileiras e, sobretudo, esqueceu a distinção entre Estado de Direito Democrático e Estado de Exceção. Medidas como sequestro de estudantes, abordagens e prisões arbitrárias, constrangimentos a simples manifestantes em prol de causas populares ou mesmo em atitude de crítica a atual administração estadual e municipal - que estão longe de serem virtuosas - configuram uma agressão à segurança jurídica e aos direitos individuais de liberdade de expressão e oranização da população pernambucana.

A polícia (civil e militar), seu chefe supremo e o secretário da SDS não tem a chave hermeneutica para interpretar o código penal brasileiro e a própria Constituição republicana e decidir por si só (como juiz monocrático) o que é ou não é legal ou constitucional. Por mais que se amplie  o círculo dos interpretes da Constituição, como quer um jurista almeão, certamente as autoridades policiais e um governandor desavisado não podem querer o monopólio dessa interpretação e sair  constrangendo, proibindo, assediando cidadãos e cidadãs no seu legítimo direito de se manifestar contra a administração pública do nosso estado.

Se estivéssemos numa Ditadura Civil ou Militar, num Estado de Sítio ou na iminência de uma ruptura institucional (golpe de estado), seria compreensível, porém não inteiramente aceitável, a suspensão ou supressão das garantias constitucionais do dieito de ir e vir, ou da livre manifestação do pensamento e da crítica a quem quer que seja, quanto mais a um poder profano e falível, sujeito a todas as críticas possíveis, que é poder dos governantes. As autoridades públicas não estão acima da lei e da constituição federal. E não estão acima de qualquer suspeita. Estão sujeitos à lei e ao ordenamento jurídico da nação. E são imputáveis como qualquer simples mortal.

Ao que eu saiba, não estamos vivendo num Estado de exceção ou de sítio declarado. Nem a Constituição está suspensa por esses dias. Então como se entende as medidas (de força) tomandas pelo governador e seu secretário? Estão temendo alguma coisa? O que  temem? O que parece estar fora de controle? Há alguma ameaça prestes a desabar sobre nossas cabeças nesse paraíso dos negócios em que se transformou esta administração?

É preciso que os cidadãos e cidadãs de bem (não de bens) reajam, enquanto é tempo diante dessa investida cripto ou filofascista das nossas autoridades. Por que as ditaduras começam assim. Com pequenas e médias ameaças aos direitos constitucionais de cada um. depois se transformam numa monstruosidade difícil de conter e de derrotar. Afinal, o que  anda se preparando nesse ambiente  de insegurança jurídica do estado de Pernambuco?
(Publicado originalmente no Blog de Jamildo)

sábado, 24 de agosto de 2013

Manifestantes depredam e incendeiam ônibus no Centro do Recife

José Luiz Gomes: Polícia de Pernambuco proíbe máscaras em protestos

publicado em 24 de agosto de 2013 às 10:53
vídeo do Recife Resiste e do Facebook
POR QUE OS ÚLTIMOS PROTESTOS DO RECIFE INCOMODARAM TANTO? QUEM TEM MEDO DO BLACK BLOC?
por José Luiz Gomes
Não costumo acompanhar os noticiários de uma determinada rede de TV, mas tive a curiosidade de observar sua cobertura local sobre os últimos protestos ocorridos no Recife.
Sem nenhuma surpresa, a edição dos noticiários correspondeu exatamente ao que se esperava, ou seja, uma ação deliberada no sentido de desacreditar os manifestantes, adjetivando-os de vândalos, baderneiros, depredadores do patrimônio público e privado ou coisas afins.
Um direcionamento explícito no sentido de criminalização do movimento.
Em nenhum momento seus repórteres invocaram sobre o que estava em jogo, ou seja, reivindicações legítimas de uma população cujos direitos estão sendo aviltados pelo Estado, ou a leniência do poder Legislativo em encaminhar corretamente suas demandas.
Para completar o circuito, uma longa entrevista com os responsáveis pela Segurança Pública do Estado, “tranquilizando” o establishment sobre as providências que deverão ser adotadas no sentido de coibir a ação desses “baderneiros”.
Poderíamos invocar aqui uma série de teorias a respeito do papel da grande mídia nesses episódios que sacudiram o país desde Junho.
Convocaríamos Gramsci, Louis Althusser e Noam Chomsky para sentarem à mesa, mas os leitores, certamente bem informados, já estão familiarizados com essas teorias.
Posso assegurar que o cardápio seria mais modesto do que o adquirido pelo Palácio da Abolição (Ceará), que incluía até bolinhas de salmão com caviar, uma orgia gastronômica que custará R$ 3,5 milhões aos cofres públicos.
Uma tradicional buchada, servida no Bar de Dona Maria, no Mercado de Santa Cruz, possivelmente, deixaria esses teóricos lambendo os beiços.
Duas coisas em particular nos preocupam. Uma delas diz respeito à postura das autoridades da área de Segurança Pública do Estado.
Estão batendo cabeça no que concerne a essa questão e isso é muito grave. Sinceramente, desejo todo o equilíbrio ao governador Eduardo Campos, neste momento, para manter a situação sob os rígidos padrões do Estado de direito.
Muito calma nessa hora para a carruagem não sair dos trilhos, reproduzindo o que vem ocorrendo no Rio de Janeiro, onde o prestígio do governador Sergio Cabral ficou mais baixo do que poleiro de pato, depois de chacinas e “desaparecimentos”, dignos dos momentos de rupturas institucionais.
Em certo momento, a polícia se diz surpresa com a ação dos manifestantes, mas ora diz saber quem seria o responsável, identificando cabalmente a liderança dos mascarados.
As ações excessivas, aquelas relacionadas a depredações do patrimônio público, como o incêndio de uma moto da CTTU [Companhia de Trânsito e Transporte Urbano], foram praticadas por pessoas que não estavam utilizando máscaras, como mostram as imagens amplamente divulgadas.
A solução proposta pela SDS [Secretaria de Defesa Social], portanto, foi a de proibir o uso de máscaras durante os protestos, algo que nos parece, constitucionalmente, não encontrar nenhum respaldo.
Há registro de casos, durante os protestos que ocorrem a partir de junho, onde a polícia infiltrou-se entre os manifestantes ou agiu sem identificação, o que, aí sim, contraria os preceitos legais.
Por falar em ordenamento democrático, no que diz respeito aos episódios recentes, surgem nas redes sociais uma série de informações que, se confirmadas, dão uma demonstração de que o governador precisa ficar mais atento às ações do aparato de segurança pública do Estado, sob pena de ser acusado de ser omisso, arbitrário, truculento ou mesmo conivente, o que seria mais grave.
O jovem que foi atingido por uma bala de borracha no rosto estaria sendo vítima de constrangimentos e ameaças após registrar um BO.
No final da noite de ontem, também começaram a surgir denúncias de possíveis sequestros de membros do grupo Black Bloc.
O governador, que costuma realizar reuniões de monitoramente com os seus subordinados, precisa intensificá-las.
Um outro episódio nebuloso envolve o incêndio de um ônibus, nas proximidades da Rua do Príncipe. Neste caso em particular, louve-se o trabalho dos agentes e delegados que estão diretamente envolvidos na elucidação dos fatos.
Há indícios de que um bandido conhecido pela polícia como “Cinquentinha” teria recebido dinheiro de uma pessoa não identificada para praticar o ato, o que sugere várias possibilidades, inclusive uma ação deliberada no sentido de sabotagem das manifestações organizadas, entre outros, pelo Black Bloc, tentando responsabilizá-lo pelo ato.
Muita coisa ainda precisa ser esclarecida sobre esse episódio. Comenta-se, igualmente, que várias quantias de R$ 150,00 teriam sido distribuídas entre os diretamente envolvidos com o incêndio do coletivo.
A violência é uma constante em nosso cotidiano. Algumas ações de violência — inclusive as perpetradas pelo Estado — passam incólumes entre os porta-vozes das classes dominantes, como a violência funcional, aquela praticada para garantir os privilégios e a “ordem burguesa”, seja pelos agentes do Estado ou até por grupos clandestinos ao seu serviço.
Muito interessante as postagens das redes sociais sobre a violência simbólica, traduzida por elas como verdadeiros atos de “vandalismo”, como a ausência de escolas públicas decentes, hospitais públicos deficitários, mobilidade caótica e coisas do gênero.
Por falar em mobilidade, verdadeiros atos de vandalismo estão ocorrendo com o trânsito do Recife. As Av. Cabugá, Agamenon Magalhães, Norte e a Estrada de Belém, nas proximidades da Encruzilhada, estão completamente “travadas” nas primeiras horas da manhã. Em percurso pequeno, entre a Av. Getúlio Vargas, em Olinda, e a Av. Agamenon Magalhães, nas proximidades da McDonald’s, leva-se mais de uma hora. Um verdadeiro massacre.
Ninguém parece se importar com os negros e pobres massacrados nos bairros periféricos cotidianamente.
Agora, quando a violência das classes subalternas ultrapassa os limites “impostos”, constituindo-se em violência disfuncional, dessas que depõem contra a ordem estabelecida, aí sim as coisas mudam completamente de configuração, taxando-se de vandalismo tudo aquilo que se contrapõe à ordem burguesa, como afirma o professor Lincoln Secco em brilhante artigo publicado no Viomundo.
Outro aspecto que nos chama atenção é a proposta do Black Bloc, marcadamente orientada pela democracia direta, anticapitalista, cujos símbolos mais vistosos dos seus ataques são as instituições bancárias e concessionárias de automóveis.
Os integrantes do grupo não acreditam nos partidos e muito menos nas instituições da democracia representativa burguesa, com o prestigio – não sem motivos – sensivelmente abalado.
Que estes não nos representam parece óbvio. Representam, na realidade, em sua maioria, interesses corporativos e personalistas, se locupletando da máquina pública para desvios, desmandos, tráfico de influência, enriquecimento ilícito e coisas do gênero.
Ocorre, entretanto, que fora desse arcabouço institucional deficiente, as soluções não são as melhores, algumas delas historicamente inviáveis.
Seria fundamentalmente importante criarmos mecanismos de aperfeiçoamento dessas instituições e de controle efetivo da gestão pública, minimizando essas possibilidades de subversão dos interesses de natureza republicana.
Igualmente espantoso é a leniência dos poderes republicanos em relação às demandas encaminhas pelas mobilizações de rua.
O que é que efetivamente mudou desde então? Em alguns casos, os governantes chegaram a pilheriar essas mobilizações, numa atitude de profundo desrespeito com a população.
O “rancor” e a indignação dos jovens estão nas ruas novamente, prometendo um “Setembro Negro”, criando cenários perigosos que poderiam ser perfeitamente evitados se houvesse o compromisso efetivo, por parte dos nossos legisladores e gestores públicos, no sentido de responder satisfatoriamente a essas demandas.
O maior perigo, como já advertiu um articulista, é que fica evidente que a direita está indo às ruas pela porta da esquerda.

Foto Flávio Japa, no G1
*****
Veja íntegra da nota divulgada pela Frente de Luta pelo Transporte Público de Pernambuco, nesta quarta:
1. O caos e o campo de batalha que se tornou o centro da Cidade do Recife, nesta quarta-feira (21), tem 3 responsáveis: o presidente da Câmara, Vicente André Gomes (por ter dado um golpe no movimento ao não ter cumprido NENHUM ponto acordado na ocupação da Câmara, além de ter impedido o acesso à Casa Legislativa), o prefeito Geraldo Júlio (por ter prometido o passe livre em sua campanha, e até agora sequer sentou com o movimento) e o governador Eduardo Campos (que permanece silente e negligente em relação à pauta do movimento. Lembramos que estamos nas ruas desde janeiro deste ano, e o máximo que o governo fez foi dar uma resposta formal aos 13 itens formulados pela Frente).
2. O presidente da Câmara Municipal do Recife fechou a Casa e consequentemente o expediente (mais uma vez!) ao meio-dia, deixando claro de imediato a não-predisposição ao diálogo com o movimento. Estamos tentando diálogo com o Poder Público desde 21 de junho do presente ano, sem lograr êxito, com todos os protestos ocorrendo até então de maneira pacífica.
3. Neste sentido, tiramos como estratégia política intensificar as mobilizações de rua para que o Poder Público perceba a pressão e o nível de indignação popular com o descaso no transporte público. Até então, apenas o vereador Raul Jungmann se apresentou na entrada da Câmara Municipal, quando estávamos em passeata, ou seja, a comissão instituída para tratar do passe livre não nos procurou, nem estava na Câmara, inclusive, seria ilógico, porquanto se a Câmara estava fechada.
4. A Polícia Militar de Pernambuco, através da Rádio Patrulha, assim como faz todos os dias nas periferias e favelas do Recife, chegou atirando bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e balas de borracha quando os manifestantes se encontravam na altura do Cinema São Luiz. Esta ação da polícia deixou vários cidadãos feridos, entre eles, dois garis que faziam a limpeza pública, uma estudante secundarista e um estudante universitário, além de alguns jornalistas. No calor do confronto, é muita ingenuidade achar que as pessoas não se protegeriam frente aos ataques da Polícia Militar, que parecia descontrolada. Por óbvio, nos defendemos com o que estava disponível. Mas, esclarecemos que A FRENTE não tinha, sequer cogitou, como tática política QUALQUER tentativa de depredação ou ação direta ao Cinema São Luiz. Importante frisar que a Frente apenas puxa os atos, mas estes são do povo, abertos para que qualquer grupo ou pessoa participe.
5. Na volta para Câmara Municipal, fomos recebidos com mais repressão da Polícia Militar e da Rádio Patrulha, e mais uma vez o confronto e o campo de batalha se formaram. Não eram só os manifestantes do Passe Livre que se defendiam; ambulantes, trabalhadores, transeuntes, todos e todas se defenderam dos ataques da Polícia da maneira que podiam.
6. O recado das ruas e da pressão popular está dado. Não aguentaremos mais golpes, mentiras e falácias. Intensificaremos as mobilizações até que a CPI do Transporte Público seja instaurada, o Projeto de Lei do passe livre tramitado e aprovado, e as audiências com Geraldo Júlio e Eduardo Campos, marcadas.

(Publicado no blog Viomundo)

Por que os últimos protestos do Recife incomodaramn tanto? Quem tem medo do Black Bloc?




                                   Não costumo acompanhar os noticiários de uma determinada rede de TV, mas tive a curiosidade de observar sua cobertura local sobre os últimos protestos ocorridos no Recife. Sem nenhuma surpresa, a edição dos noticiários correspondeu exatamente ao que se esperava, ou seja, uma ação deliberada no sentido de desacreditar os manifestantes, adjetivando-os de vândalos, baderneiros, depredadores do patrimônio público e privado ou coisas afins. Um direcionamento explícito no sentido de criminalização do movimento. Em nenhum momento seus repórteres invocaram sobre o que estava em jogo, ou seja, reivindicações legítimas de uma população cujos direitos estão sendo aviltados pelo Estado, ou a leniência do poder Legislativo em encaminhar corretamente suas demandas. Para completar o circuito, uma longa entrevista com os responsáveis pela Segurança Pública do Estado, "tranquilizando" o establismment sobre as providências que deverão ser adotadas no sentido de coibir a ação desses "baderneiros".
                                   Poderíamos invocar aqui uma série de teorias a respeito do papel da grande mídia nesses episódios que sacudiram o país desde Junho. Convocaríamos Gramsci, Louis Althusser e Noam Chomsky para sentarem à mesa, mas os leitores, certamente bem informados, já estão familiarizados com essas teorias. Posso assegurar que o cardápio seria mais modesto do que o adquirido pelo Palácio da Abolição (Ceará), que incluía até bolinhas de salmão com caviar, uma orgia gastronômica que custará R$ 3,5 milhões aos cofres públicos. Uma tradicional buchada, servida no Bar de Dona Maria, no Mercado de Santa Cruz, possivelmente, deixaria esses teóricos lambendo os beiços.
                                   Duas coisas em particular nos preocupam. Uma delas diz respeito à postura das autoridades da área de Segurança Pública do Estado. Estão batendo cabeça no que concerne a essa questão e isso é muito grave. Sinceramente, desejo todo o equilíbrio ao governador Eduardo Campos, neste momento, para manter a situação sob os rígidos padrões do Estado de direito. Muito calma nessa hora para a carruagem não sair dos trilhos, reproduzindo o que vem ocorrendo no Rio de Janeiro, onde o prestígio do governador Sergio Cabral ficou mais baixo do que poleiro de pato, depois de chacinas e "desaparecimentos", dignos dos momentos de rupturas institucionais.
                                   Em certo momento, a polícia se diz surpresa com a ação dos manifestantes, mas ora diz saber quem seria o responsável, identificando cabalmente a liderança dos mascarados. As ações excessivas, aquelas relacionadas a depredações do patrimônio público, como o incêndio a uma moto da CTTU, foram praticada por pessoas que não estavam utilizando máscaras, como mostra as imagens amplamente divulgadas.
                                   A solução proposta pela SDS, portanto, foi a de proibir o uso de máscaras durante os protestos, algo que nos parece, juridicamente, não encontrar nenhum respaldo.  Há registro de casos, durante os protestos que ocorrem a partir de junho, onde a polícia infiltrou-se entre os manifestantes ou agiu sem identificação, o que, aí sim, contraria os preceitos legais. Por falar em ordenamento democrático, no que diz respeito aos episódios recentes, surgem nas redes sociais uma série de informações que, se confirmadas, dão uma demonstração de que o governador precisa ficar mais atento às ações do aparato de segurança pública do Estado, sob pena de ser acusado de ser omisso, arbitrário, truculento ou mesmo conivente, o que seria mais grave. O jovem que foi atingido por uma bala de borracha no rosto estaria sendo vítima de constrangimentos e ameaças após registrar um BO. Ele, que costuma realizar reuniões de monitoramente com os seus subordinados, precisa intensificá-las.
                                   Um outro episódio nebuloso envolve o incêndio a um ônibus, nas proximidades da Rua do Príncipe. Neste caso em particular, louve-se o trabalho dos agentes e delegados que estão diretamente envolvidos na elucidação dos fatos. Há indícios de que um bandido conhecido pela polícia como “Cinquentinha” teria recebido dinheiro de uma pessoa não identificada para praticar o ato, o que sugere várias possibilidades, inclusive uma ação deliberada no sentido de sabotagem das manifestações organizadas, entre outros, pelo Black Bloc, tentando responsabilizá-los pelo ato. Muita coisa ainda precisa ser esclarecida sobre esse episódio. Comenta-se, igualmente, que várias quantias de R$ 150,00 teriam sido distribuídas entre os diretamente envolvidos com o incêndio do coletivo.
                                   A violência é uma constante em nosso cotidiano. Algumas ações de violência - inclusive as perpetradas pelo Estado passam incólumes entre os porta-vozes das classes dominantes, como a violência funcional, aquela praticada para garantir os privilégios e a "ordem burguesa", seja pelos agentes do Estado ou até por grupos clandestinos ao seu serviço. Muito interessante as postagens das redes sociais sobre a violência simbólica, traduzida por eles como verdadeiros atos de “vandalismo”, como a ausência de escolas públicas decentes, hospitais públicos deficitários, mobilidade caótica e coisas do gênero. Por falar em mobilidade, verdadeiros atos de vandalismo estão ocorrendo com o trânsito do Recife. As Av. Cabugá, Agamenon Magalhães, Norte e a Estrada de Belém, nas proximidades da Encruzilhada, estão completamente “travadas” nas primeiras horas da manhã. Um percurso pequeno, entre a Av. Getúlio Vargas, em Olinda, e a Av. Agamenon Magalhães, nas proximidades da McDonald’s, leva-se mais de uma hora. Um verdadeiro massacre.
                                   Ninguém parece se importar com os negros e pobres massacrados nos bairros periféricos cotidianamente. Agora, quando a violência das classes subalternas ultrapassam os limites “impostos”, constituindo-se como uma violência disfuncional, dessas que depõem contra a ordem estabelecida, aí sim as coisas mudam completamente de configuração, taxando-se de vandalismo tudo aquilo que se contrapõe a ordem burguesa, como afirma o professor Lincoln Secco, em brilhante artigo publicado no Viomundo.
                                   Outro aspecto que nos chama atenção é a proposta do Black Bloc, marcadamente orientada pela democracia direta, anticapitalista, cujos símbolos mais vistosos dos seus ataques são as instituições bancárias e concessionárias de automóveis. Não acreditam nos partidos e muito menos nas instituições da democracia representativa burguesa, com o prestigio – não sem motivos – sensivelmente abalado. Que eles não nos representam parece óbvio. Representam, na realidade, em sua maioria, interesses corporativos e personalistas, se locupletando da máquina pública para desvios, desmandos, tráfico de influência, enriquecimento ilícito e coisas do gênero. Ocorre, entretanto, que fora desse arcabouço institucional deficiente, as soluções não são as melhores, algumas delas historicamente inviáveis. Seria fundamentalmente importante, criarmos mecanismos de aperfeiçoamento dessas instituições e de controle efetivo da gestão pública, minimizando essas possibilidades de subversão dos interesses de natureza republicana.
                                   Igualmente espantoso é a leniência dos poderes republicanos em relação às demandas encaminhas pelas mobilizações de rua. O que é que efetivamente mudou desde então? Em alguns casos, os governantes chegaram a pilheriar essas mobilizações, numa atitude de profundo desrespeito com a população. O “rancor” e a indignação dos jovens estão nas ruas novamente, prometendo –se um “Setembro Negro”, criando cenários perigosos que poderiam ser perfeitamente evitadas se houvesse o compromisso efetivo, por parte dos nossos legisladores e gestores, no sentido de responder satisfatoriamente a essas demandas. O maior perigo, como já advertiu um articulista, é que fica evidente que a direita está indo às ruas pela porta da esquerda.
José Luiz Gomes
(Cientista Político)
                                  

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

José Luiz Gomes: Por que os últimos protestos no Recife incomodaram tanto?


Não costumo acompanhar os noticiários da Rede Globo, mas tive a curiosidade de observar sua cobertura local sobre os últimos protestos ocorridos no Recife. Sem nenhuma surpresa, a edição dos noticiários correspondeu exatamente ao que se esperava, ou seja, uma ação deliberada no sentido de desacreditar os manifestantes, adjetivando-os de vândalos, bardeneiros, depredadores do patrimônio público ou coisa afins. Em nenhum momento seus repórteres invocaram sobre o que estava em jogo, ou seja, reinvidicações legítimas de uma população cujos direitos estão sendo aviltados pelo Estado. Para completar o circuito, uma longa entrevista com os responsáveis pela Segurança Pública do Estado, "tranquilizando" o establismment sobre as providências que deverão ser adotadas no sentido de coibir a ação desses "baderneiros". Na realidade, a Segurança Pública do Estado vem batendo cabeça no que concerne a essa questão. Sinceramente, desejo todo o equilíbrio ao governador Eduardo Campos, neste momento, para manter a situação sob os rígidos padrãos do estado de direito. Muito calma nessa hora para a carruagem não sair dos trilhos, reproduzindo o que vem ocorrendo no Rio de Janeiro, onde o prestígio do governador Sergio Cabral ficou mais baixo do que poleiro de pato, depois de chacinas e "desaparecimentos". Não se elege nem inspetor de quarteirão, uma veza que até seus vizinhos o querem distante. Em certo momento, a polícia se diz surpresa com a ação dos manifestantes, mas ora diz saber quem seria o responsável, identificando-o cabalmente. As ações excessivas, aquelas relacionadas a depredações do patrimônio público, como o incêndio a uma moto da CTTU, foram praticada por pessoas que não estavam utilizando máscaras, como mostra as imagens amplamente divulgadas. A solução proposta pela SDS, portanto, foi a de proibir o uso de máscaras durante os protestos, algo que nos parece, juridicamente, não encontrar nenhum respaldo. Ocorreram situações onde a polícia infiltrou-se entre os manifestantes ou agiu sem identificação, o que, aí sim, contraria os preceitos legais. A violência é uma constante em nosso cotidiano. Algumas ações de violência - inclsuive as perpetradas pelo Estado passam incólumes entre os porta-vozes das classes dominantes, como a violência funcional, aquela praticada para garantir os privilégios e a "ordem burguesa", seja pelo agentes do Estado ou até por grupos clandestinos. Ninguém parece se importar com os negros e pobres massacrados nos bairros periféricos cotidianamente. Agora, quando a violência das classes subalternas ultrapassam os limites impostos, constituindo-se como uma violência disfuncional, dessas que depõem contra a ordem estabelecida, aí sim as coisas mudam completamente de configuração, taxando-se de vandalismo tudo aquilo que se contrapõe a ordem burguesa, como afirma o professor Lincoln Secco, em brilhante artigo publicado em nosso blog no, dia de hoje.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Era Lula/Dilma: Crescimento modesto, mas com política de transferência de renda.


ERA LULA/DILMA: CRESCIMENTO MODESTO, MAS COM  POLÍTICA DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA.

José Luiz Gomes escreve

                                   As políticas públicas de combate à pobreza sempre foi um tema recorrente nos estudos do economista Marcelo Neri, atual presidente do IPEA e Ministro da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Como sua preocupação sempre foi mais metodológica – como ele mesmo afirma – pode-se atribuir a ele uma “inversão” na análise do tema da pobreza no Brasil, algo que lhes conferiu algumas dores de cabeça na academia e o prêmio da ANPOCS daquele ano como a melhor tese de doutoramento, dissipando todas as dúvidas existentes sobre a sua capacidade. Na realidade, como se trata de indicadores bastante confluentes, educação, políticas afirmativas, transferência de renda, nova classe média, desigualdades regionais acabaram-se tornando, igualmente, objeto de suas análises.
                                   É necessário definir, com bastante clareza, os indicadores que nos permitem informar se uma política pública está ou não sendo eficiente, eficaz, inclusive identificando quais os segmentos sociais que delas estão se beneficiando prioritariamente, embora não possamos perder de vista que tais políticas devem atender satisfatoriamente às expectativas de toda a sociedade. Recentemente, outro economista, Márcio Pochmann, que também já dirigiu o IPEA e é muito ligado ao PT – ou precisamente a Lula – em poucas palavras, depois de advogar os acertos das políticas de transferência de renda da Era Lula/Dilma – acabou concluindo, curto e grosso, que, no Brasil, está se aplicando uma inversão da lógica robinhoodeana, ou seja, os tributos cobrados dos mais pobres estão financiando os juros dos mais ricos.
                                   Sobre as políticas públicas da Era Lula/Dilma é importante afirmar – algo já identificado pelos últimos dados do IDH - onde foram identificados avanços significativos – que, apesar de o nosso crescimento está abaixo de outros países do clube do BRICS, ele é mais substantivo, uma vez que ataca os problemas da desigualdade e da extrema pobreza. É um crescimento lento, mas socialmente justo. O caso da educação, por exemplo, isoladamente o indicador que mais contribuiu para “frear” nosso IDH – é emblemático. Apesar de ocuparmos uma posição ainda vergonhosa entre os 67 países do Programme for International Studant Assessment (Pisa), 54º lugar, há indícios a serem comemoradas. Em 1990, 16% da gurizada da educação básica estava fora da escola e hoje esse número é de apenas 2%.
                                   Trouxemos esses elementos para comentar sobre a agenda proposta pelos movimentos de rua do último mês de junho. Além da necessidade de um enfrentamento radical do problema da corrupção, a agenda das ruas propõe uma aplicação dos recursos em áreas estratégicas como educação, saúde, mobilidade urbana etc. Como, depois do impacto inicial, os governantes de plantão fizeram ouvidos de mouco, o descalabro continua tanto no que concerne à endêmica corrupção, como em relação à aplicação dos recursos públicos. Até recentemente, o Governo Federal queixou-se sobre a inexistência de uma determinada cifra para investir em saúde e, logo em seguida, alguém postou nas redes sociais que tal cifra correspondia, exatamente, às despesas com publicidade.
                                   Há governos sustentados unicamente em torno dessa pirotecnia midiática, pagando rios de dinheiro em publicidade, que nos colocam, ilusoriamente, no melhor dos mundos e sua popularidade nas alturas. Quando surgem os dados sobre os indicadores sociais, a realidade se apresenta bem diferente do que aquela concebida nos escritórios das agências de publicidade pagas com os proventos da Viúva. Um exemplo típico é um dos Estados do Nordeste – famoso por sua política de segurança pública – onde, metodologicamente, joga-se todas as cartas na diminuição do número de homicídios por causas violentas e, deliberadamente, exclui-se das estatísticas outras modalidades de crimes em ascendência em todo o Brasil, como o latrocínio.
                                   Outro equívoco, este ainda mais grave, é o uso indevido do aparato de segurança pública para reprimir movimentos sociais legítimos, um passo para a retomada de ações dignas do período de exceção, como já vem ocorrendo no Rio de Janeiro, inclusive com chacinas  e “desaparecimentos” de cidadãos abordados pela força policial, como foi o caso de Amarildo, que maculou profundamente a imagem do governador Sérgio Cabral. Acreditamos que ele não mais irá se recuperar desse tombo. São situações que evidenciam o acerto das observações do sloveno Slavoj Zizek sobre a tendência cada vez mais autoritária do exercício do poder político.
                                   Observa-se um uso abusivo do termo “competência”. O que seria, afinal, um gestor público competente? Sempre que invoco esse termo são inevitáveis as lembranças dos trabalhos do sociólogo suiço Philippe Perrenoud, indicando, cabalisticamente, as competências necessárias que precisam ser desenvolvidas pelos mestres e educandos. Houve uma época em que os professores, a exemplo, dos evangélicos mais radicais, andavam com esses livros à semelhança de uma bíblia sagrada. Ali estavam as competências que os alunos precisavam desenvolver. Nem mais, nem menos. Alguém tomou o cuidado de realizar um estudo sobre a epistemologia do termo “competência” e logo verificou que todas aquelas “competências” advogadas por Perrenoud estavam a serviço do processo acumulativo do capital. Nenhuma delas voltadas para as subjetividades dos alunos ou ao mundo dos trabalhadores.
                                Portanto, quando algum governante falar de meritocracia ou competência, orientado por um vocabulário tecnicista-instrumental, desconfie. Essas palavrinhas, muito bem-utilizadas pelos marqueteiros, podem fazer um estrago danado ao encobrir intenções inconfessáveis ou vieses igualmente danosos aos interesses de natureza republicana.  Elegeu-se o atual prefeito do Recife em torno dessa mesma tese, e a gestão da prefeitura municipal continua “engessada”. Para completar, agora envolta em possíveis irregularidades, como o acúmulo, pelo prefeito, de dois salários: o de técnico do Tribunal de Contas do Estado e o de prefeito propriamente dito.
                                   Essa “desatenção” com as questões ambientais  parece estar sendo muito bem assimilada pelos governos neo-socialistas do PSB. Em Fortaleza, cidade administrada pelo partido, essa lógica vem se repetindo. A derrubada de árvores do Parque do Cocó – para construção de uma obra de mobilidade urbana – são exemplos dessa tendência. Este último, em razão da mobilização da população, enfrenta batalhas judiciais, mas até a Guarda-Municipal foi utilizada, inconstitucionalmente, para retirar os manifestantes que ali se encontravam. Outro dia li um alerta de um biólogo informando que a construção de mais um porto na cidade de Goiana, Mata Norte do Estado de Pernambuco, representará a possibilidade concreta de ataques de tubarões no litoral sul do Estado da Paraíba, precisamente nas praias de Pitimbu, Tambaba e Jacumã, onde nunca houve registro de ataques.