pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Luiz Eduardo Soares: Desmilitarizar a PM, "legado histórico do escravismo" que matou 9.646 pessoas em dez anos no Rio

publicado em 16 de fevereiro de 2014 às 22:07

por Dario de Negreiros, do Rio de Janeiro, especial para o Viomundo* 
O imperativo de desmilitarização das polícias brasileiras tem aparecido com cada vez mais força e maior frequência no debate público, em especial dentre os setores mais progressistas.
Apesar disso, é raro encontrarmos textos que aprofundem a compreensão da questão e que ponham em pauta outras deficiências tão ou mais importantes de nossas instituições policiais.
Isso o faz, seguramente, o antropólogo Luiz Eduardo Soares, um dos autores da PEC-51, que altera radicalmente a arquitetura institucional da segurança pública no país.
Desmilitarização, ciclo completo e carreira única formam o tripé da emenda constitucional proposta pelo senador Lindbergh Farias (PT-RJ).
Nesta entrevista, concedida no dia 13 de janeiro, na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), além da discussão mais geral sobre os impasses da segurança pública no Brasil, o professor faz sua análise sobre os resultados obtidos nesta área pelo governo Cabral, no Rio. Sem grandes motivos, em sua ótica, para otimismo.
“O governo parece ser o governo das empreiteiras, para os grandes eventos, a corrupção grassa e as reações às manifestação democráticas são reações repressivas do pior estilo”, diz. “Nós temos realmente uma corrosão da legitimidade política do governo do Rio que é espantosa.”
Soares ocupou os cargos de Secretário Nacional de Segurança Pública (em 2003, no governo Lula) e de Coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do Rio (entre 1999 e 2000, no governo Garotinho), quando foi também sub-secretário de Segurança Pública. Em parceria com os policiais do Bope Rodrigo Pimentel e André Batista, escreveu o livro Elite da Tropa, que deu origem ao filme Tropa de Elite.
Segue a íntegra da entrevista:
Viomundo – Com o passar dos anos, nota-se que o discurso de pessoas envolvidas com o tema da segurança pública tem ficado cada vez mais crítico em relação às UPPs. Inicialmente, falava-se de uma experiência de polícia comunitária, de uma alternativa às incursões bélicas às favelas, de se oferecer às áreas pobres um serviço público de segurança. Agora, fala-se da militarização da vida cotidiana, do cerceamento de liberdade da população das áreas ditas pacificadas, de um urbanismo de minoria que promove a segregação urbana e as remoções. Houve uma mudança na percepção que temos do projeto ou foi o projeto, em si, que piorou ao longo do tempo?
Eu acho que é uma mudança da realidade, que expressa etapas distintas do processo. Eu chamava sempre a atenção, desde o início, para o fato de que havia uma vantagem muito grande na supressão das incursões bélicas, nas quais morriam os inocentes, os eventuais suspeitos, eventualmente até policiais.
Essas incursões acabavam por envolver um certo tipo de apropriação de armas e drogas que eram revendidas pra outras facções ou para o próprio grupo que fora objeto dessa intervenção policial. E isso acabava por degradar ainda mais a imagem da instituição diante da população, porque essas negociações se davam à luz do dia e todos sabiam da magnitude, da profundidade da hipocrisia envolvida naquelas intervenções.
Entretanto, elas eram, por seu caráter bélico, dantescas nas suas consequências. Os sofrimentos se aprofundavam e, com eles, os ressentimentos, os estigmas, os preconceitos e o apartheid social se radicalizavam. E sem qualquer benefício, de qualquer espécie, para a comunidade ou mesmo para a cidade.
Nesse sentido, é sempre um avanço muito grande que você possa acabar com a lógica da intervenção bélica. E oferece um serviço 24h. Deveria ser assim pensado, me parece, o serviço de segurança pública, como outros serviços sociais.
Você dispõe do acesso a uma instituição cuja função constitucional é evitar que os direitos sejam violados. Então, para a fruição dos direitos, você precisa contar com um representante do Estado – se este representante age efetivamente desta maneira, inspirado e orientado pelo respeito aos direitos humanos e à legalidade constitucional.
Como frequentemente acontece nos bairros afluentes: não há invasão a Copacabana, à Gávea. Há provisão de um serviço 24h.
Eu sempre chamava a atenção, entretanto, para o fato de que, se as polícias não fossem transformadas, aquele projeto não teria futuro, não teria sustentabilidade. A ideia de prover um policiamento comunitário, de resolução de problemas, de proximidade, era inteiramente incoerente, incongruente e inconsistente, porque incompatível com a natureza dessa instituição, sua organização, sua cultura corporativa, com as práticas já mais do que assimiladas na sua linguagem cotidiana.
Era previsível que, se nós não alteramos as instituições, se não mudamos a estrutura organizacional, se a estrutura militar perdura, qualquer projeto que tenha uma intenção mais democrática acaba submergindo, acaba sendo derrotado por essa força inercial. E nessa caso é muito compreensível que haja uma degradação.
Em primeiro lugar, a seleção das favelas que recebem UPPs atende não às necessidades intrínsecas aos processos internos, mas aos projetos de cidade, projetos econômico-financeiros orientados para a valorização imobiliária, especulativa. Uma dinâmica que passou a governar a cidade, praticamente, e que tem conexão com as remoções.
E que determina o que eu chamo de “circuito Elizabeth Arden”: aquele circuito para inglês ver, que projeta uma vitrine do Rio de Janeiro, mais próxima do circuito turístico. E que é absolutamente coincidente com o circuito Olímpico e da Copa.
Em segundo lugar, [a degradação ocorre] pela natureza mesma do projeto. O projeto previa que, uma vez deslocados aqueles que se impunham pela força das armas àquelas comunidades, seria possível o Estado, então, cumprir seu dever, estar presente ali em todas as áreas: educação, saúde etc. Evidentemente isso não aconteceu.
Com a presença única e exclusiva desse braço do Estado, que é o braço policial, na ausência de qualquer outro tipo de representação do Estado, as implicações são as conhecidas. Este poder, substituindo o anterior, vai se converter em uma espécie de síntese do Legislativo, do Executivo e do Judiciário, que só pode ser, muito mais do que tutelar, tirânico. E vai decidir sobre baile funk, sobre questões que não lhe dizem respeito.
Nesse sentido, sim: há uma ilegalidade constante. As abordagens continuam sendo aquelas marcadas pelo racismo, pelo sentimento de classe. A linguagem violenta da polícia se replica, se reitera lá. A tendência é que aquilo comece a instaurar um quadro muito corrosivo, muito agressivo.
O importante, pra concluir, é que nós compreendamos todos os elementos que estão em jogo, pra evitar jogar fora a criança com a água do banho, como dizia meu avô.
Viomundo – E o que nós poderíamos dizer que as UPPs trouxeram de positivo à política de segurança pública e à população do Rio?
Três pontos, que me ocorrem agora.
Primeiro, a supressão das incursões bélicas. Segundo, a ideia de que é possível tratar as favelas como uma parte da cidade, um bairro da cidade, que merece o serviço [de segurança], não uma presença eventual por incursão. E, em terceiro lugar, o deslocamento do poder armado que se impunham, tirânica e despoticamente, sobre as comunidades.
Eu sempre evitei tratar esses meninos e meninas envolvidos na violência de uma forma unilateral, que simplesmente os criminalizava, subtraía deles a sua humanidade e os isolava de um contexto no qual havia plena inteligibilidade para suas ações.
Quer dizer, conhecendo as trajetórias e as circunstâncias nós podemos compreender o recurso à violência de uma maneira muito mais humanizada, densa, complexa, pra evitar as posições estritamente punitivas etc.
Mas, por outro lado, nós temos de reconhecer como se dá a instauração desse poder, a que custos, com que consequências. A inviabilização da organização política, da participação, do deslocamento livre, das manifestações culturais ou religiosas livres, o ir e vir livre – no seu sentido mais cotidiano – etc.
Isso tudo varia, assim como as UPPs, de favela para favela, de momento para momento. O momento Lulu, na Rocinha, é um; o momento Dudu, é outro. Depende de quem se impõe, quem é o colonizador, se é alguém que vem de fora ou se nasceu e cresceu na comunidade, conhece todos e cria um modo de convívio mais harmônico, mais aceitável.
Mas, de qualquer forma, havia situações extremas que eram insuportáveis e você tem, aí, um campo que é problemático. Deslocar a arma foi positivo.
Não me refiro à droga, porque eu sou favorável à legalização, contra o proibicionismo e acho que é um delírio imaginar que se vá reprimir e controlar a dinâmica da droga. Ao contrário, tem havido uma modernização do tráfico graças à UPP. A UPP ajudou a modernizar, a racionalizar e, nesse sentido, é um estímulo ao tráfico.
Viomundo – Como isso se daria? Essa modernização está relacionada às milícias?
Não, as milícias são a reiteração de um processo muito antiquado. E elas tem seus limites, que são distintos dos do tráfico.
Viomundo – Seriam três momentos, então?
Sim, são três situações distintas. A milícia é totalizante, ela não se impõe para um negócio específico, para viabilizar a circulação de mercadorias de um certo tipo no varejo. O tráfico se impõe sobre uma comunidade apenas para fazer um negócio específico, que é aquele da droga. Eventualmente alguns se metiam com gás, com vans. Mas o seu negócio, basicamente, era a droga.
Já a milícia se impõe para dominar completamente todas as dinâmicas econômicas, comerciais, financeiras, imobiliárias, promovendo migrações internas para especular com terra pública, deslocando populações, obtendo votos, se impondo através de candidaturas que formam um cinturão ligado a certos territórios da cidade.
As milícias são máfias que operam com essa pretensão totalizante. É um projeto muito mais ambicioso, requer muito mais poder e investimentos muito mais fortes, de todo tipo.
Viomundo – E por que a UPP ajudaria a modernizar o tráfico?
O modelo tradicional do tráfico lembra a economia soviética ou o modelo de desenvolvimento dos anos 50, um modelo estatista, pesado, baseado na metalurgia… (risos).
Imagine o seguinte: para você funcionar, você precisa recrutar um pequeno exército. Esse exército vai ter de ser fiel, leal, vai ter de se organizar com disciplina, se submeter a uma série de condições, sabendo que não vai viver mais do que 25 anos no máximo.
Que não vai poder fruir dos benefícios que decorrem daquela atividade, senão no dia-a-dia da própria autorrepresentação potente, seduzindo as meninas e curtindo uma glória efêmera – mas nada mais do que isso. Os recursos ficam embaixo do colchão, dificilmente eles podem sair daquele espaço.
Para trocar a própria vida, para viver uma vida de muito risco, é preciso muita coragem, muitos valores que a gente às vezes subestima: coragem, lealdade, fidelidade, capacidade de organização.
Isso depende da capacidade da liderança de manter o sentimento de pertencimento, o que decorre também da sua capacidade de impor coesão a esse grupo. Isso não é fácil, isso exige identidade, que é reproduzida; exige, sempre, rivalidade, porque essa segmentação fortalece a coesão interna e favorece, portanto, essa experiência do pertencimento, que é tão forte para garantir a reprodutibilidade.
Isso tudo para quê? Para vender drogas. Você tem de negociar com a polícia, negociação que se torna cada vez mais cara.
Nunca houve tráfico no Rio senão com a polícia como parceira e, frequentemente, como protagonista. Então não há essa distinção polícia/tráfico: polícia é o tráfico, tráfico é a polícia.
Claro que não estou generalizando, nem para o tráfico, nem para a polícia. Mas, de uma maneira geral, é assim que se dá, é uma rede. Isso custa muito caro, os lucros se reduzem muitíssimo.
Tem que se empenhar parte dos seus ganhos em armas, pra se garantir contra outras facções e eventuais invasões. E contra a eventualidade de que as negociações com as polícias falhem – e às vezes elas falham até intencionalmente, porque as polícias criam dificuldade pra depois impor uma inflação ao custo do arrego. E viver sempre sob tensão.
Isso tudo, para fazer o negócio do varejo da droga. Ora, não é muito mais lucrativo, tranquilo, muito mais razoável, você fazer como se faz nos países desenvolvidos todos, em que há um tráfico varejista? Você não precisa dominar um território, dominar uma comunidade inteira de milhares de pessoas, armar um exército, treiná-lo, etc., para vender a droga.
Você vende a droga, simplesmente isso (risos). Você não precisa ser sedentário, ter lá a boca. Você é nômade, tem um rede de varejistas e se reduz aos “aviões”. Vai para a Barra da Tijuca, ninguém vai te perturbar. Vai para uma área nobre e ninguém vai investigar você. E, a partir dali, vai municiando os seus distribuidores locais e usando outras redes. Isso é muito mais lucrativo.
Eu dizia há alguns anos que o velho modelão, do controle territorial, estava em crise. É difícil suportá-lo, não havia grandes ganhos.
Tanto que quando a mídia mostra as casas dos traficantes, mesmo tentando mostrar riqueza e exuberância, o que você vê é um motel de subúrbio, com espelhos na parede, com uma jacuzzi, eventualmente. E tudo isso é o máximo que essas pessoas alcançam depois de tantos anos de domínio.
Com a UPP, esse processo de renovação foi estimulado. Porque o pessoal já não podia manter o território sob o seu domínio. E começaram a perceber que não precisavam. Nem era conveniente.
É claro que isso vai exigir uma geração de adaptação, porque viver fora da favela exige um reaprendizado nas regras das relações no campo da economia da droga. São outras conexões. Mas isso vai se dar, já está se dando. E a UPP ajudou a precipitar esse processo.
Viomundo – Dados do Núcleo de Pesquisas de Violência (Nupevi) mostram que, apesar de o Rio já contar com cerca de 50 mil policiais, as UPPs estão presentes em apenas 3% das mais de mil favelas da cidade, enquanto as milícias dominam 41,5% e o tráfico, 56%. A hipertrofia do aparato policial, que seria necessária para a expansão do projeto, não torna o projeto das UPPs inviável para a cidade como um todo? Podemos pensar em implementar as UPPs em todas as mais de mil favelas do Rio?
Não. Todo mundo sabe que isso é inviável. A ideia de saturação do território com a presença humana também é fruto de uma lógica que não compreende a complexidade das dinâmicas envolvidas. Uma lógica estritamente militar: lógica da ocupação.
No limite, se nós estendermos essa lógica, vamos chegar àquele impasse anedótico de um policial para cada cidadão, sendo que é necessário haver um vigia para o vigia (risos).
É um projeto que, rigorosamente, foi pensado no prazo curto, sem que houvesse comprometimento do poder público com transformações profundas do aparato policial, ou até da sua formação, e com o prazo todo pautado na política.
Veja: na Baixada Fluminense, nós temos 1 policial para 2.500 cidadãos. Na zona Sul, às vezes 1 para 60, 1 para 50, em certas áreas até 1 para 30. Porque são áreas de muita visibilidade, em que todos estão procurando criar condições para reduzir riscos. A mídia acompanha, os representantes mais poderosos da sociedade estão atentos.
Os problemas se concentram na zona Oeste, na Baixada, em São Gonçalo. E aí não há atenção nenhuma do poder público. Isso está expresso por essa distribuição.
A saturação levaria a situações absurdas. Tem havido contratações de policiais para cada nova UPP, até porque se diz que os policiais mais velhos já estão “contaminados”, na sua maioria, por toda uma história.
Ocorre que esses que são contratados não são treinados para construir uma história alternativa. Pelo currículo que nós conhecemos, o treinamento é muito superficial e só no último mês de formação enfrenta as questões relativas às relações sociais, aos direitos humanos. É uma coisa absolutamente insuficiente.
E a maré montante da tradição se impõe, é claro: é uma instituição antiga, forte e os contingentes mais numerosos são esses que foram formados por outras gerações.
Viomundo – Mas houve, de fato, redução de homicídios no Rio de Janeiro?
Sim. É incontestável, não há nenhuma dúvida a respeito da redução. Há redução de homicídios dolosos em regiões de UPP, sem nenhuma dúvida, os dados são eloquentes.
Por razões óbvias: não tem mais incursão bélica. Os números de autos de resistência decrescem, decrescem as mortes e decrescem homicídios, porque as pessoas deixam de estar armadas. Menos armas em circulação, menos homicídios: de fato, tende a haver essa correlação.
O problema das UPPs é que isso tudo ocorreu em um primeiro momento. Hoje, as dinâmicas do tráfico voltaram a ser muito fortes. Na Rocinha, por exemplo, tem havido confrontos armados com policiais, tem havido perda de controle em várias áreas.
Ou seja, o Sérgio Cabral está com um problema muito sério: além da degradação das UPPs, há o crescimento do contingente de oposição dos “sem-UPP”. Porque para quem aprendeu, vendo a mídia, que UPP é uma maravilha, os que moram em favela se sentem excluídos: “mais uma vez, uma coisa boa não chegou para nós”. E o contingente dos sem-UPP é sempre muito maior do que o dos com-UPP.
Estes, por sua vez, começaram a se dividir, por causa das práticas antigas da polícia. E há aqueles que consideram que as UPPs estão criando uma dificuldade para a segurança do Estado, porque quem sai dessas áreas vai agir em outras.
Há uma percepção generalizada, por mais que o secretário negue, que isso está acontecendo. Até porque as pessoas conhecem os criminosos: “Fulano de Tal, que é da Rocinha, está aqui, do lado da minha casa, com o pessoal”. Eles vêm em grupo, armados, e criam uma sensação de medo, de insegurança, de incerteza, muito grande.
Há, então, uma tendência convergente muito negativa na avaliação do governo, nessa área, por conta desses diferentes vetores.
Viomundo – Associando falta de sustentabilidade de escala, lógica de implementação baseada em critérios de especulação imobiliária e rearticulação do crime em comunidades afastadas, o projeto das UPPs não acabam virando uma forma de jogar a sujeira para debaixo do tapete – ou para mais longe da classe média?
Claro, sem dúvida. E por isso que eu lhe disse que todo o plano tinha uma natureza política, não tinha compromisso com a seriedade. Se tivesse compromisso com o interesse público, a questão fundamental teria de ser enfrentada: a mudança das polícias. Para começar a conversar.
E as ações sociais nas favelas, as UPPs Sociais, teriam de ser colocadas como absolutamente prioritárias. Não basta o secretário de segurança dizer que isso é indispensável, teria de ser a prioridade. Isso não foi nunca prioridade do governo.
Não mexe com as polícias, a prioridade social não existe, o governo parece ser o governo das empreiteiras, para os grandes eventos, a corrupção graça e as reações às manifestação democráticas são reações repressivas do pior estilo. Nós temos realmente uma corrosão da legitimidade política do governo do Rio que é espantosa.
Viomundo – Em algumas comunidades já se escutam gritos de “Fora UPP”. Alguns movimentos sociais já têm essa expressão como palavra de ordem. Nós podemos, ao seu ver, colocar as coisas nesses termos?
Eu sou inteiramente contrário a isso, mas eu respeito estes movimentos. Toda a mídia faz apenas um mantra positivo, então posições mais sectárias na direção contrária também cumprem um papel importante.
Mas eu acho que está errado e simplesmente perguntaria ao companheiro que defendesse isso: qual é a proposta? O “Fora UPP” não é suficiente. Se dissermos “Fora essa UPP”, fora essa política, tal como está sendo conduzida, e isso associado a um conjunto de exigências: perfeito, eu endosso.
Um bom exemplo da posição que eu considero a mais consequente é, por exemplo, a dos grupos da favela da Maré. Eles pactuaram uma posição tão forte que acabou sendo reconhecida como absolutamente legítima pela sociedade e pelas polícias, inclusive. E acabaram adiando o projeto de intervenção na Maré.
Porque o pessoal da Maré distribuiu uma cartilha sobre direitos, com o que o policial pode e o que não pode. Exigiu do comando da polícia a apresentação de um plano, exigiu que aquilo fosse debatido. Queria saber do governo o que mais aconteceria, em que condições isso se faria.
Exigiram a presença da Defensoria Pública, do Ministério Público, dos defensores de direitos humanos. E isso foi tão forte, e tão evidentemente necessário, que teve o poder de adiar a decisão original do governo. O mero “Fora UPP” me parece um eco reativo à posição conservadora.
O que a esquerda nunca logrou enfrentar é a seguinte questão: como abordar o problema de um grupo armado que, em nome de interesses capitalistas – ainda que a organização seja proto-capitalista –, se imponha pela arma para vender drogas no varejo, atuando sobre a sua casa e, eventualmente, sobre a sua vida.
Isso é inaceitável, a massa da população não tolera isso. Isso é contrário aos direitos humanos, a quaisquer perspectivas universalistas. Como é que nós nos situamos diante disso? Nós achamos que isso é tolerável só porque são capitalistas mais primitivos, porque operam uma economia mais associada à marginalidade e porque as pessoas tem certas trajetórias sociais que nós compreendemos?
Então nós somos cúmplices, por inércia, deste tipo de tirania? Se isso está errado, se isso produz violações aos direitos populares, como é que nós agimos face a esse desafio e como é que nós evitamos que isso se reproduza?
Por outro lado, é claro que nós não podemos defender uma intervenção que aparentemente resolva esse problema criando outros análogos, ainda que de outro tipo. Por isso é muito importante o comprometimento dos movimentos sociais com propostas alternativas.
Por exemplo: há pessoas que defendem uma posição mais sectária para preservar o status quo e beneficiar os seus pares. Dentro da polícia, eu conheço alguns personagens que são contrários às mudanças, que estão ligados ao status quo, que querem a conservação do poder e, ao mesmo tempo, criticam o reformismo, o gradualismo, sustentando que apenas uma revolução poderia de fato alterar a natureza dessas instituições.
Bom, diante dessa postura, todos voltamos para casa impotentes para mais uma noite de sono. E, no dia seguinte, o que está vigente? O status quo. E os oponentes do status quo estão desmobilizados, porque estão à espera da redenção. E os outros estão celebrando, com champanhe, a manutenção do status quo. É esse o resultado que a gente colhe deste tipo de crítica.
Viomundo – Um estudo do Ipea de janeiro de 2012 (Daniel Cerqueira, Textos para discussão, Ipea, n. 1697, jan. 2012) aponta distorções nas estatísticas de homicídio no Rio no ano de 2009. A pesquisa usa termos como “omissão” e “escamoteamento” e diz que a redução do número de homicídios anunciada pelo governo estadual coincide com o aumento dos óbitos classificados como “causa indeterminada”. Além disso, há um aumento do número de desaparecidos. O quão confiáveis são os dados do governo?
Em primeiro lugar, esses dados são sempre problemáticos, mesmo que haja toda a boa vontade. Os dados de desaparecimento e de mortes violentas são muito complicados, por uma série de razões. No Rio de Janeiro, havia várias categorias que poderiam descrever o mesmo fenômeno: homicídio doloso, encontro de cadáver, encontro de ossada, morte suspeita, afogamento.
Às vezes aparecia um cadáver com a marca de um tiro na nuca, entretanto no mar. Então às vezes se fazia a classificação de “afogamento”, para um sujeito com um tiro na nuca! (risos)
Essas gavetas podem ser abertas a qualquer momento. Se os números ultrapassam certos limites, você desloca. Para acabar com isso, eu sugeri que nós unificássemos essas categorias em uma só: crime letal intencional. Isso, inclusive, acabaria com uma outra perversão na classificação: o crime seguido de morte, ou latrocínio, é codificado como crime contra o patrimônio.
O que é um absurdo do ponto de vista da segurança pública, em que nós estamos preocupados com a vida. Se a consequência é a morte, isso é que é o mais relevante. Depois, essa minha proposta acabou sendo em grande parte descartada.
Há, então, uma flexibilidade muito grande, se o governo tiver más intenções. O ISP (Instituto de Segurança Pública) é, em geral, dirigido por pessoas bem-intencionadas e eu acho que ele merece credibilidade.
O Daniel Cerqueira, excelente pesquisador, de fato mencionou problemas graves e, ao fim e ao cabo, parece ter havido uma grande confusão entre as secretarias de Segurança e de Saúde, de base de dados etc. Não necessariamente, pelo o que eu entendi, houve má intenção na manipulação dos dados, mas equívocos importantes.
Viomundo – E quanto aos desparecimentos?
Nós não podemos dizer que todos os desaparecimentos sejam homicídios. Há de tudo, inclusive muitos que reaparecem e não são notificados. Então é muito primário dizer que os desaparecimentos são homicídios. Pesquisas mostram como essa categoria é vasta. Mas certamente há, aí, um lote – nós não sabemos de que dimensão – que inclui também homicídios.
O professor Ignacio Cano fez uma pesquisa cujo título é expressivo de uma mudança da ação das milícias: “No sapatinho”. Ele quer dizer o seguinte: as milícias matavam ostensivamente, porque a morte era um ritual dramático de afirmação de poder, era exemplar para a reprodução do domínio. Então se matava e se torturava publicamente.
Depois da CPI das Milícias, depois de o delegado Cláudio Ferraz prender mais de 500 milicianos, depois de os jornalistas do jornal O Dia serem torturados e quase mortos, e com a mudança de ares políticos que se deu com o debate público, os milicianos – que eram, segundo as autoridades conservadoras tradicionais, expressão da “autodefesa comunitária” [expressão atribuída comumente ao ex-prefeito César Maia] – foram ressignificados e hoje são vistos majoritariamente como criminosos.
Políticos, mesmo aqueles que na prática continuam aliados às milícias, afastam-se para evitar o contágio simbólico. Isso significa o seguinte: eles têm, agora, de adotar outros métodos, outras práticas, porque estão sob o escrutínio público.
Então eles matam silenciosamente, sepultam os cadáveres, os fazem desaparecer. E impõem à família silêncio, para que ela não denuncie. Isso também aumenta o número de desaparecidos.
Viomundo – Uma pesquisa de 2003 apontou que mais de 65% dos 1195 autos de resistência registrados naquele ano apresentavam traços nítidos de execução, como tiros na nuca, tiros na cabeça, de cima pra baixo etc.
Os números são eloquentes e é sempre interessante reiterá-los, a despeito de já serem muito conhecidos: de 2003 a 2012 (inclusive) houve 9.646 mortos provocados por ações policiais no Estado do Rio de Janeiro. Um número dantesco.
Nós não sabemos quantos desses autos de resistência constituem execuções extrajudiciais. E o fato de não sabermos já é indicativo da gravidade desse processo: não há investigação, não há nenhum tipo de responsabilização. Salvo excepcionalmente, quando se atinge alguém da classe média e se sai daquele universo já estigmatizado, que se mantém à sombra de qualquer tipo de visibilidade legal e democrática.
A própria experiência mostra, e os depoimentos confirmam, que provavelmente a enorme maioria é constituída por execuções extrajudiciais. O fato de elas não serem investigadas já é, também, um sintoma de tudo isso.
Enfim, nós temos um processo bárbaro, selvagem, de violência perpetrada pelo Estado através desse aparato institucional. É uma máquina de morte. Máquina que afeta, também, violando direitos, os trabalhadores policiais, que são alvos de uma série de práticas violentas ou de tratamentos e abordagens violentas.
A perseguição que se dá, inclusive política, é impressionante. O presidente da ACSMCE (Associação de Cabos e Soldados Militares do Ceará), Pedro Queiroz, foi exonerado da Polícia Militar porque organizou uma reunião. No encontro último que eu tive para discutir a PEC-51, com 17 lideranças policiais, três foram presos quando retornaram aos seus Estados. Os militares são proibidos de se organizar, de discutir.
Isso é parte das normas e isso expressa a natureza militar da sua instituição. Isso é parte fundamental do problema.
Viomundo – Há grandes esforços para fornecer ao policial das UPPs um outro tipo de formação?
Um esforço suficiente para produzir mudanças? Não, não há.
Não estou dizendo que não haja pessoas bem intencionadas, mas não é suficiente, porque não há uma política institucional mais abrangente.
Mas, mesmo que houvesse, tampouco seria suficiente, porque a estrutura institucional militar determina um certo tipo de funcionamento dos seus agentes, reduzindo-lhes campo de liberdade na atuação. E esse padrão tem um corte, tem uma direção política inexorável. Simplesmente pelo seguinte: ao policial, na ponta, não cumpre pensar, mas cumprir ordens.
E por que é assim? Porque a estrutura é hierárquica, a vertebração é rigorosa organizacionalmente e há uma concentração decisória.
Isso funciona no exército, porque o propósito é fazer com que o método adotado por essa instituição, que é o pronto-emprego, se viabilize. Para quê? Para atingir as suas metas constitucionais, que são a defesa da soberania nacional, etc., envolvendo inclusive práticas bélicas quando necessário.
Então se deduz da finalidade (que é, no limite, fazer a guerra) um método (pronto-emprego) do qual decorre a necessidade de um certo tipo de estrutura organizacional. Há, então, a ideia, de que preciso que exista uma fonte exclusiva de ordens, que deve fluir sem óbices por todas as cadeias comunicacionais, até a base, para promover um deslocamento célere de grandes contingentes humanos e materiais. Isso se justifica em razão da natureza desse embate, que é a guerra.
A aplicação à polícia militar desse mesmo modelo organizacional só se justificaria se a missão da PM fosse análoga à do exército. Não é. Mesmo constitucionalmente, não há nenhuma relação. Algumas práticas são similares, ainda que distintas.
Mas representam menos de 1% das atividades da PM no Brasil. Nada pode justificar a organização de 99% das atividades com base em 1%.
E se nós, então, extrairmos as consequências desse modelo organizacional, nós compreenderemos que cumprirá ao policial, na ponta, apenas a execução de determinações superiores, sempre.
E nós temos muitas experiências no Brasil de policiais inteligentes, que buscaram iniciativas criativas, outros tipos de postura, e que foram punidos porque romperam o pacto, o paradigma do funcionamento institucional. Portanto isso não é irrelevante ou secundário. É decisivo.
Viomundo – Talvez seja interessante entrarmos, agora, na discussão sobre a PEC-51, que o senhor ajudou a redigir e que define como sendo uma revolução da arquitetura institucional da segurança pública no Brasil. A desmilitarização é colocada claramente como um dos cernes dessa proposta. Quais são os outros pontos principais e por qual motivo ela teria esse caráter revolucionário?
Esta arquitetura institucional, nós herdamos da ditadura. Aqui, é necessário um parênteses: eu nunca disse que a polícia militar foi criada pela ditadura. Ela foi criada com a vinda da corte para o Brasil e com a necessidade de caçar os escravos, de operar a escravidão. A ditadura não precisou inventá-la: ela era já um legado histórico do escravagismo, da violência de classes na sua modalidade mais ostensiva, despudorada, mais trágica.
Mas o fato é que nós herdamos o modelo arquitetônico institucional. Com alguns ajustes em 1988, na promulgação da Constituição.
Algumas características: a União é quase impotente. Ela só intervém na crise. Senão, ela pode lavar as mãos.
Tem a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública), a qual cumpriria supostamente formular uma política nacional, para o que ela não dispõe de instrumentos ou de autoridade. Portanto, a rigor, a Senasp não tem maior função pela natureza do ambiente legal no qual se inscreve.
Mais do que isso, a União não interfere. Ou seja, ela pode lavar as mãos em relação ao genocídio praticado pelas polícias estaduais, pode continuar repassando recursos para os Estados, para segurança pública, mesmo que os Estados continuem com suas Pedrinhas, esses presídios que são açougues humanos, desrespeitando a lei. E mesmo que as polícias não cumpram as leis.
A União também lava as mãos em relação à formação do policial. Assume responsabilidades na educação em todas as áreas, mas na segurança, não.
As polícias se formam às vezes com um mês, às vezes com um ano, com currículos completamente distintos. Uma verdadeira babel. Não há nem um ciclo básico mínimo. Eles têm, todos, o mesmo nome, são todos policiais, ainda que com qualificações distintas. E, se são todos policiais, teriam de ter pelo menos um ciclo básico mínimo, como acontece na engenharia ou na medicina.
O sujeito pode ser pediatra, ginecologista, neurocirurgião, mas é médico e, sendo médico, tem de cumprir alguns quesitos na sua formação.
A União tem feito questão de não se responsabilizar mais do que já o faz, porque isso é um problema político que traz só desgastes. Nenhum governo federal tem nenhum interesse em mudar esse quadro.
Os municípios estão excluídos. E qualquer leitor da política pública brasileira após 1988 verá que o município tem, crescentemente, um papel relevante em todas as áreas mais significativas. Todas as políticas mais estruturadas – na saúde, na educação, na ação social – envolvem o município, com repartição de responsabilidades, de recursos etc.
Na segurança, não existe nenhuma participação dos municípios. Há uma referência brevíssima, no artigo 144, que diz que o município pode criar uma guarda para proteger o próprio municipal – as estátuas públicas, o palácio municipal etc.
Viomundo – No entanto, a ação das Guardas Civis Municipais vai muito além disso, na prática.
Na prática, não tem rigorosamente mais nada a ver com vigia de prédio. São protopolícias, às vezes armadas, dirigidas por um militar. São pequenas PMs em desvio de função, que replicam as estruturas peremptas, já desgastadas e irracionais das velhas polícias militares. E, mais ainda, replicam os seus defeitos, sem que haja nenhuma política alternativa para a sua formação etc.
E ninguém questionou a sua constitucionalidade. Mas pode fazê-lo, porque de fato elas não estão previstas constitucionalmente.
Diante deste quadro todo, a responsabilidade recai sobre os governos estaduais e suas duas polícias. Então, no desenho mais amplo, essas questões são muito relevantes.
Viomundo – Outra proposta-chave da PEC-51 é a ideia de que toda polícia deve realizar o ciclo completo do trabalho policial: preventivo, ostensivo, investigativo.
Aí chegamos a outra parte da arquitetura institucional da segurança pública que é o modelo policial, essa jabuticaba institucional. Uma parte do trabalho, a investigativa, quem faz é a Polícia Civil; a outra parte, preventiva e ostensiva, quem faz é a PM.
Esse tipo de distribuição não funciona. Não sou eu que digo, há um grande consenso entre aqueles que lidam com essa área, estudam, pesquisam. Mas, sobretudo, há um grande consenso entre os operadores, os agentes, os profissionais policiais. E
m 2010, 70% dos policiais e dos profissionais de segurança pública (agentes penitenciários, guardas municipais etc) consideram o nosso modelo policial falido. E é fácil constatar.
Viomundo – E de quem vem a resistência? Se não vem dos policiais, que é o que comumente se imagina, quem resiste e por qual motivo?
Pra completar a pergunta, a gente teria de saber: mudança para onde? Porque tem certas coisas que eu quero mudar, mas eu não estou disposto a mudar pra qualquer lugar, de qualquer maneira. Algumas coisas muito ruins podem ficar piores (risos).
É difícil fazer uma proposta que atenda a maioria, que seja o mais consensual possível. Mas há um consenso razoável nas polícias quanto às mudanças, sim.
Quanto à desmilitarização, nas bases da PM sem dúvida nenhuma a grande maioria quer a desmilitarização. Não apenas para ter a possibilidade de se sindicalizar, mas para deixar de ser regida por códigos disciplinares que são frequentemente inconstitucionais.
Na maioria dos Estados, eles podem ser presos pela mera vontade do superior, sem contraditório, sem qualquer acusação formada. Simplesmente pela veleidade subjetiva daquele protagonista.
São situações inacreditáveis de arbítrio às quais eles são submetidos. Muitas vezes nós não lutamos solidários aos seus direitos. E isso é muito importante: são trabalhadores, cidadãos, submetidos a todos os tipos de violação e de exploração.
Frequentemente eles não são a fonte daquelas decisões políticas que eles aplicam, eles são agentes. Não quero desresponsabilizá-los individualmente, mas é preciso que nós compreendamos o quadro mais amplo.
A PEC-51 é fruto de mais de vinte anos de negociação e de discussão, até que se chegou a um mínimo denominador comum, que ainda assim gera muita resistência, que envolve: desmilitarização, ciclo completo e carreira única no interior de cada instituição.
Viomundo – O que significa carreira única?
Carreira única significa uma única porta de entrada. Depois, com méritos, provas, há a progressão na carreira. É a bandeira, por excelência, dos policiais da base da Polícia Civil e da base da PM.
Imagina você trabalhar 25 anos sabendo que você só vai chegar a sargento. Você já sabe qual é o salário, sabe qual é a imagem pública etc.
Mesmo que você seja o melhor policial do mundo, você não tem como ir além disso, porque você entrou pela porta de baixo. Se você entra como oficial, você pode dirigir aquela instituição, você pode ser coronel, não há limite para a sua ascensão.
No caso da Polícia Civil, a sociedade não está informada sobre seu funcionamento. Todos os que ouvem a descrição de seu funcionamento ficam perplexos. Há uma tendência natural ao apoio à carreira única.
Imagina um rapaz ou uma moça de 23 anos, de classe média, que fez uma excelente faculdade e, depois, se dispõe a fazer um concurso para delegado, assim que se forma como bacharel em direito.
Nunca ouviu falar em segurança pública na vida, ou em gestão. Não é matéria da sua formação. É bom lembrar que segurança pública é uma questão bastante distinta do bacharelado em direito, ainda que haja sobreposições tópicas.
Essa pessoa passa no concurso, faz um mês de adaptação e assume a condição de delegado auxiliar em uma delegacia.
Vai dirigir, vai comandar 30 ou 40 profissionais, alguns que estão lá há 20 ou 25 anos. Vai ganhar muito, muito mais, ter muito mais prestígio e o céu é o limite para a sua progressão. Os outros estão condenados a ficar ali.
Aí alguém diria: “pô, mas o que está lá pode fazer o concurso também”. Pode… o sujeito trabalha dia e noite, com aqueles turnos incríveis, às vezes ainda tem de fazer bico na segurança privada, exaurido, não tem nenhum estímulo pra estudar, nenhum apoio para se preparar, sabendo que vai competir com esse jovem que só fez isso da vida. E que os 20 anos de trabalho na instituição não valem um ponto.
Não vale meio ponto, não vale 0,1 ponto em qualquer prova! Isso é uma desfaçatez, é um desrespeito. A sua história não vale nada?
É assim que se forma essa divisão interna. Isso é tão importante que, na Polícia Federal, amigos meus agentes dizem: “Atenção, em qualquer momento vai haver morte. O nível de conflito interno, de tensão, é tal, e todos nós armados nos cruzando pelos corredores, que um dia vai haver um confronto. Nós estamos próximos disso, não suportamos mais”.
Viomundo – De onde vêm as resistências à carreira única?
A reação muito forte, aqui, tem sido dos delegados de polícia e de alguns oficiais. Na PM, a maioria dos policiais talvez seja contra, mas a resistência maior, mesmo, é na Polícia Civil.
Muitas PMs já estavam fazendo uma reflexão autocrítica, entendendo a necessidade dessa mudança, algumas já estavam começando a adotar porta única de entrada, já estavam começando a rever essa história de praças versus oficiais, criando um espaço interno mais democrático, mais universalista. Mas na Polícia Civil há uma resistência muito grande.
Viomundo – Acabar com a divisão dos ciclos (preventivo, ostensivo, investigativo) significa, necessariamente e em todos os casos, unificar as polícias?
Não. Isso é importante, porque nós poderíamos gerar monstrengos.
Imagina em São Paulo, onde nós temos dois monstrengos: a PM, com 100 mil pessoas, e a Polícia Civil, com 35 mil. Juntando os dois, nós vamos ter um monstrengo maior ainda.
Se já são ingovernáveis separadamente, imagina elas juntas. E elas seriam [o equivalente a] um terço do Exército nacional. O poder de chantagem seria extraordinário. Não faz nenhum sentido isso.
Já no Acre, no Amazonas, em outras áreas, há um processo histórico de aproximação, de integração. Ali, eventualmente, uma unificação poderia ser vista como natural, fruto de muitos anos de uma política mais ou menos convergente. Polícias pequenas, Estados menores, você pode ter essa integração.
Viomundo – E a PEC-51 comportaria, então, todas essas variações?
Todas as variações que você quiser, desde que os princípios sejam respeitados.
Cada Estado discutiria isso internamente e colocaria na sua Constituição Estadual uma decisão sobre o modelo de polícia, respeitados desmilitarização, ciclo completo e carreira única no interior de cada instituição.
Aí é matéria para discutir com a sociedade, tem um prazo de cinco ou seis anos. Esse é um processo de transição com participação da sociedade, com controle externo.
Viomundo – Mas como haveria ciclo único com duas polícias?
Pode haver 50 polícias. Você pode ter polícias pequenininhas. Nos EUA são 21 mil polícias.
Você pode, por exemplo, distribuir por tipos criminais diferentes. Você pode ter polícias municipais nos municípios grandes – em vez de serem guardas, seriam polícias, assumindo todas as responsabilidades – e que cuidassem dos crimes de pequeno potencial ofensivo (atinentes à Lei 9.099/95).
Fazendo todo o ciclo, mas relativamente aos crimes de pequeno potencial ofensivo. Que correspondem a 65% dos atendimentos nas delegacias. Então você desobstruiria as delegacias, repassaria isso para o âmbito local, sendo questões menores que exigem outro tipo de intervenções.
Você pode ter uma polícia para tratar só de homicídio doloso, por exemplo, ou só de crime organizado. O que seria uma espécie de Polícia Federal de âmbito estadual, fazendo uma analogia. Você pode ter polícias metropolitanas, regionais.
Você pode multiplicar o número de polícias, se você achar que dessa maneira a sociedade controla melhor, tem mais transparência, tem mais plasticidade. Ou você pode criar polícias maiores. São pactos estaduais, mas os princípios têm de ser respeitados.
Viomundo – A gente sabe, entretanto, que é extremamente difícil aprovar uma PEC. E o senhor mesmo já buscou outras formas de alterar a arquitetura de nossas instituições policiais. Por exemplo, como sub-secretário de Segurança Pública do Rio [gestão Garotinho], o senhor tentou promover a integração das polícias através de um artifício que era o Instituto de Segurança Pública, que convocaria seletivamente policiais que trabalhariam juntos na Delegacia Legal e no Batalhão Legal. Esses policiais seriam, então, lotados no que o senhor chamava de um mesmo plateau institucional. Não há a possibilidade de se buscar a reestruturação da arquitetura institucional sem necessariamente se aprovar uma PEC?
Não, não há. E essa minha história ajuda a prová-lo.
A experiência era essa: já que nós temos essas duas polícias, vamos criar um artifício pelo qual alguns policiais, até voluntariamente, se disponham a uma nova experiência. Aí nós vamos ter uma outra formação, para um outro tipo de abordagem, e vamos, experimentalmente, demonstrar outras possibilidades.
Isso, entretanto, foi alvejado em pleno vôo por uma ação da Associação de Delegados, que declarou inconstitucional essa tentativa.
Eles ganharam a causa, mostrando que efetivamente não se pode promover nenhuma transformação maior por artifícios deste tipo. A Constituição é uma camisa-de-força, que impõe limites realmente muito vigorosos.
Viomundo – Na pré-história das UPPs, nós temos os chamados Mutirões pela Paz, criados pelo senhor e por sua equipe, na Secretaria de Segurança do governo Garotinho, em 1999.
E depois o Gpae [Grupamento de Policiamento de Áreas Especiais].
Viomundo – Exato. De que modo esses seus projetos tentavam evitar ou minimizar estes problemas que hoje estão patentes nas UPPs?
Nunca me ocorreu usar a expressão que hoje é comum: pacificação. Eu acho um equívoco suscetível a todo tipo de manipulação demagógica etc.
*Dario de Negreiros viajou ao Rio de Janeiro com as despesas pagas pelos assinantes do Viomundo, aos quais agradecemos por compartilhar jornalismo independente com os demais internautas. Esta reportagem faz parte de uma série sobre as políticas públicas do Rio de Janeiro na área de segurança.
Leia também:
Marcelo Freixo: Globo é sócia de um projeto autoritário de cidade
Carlos Vainer: Rio promove “limpeza urbana” e será cidade mais desigual em 2016

(Publicado originalmente no site Viomundo)

Michel Zaidan Filho: Os anarquistas, os movimentos sociais e a Política


É do filósofo judeu-alemão Walter Benjamin a polêmica frase de quase não há objetivos sensatos na Política, entendida esta como reino da racionalidade estratégica ou instrumental. Naturalmente, referia-se ele à tradição maquiavelicamente da Política, enquanto mero meio de conquistar o Estado e mantê-lo, a qualquer custo, indiferentemente quanto aos meios utilizados para isso. 

Vem daí a infeliz constatação de que "os fins justificam os meios" ou a conhecida ética das consequências ou ainda, as chamadas "razões de Estado". Embora não seja filosoficamente anarquista ou neo-anarquista, tenho a obrigação moral e política de dizer que o anarquismo e o neo-anarquismo contemporâneos, que estão presentes nos atuais movimentos sociais, não nada a ver com práticas blanquistas ou carbonárias e, muito menos, com ações terroristas, seja lá o que se entenda por isso. 

 A recusa dos militantes libertários à Política institucional, representativa ou partidária decorre de uma compreensão filosófica que vê a natureza humana como intrinsecamente boa e o Estado como uma perversão social,independente da forma institucional que assuma (república, monarquia, democracia, ditadura etc.). Para os anarquistas, o problema está no designado "princípio de autoridade" em si mesmo,mesmo numa sociedade que chame a si própria de libertária ou socialista.

Dai a preferência pela ação direta ou a cultura mobilizatória, sem a intermediação político-partidária. Os militantes anarquistas têm uma desconfiança intrínseca da Política institucionalizada, entendida muitas vezes como o supra sumo da alienação humana. O melhor governo é o autogoverno e a liberdade política é indelegável.

Por isso nada mais estranho que atribuir a gênese dos movimentos sociais à ação de partidos políticos ou a políticos dotados de motivações escusas (carbonárias, blanquistas ou terroristas).

Estes movimentos são totalmente avessos à participação de partidos ou políticos partidários. A tentativa infame de se atribuir a esses o protagonismo dos militantes sociais só pode ser explicado à luz de uma teoria conspirativa muito ao gosto da polícia e dos governos autoritários que não toleram nenhum movimento de contestação ou de crítica. 

Para estes últimos, qualquer tentativa de oposição é golpe, é conspiração ou ação terrorista. Como dizia Rosa Luxemburgo, a liberdade só faz sentido para quem pensa diferente de nós, que discorda do nosso pensamento. Onde não há contraditório ou dissenso, a liberdade é inútil,pois todos pensam igualmente. Para os ditadores líderes autoritários, a liberdade é um mal-entendido ou é o direito do cidadão dizer "amém", "sim, senhor". Esta palavra não existe no dicionário político dessa estirpe de políticos.

A liberdade é um direito universal, não está submetido a nenhuma condicionalidade. Muito menos a vontade (e ao entendimento) do inspetor de quarteirão da esquina. Quando se começa a adjetivar a liberdade ou a submete-la a condições ou a concordância autoridade policial, ela deixa de existir. 

Assim , não deixa de ser surpreendente que um governo (do PT) e uma imprensa que foi vítima, a pouco tempo, de tantas violências e arbítrio de uma ditadura militar, faça coro com aqueles que querem sim proibir a livre manifestação da crítica dos movimentos sociais. Por acaso, não sabem por experiência própria que o fim das liberdades públicas começa sempre pelo direito do livre pensamento de algum setor da sociedade? 

Ou esses desavisados acham que contarão com o beneplácito ou um salvo-conduto dos futuros liberticidas deste país?

Michel Zaidan Filho, sociólogo é professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Jornalista pede ajuda para enfrentar Ali Kamel na Justiça



publicada segunda-feira, 10/02/2014 às 09:04 e atualizada segunda-feira, 10/02/2014 às 09:31

Roberto Marinho não morreu. Sobrevive como inspiração aos que comandam o Jornalismo global e usam a Justiça para esmagar quem diverge
por Marco Aurelio Mello, blogueiro e jornalista
 
Parece até que eu estava adivinhando.
 
Mal encerrei as atividades no blog na semana passada, e acabo de receber, na última terça-feira, mais uma ação judicial de Ali Kamel pedindo nova indenização.
 
Curiosamente, a ação vem logo após um momento de consagração profissional. No fim do ano passado recebi um dos mais importantes prêmios de jornalismo do país, o Prêmio Petrobras. Escolhemos um assunto árido, pouco retratado na grande imprensa: os refugiados. Não tenho culpa de ter escolhido ser jornalista, enquanto Ali preferiu trilhar a carreira de chefe.
 
Cada um tem o talento que Deus deu.
 
No entanto, fico chateado, porque em março faz sete anos que sai da TV Globo e até hoje tenho que responder por insinuações caluniosas que não fazem parte da minha personalidade, nem do meu caráter. Aliás, todos que já trabalharam diretamente comigo podem atestar o quanto priorizo a relação, em detrimento muitas vezes de exigências descabidas impostas por chefes.
 
Na verdade, o que parece, ao me processar de novo, é que Ali quer me sufocar financeiramente. Na primeira ação que moveu contra mim, cuja sentença em primeira instância foi dada em março do ano passado, fui condenado a pagar R$ 15 mil reais de indenização. Apesar de ter gente cantando vitória antes da hora, recorremos e é fato que esta ação só pode ser considerada ganha depois que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro apreciar a apelação. E mais: enquanto houver recurso, recorreremos.
 
Na nova ação (processo número 0285512-08.2013.8.19.0001, da 47ª Vara Cível do Rio de Janeiro), ele agora se diz atingido por um desabafo que escrevi em julho do ano passado (http://maureliomello.blogspot.com.br/2013/07/um-desabafo.html). Dentre outras peripécias, ele afirma que nos seis anos que fui subordinado a ele nunca critiquei o jornalismo da Globo. Mentira. Todas as críticas que fiz, e não foram poucas, fiz internamente. Diz, também, que o acusei, basicamente, de ser um mau profissional, por ter desqualificado o modo de fazer jornalismo da emissora. Reafirmo e provarei isto na ação judicial.
 
Só há um problema: desta vez, não tenho como me defender. Vivo do meu salário da TV Record e, ao contrário do que Ali insinua na ação, não misturo as coisas. Por isso, não acho justo pedir a eles que me defendam.
 
Por isso, a única coisa que me resta fazer é um apelo aos frequentadores do blog e aos seguidores do Facebook e do Twitter. Quem sabe se contribuindo com uma quantia qualquer, mesmo que sejam poucos reais, não consigo juntar o bastante pagar as despesas. Como você bem sabe, Ali, movimentar os martelos dos tribunais custa caro, muito caro. Só para me defender de você na primeira ação já gastei o equivalente a um automóvel zero quilômetro. E o “taxímetro” continua correndo.
 
Espero que, desta vez, já que é mais do mesmo, não tenha custos tão altos.
Para os que quiserem me ajudar, aí vão os dados:
 
MARCO AURELIO C DE MELLO
BRADESCO
agência: 1363-3
conta corrente 0120558-7
 
Faço uma última observação. Os valores apurados serão gastos exclusivamente com as custas dos processos em curso, todos os dados serão apresentados e, se necessário, auditados. Também faço questão de recolher todos os impostos devidos, sem sonegação, porque acredito que só assim construiremos um país melhor, mais justo e menos desigual.
 
Prefiro ser respeitado, a ser temido e espero que você encontre paz no seu coração, Ali Kamel.
 
Honestamente, me esqueça, porque ao contrário do que alude, não perco meu precioso tempo procurando atacá-lo obsessivamente, como quer fazer crer a seus subalternos, amigos, parentes e, agora, à Justiça.
Leia outros textos de Radar da Mídia
    (Publicado originalmente no site "Escrevinhador".

Suplicy dá cartão vermelho em Gilmar Mendes


Enviado por  on 15/02/2014 – 4:56 pm1 comentários
O ideal era que Suplicy respondesse Gilmar Mendes protocolando um pedido de impeachment do ministro. Alguém no Senado, algum dia, terá de mostrar aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que eles não podem tudo. Eles são aprovados pelo Senado e podem ser derrubados pelo Senado.
Mas responder já é um primeiro passo. Então segue abaixo a resposta de Suplicy à Gilmar Mendes, o único juiz do mundo que goza de liberdade para caluniar e injuriar outros cidadãos.
*
Ofício n.º 00113/2014 Teerã, 15 de fevereiro de 2014.
Senhor Ministro Gilmar Mendes,
Tendo em vista a correspondência de V. Exa. datada de 12 de fevereiro de 2014, devo externar que não tenho dúvidas de que, como cidadão, tem todo o direito de se expressar sobre essa ou aquela situação da vida política de nosso país. Porém, como juiz da causa que condenou os acusados, caberia a V. Exa. maior reserva.
Quando V. Exa. questiona, sem qualquer prova material, a regularidade das doações a José Genoino, Delúbio Soares, José Dirceu, e João Paulo Cunha, passa-me o sentimento de que não julgou com base exclusivamente na razão. Isso não é bom para o papel que o Supremo Tribunal Federal (STF) desempenha na Organização dos Poderes da República.
Até onde tenho conhecimento, as famílias dos quatro membros do Partido dos Trabalhadores é que tiveram a iniciativa de fazer a campanha para arrecadar fundos e pagar as multas condenatórias. Não vejo ilegitimidade ou ilegalidade nessa conduta.
E foi isso que me motivou a escrever a V. Exa. – a surpresa de tomar conhecimento de um comentário público, questionando doações sem qualquer fundamento probatório que o amparasse.
E tudo isso, considerando ainda que o julgamento da Ação Penal 470 não está concluído no STF, pois encontra-se em curso a análise dos embargos infringentes.
Noto que V. Exa. não se referiu ao que considero da maior importância em minha carta, qual seja, as decisões que nós do PT e de todos os demais Partidos devemos tomar para prevenir e evitar os procedimentos que foram objeto da Ação Penal 470. Eis porque tenho me empenhado para que venhamos todos, nas campanhas eleitorais, assumir o compromisso de não utilizarmos recursos não contabilizados, de proibirmos as contribuições de pessoas jurídicas, de limitarmos a uma soma módica as contribuições de pessoas físicas e, de exigirmos, durante a campanha eleitoral, a transparência em tempo real, ou nas datas de 15 de agosto, 15 de setembro e ultimo sábado que antecede o domingo das eleições, com o registro na página eletrônica de cada partido, coligação e candidato, de todas as contribuições recebidas. Desta forma, os eleitores terão conhecimento dos doadores e poderão comparar as contribuições feitas com os gastos efetivamente realizados em cada campanha.
V. Exa., que acaba de assumir como ministro efetivo do Tribunal Superior Eleitoral, poderia, pela posição que ocupa, incentivar os formadores de opinião da sociedade no que diz respeito à efetivação desses anseios como normas que têm sido apoiadas pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, pela OAB e muitas outras entidades da sociedades civil.
Atenciosamente,
Senador Eduardo Matarazzo Suplicy
A Sua Excelência o Senhor Ministro Gilmar Ferreira Mendes
Supremo Tribunal Federal
Pça Três Poderes, s/n – Plano Piloto
70175-900 – Brasília – DF
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(Publicado originalmente no site O Cafezinho)

Batman, Sininho e o teatro do absurdo nas ruas do Rio


publicado em 14 de fevereiro de 2014 às 13:33

por Bonifa, em comentário no blog
Sininho [Elisa de Quadros Pinto Sanzi] parte de uma tribo de jovens que não cabe chamar de anarquistas, nem de trotskistas, nem de qualquer outra denominação política conhecida. Há muitas tribos como esta em todo o Brasil, ajuntamento informal de jovens que querem gozar uma liberdade semelhante à dos antigos hippies, enquanto também querem ser protagonistas de uma suposta revolução que não tem teoria revolucionária.
Aliás, abominam qualquer teoria política, como foi a princípio no movimento estudantil francês de 1968.
Não queremos nos estender na análise destes grupos, de resto matéria para estudo especializado de fôlego. Mas estes jovens estão ainda a confundir limitações familiares com opressão do Sistema, embora não saibam o que é o Sistema e nem sequer sonhem que de certa forma pertencem ao Sistema, já que acreditam na força do voluntarismo individualista, exatamente como o Sistema quer que seus jovens acreditem.
A tribo de Sininho é mais ou menos assim, gente jovem que quer mudar o mundo mas nem sonha em saber o quanto isto seja difícil, embora tenha optado por viver nas ruas pregando abertamente seu pequenino ideal mal formulado.
Estas tribos trazem a simpatia da juventude para seu idealismo tão abstrato quanto supostamente abrangente. Natural que qualquer cidadão contribua para as atividades, artístico-culturais-políticas, de tais jovens.
Quais são estas atividades? No caso do Rio e da tribo de Sininho, promover hapennings teatrais no centro da cidade, como o evento “Mais amor, menos capitalismo”, ou como a tal ceia de Ano Novo com os moradores de rua na Cinelândia.
Estas ações são postas em vídeo na Internet e têm alguma repercussão.
Impossível não compreender que cidadãos comuns podem perfeitamente contribuir com isso de modo espontâneo e desinteressado, muito embora tenha havido contestação forte por parte de alguns cidadãos que chamaram a atenção dos integrantes da tribo de Sininho, apontando para a alienação supostamente politizada de seu movimento e pelo perigo de que pudessem ser manipulados pela direita, como se vê neste vídeo, onde o Batman colega de Sininho é peitado no centro do Rio.
Para completar o teatro do absurdo, entra em cena uma senhora muito perturbada, típica pessoa de cabeça feita pelas mirabolâncias fascistas de nossos inacreditáveis blogs da Extrema Direita.

A performance dela neste vídeo nos faz pensar que talvez a extrema direita da Internet já tenha ganho a batalha da informação pela rede, e fez ótimo trabalho de preparação para a objetivação de um golpe da direita, seja na marra ou no assalto furioso à disputa eleitoral.

Estas tribos de jovens , de pouco tempo, talvez um ano, para cá, têm se aproximado do PSOL, e têm sido bem recebidas pelo partido.
Não poderia ser de outra forma. Jovens assim dão um alento de juventude e liberdade que a ala formal do partido já não possui, com seu rancor de um esquerdismo ranzinza e às vezes francamente hostil a outras agremiações progressistas, já que tem colocado o alvo de combater o Governo federal muito acima do alvo de combater as injustiças e a desigualdade social.
O Psol, embora sem qualquer ligação formal com tais jovens, é preciso acentuar esta observação, tem se renovado com sua aproximação, parece um novo partido cheio de vitalidade cultural e artística. Mas no próprio desabafo de Sininho contra companheiros de tribo que estão se comportando mal, desabafo fartamente veiculado pela mídia, ela fala que vai, como todos, votar nulo. E que concorda com a posição da tribo que seria a de usar o Sistema contra ele mesmo, ou seja, usar os políticos, do Psol, claro, para detonar a política formal do Sistema.
Na tribo de Sininho há, é óbvio, contabilidade para as doações. Isto é necessário para um mínimo de organização. Mas também deve ter funcionado como fonte de atritos, porque como falava Trotski, quando se trata de repartir valores ou bens, a tendência é a de que quem reparta seja mais generoso consigo mesmo e com quem lhe seja simpático, mesmo que se trate do mais idealista dos grupos humanos.
A tribo de Sininho com certeza absoluta não é a única a agir nas manifestações do Rio. Há outras tribos, de conexão mais ou menos tênue entre seus membros.
E os black blocs não são obviamente a tribo de Sininho, embora a tribo de Sininho tenha sido, por algum momento, parte dos black blocs. Só quem quer confundir a opinião pública pode espalhar que os black blocs sejam uma organização única.
E é bem provável que a contabilidade da tribo de Sininho tenha em algum momento servido para o transporte e a alimentação de jovens determinados que fariam a segurança de movimentos de rua, a princípio contra os ataques da polícia.
Desde o movimento estudantil da época da Ditadura existem estas tais brigadas de segurança e defesa nos movimentos de rua. Gente forte e sem medo.
Agora, quem participou dos movimentos nas ruas, pôde ver em dado momento estes rapazes mascarados pedirem passagem orgulhosamente pela multidão: “abram alas para o Exército Popular”.
Pediam passagem para se posicionarem na vanguarda da passeata, para enfrentarem ou desafiarem a polícia, protegendo os integrantes da passeata de alguma violência policial.
Até aí, tudo bem. Mas apenas para ilustrar o fato com a experiência, sabe-se que na época da pré-Ditadura, gente infiltrada pela direita insuflava a ponta de lança das manifestações de rua, voltando-a no sentido de um quebra-quebra generalizado nos centros das cidades.
Estudantes incontroláveis saiam quebrando a princípio os escritórios de agências políticas americanas, depois, o comércio em geral, o transporte coletivo e tudo que estivesse pela frente, gerando um sentimento de insegurança nos transeuntes e nos trabalhadores do comércio e fazendo perder-se o apoio da população aos movimentos de rua.
A mídia então entrou em campo para responsabilizar o Governo Federal pela baderna.
Esta foi uma das maiores bandeiras que a direita empunhou para acionar os militares, com o propósito inicial de dar fim a uma impressão generalizada de descontrole total do país, um sentimento de caos gerado pela famosa “baderna” e pelos “baderneiros” e amplificado mil vezes pelos órgãos de comunicação de massas. E então sobreveio a Ditadura, a princípio recebida com alívio pela classe média apolítica e pela grande mídia conservadora.
Ninguém se iluda, há demasiadas semelhanças do atual momento brasileiro com aquele da época pré-ditatorial. Tão demasiadas que é impossível que não tenham sido ambas as situações geradas no mesmo ventre golpista.
A revista Veja e o jornal o Globo procuram criminalizar o Psol como responsável pelas atuais badernas, mas procuram mais do que isso.
Veja quer confundir a tribo de Sininho com o próprio Black Bloc, como se não soubesse que black bloc não é uma organização única e formal.
Mostra uma tabela de doações para a tribo de Sininho, efetuada para um determinado evento de rua, como uma prova da doação de pessoas e autoridades para a baderna do “movimento Black Bloc”, uma única e poderosa organização criminosa que seria responsável por toda a violência dentro dos movimentos de rua no país, embora na mesma matéria fale do evento público, em espaço cego.
Sabendo que a Veja e as organizações Globo são o braço midiático mais forte do golpismo em curso, resta saber o que desejam objetivamente com isso, já que seus movimentos são todos milimetricamente calculados.
Desejam detonar um partido político de esquerda, o Psol? Não, deve ser mais até que isso, mesmo porque sabem que o Psol tem muitas vezes funcionado como auxiliar importante em projetos e propósitos políticos da direita. Mas sempre podem falar que o Psol é comunista e que isto o aproxima do governo comunista que querem atingir em cheio.
Desejam acabar com a violência nas manifestações e sair em plena paz com uma réplica da marcha da família com Deus e pela propriedade privada? Talvez.
Talvez queiram dar por findo o cenário das violências nas manifestações e proporcionar tranquilidade aos coxinhas para que eles se divirtam no centro das cidades à noite sem correrem qualquer perigo.
Desejam enfiar fundo na percepção psicológica dos cidadãos que o país está sendo vítima de organizações criminosas de comunistas, que visam espalhar a desordem e implantar um regime de terror no país acuado e assustado, sem que os governantes, eles também comunistas, possam, saibam ou queiram dominar a situação de caos? Com toda a certeza.

(Publicado originalmente no Viomundo)

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Tijoalaço do Jolugue: Para Maurílio, o nome seria Maurício Rands.



No dia de ontem, o ex-deputado e hoje blogueiro Maurílio Ferreira Lima, fez algumas observações sobre o quadro sucessório pernambucano, com ênfase maior para as definições da chapa governista que disputará o Governo do Estado em 2014. Não concordo com tudo o que Maurílio escreve, sobretudo depois que ele assumiu abertamente a torcida pela nome de Eduardo Campos à presidência da República. Com isso, suas análises passam pelo "constrangimento" de uma opção clara pelo nome do governador, publicadas num blog que também não esconde suas boas relações palacianas. Em todo caso, bons argumentos não são desprezíveis. Pelas suas análises, Maurício Rands é hoje o nome com maiores chances de ser indicado pelo governador Eduardo Campos para disputar o Governo do Estado em 2014. Lembra Maurílio que, apesar de ter se afastado do PT atirando, a sua conta na legenda ainda apresenta um saldo positivo, capaz de reestabelecer o diálogo entre o governador Eduardo Campos com a cúpula da legenda no plano nacional, numa eventual 'volta do filho pródigo". Seu trânsito com setores do PT e sua expertise no plano intenacional - na condição de empresário bem-sucedido - proporciona-lhes a condição de "tocar" a máquina estadual nos moldes estabelecidos por Eduardo, além de constituir-se num facilitador internacional para o próprio grêmio petista. Essas credenciais permitiriam a Rands, a qualquer momento, funcionar como uma "liga" entre Eduardo e a cúpula petista. Nas entrelinhas, fica subentendido que o jogo real de Eduardo Campos é o das eleições de 2018. Se a estratégia montada for essa, conclui Maurílio, nenhum outro nome apresenta tantas credenciais. O candidato seria Rands. O governador deixou escapar que o candidato não poderia ter arestas. Talvez seja por isso que Rands tratou de reaglutinar o seu antigo grupo na máquina petista.

Blogosfera em surto: Sobre o valor de protestar no Brasil e na Venezuela

publicado em 13 de fevereiro de 2014 às 14:25

por Luiz Carlos Azenha, no Facebook, com atualização
A blogosfera está indo pelo mesmo caminho da mídia corporativa: fofocas, especulações, chutes, opinionismo, exploração sensacionalista da morte e da violência, manchetismo, superficialidade, busca de audiência a qualquer custo…
Para não falar do fla-flu político do qual não se extrai absolutamente nada.
Como observou uma amiga, vai envenenando o sangue da gente. Faz bem dar um tempo e ler um livro.
*****
Uma colega me cobra uma opinião definitiva. Definitiva! Contundente! Arrasadora! Eu fico me perguntando de onde nasce o desejo.
Falta de convicção nas próprias ideias? Síndrome do rebanho? Necessidade de ter certeza de que todos pensam como ela? As redes sociais, nas quais incluo a blogosfera, criaram esta necessidade: uma opinião definitiva por dia.
Todos sabem absolutamente tudo sobre todos os assuntos, com uma convicção infernal: rolezinho, black bloc, Copa, Joaquim Barbosa…
Se você publica dois textos com opiniões distintas sobre o mesmo assunto é um Deus nos acuda: desagrada 100% dos leitores!
As pessoas se entregam ao opinionismo apaixonado antes mesmo de terem todas as informações que poderiam educá-las sobre o caso.
Atiram rojões verbais umas sobre as outras e o fazem de novo, no dia seguinte.
No meu caso, foi instrutivo o caso da indiazinha que teria sido queimada no interior do Maranhão, “notícia” que nunca se confirmou.
Meu pedido de cautela aos internautas foi respondido com um bombardeio de ofensas e críticas que uniu a Soninha ao Altino Machado. Nunca recebi um pedido sequer de desculpas…
Onde é que está o espaço para a dúvida, a incerteza, o contraditório, a nuance?
Morreu nas mãos da ditadura do opinionismo.
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Tenho escrito aqui, nos últimos dias, sobre a degradação da informação provocada pela blogosfera que busca audiência a qualquer custo: opinionismo, manchetismo, descompromisso com a verdade factual.
É aquela que exige do blogueiro uma opinião definitiva e arrebatadora. Pelo menos uma por dia. Independentemente dos fatos.
Exemplo: recebi por e-mail um link da Aporrea, da Venezuela, segundo o qual um manifestante teria dito ter recebido 150 bolívares para participar de manifestações violentas em Caracas. Bolívar é a moeda local.
Já no Brasil, sem apresentar provas do pagamento, nem sobre a origem do dinheiro, um advogado diz que manifestantes receberam 150 reais para se manifestar.
150 reais não tem o mesmo valor relativo de 150 bolívares venezuelanos. São números iguais, só isso.
Não há provas definitivas: de que houve o pagamento, nem lá, nem aqui. Pelo menos por enquanto.
Não há provas: de que exista alguma relação entre os dois casos.
E, no entanto, um site muito acessado usa o número 150 no título e joga na rede. Será compartilhado muitas vezes. Vai dar muita leitura, já que teorias de conspiração são fascinantes — pelo menos eu gosto.
Mas, e a verdade factual? E o compromisso com a informação?
Dane-se, parecem dizer os que bancam isso. Eu jogo lá, o assunto gera os clicks de que preciso para vender publicidade e no dia seguinte eu invento outro assunto!
PS do Viomundo: O objetivo dessa desinformação é comprovar que existe uma conspiração internacional contra a Copa do Mundo no Brasil. Talvez seja trabalho de contrainformação. Isso sim é que é teoria da conspiração!

(Publicado originalmente no Viomundo)

Tijolaço do Jolugue: Assassinos de Décio já cumprem pena no Maranhão.



Apesar da condenação do assassino confesso e do condutor da moto que o conduziu, as motivações que levaram ao assassinato do jornalista e blogueiro Décio Sá continuam pouco esclarecidas. Há, pelo menos, duas dezenas de pessoas envolvidas com o crime, entre agiotas, policiais, empresários e políticos. Há quem aponta a necessidade de incluir mais pessoas nessa extensa lista. A "caixinha" para patrocinar a morte do jornalista chegou a R$ 100.000,00. Havia muito gente interessada em calar a voz do blogueiro que, com seus estilo inconfundível, revelava as mazelas da sociedade maranhense, não poupando sua elite política e empresarial. Suas últimas denúncias envolviam uns bondinhos da alegria envolvendo políticos daquele Estado que se dirigiam ao Piauí para promoveram orgias sexuais com garotas de programa, segundo dizem, até com menores de idade. Vamos continuar acompanhando o caso e informando aos leitores que ficaram inconformados com a morte de Décio, na realidade, um atentado à liberdade de expressão. Em parte a justiça está sendo feita. O assassino teve pena de 25 anos - que serão cumpridas em Pedrinhas - e o condutor da moto, 15 anos.

Michel Zaidan Filho: AI-5 Padrão Fifa

publicado em 14 de fevereiro de 2014 às 12:44

AI-5 padrão Fifa
por Michel Ziadan Filho*, via José Luiz Gomes da Silva, por e-mail
Quando Hitler quis dissolver o Parlamento e implantar o 3. Reich, inventou um incêndio no Reichstag.
Quando Vargas quis dar o Golpe que instaurou a ditadura do Estado Novo, no Brasil, providenciou a fraude do Plano Coehn.
Agora, pelo visto, estão atrás de um pretexto para criminalizar os movimentos sociais, proibir qualquer manifestação de protesto social (a não ser as autorizadas pela polícia, com prévia consulta) e votar uma clara lei de exceção no país.
O que mais incomoda é que esse estupro das liberdades democráticas no Brasil está sendo perpetrado com o apoio e a aquiescência da imprensa “livre” e “democrática”.
Acham os jornalistas, e as entidades que os representam (como as que representam os donos dos veículos de comunicação) que os ditadores fornecem salvo-conduto ou beneplácitos para os profissionais da imprensa, enquanto amordaçam os demais setores da oposição ao governo e ao capitalismo.
Não sabem eles que uma vez perpetrado o atentado contra o direito de livre manifestação, os próximos serão eles, quando começarem a denunciar a violência, o arbítrio da polícia contra os próprios profissionais da imprensa.
Como, aliás, já aconteceu entre nós.
Não ha regime de meia liberdade, como não há meia-virgindade, meia-gravidez. Há, é verdade, hímen complacente.
E complacência é o que está havendo da parte da imprensa (os inocentes úteis) na preparação de pequeno golpe contra o direito ao dissenso, o direito à crítica, o direito à oposição.
Não há (e nunca houve no Brasil) o menor indício de ações terroristas contra minorias étnicas, religiosas ou raciais.
Há homofobia e preconceito racial. Mas isso é crime, perfeitamente tipificado no código penal brasileiro.
Outra coisa muito distinta é contratar indivíduos ou grupos para, infiltrados nas manifestações, provocarem ações que amedrontem a opinião pública e venham justificar leis de exceção ou leis que coíbam, contrariem o legitimo direito de protestar.
Os movimentos sociais não são criminosos, amorais, genocidas ou contra os direitos humanos.
Mas há muitos “pescadores de águas turvas” (localizados em vários aparelhos) que desejam plantar provas ou indícios de que as manifestações de rua são ilegais e criminosas.
Esta tese é muito conveniente a um governo e um país que convive com uma guerra civil surda, provocada pela crise das instituições de controle social, o despreparo de sua polícia e a desigualdade social.
As elites governantes e proprietárias desse país têm que decidir o que é prioritário na agenda das políticas públicas: transferir bilhões de reais para empreiteiras, empresas privadas, hotéis, shopping centers etc. Ou cuidar do bem-estar da população brasileira.
Se optarem por usar o fundo público para o enriquecimento de uma minoria, não se surpreendam com a reação da parte sã, republicana da sociedade brasileira.
Violência só gera violência.
Protesto social só se responde com políticas públicas redistributivas, que melhorem a qualidade de vida da população e criem mais oportunidades para os mais pobres.
Combater o protesto com mais violência e arbítrio, só vai alimentar as “vinhas da ira” e provocar mais derramamento de sangue no Brasil.
*Michel Zaidan Filho, professor da Universidade Federal de Pernambuco
PS do Viomundo: O mais espantoso é ver gente de esquerda pregando o “pogrom” a intelectuais que seriam os “manipuladores” da violência nas ruas durante protestos; essa é a esquerda que não acha que as pessoas sejam capazes de ações autônomas — ainda que desastradas e eventualmente criminosas — e endossa a caça as bruxas baseada em supostos crimes “por associação”. Curiosamente, inclui gente que condenou o uso, pelo STF, da teoria do domínio do fato para condenar José Dirceu e outros petistas, mas agora quer usar a mesma teoria para perseguir adversários políticos em sindicatos, universidades e partidos políticos, como pede o jornal O Globo. Quem quebra, vandaliza, agride e mata deve responder pelos crimes que cometeu, para os quais já existem leis. Como escrevi em outro lugar, o Brasil está inventando o macartismo de esquerda.

Michel Zaidan Filho: AI-5 padrão Fifa

 
 
 
Quando Hitler quis dissolver o Parlamento e implantar o 3. Reich, inventou um incêndio no Reichstag.
Quando Vargas quis dar o Golpe que instaurou a ditadura do Estado Novo, no Brasil, providenciou a fraude do Plano Coehn. Agora, pelo visto, estão atrás de um pretexto para criminalizar os movimentos sociais, proibir qualquer manifestação de protesto social (a não ser as autorizadas pela polícia, com prévia consulta) e votar uma clara lei de exceção no país.
O que mais incomoda é que esse estupro das liberdades democráticas no Brasil está sendo perpetrado com o apoio e a aquiescência da imprensa “livre” e “democrática”.
Acham os jornalistas, e as entidades que os representam (como as que representam os donos dos veiculos de comunicação) que os ditadores fornecem salvo-conduto ou beneplácitos para os profissionais da imprensa, enquanto amordaçam os demais setores da oposição ao governo e ao capitalismo.
Não sabem eles que uma vez perpetrado o atentado contra o direito de livre manifestação, os próximos serão eles, quando começarem a denunciar a violência, o arbítrio da polícia contra os próprios profissionais da imprensa.
Como aliás já acontenceu entre nós.
Não ha regime de meia liberdade, como não há meia-virgindade, meia-gravidez. Há, é verdade, himen complacente.
E complacência é o que está havendo da parte da imprensa (os inocentes úteis) na preparação de pequeno golpe contra o direito ao dissenso, o direito à crítica, o direito à oposição.
Não há (e nunca houve no Brasil) o menor indício de ações terroristas contra minorias etnicas, religiosas ou raciais.
Há homofobia e preconceito racial. Mais isso é crime, perfeitamente tipificado no código penal brasialeiro.
Outra coisa muito distinta é contratar indivíduos ou grupos para, infiltrados nas manifestações, provocarem ações que amedrontem a opinião pública e venham justificar leis de exceção ou leis que coibam, contrariem o legitimo direito de protestar. Os movimentos sociais não são criminosos, amorais, genocidas ou contra os direitos humanos.
Mas há muitos “pescadores de águas turvas” (localizados em vários aparelhos) que desejam plantar provas ou indícios de que as manifestações de rua são ilegais e criminosas. Esta tese é muito conveniente a um governo e um país que convive com uma guerra civil surda, provocada pela crise das instituições de controle social, o despreparo de sua polícia e a desigualdade social.
As elites governantes e proprietárias desse país têm que decidir o que é prioritário na agenda pas políticas públicas: transferir bilhões de reais para empreiteiras, empresas privadas, hotéis, shopping Centers etcs. ou cuidar o bem-estar da população brasileira.
Se optarem por usar o fundo público para o enriquecimento de uma minoria, não se surpreendam com a reação da parte sã, republicana da sociedade brasileira.
Violência só gera violência.
Protesto social só se responde com políticas públicas redistributivas, que melhorem a qualidade de vida da população e crie mais oportunidades para os mais pobres.
Combater o protesto com mais violência e arbítrio, só vai alimentar as “vinhas da ira” e provocar mais derramento de sangue no Brasil.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Conversa Afiada: "Golpe está em desenvolvimento" (Na Venezuela também)


O Golpe contra Maduro nasce na tevê e cresce nas mãos de mascarados pagos.


Na Venezuela, assim como no Brasil, mascarados participam das manifestações (Foto: Aporrea.org)

Após a confirmação de três mortos nos confrontos em Caracas, o presidente Nicolás Maduro afirmou que há “um golpe de Estado em desenvolvimento na Venezuela”. Ele pediu que a população se una e disse contar com a colaboração dos países vizinhos.

Maduro lembrou do golpe contra Hugo Chávez, em abril de 2002, e disse que a intenção de alguns setores é repetir o filme: derrubar o governo com o uso da violência – e da televisão.

Milhares de pessoas foram às ruas da Venezuela nestes dias. Uns para apoiar Maduro e o legado de Chávez, outros para se opor ao governo venezuelano.

De um lado, reuniões em diferentes praças – em Caracas e por toda a Venezuela – de pessoas vestidas de vermelho e movimentos sociais. Comemoravam os 200 anos da ‘Batalha da Vitória’, na guerra de independência do país, e defendiam as ações do chefe de seu Estado e as recentes conquistas.

Do outro, simpatizantes da oposição e políticos se reuniram no centro de Caracas. Criticavam a política econômica de Maduro e exigiam, também, a libertação de universitários detidos em protestos no interior do país nos últimos dias.

Nos confrontos – com três mortos e mais de 30 feridos – uma curiosa revelação ganhou destaque. Um jovem preso garantiu que recebeu dinheiro para gerar violência no estado de Mérida.

Observe nas fotos que lá como aqui há manifestantes mascarados.

A quantia? 150 Bs, segundo o site venezuelano Aporrea

Alguma semelhança com o que dizem receber os manifestantes no Rio de Janeiro? Veja aqui quanto recebiam Caio e Fábio, presos pela morte do cinegrafista Santiago Andrade, da Band, segundo seu generoso advogado. 

Clique aqui para ler “Quem financia ? Beltrame é quem vai cuspir os caroços”.  

Como se vê, as manifestações atingem a América Latina. A diferença é que, na Venezuela, Maduro já informou que as investigações estão em andamento e que há provas sobre os autores da violência.

Aqui, a Dilma depende da Polícia Federal do ministro José Eduardo Cardozo, o famoso zé da Justiça, com aretumbante ajuda da Abin.

Em tempo: Aporrea.org é uma agência de notícias alternativa popular. Traz informações explicadas a partir do ponto de vista dos partidários do presidente da Venezuela, desde Chávez até Maduro.

O portal nasceu em 2002, com objetivo de rebater o ataque da elite venezuelana contra o governo do presidente Hugo Chávez e o golpe (o “golpe da mídia”, como eles mesmos se referem). Também saíram em defesa das conquistas da Constituição da República Bolivariana da Venezuela.

Gonzalo Gómez, revolucionário venezuelano, foi o fundador e contou com a colaboração de líderes populares com longa experiência nos movimentos sociais venezuelanos. O site é mantido por uma equipe de voluntários, cujo trabalho é um serviço social e não comercial, sem fins lucrativos.

Aporrea é sigla para Asamblea Popular Revolucionaria Americana. O site é membro da Associação Nacional de Mídia Comunitária, Livres e Alternativas (ANMCLA).


João de Andrade Neto, editor do Conversa Afiada com a colaboração do amigo navegante Ivo Augusto de Abreu Pugnaloni

(Imagens extraídas do site Aporrea, da Venezuela)














Deputado Heinze: Quilombolas, índios, gays e "tudo o que não presta"

publicado em 12 de fevereiro de 2014 às 22:05

DEPUTADO DIZ QUE QUILOMBOLAS, ÍNDIOS E HOMOSSEXUAIS SÃO “TUDO O QUE NÃO PRESTA” E INCITA VIOLÊNCIA
do Mobilização Nacional Indígena, sugerido pelo João Maneco, no Facebook
Um vídeo gravado em audiência pública com produtores rurais, em Vicente Dutra (RS), registra discursos de deputados da bancada ruralista estimulando que agricultores usem de segurança armada para expulsar indígenas do que consideram ser suas terras.
“Nós, os parlamentares, não vamos incitar a guerra, mas lhes digo: se fartem de guerreiros e não deixem um vigarista desses dar um passo na sua propriedade. Nenhum! Nenhum! Usem todo o tipo de rede. Todo mundo tem telefone. Liguem um para o outro imediatamente. Reúnam verdadeiras multidões e expulsem do jeito que for necessário”, diz o deputado Alceu Moreira (PMDB-RS). “A própria baderna, a desordem, a guerra é melhor do que a injustiça”, defende.
Ele afirma que o movimento pela demarcação de terras indígenas seria uma “vigarice orquestrada” pelo ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho. Moreira diz também que tal movimento seria patrocinado pelo Ministério Público Federal, o qual, segundo ele, defenderia a “injustiça”.
No vídeo, o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado federal Luís Carlos Heinze (PP-RS), diz que índios, quilombolas, gays e lésbicas são “tudo que não presta”.
“Quando o governo diz: ‘nós queremos crescimento, desenvolvimento. Tem de ter fumo, tem de ter soja, tem de ter boi, tem de ter leite, tem de ter tudo, produção’. Ok! Financiamento. Estão cumprimentando os produtores: R$ 150 bilhões de financiamento. Agora, eu quero dizer para vocês: o mesmo governo, seu Gilberto Carvalho, também é ministro da presidenta Dilma. É ali que estão aninhados quilombolas, índios, gays, lésbicas. Tudo o que não presta ali está aninhado”, discursa Heinze.
Ele também sugere a ação armada dos agricultores. “O que estão fazendo os produtores do Pará? No Pará, eles contrataram segurança privada. Ninguém invade no Pará, porque a brigada militar não lhes dá guarida lá e eles têm de fazer a defesa das suas propriedades”, diz o parlamentar. “Por isso, pessoal, só tem um jeito: se defendam. Façam a defesa como o Pará está fazendo. Façam a defesa como o Mato Grosso do Sul está fazendo. Os índios invadiram uma propriedade. Foram corridos da propriedade. Isso aconteceu lá”.
Promovida pelo também deputado ruralista Vilson Covatti (PP-RS), que pertence à Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) da Câmara, a audiência pública aconteceu em novembro do ano passado e seu tema foi o conflito dos produtores rurais com os indígenas do povo Kaingang, que vivem na Terra Indígena Rio dos Índios, de 715 hectares.
Em dezembro do ano passado, produtores rurais do Mato Grosso do Sul organizaram um leilão para arrecadar recursos para a contratação de seguranças privados para impedir a ocupação de comunidades indígenas. O evento recolheu mais de R$ 640 mil e foi apoiado pela bancada ruralista. Parlamentares como a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), estiveram presentes e defenderam a iniciativa.
PS do Viomundo: Sou informado por uma colega jornalista gaúcha que o deputado Heinze é próximo da senadora Ana Amélia (a foto de ambos, abaixo, é do site dela), provável candidata a governadora do Rio Grande do Sul. A colega pergunta: “Já pensou um cara destes secretário de Estado?”


(Publicado originalmente no Viomundo)

Michel Zaidan Filho: A nova política

Michel Zaidan Filho: A nova politica

"A nova Política" é o nome de ma coletânea de artigos, palestras, discursos e documentos oficiais", de autoria do ditador Getúlio Vargas, editada durante o período de vigência do Estado Novo. Muitos escritos pelo seu "ghostrother" Marcondes Filho. Os vitoriosos do movimento civil-militar de 1930 adotaram essa terminologia para se diferenciar dos políticos "carcomidos" da chamada República Velha ou a Primeira República.

Coincidência ou não, um dos prováveis candidatos à Presidência da República, nas eleições desse ano, adotou como lema do seu programa o mesmo título (A Nova Política). Curiosamente, há mesmo pontos em comum entre o chefe do Estado Novo e o discurso poticiamentenovo do candidato. Senão, vejamos.

O caráter profundamente autoritário da ideologia estadonovista, aliado a uma profunda convicção modernizadora, que colocou de lado a representação parlamentar, cercando-se de burocratas para administrar o país. Inspirado no fascismo de Mussolini, Vargas implantou um regime policial no Brasil, criminalizando toda forma de protesto social. Os sindicatos transformaram-se em agências de prestação de serviço de saude e/previdenciário, sendo estritamente controlado pela policia. Fazer oposição à Ditadura varguista foi quase impossível. Que o diga Gilberto Freyre, preso mais de uma vez pela polícia política de Agamenon Magalhães.

A propaganda fascista ou para-fascista, destinada a produzir o "consenso máximo" entre as pessoas, com o auxilio da Igreja, e da incitação anti-comunista. Na nova versão, o discurso (e as práticas) do candidato à ditador pretende alcançar o "consenso" dos desavisados, usando a propaganda institucional dos atos de governo para fazer a população "vestir a camisa" da gestão, seja através do futebol, seja pelo carnaval, pelas procissões religiosas, pelo nome dos familiares espalhados nas praças, avenidas, hospitais e ruas, ou seja pela onipresença na mídia através de "factóides". Confirma-se, nesse caso, a tese de conhecido teórico,de que a emergência dos novos meios de reprodução tecnológica da cultura fêz dos políticos atores, demagogos e ditadores. A espetacularização da política só esconde o seu conteúdo conservador, anti-democrático, anti-popular.

O conteúdo "moderno" da gestão: a socialização das perdas e a privatização dos lucros. Política hobinhoodiana de cabeça para baixo. Tirar de quem não tem (pela renúncia fiscal e outras benesses governamentais) para dar a quem já tem muito. E tudo em nome do desenvolvimento, da produção de riquezas, de atração de novos investimentos etc. Ou ainda, colocar o aparelho público a serviço da acumulação privada de capital. O estado gasta milhões na infra-estrutura da cidade e da região, para depois as empresas se estabelecerem, sem pagar nada e ainda beneficiadas com renúncia fiscal.

Onde certamente, a ditadura do Estado Novo se diferencia desses "novos" administradores é no caráter da prestação dos serviços de utilidade pública. Enquanto Vargas estatizou a prestação dos bens de utilidade pública e legalizou as relações de trabalho no Brasil, através da instituição da carteira de trabalho e da legislação trabalhista, o novo e moderno gestor se distingue pela privatização branca das políticas sociais, com a ajuda "desinteressada" do terceiro setor, e aposta na precarização das relações de trabalho no estado.

Há quem diga que é das coalizações políticas centralizadoras no Brasil que as mudanças são possíveis. Mas essa ditadura disfarçada dos novos gestores não traz ou apresenta absolutamente nada em favor dos mais pobres e miseráveis. Seu conteudo é privatizante. Seu involucro ou embalagem é fascista ou para- fascista.

Michel Zaidan Filho, sociólogo e professor da Universidade Federal de Pernambuco