pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
Powered By Blogger

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Falta uma palavra no Power Point de Dakkagnol


6 de setembro de 2016


dallagnol-ppt-mamae
Munidos de um power point colegial, os promotores da Lava-Jato tentam impedir que as urnas de 2018 submetam o nome de Lula ao escrutínio popular (Foto: Ricardo Stuckert)
por Joaquim Palhares, na Carta Maior
O conflito com as ruas e com as urnas está inscrito na natureza constitutiva do golpe em curso no Brasil, cuja fidelidade pertence aos detentores da riqueza, não ao país, tampouco a sua gente.
A agenda de expropriação de direitos e alienação de patrimônio público que define essa endogamia não pode ser submetida às urnas  --nas quais já foi derrotada em quatro eleições presidenciais sucessivas. Menos ainda à convivência política com aquele que personifica esse antagonismo na alma e no coração do povo brasileiro: Luiz Inácio Lula da Silva, uma liderança de carne e osso, com os limites da carne e do osso, mas ainda assim a maior liderança popular da nossa história, porque levou mais longe o compromisso com a igualdade social.
Pepe Mujica, em uma de suas viagens ao Brasil, carimbou no golpismo, então ascendente, uma advertência lapidar: ‘Devemos desconfiar sempre dos que pretendem corrigir o voto popular'.
Munidos de um power point colegial, e de uma retórica de macarthismo imberbe, os proficientes promotores da Lava Jato se avocaram nesta quarta-feira, mais uma vez, o papel execrado por Mujica.
Na condição caricata, acentuada pela retórica de polícia política, lançaram-se ao  derradeiro esforço de entregar a encomenda contratada desde o início à Operação Lava Jato: impedir que a urna eletrônica de 2018 submeta mais uma vez o nome de Lula ao escrutínio popular.
A derrubada da Presidenta Dilma foi o degrau anterior dessa buliçosa empreitada, que está condenada a ir além de todos os limites constitucionais
Por uma razão bastante forte: o projeto golpista não é incompatível apenas com uma disputa em terreno limpo contra Lula e contra o que ele representa.
Ele é alérgico ao contato direto com o povo e com a soberania, pelo simples fato de que nasceu para ir contra a vontade do povo brasileiro.
O passo seguinte dessa escalada –não é temerário prever--  conduzirá ao enjaulamento do processo político, trazendo para o quórum seguro de uma escória parlamentar, a eleição do sucessor de Temer, pelo voto indireto, protegido do veredito da sociedade e blindado contra o clamor da rua.
Delações coagidas e culpas presumidas, amarrotadas em um power point infantilizado, avultam dos labirintos jurídicos da Lava Jato, onde o desejável combate à corrupção foi abastardado em alavanca partidária de execração política para o banir lideranças e forças populares incompatíveis com o Brasil das elites.
A destruição da  maior liderança popular da história brasileira é um imperativo da empreitada grosseiramente previsível.
Para cumpri-la empunha-se a lei do vale tudo.
O senhor Dallagnol condensou essa determinação omnívora --peculiar ao código de uma comunidade legal que defende ‘provas’ obtidas por meios ilegais-- em uma sentença que permite interpretar como:  'Não temos prova, temos a convicção'.
Qual ?
A de que Lula era o cérebro, o ‘comandante máximo’, o general de todo o suposto esquema  de corrupção na Petrobras --que começou antes de seu governo, mas isso não vem ao caso, nem cabe nos esquematismos de um power point colegial.
Vem ao caso, porém, na defesa do Estado de Direito.
Quando o Ministério Público se propõe acusar tão gravemente  um ex-presidente da República de ser  o “chefe máximo da corrupção no país” e o faz na fase inaugural da persecução criminal, que na verdade não investigou e muito menos denunciou tal conduta criminalmente condenável, portanto, sem possuir provas ou indícios, o Estado de Direito grita.
E deveria ser ouvido.
Ao senhor Dallagnol cumpriria uma voz da Suprema Corte advertir que 'convicção' para condenar quem forma é o juiz. Tão somente o juiz.
Pelo menos no Estado de Direito em vigor no país é assim.
Não o era na OBAN, durante a ditadura. Não. Ali, nas salas de tortura, um delegado, Sergio Paranhos Fleury, formava suas convicções. E as executava, como sentenças inapeláveis, com as próprias mãos.
Hoje a imprensa coorporativa também possui convicções e as executa, com suas próprias manchetes.
O senhor Dallagnol não é juiz; Sérgio Moro não é Sergio Fleury; a República de Curitiba não é a OBAN.
Mas arvora-se,  neste caso, o direito de condenar, repita-se, um ex-presidente da República como 'general supremo' de um esquema de corrupção, no qual teria auferido propinas no valor de R$ 3,7 milhões.
Apenas um dos supostos subalternos seus  --pois todos o seriam na fábula macartista dos promotores de power point— como lembra a jornalista Helena Chagas, citando Pedro Barusco, pagou só de multas à Lava Jato, cerca de U$S 100 milhões de dólares.
Que ‘general’ é esse, cujo soldo é cem vezes inferior ao de um soldado?
Seria apenas ridículo, se não fosse um atentado à democracia.
A precariedade evidenciada no amadorismo de um power point é tamanha que o juiz Moro, em nome da sua reputação, terá dificuldade em aceitar a denúncia ancorada em retórica adjetiva, a dissimular a inexistência de provas efetivas, principalmente porque esse fato não faz parte das investigações e da denúncia.
Mas Moro o fará, pela simples razão de que para isso se constituiu a Lava Jato. Ademais, aceitação não é condenação.
A falta de provas de que o ex-Presidente seria o “general da corrupção”, todavia, deveria constranger um guardião do Estado de Direito.
Ela avulta não apenas da convicção de Dallagnol. Mas sobretudo, do fato de não se ter requerido a prisão de Lula.
Não faz sentido o Ministério Público Federal não pedir a prisão de um réu tipificado como comandante máximo do exército de corruptos da nação. Não o fez porque não tem provas e nem indícios, evidentemente porque essa parte da descabida acusação sequer faz parte das investigações e da denúncia oferecida.
Além disso, parte das acusações que foram apresentadas no dia de ontem estão na competência da Suprema Corte.
Se o nome disso tudo não é golpe será preciso inventar um outro mais forte para designá-lo.
Quem sabe: GOLPE !
O conjunto acentua as tintas da crise estrutural vivida pela sociedade brasileira em que ao esgotamento do modelo econômico se junta a falência de seu sistema político que contaminou a isenção do judiciário, arrebatado agora por centuriões que se avocam a tarefa de ‘corrigir o voto popular’.
Nenhum simplismo de power point resolverá essa encruzilhada, diante da qual se joga o destino brasileiro no século XXI.
A crise em curso  requer  uma repactuação democrática da sociedade e do seu o desenvolvimento, razão pela qual não encontra remédio no passado -- e tampouco no anacronismo violento de um  presente espremido na   restauração neoliberal que se pretende impor à  nação.
Para impedir que o Brasil escorra no ralo conservador é inadiável acelerar a construção de uma frente ampla, assentada em forças populares e democráticas, que se ofereça às ruas e às urnas como uma alternativa crível ao ajuste baseado na liquefação da renda assalariada, na sonegação do futuro à juventude, no atropelo da Constituição e do  Estado de Direito
É o que já previa nos albores do golpe a professora Maria da Conceição Tavares, em entrevista premonitória à Carta Maior, que convidamos à leitura atenta nesta edição ('Com Cunha ou sem Cunha, com eles o Brasil vai para o ralo').
Com ela, Carta Maior reafirma seu compromisso de se constituir na caixa de ressonância da recusa à naturalização do golpe e do arrocho ecoados pelo aparato midiático dominante.
Para exercer esse papel, a mídia independente só conta hoje com um aliado: seus leitores e leitoras.
Exortamos os democratas e progressistas a se tornarem parceiros dessa trincheira, através da qual é possível acrescentar a palavra que falta no power point do senhor Dallagnol: farsa !
(Publicado originalmente no portal Carta Maior)

Drops político para reflexão: Eu também gostaria de ver o power point, Renato Aroeira

Conservadores modernos, pequenos bolsonaros, reaças à antiga, leitores contumazes da galeria de funcionários literários da imprensa de negócios... Estou ficando cansado de bloquear 30% de vocês.
Não sei pra que vocês vêm aqui vociferar contra minhas charges, ou mesmo argumentar e discutir sobre elas. Que diabos há para discutir numa charge, além do óbvio, o que ela disse? Não do ponto de vista acadêmico, claro; aí sempre vale a pena refletir. Falo de vir aqui provar que a minha charge está errada. E que eu só a faço por causa do sanduíche de mortadela que eu recebi via lei Rouanet. Ou outro troço desses. Às vezes, nem isso: só xingar minha mãe, a Dilma ou a mãe do Lula. Cês piraram? Cês tão se achando membros da Força Tarefa de Ocupação do Judiciário, a FTOJota?
Vamos combinar: Não gostam da charge? Façam uma outra e publiquem nos SEUS perfis. Ah, não sabem desenhar? Façam um power point e publiquem nos... Taí, o power point eu vou querer ver. Publiquem aqui mesmo. :-)

Renato Aroeira em sua timiline da Rede Facebook

Charge!Aroeira via Facebook

Afranio Jardim: reprovaria aluno que redigisse denúncia como a apresentada contra Lula; tudo nebuloso, incorreto e frágil


15 de setembro de 2016 às 22h39

procuradores da Lava Jato
 PAREI POR VOLTA DAS DUAS HORAS DA MADRUGADA ...
Confesso que, passadas mais de duas horas da madrugada, ainda não consegui ler toda a denúncia que o Ministério Público apresentou, em Curitiba, contra o ex-presidente Lula, sua esposa e várias outras pessoas.
Confesso, ainda, que estou com dificuldade mesmo de extrair desta abundante narrativa quais são exatamente as condutas que são imputadas aos réus.
São 149 páginas de narrativas, as mais variadas e abrangentes, sobre esquemas de corrupção que se protraíram por mais de uma década em nosso país. Algumas passagens são repetidas de forma inexplicável.
O formato desta peça acusatória é totalmente atípico. Mais se parece com o relatório que os delegados de polícia têm de apresentar ao final do inquérito … Por vezes, esta denúncia lembra também um longo arrazoado. Poderia ser uma alegação final ou contra-razões de algum recurso …, ou seja, uma peça processual postulatória, mas não a peça inaugural de um processo penal.
Fui promotor de justiça por 26 anos (mais 5 como Procurador de Justiça) e nunca tinha visto o exercício da ação penal desta forma, através de uma denúncia com este formato estranho.
Como professor de Direito Processual Penal, em uma prova prática, reprovaria o aluno que redigisse uma denúncia desta forma …
A boa técnica remenda, tendo em vista o disposto no art. 41 do Cod.Proc.Penal que, na denúncia, o órgão acusador faça imputações certas e determinadas, individualizando as condutas no tempo e lugar. É preciso que o réu saiba exatamente do que está sendo acusado para poder se defender de forma eficaz.
Fica até difícil entender por que a acusação precisa de 149 folhas para descrever as condutas penalmente típicas que atribui aos réus. Análises políticas e conjecturais não ficam bem em uma denúncia, como peça inicial de um processo criminal.
Pelo adiantado da hora, parei de ler estas narrativas infindáveis, cheias de adjetivos e poucos verbos, (condutas dos imputados).
Confesso que não compreendi bem as acusações. Fiquei meio perplexo com o que estava lendo. Não é assim que devem ser elaboradas as denúncias no processo penal. Repito: denúncia é diferente de alegações finais ou relatório de delegados …
Como levar mais de 3 horas para ler uma denúncia e não conseguir chegar ao seu final, não conseguir extrair com clareza as acusações, que devem ser precisas e individualizadas? As argumentações devem ser feitas ao final do processo, com análise da prova carreada para os autos.
Tenho a impressão de que a desmedida extensão desta denúncia tem como escopo disfarçar a fragilidade de seu conteúdo acusatório.
Enfim, como ainda não entendi o teor desta infindável acusação, por ora, limito-me a criticar o formato da denúncia, formato este que torna quase que impossível serem entendidas as imputações específicas das condutas de cada um dos acusados. Forçoso é reconhecer que esta peça processual carece da mais comezinha técnica.
Nada obstante, já podemos dizer algo sobre o mérito das acusações, ainda que de forma resumida e superficial:
1 – Não faz muito sentido dizer que o ex-presidente foi o “general” ou “maestro” de um esquema bilionário de corrupção e fraudes para receber de propina benefícios que chegariam a pouco mais de dois milhões de reais. Tais benefícios se traduziriam em pagar o transporte e armazenamento de móveis e presentes que o Lula teria recebido como presidente e mais uma reforma de um apartamento, que sequer ele teve a posse ou a propriedade;
2 – Mesmo que assim não fosse, tudo isso não caracterizaria o crime de lavagem de dinheiro, pois tal numerário não entrou no patrimônio do ex-presidente Lula. Por isso, não usou ele dinheiro de propina de forma a disfarçar a sua origem criminosa. Nem isto diz a denúncia. Assim, tais benesses da OAS seriam apenas o próprio pagamento da alegada corrupção passiva. Corrupção passiva esta, vale a pena repetir, alegada de forma genérica e imprecisa.
3 – No direito brasileiro, proprietário é quem tem o título translativo da propriedade registrado na matrícula do imóvel junto ao Registro Geral de Imóveis. No caso, o apto. de Guarujá está registrado no RGI em nome da empresa OAS. Note-se que a denúncia não chega sequer a alegar que o ex-presidente Lula e sua esposa tiveram, ainda que por um dia, a posse do referido apartamento. Visitar um imóvel e solicitar que nele seja feita esta ou aquela reforma não transforma o pretendente em proprietário … Elementar.
4 – Saber que existe um ou vários crimes (e isto não está provado) não transforma a pessoa em autora ou partícipe de tais crimes. Ademais, não pode haver participação por omissão em crime comissivo. Também aqui é elementar …
5 – O direito penal dos povos civilizados não aceita a chamada responsabilidade penal objetiva. Ninguém pode ser responsabilizado penalmente pelos crimes que seus subalternos teriam praticado. A responsabilidade penal é absolutamente pessoal. Nem precisaria dizer que isto é elementar …
6 – Esta denúncia entra em choque com toda aquela outra narrativa feita na denúncia contra o ex-presidente Lula pelos promotores de justiça de São Paulo. Ali eles afirmam que as benesses da OAS não teriam qualquer ligação com as fraudes da Petrobrás e, sim, com fraudes na cooperativa que fora administrada pelo sr. Vaccari. Esta denúncia, ao que se sabe, ainda não foi apreciada pelo poder judiciário, pois ficou pendente de decisões sobre a competência da recebê-la ou rejeitá-la. Assim, temos uma estranha e vedada litispendência …
7 – Pelas próprias narrativas constantes da denúncia, complicadas e muito pouco claras, não teríamos a figura do concurso material de infrações e, sim, de crimes continuados. Refiro-me às hipóteses em que se diz que tais ou quais condutas teriam sido praticadas várias vezes pelo mesmo autor ou partícipe.
Enfim, está tudo muito nebuloso, inconsistente e absolutamente incorreto e frágil. Isto dizemos mesmo sem um estudo mais aprofundado da malsinada peça acusatória, que ainda não conseguimos ler em toda a sua absurda dimensão.
Afranio Silva Jardim, professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente em Direito Processual.
(Publicado originalmente no site Viomundo)

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Le Monde: A classificação deficiente da Folha de São Paulo


Pelos critérios do jornal, a grande maioria dos municípios é rotulada como “não eficiente no uso dos seus recursos para as áreas básicas de educação, saúde e saneamento”. O mínimo que se pode dizer sobre isso é que a Folha está passando por cima de qualquer cautela para divulgar suas teses preconcebidas
por Jorge Kayano

Gráfico produzido pelo jornal Folha de São Paulo
O jornal Folha de S. Paulo divulgou no último dia 27 de agosto uma série especial de matérias sobre seu Ranking de Eficiência dos Municípios (REM-F). “Uma experiência do Instituto Pólis, lançada nos anos 1990, inspira o conceito”, diz uma das notícias. Se falam da publicação “Como reconhecer um bom governo”, publicada em 1995, parece-me que se inspiraram pelo inverso do que sugere o estudo. Pelos critérios de análise do REM-F, a grande maioria (76%) dos municípios brasileiros é rotulada como “não eficiente no uso dos seus recursos para as áreas básicas de educação, saúde e saneamento”. O mínimo que se pode dizer sobre isso é que a Folha está passando por cima de qualquer cautela para divulgar suas teses preconcebidas sobre o que significa ser eficiente na gestão pública.
Em pleno período eleitoral a Folha desinforma ao procurar associar a ineficiência da maioria dos prefeitos do período 2012-2016, com base em “dados objetivos, portanto isentos” do... Censo de 2010!
Dados de um determinado ano, como 2010, mostram apenas um retrato que reflete os investimentos passados. Quando alguém pretende medir o desempenho, a “eficiência” dos atuais governantes, deveria analisar a variação dos indicadores, comparando, por exemplo, o último ano da gestão anterior (2012) com dados mais recentes. Este é o princípio básico das leis de metas que vêm sendo aprovadas em número crescente de municípios: no primeiro ano, o prefeito deve apresentar as metas que procurará atingir durante os seus quatro anos de gestão, para que a sociedade possa acompanhá-las e avaliá-las.
Pela própria definição da Folha, o REM-F “quantifica o cumprimento de funções básicas do município, previstas em lei, segundo os recursos disponíveis”. Para tanto, ele é composto, no numerador, por três conjuntos de indicadores – de educação, de saúde e de saneamento, e um indicador de receita municipal per capita no denominador.
A Folha poderia com facilidade ter levantado dados mais recentes, por exemplo, o número de matrículas escolares, que tivessem alguma relação com o desempenho dos atuais prefeitos. Mas parece que preferiu apostar na desatenção dos seus leitores para tais “detalhes menores”. A única variação apresentada foi a do número de servidores municipais, mas este dado nem faz parte do ranking. Ele só é usado para “provar” que os municípios que contrataram mais nos últimos 10 anos foram mais ineficientes. Como se o número inicial deles não importasse: para a Folha, todo crescimento do número de servidores é sinônimo de clientelismo, portanto é ineficiente e desperdício por definição.
Outros “detalhes menores” também foram ignorados. Por exemplo, pode-se perguntar: até que ponto o número de médicos numa cidade reflete alguma eficiência do governo local? Observamos que Borá, com 834 habitantes, e Águas de São Pedro, com 3 mil habitantes, ambos paulistas, contam com o maior número de médicos em todo o país - 7,2 para cada mil habitantes. Isto ocorre porque todo o estado conta com muitos médicos, que transitam por vários municípios, mas residem em cidades maiores. Por outro lado, mais de 4 mil municípios têm menos de um médico por mil habitantes. São regiões extensas com poucos médicos, portanto mesmo que um município se disponha a pagar salários atraentes, não há médicos na região para ocupar as vagas. E veja-se que nos últimos anos só ocorreu alguma melhora na distribuição de médicos graças ao “Mais Médicos”. Por este motivo, a atual gestão federal tem muito receio de dispensar os médicos cubanos.
Quanto aos dados consolidados do REM-F, chama a atenção que, apesar de a metodologia prever a possibilidade de o índice sintético variar de zero a um, a maior nota observada foi 0,656. Portanto, aqueles 24% dos municípios do total de mais de cinco mil, chamados de “eficientes”, tiveram na verdade notas entre 0,5 e 0,656 - valores que em geral poderiam ser vistos como notas sofríveis ou apenas razoáveis. Isto contrasta com o Índice de Desenvolvimento Humano do PNUD, com vários países – ou municípios, no caso do IDH-M – apresentando IDHs de 0,800 ou mais, e são categorizados como de alto desenvolvimento humano. No índice da Folha, as notas são deliberadamente comprimidas para baixo, com a maior parte dos municípios com notas beirando zero.
Diante da conjuntura atual, os “bons” candidatos devem prometer que serão capazes de entregar cada vez mais serviços, mesmo assumindo num contexto de queda acentuada dos recursos. Não vão correr atrás de transferências estaduais ou da União, já que o Estado precisa garantir sobra crescente de receitas para o pagamento dos juros da dívida, e não cobrarão mais IPTU ou ISS. Para a Folha, o município mais eficiente é aquele capaz de cortar o maior número de gastos e ainda assim conseguir oferecer serviços, independente de sua qualidade. Mais crianças nas escolas, mesmo que sem professores, funcionários ou merendas; quem quiser uma escola de qualidade, que migre para a rede privada.
Procuramos saber como o REM-F foi calculado para produzir aqueles resultados “comprimidos para baixo”, mas não obtivemos a resposta. No entanto, para uma série de reportagens que fala o tempo todo de eficiência, estes resultados não podem ser gratuitos. E parece que a Folha está apontando, sem assumir abertamente, que hoje nenhum município merece ser chamado de “altamente eficiente”. Ao contrário, está propagando a “boa nova” de que nas eleições deste ano teremos um “modelo ideal” de candidatos, em estreita consonância com esta nova era pós-impeachment e de ajustes no estilo PEC 241, que pretende reduzir ao extremo os investimentos nas áreas sociais nos próximos 20 anos.
Nesta mesma linha, deverão apontar para a privatização ou para PPPs no saneamento e para os planos privados populares na saúde... e estes candidatos serão apoiados pela Folha, que agora demonstrou “cientificamente” que no REM-F existe um espaço nobre a ser ocupado por estes futuros governantes.
O estudo “inspirador” do índice tem uma construção da linguagem de indicadores diametralmente oposta à do índice do jornal. A lógica apresentada pelo Pólis é contribuir para o estabelecimento de prioridades e metas e permitir não só o aumento da eficácia das administrações, mas também o estabelecimento de critérios de cobrança por parte da sociedade. Os indicadores devem servir para aumentar a transparência da gestão e facilitar o diálogo entre os mais diversos grupos sociais organizados, e não serem selecionados tendenciosamente para enviesar o índice.
Cabe um alerta final para os eleitores, já que os conteúdos das campanhas de vários candidatos giram em torno deste verdadeiro mantra, da austeridade e da eficiência, que as reportagens da Folha procuram consolidar. Veremos em breve se o REM-F terá o sucesso almejado, ou se será devidamente contestado pelo que é: um Ranking Deficiente.

Jorge Kayano
Jorge Kayano é urbanista pesquisador e diretor executivo do Instituto Pólis

domingo, 11 de setembro de 2016

Os americanos de olho no Pesquisa Escolar do Nordeste.





Mantenho dois blogs na plataforma blogspot. Este de política e um deles destinado à pesquisa escolar, que, desde o início, sempre alcançou uma enorme audiência. O curioso sobre este site de pesquisa escolar é que os seus acessos, hoje, ocorrem em sua maioria por internautas norte-americanos, num fenômeno curioso, ou seja, um número "x" de postagens é acessada pelo mesmo número de internautas, num determinado momento, sugerindo que talvez seja resultado de estudos em grupo, recomendado por algum professor. Assim como nosso blog de política, que traz ao leitor informações críticas, numa linha editorial de caráter democrático e republicano - o que pode ser aferido pelo apoio que temos recebido dos leitores - o site de pesquisa escolar da região Nordeste mantém um perfil que foge um pouco àquele feijão com arroz dos demais sites de pesquisa escolar, facultando ao leitor acompanhar a leitura de textos "provocativos", assim como atualizar-se acerca da conjuntura política vivida pelo país. 

Há ali, por exemplo, uma série de textos sobre o nosso momento de instabilidade política, permitindo a discussão plural sobre os mais distintos assuntos regionais, construindo um debate de corte republicano, democrático, sensível à diversidade.  A ideia do site surgiu no momento em que pensávamos sobre o que fazer com uma série de textos que se encontravam em nossos arquivos, produzidos para cumprir algumas finalidades de trabalho. Um outro diferencial do blog são as nossas incursões sobre o campo literário, notadamente crônicas que envolvem algum assunto relacionado à região. Como o nosso "repertório" é majoritariamente nordestino, boa parte dessas crônicas são ali publicadas. Uma delas, sobre a nossa cidade natal, Paulista, nos contingenciam a "dar explicações" constantes aos alunos daquela cidade, sequiosos de curiosidades sobre os assuntos ali tratados. Afinal, não são todas as cidades que possuíram o privilégio de ter um jogador com as habilidades do  Nego Tom, um time de craques como o Uberaba Futebol Clube - o terror da Monte Castelo -, um lobisomem de verdade e um lago de águas coloridas que nem Antoine de Saint-Exupéry poderia imaginar.  

O blog atinge uma média de mil e quinhentos acessos diários, creio, um número bastante expressivo para as nossas modestas condições. Um dos aspectos que nos deixam mais felizes com o blog são o feedback dos internautas, através dos canais específicos, seja sugerindo temas que ali não são tratados, pedindo novos esclarecimentos sobre os assuntos abordados ou até mesmo apontando possíveis equívocos que nos escapam ao tratar de determinados temas. O blog é escrito apenas em língua portuguesa, mas as barreiras da língua hoje não são assim tão interditivas. Nosso blog de política, por exemplo, possui uma expressiva penetração na federação russa. Ao se considerar as manobras geopolíticas norte-americanas aqui na América Latina, parece que a guerra-fria voltou e os russos precisam de informações confiáveis sobre o nosso quadro político, o que pode ser encontrada por aqui. Certamente, não encontrariam essas informações pelos canais tradicionais do PIG. Informações confiáveis, seja de conjuntura política ou sobre a cultura nordestina, você encontra por aqui.

A princípio, pensei em publicar por ali apenas os textos produzidos por mim, mas cheguei à conclusão que o melhor seria que disponibilizássemos textos de outros autores e até de outros sites, ampliando o universo de pesquisa do alunad@. Alguns dos nossos textos, inclusive, escritos em tempos passados e com finalidade institucional, são vitimas dos constrangimentos do tempo e dos limites impostos a um discurso desta natureza. O campeão de acessos é um texto escrito sobre uma observação do prof. Durval Muniz acerca do papel exercido pelo tradicional jornal Diário de Pernambuco, na "Invenção do Nordeste". A série de artigos publicados pelo sociólogo Gilberto Freyre, naquele jornal, ainda em sua fase de estudante nos Estados Unidos, é uma espécie de certidão de nascimento sobre uma região chamada Nordeste. Conservador, telúrico e tradicionalista, Gilberto resistia ferozmente às mudanças políticas, econômicas e sociais experimentadas pela região, com reflexos sobre os seus eixos fundadores, como os famosos engenhos de cana-de-açúcar. 

Logo que voltou dos Estados Unidos - depois de um discurso "regionalista" proferido no Colégio Americano Batista - onde o seu pai lecionou - Gilberto Freyre realizou uma viagem da "saudade e da despedida" pelos engenhos de Fogo Morto da família do amigo José Lins do Rego, nas terras banhadas pelas vazantes do Rio Paraíba, no Estado do mesmo nome. Rodas de conversas nos alpendres das casas grandes; um último "batismo" nos ribeirões locais; tapioca e mel de engenho no café da manhã. As estripulias sexuais daqueles tempos, penso, essas, de fato, ficaram mesmo num passado remoto. Em artigo, o sociólogo invoca o fato de a instituição criada por ele, a Fundação Joaquim Nabuco, torna-se, em pouco tempo, no continente europeu, uma "pequena notável" ou " uma instituição de excelência na província". O mesmo não se poderia afirmar em relação aos Estados Unidos, onde o conceito institucional demorou a consolidar-se. A receita do seu famoso licor de pitangas, no entanto, através do nosso site de pesquisa escolar, tem tido uma ótima recepção nos lares americanos. 

Crédito da foto: José Luiz Gomes da Silva.

(Espaço Ciência da Paraíba, também conhecido como Planetário) 

A carta aberta de Antonio Cândido repudiando violência da PM de Alckmin


10 de setembro de 2016 às 19h30

bombas no transito
Carta Aberta ao Governador Alckmin, contra a violência policial
As liberdades democráticas básicas requerem o respeito a direitos fundamentais, seja por parte do Estado, seja por outros cidadãos.
Dentre tais liberdades básicas incluem-se a de reunião e a de manifestação com fins políticos.
O direito à expressão pública – e em espaços públicos – de interesses, ideias e valores não pode estar submetido ao arbítrio das autoridades policiais ou de seus chefes, ocupantes de cargos governamentais eletivos ou não.
Como já ocorreu outras vezes, a manifestação de domingo, dia 4 de setembro, iniciada na Avenida Paulista e concluída no Largo da Batata, foi pacífica do começo ao fim, tendo perdido esse caráter unicamente pela ação desproporcional e truculenta da Polícia Militar.
Antes mesmo que a manifestação principiasse, jovens (dentre eles menores de idade) foram detidos e mantidos incomunicáveis por diversas horas, sem que lhes fosse autorizado o acesso a suas famílias ou a advogados.
Tais condutas das autoridades policiais retratam um padrão na atuação das forças de segurança paulistas, que se reproduz frequentemente no trato cotidiano com a população, nos índices de letalidade policial e na impunidade dos crimes cometidos por policiais, como as chacinas.
Não bastasse a violação cotidiana dos direitos civis de cidadãos comuns, o uso desregrado da força em manifestações políticas coloca em risco não apenas a segurança individual das pessoas, mas atinge o cerne do próprio regime democrático. A discricionariedade necessária à ação policial não pode ser confundida com a arbitrariedade que motiva ações ao arrepio da ordem democrática.
A suposta defesa da ordem, que vale frisar, é muito mal definida na nossa legislação e objeto de fortes disputas sobre seu significado cotidiano, não pode se constituir num salvo-conduto para ações violentas de intimidação a manifestações legítimas numa democracia, nem se tornar um instrumento de imposição de outra ordem, não democrática, que atente contra a garantia de direitos e da vida.
A eventual presença ou ação de grupos violentos no interior de uma manifestação pacífica não pode se tornar justificativa para ações repressivas, de retaliação e à margem da lei, que atinjam o conjunto dos manifestantes, jornalistas ou mesmo transeuntes sem qualquer relação com as atitudes de grupos isolados.
Exigimos que as forças policiais se conformem à ordem democrática, tendo claro que o desempenho de suas tarefas tem como pressuposto básico administrar conflitos e reconhecer a legitimidade das manifestações sociais, não se deixando levar por orientações morais ou por motivações político-partidárias, pautando-se – isto sim – pelos valores maiores que definem nosso Estado de Direito, previstos na Constituição Federal de 1988.
Excessos no uso da força e ações arbitrárias poderão levar a uma escalada de violência sem precedentes, e é dever das corporações policiais e de seus chefes hierárquicos impedir que isso aconteça, sob o risco de comprometerem a convivência social pacífica, a ordem legal e os fundamentos do regime democrático.

(Publicado originalmente no site Viomundo)

sábado, 10 de setembro de 2016

O xadrez político das eleições de 2016, no Recife: O candidato João Paulo é agredido em restaurante. Que tempos são estes em que é preciso defender o óbvio?


Resultado de imagem para João Paulo, candidato a prefeito do Recife

José Luiz Gomes


Infelizmente, chegamos a um estágio bastante delicado no país. Um estágio político pré-ditatorial, caracterizado pela erosão dos direitos e garantias individuais e coletivas; o fortalecimento das ações de cunho político do aparelho repressor do Estado - sobretudo em praças como São Paulo, onde há ,claramente, indícios de atuação de uma polícia política nos moldes da Ditadura Militar -; uma jurisdição como fonte de exceção e não de direitos; atuação de grupos fascistas ou neo-fascistas como força auxiliar do braço repressor do Estado; substituições de nomes vinculados à Comissão da Verdade por atores simpáticos à Ditadura Militar, em pleno Ministério da Justiça; afastamento de servidores públicos dos seus cargos, como forma de coibir os avanços das investigações da Operação Lava Jato, cujo objetivo seria o de poupar os "conspiradores" do golpe contra a presidente Dilma Rousseff. Esse caldeirão de instabilidade política só poderia gerar situações de bastante animosidade entre as partes, grosso modo aqui denominados de "coxinhas" e "mortadelas", mas que, na realidade, entre golpistas e democratas.  

Já se faziam alguns prognósticos sobre o acirramento da intolerância entre as pessoas, motivadas por uma marcha da insanidade que não nos poderiam conduzir a outro destino que não este. Todos os "motivadores" dessa intolerância podem aqui ser elencados, como opção sexual, raça, religião, opção política, que deve ter sido a motivação que levou um cidadão a agredir o candidato João Paulo(PT), quando ele se encontrava num restaurante de um dos shopping da zona sul da cidade, o Rio-Mar, onde se preparava para almoçar com os correligionários. De acordo com o professor Wagner Braga, o fascismo saiu das sacadas e varandas imponentes e já se encontra entre nós, dirigindo sua ira contra homossexuais, negros, mulheres, pobres, nordestinos e quem pensa diferente. Ele já nos convidou para o almoço e, desta vez, o cardápio era João Paulo Lima Silva, candidato do PT nas próximas eleições municipais de 2016. 

Entretanto, há alguns componentes políticos importantes nessa agressão e que merecem ser destacados. Mesmo ainda dentro do universo da "margem de erro", o candidato João Paulo lidera as pesquisas de intenção de voto em institutos como o Ibope e o Datafolha. Sobre o Datafolha, acaba de sair mais uma delas no dia de hoje, onde ele também aparece na frente do candidato socialista - 32% a 28% -embora ainda na chamada "margem de erro". No nosso último artigo, apontamos alguns fatores que poderiam favorecer a candidatura de João Paulo. Deixo o link abaixo para quem desejar se aprofundar um pouco mais neste assunto. Um outro aspecto que não foi discutido naquele artigo - ainda favorável à candidatura do senhor João Paulo - é o reflexo das medidas tomadas até o momento pelo governo do senhor Michel Temer, extremamente impopulares, posto que atinge diretamente aquela população mais necessitada das ações do poder público. O ônus maior a ser pago aqui será daquelas candidaturas que apoiaram as urdiduras que culminaram com o afastamento da presidente Dilma Rousseff. Aliás, aliados do governo Temer já pediram que alguns dessas medidas sejam adotadas apenas depois dessas eleições municipais.

Quem acompanha o nosso blog sabe que já publicamos diversos artigos analisando essas eleições municipais. Há um material extenso sobre o assunto, que reuniremos numa publicação. A reeleição do senhor Geraldo Júlio(PSB) tornou-se a prioridade das prioridades para as hostas socialistas locais e, quiçá, nacionais. É uma questão de honra reelegê-lo, mas isso precisaria ser combinado com o eleitorado que, no momento, parece não se predispor docemente aos desejos dos caciques da legenda. A sua não recondução ao cargo, representaria um "desarranjo" político muito difícil de ser administrado, com repercussões negativas, inclusive, no projeto de um outro nome da legenda, o governador Paulo Câmara, que já anunciou que concorrerá à reeleição em 2018. E olha que João Paulo já foi a mosca que pousou na sopa da União por Pernambuco, ao derrotar o ex-governador Roberto Magalhães, e tornar-se, pela primeira vez, prefeito do Recife. 

A publicação das primeiras pesquisas de intenção de voto acendeu a luz amarela nas hostes socialistas do Estado. Embora as pesquisas sempre representem, como dizem os analistas, uma radiografia do momento, aquela radiografia fornecia alguns indicadores de que a saúde do senhor Geraldo Júlio inspirava cuidados. Analisei com bastante atenção os fatos que ocorreram no dia de ontem, quando o candidato do PT, João Paulo, foi agredido pelo economista Bruno D'Carli, de 71 anos, quando pretendia almoçar no shopping Rio-Mar. A princípio, pensei tratar-se de uma agressão execrável, mas ainda dentro dos parâmetros de intolerância que estamos presenciando no dia de hoje. Mas, logo em seguida, Bruno D'Carli falou. E, ao falar, deixou claro o caráter de armação política contra o adversário de Geraldo Júlio nessas eleições. O seu discurso é o de quem, de fato, desejava provocar João Paulo para, logo em seguida, chamar os holofotes sobre si, que revelaria coisas "cabeludas" sobre a gestão de João Paulo na Prefeitura do Recife, bem como sobre irregularidades já nesta campanha, onde o ex-prefeito pretende voltar ao Palácio Antonio Farias. 

Suas ligações com a nomenclatura socialista do Estado também não deixam quaisquer dúvida sobre o componente político da agressão. O cidadão teria fortes ligações com proeminentes nomes investigadas por malversação de recursos públicos durante a gestão daquele governador dos olhos verdes. É cedo ainda para dizer como o público reagirá ao fato, mas, em se tratando de uma armação com propósito inequívoco de prejudicar o senhor João Paulo, pode-se concluir que o tiro tenha escapado pela culatra. Dá a entender que Bruno D'Carli não teria agido apenas por sua "indignação" com o PT, mas com o propósito de prejudicar o candidato João Paulo, a julgar pelos seus pronunciamentos logo em seguida ao fato, eivado, como disse, de componentes políticos. Embora o candidato socialista tenha publicado uma notinha condenando a agressão, em política, no entanto, quem não consegue separar as coxias da boca do palco, deixa de compreender muita coisa. Convém lembrar que uma simples "banana", no passado, já tirou gente boa dos planos de ocupar o Palácio Antonio Farias. 

"Que tempos são esses em que é preciso defender o óbvio" é uma frase do dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Regimes políticos fechados são, naturalmente, intolerantes com os seus opositores. Aquilo que começou como um golpe de natureza parlamentar, começa a assumir contornos militaristas, com restrições a direitos e atuação de grupos fascistas e polícia política, como já vem ocorrendo em São Paulo, com agentes infiltrados em manifestações pela democracia, entregando manifestantes às autoridades autocráticas. A truculência como age a Polícia Militar do Estado de São Paulo - tendência que começa a se espalhar por outros Estados - é típica de um Estado de Exceção, nos colocando na contingência, como dizia Brecht, de ter que defender o óbvio: como a existência do PT, a possibilidade de o partido apresentar seus postulantes à opinião pública e o direito do cidadão João Paulo almoçar num restaurante com os seus correligionários. Que tempos são esses? 


Precisa ler também:


O xadrez politico das eleições de 2016, no Recife: Ganha as eleições quem conseguir demonstrar que cuidará melhor dos recifenses.

Charge!Renato Aroeira via Facebook

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Charge! Renato Aroeira via Facebook

O cinismo do golpe - Sobre máscaras e outras performances políticas


Podemos nos perguntar em que momento começou o golpe atual. O golpe tem base neoliberal e transita como uma “tecnologia econômica” na forma de um “rodízio” pelos países democraticamente fragilizados a partir de razões de mercado que agregam corporações e Estados internacionais e os grupos que continuam tratando o Brasil como colônia desde dentro. O processo de impeachment faz parte do golpe atual, que faz parte de uma sucessão, um “continuum” de golpes dados no Brasil ao longo da história. O golpe de Dilma Rousseff é o terceiro grande golpe e tem motivos comuns com os golpes de Getúlio Vargas e de João Goulart, que entraram para a história como heróis. Dilma sobe ao mesmo panteão. E, como eles, estava do lado do povo.
Não há base jurídica para o impeachment da presidenta, mas as nefastas condições políticas são evidentes. Os donos do poder querem a parte que julgam sua. O povo, subestimado nesse processo, manipulado e aviltado, sabe que está sendo enganado ainda que a extensão da catástrofe social não seja de todos conhecida. O povo sabe que o golpe é contra ele mesmo, contra o próprio povo ainda que as televisões e jornais tradicionais queiram mostrar diferente e anestesiem a população para que ela fique dócil.
Julgamento do processo de impeachment no Senado, na segunda (29)
Julgamento do processo de impeachment no Senado, na segunda (29)

A máscara cínica
O golpe foi bem orquestrado, mas como toda mentira deixou falhas. No entanto, o golpe não é uma mentira qualquer. Na gradação da desonestidade, a mentira tende a ser mais direta e menos perversa do que as mentiras revestidas de cinismo como este golpe.
Sabemos que o melhor modo de mentir é sendo cínico. O mentiroso que mente para si mesmo não perde a compostura, tende a ganhar na força da expressão, mesmo quando a expressão é bizarra. Basta que ele se mantenha como está e finja não ouvir argumentos contrários.
O cinismo sempre foi uma tática de poder, tanto do poderzinho diário do qual fazem uso as pessoas comuns, quanto dos grandes poderes que implicam a ordem política no Brasil e no mundo. O cinismo é uma força bruta, uma força venenosa, que tem o poder de cancelar o pensamento e a ação do outro. Somos enredados no cinismo sem chance de escapar dele porque não sabemos o que fazer com quem mente descaradamente.
Ontem, uma cena muito curiosa foi protagonizada pela advogada Janaína Paschoal, que se tornou uma espécie de personagem emblemática do golpe ao apresentar-se chorando e rindo na hora de sua fala. O que essa encenação, em que afetos manipulados estão em jogo, vem nos dizer?
Assim como seu choro poderia expressar emoção, vergonha, medo, pena, o que seu riso vem nos dizer? O que a presença desses dois modos de aparecer ao mesmo tempo sinalizam para nós que a ouvimos? Por que chorar e sorrir ao mesmo tempo? Não podemos avaliar a pessoa em sua natureza ou essência, mas podemos tentar entender a função e o efeito da sua performance política em um momento tão crucial.
O sorriso da advogada na forma de um esgar, algo realmente muito curioso, levou muitas pessoas nas redes sociais a levantarem a semelhança com o sorriso do curinga tal como aparece em uma das versões do filme de Batman protagonizado pelo falecido ator Heath Ledger. Sabemos que esse personagem não ria naturalmente, mas ria para esconder seu ressentimento que ele tinha transformado em brutalidade e violência, arrogância e maldade.
Na performance da advogada, emoções altamente manipuladas revelam o que está em jogo no momento do golpe atual. O golpe é tão descarado que procura uma máscara. A advogada mostrou, tanto na face, com seu estranho riso, quanto na fala, o que está em questão. Ao dizer que entende como advogados internacionais chamam o que está acontecendo de “golpe”, ela conseguiu desmascarar-se. Ao lançar mão dos netos da presidenta, o que poderia ser apenas o jogo sujo do golpe apresentou-se em sua má retórica e falta de argumentos. Ao falar de Deus, tentou transformar o cinismo em recurso deixando notória a falta de respeito para com quem tem fé. Má fé no lugar da boa fé de uma população de mais de 50 milhões de votos que ainda acredita na democracia.
Muitas vezes, as mulheres são eleitas como musas, prática patriarcal comum, e Janaína Paschoal poderia ter se tornado a musa do golpe, mas ela acabou com a mascarada que os demais algozes, políticos, juristas, advogados, sustentam com todas as suas forças. Eles seguirão cínicos, mas o povo sabe que o são. O que o povo fará com isso? Essa pergunta tem o poder de mudar nosso destino.
A presidenta, duas vezes eleita, julgada uma vez na ditadura e julgada novamente sem ter cometido nenhum crime, ao contrário de seus algozes, manteve a compostura durante todo o tempo. Dilma Rousseff é, nesse momento, o emblema da democracia, incansável, justa, ciente, pronta para a luta infindável que a constitui.

    segunda-feira, 5 de setembro de 2016

    Le Monde: O impeachment da presidente Dilma Rousseff configura golpe de Estado?


    Em “Cem anos de solidão”, Gabriel Garcia Marques sintetizou com duas expressões a histórica legitimação da violação dos direitos das classes subalternas por parte dos grupos dominantes da América Latina: delírio hermenêutico e ilusionistas do direito
    por André Augusto Salvador Bezerra


    A crise política pela qual o país atravessa traz a necessidade de se procurar responder à seguinte questão: o impeachment da presidenta Dilma Rousseff configura golpe de Estado?
    A busca pela resposta jurídica a tal questionamento é iniciada, no presente texto, não com citações doutrinárias ou precedentes jurisprudenciais. Inicia-se com o realismo fantástico de Gabriel Garcia Marques, no seguinte trecho de Cem anos de solidão:
    “Cansados daquele delírio hermenêutico, os trabalhadores repudiaram as autoridades de Macondo e subiram com suas queixas aos tribunais supremos. Foi ali onde os ilusionistas do direito demostraram que as reclamações careciam de toda validade [...]”.
    Como se vê, ao narrar a forma pela qual advogados de multinacional na imaginária Macondo livram a empresa da acusação de uso de trabalho escravo, Gabo sintetizou com duas expressões a histórica legitimação da violação dos direitos das classes subalternas por parte dos grupos dominantes da América Latina: delírio hermenêutico ilusionistas do direito.
    O que se quer lembrar, com essa citação, é que as demandas sociais reconhecidas pelo Estado sob a forma de direitos são, historicamente, objetos de uma leitura cínica, por parte das elites latino-americanas. Em sendo assim, logra-se inverter as finalidades dos aludidos direitos em favor de projetos políticos ou econômicos dominantes.
    Eis uma lembrança imprescindível em um país, como o Brasil, que sofreu uma ditadura civil-militar por mais de vinte anos a partir de um golpe de Estado caracterizado por um verniz jurídico: foi assim que, para legitimar a derrubada de João Goulart, o senador Auro de Moura Andrade declarou vaga a presidência da república no dia 2 de abril de 1964, embora Jango ainda estivesse em território nacional. No mesmo sentido, dias depois, quando o Marechal Castello Branco já ocupava a presidência da República, o então presidente do STF Alvaro Moutinho Ribeiro da Costa declarou que as Forças Armadas haviam restabelecido a democracia.
    Tais observações, por si sós, derrubam a tese corrente no sentido de que o processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff, ao tramitar em uma casa legislativa (Senado Federal) após autorização de outra casa legislativa (Câmara dos Deputados), estando sob a presidência de membro do Judiciário (o presidente do STF), marcaria a legalidade de todos os atos praticados, pelo Legislativo, contra o voto popular. A História mostra que tais circunstâncias são insuficientes para caracterizar a legitimidade democrática de tudo que se tem passado.

    Uma leitura cínica dos direitos
    Dizia Tom Jobim que o Brasil não é para principiantes. Há que se complementar: o Brasil não é para ingênuos ou para inocentes, porque a ingenuidade e a inocência, que caracterizam o principiante, ao final, permitem a leitura cínica dos direitos.
    Por isso, algumas observações a mais devem ser realizadas.
    Necessário, então, prosseguir, citando, de pronto, a mais cínica tese “jurídica” que defende a legalidade do impeachment: “a medida está na Constituição”, afirmam seus defensores. De fato, está na Constituição, assim como estava o decreto de vacância da presidência da República realizado pelo senador Auro de Moura Andrade em 1964.
    Somente o principiante não sabe distinguir o que está previsto em tese, como medida excepcional, do que deve ser aplicado no caso concreto como produto da leitura do texto normativo.
    Essa argumentação poderia até deixar de ser inocente, caso o impeachment fosse um instituto meramente político. Mas não é. E no direito brasileiro, nunca foi assim considerado. Pedro Lessa, jurista do início do século passado e ministro do Supremo Tribunal Federal, já defendia, em seus votos, o caráter misto do instituto (jurídico e político), a exigir, portanto, a observância de regras previstas do direito em vigor.
    No âmbito dessas regras, está a exigência do crime de responsabilidade. Exige-se a prática de um crime – isto é, fato definido pelo direito como crime –, o que, desde o Iluminismo, impõe que o Estado deixe claro à toda sociedade que uma determinada conduta será tratada como uma conduta criminosa.
    Ora, desde quando se sabe que manobra orçamentária praticada por chefe de Executivo configura crime? Não se sabe, até porque se trata de prática corriqueira entre chefes de Executivo. Nunca foi crime. Passou a ser crime para uma única pessoa, valendo unicamente para ela. Tal como ocorria na inquisição pré-iluminista.
    Com essas observações, não se está a esquecer a expressão “responsabilidade” que qualifica o crime apto ao impeachment. Responsabilidade está a indicar que o julgamento será por senadores e não por juízes, que, portanto, não estão adstritos às mesmas regras de julgamento que um membro do Judiciário. Isso explica porque o presidente Collor foi condenado no Senado por práticas bem conhecidas como criminosas, mas absolvido pelo Judiciário.

    Desvio de finalidade
    Há, ainda, outra circunstância a ser esclarecida. A interpretação do direito, para não ser uma interpretação principiante, a permitir delírios hermenêuticos, não pode desconsiderar todos os fatos que antecederam um caso específico inserido à leitura da norma jurídica.
    É sob essa circunstância que o instituto do desvio de finalidade tem de ser aplicado. Trata-se do uso de um ato para satisfazer finalidade alheia a este mesmo ato (Celso Antônio Bandeira de Mello).
    Ora, recorda-se que a derrubada da presidente já era cogitada antes mesmo das eleições. O senador José Aníbal chegou a citar, em seu twitter, a famosa frase de Carlos Lacerda no sentido de que Getúlio Vargas não governaria caso vencesse as eleições; teve-se, ainda, o pedido de auditoria das urnas eletrônicas; recebimento de denúncia do impeachment como vingança à ausência de apoio do partido da presidenta da República em processo que tramitava no Conselho de Ética contra o então presidente da Câmara dos Deputados; pressão pela renúncia fomentada por divulgação de gravações clandestinas; sucessivas proposituras de ações populares para se impedir a posse de ministros, dentre outras circunstâncias.
    Fica claro que a culpada já existia antes mesmo das eleições. O que faltava era o pretexto jurídico.

    Golpe de Estado
    O direito pouco trabalha com a noção de golpe de Estado. Está na hora de um tratamento sério a ser feito sobre o tema.
    Cita-se, nesse sentido, Noberto Bobbio, que trabalha muito bem no diálogo entre a ciência política e o direito. Em seu Dicionário de Política, Bobbio caracteriza o golpe de Estado a partir dos seguintes elementos, não necessariamente cumulativos: 1) ato efetuado por órgãos do Estado (em sua época, na maioria das vezes, pelas forças armadas, mas reconhece que outros componentes do aparelho estatal podem realizar a ruptura); 2) mudança da liderança política; 3) possibilidade de ser acompanhado por mobilização social ou política; 4) reforço da máquina burocrática e policial do Estado; 5) eliminação ou dissolução dos partidos políticos.
    Tem-se, no Brasil, uma derrubada de uma presidenta da República eleita, levada a cabo por agentes do próprio Estado, especialmente o Parlamento.
    Tal derrubada, por óbvio, objetiva a mudança da principal liderança política do país, que, em um presidencialismo, dá-se na pessoa do presidente da república. Está claro que a mudança de liderança objetiva a aplicação de reformas econômicas que jamais um governo dependente de eleições democráticas teria a coragem de realizar.
    A derrubada da presidenta democraticamente eleita foi, ainda, antecedida de intensa mobilização dos setores mais conservadores da sociedade, que, durante os anos de 2015 e 2016, tomaram conta das principais avenidas do país.
    Tem-se, ainda, um reforço da máquina burocrática e policial do Estado. Amolda-se aqui o discurso do endurecimento penal, seja por projetos que contam com o apoio dos militantes pró-impeachment (a redução da maioridade penal é um exemplo), seja nos discursos dos agentes governamentais (lembra-se da recente fala do ministro da Justiça de que o Brasil precisa mais de armas do que de pesquisa).
    Por fim, não há, é verdade, eliminação ou supressão de partidos políticos, ao menos por ora, o que não elide a tese do golpe, já que, como se viu, os requisitos acima elencados não são cumulativos. De toda forma, já tramita no Tribunal Superior Eleitoral representação contra o partido da presidenta Dilma Rousseff,que pode resultar na cassação do respectivo registro.
    Parece que o delírio hermenêutico foi longe demais, alcançando agora o requisito mínimo de uma democracia representativa, o voto popular. Não há dúvida de que, no futuro, os manuais de direito chamarão toda essa manobra de troca de presidentes da república de golpe de Estado.

    André Augusto Salvador Bezerra
    Mestre e doutorando pelo Programa Pós-Graduação em Humanidades, direitos e outras legitimidades da Universidade de São Paulo (Diversitas/USP). Presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia (AJD).


    Imagem: Juca Varella/ Agência Brasil/cc

    sábado, 3 de setembro de 2016

    sexta-feira, 2 de setembro de 2016

    Michel Zaidan Filho: Cair de pé






    Essa foi a maneira que a Presidenta Dilma Vana Rousseff, eleita por mais 54 milhões de eleitores brasileiros, escolheu para ir à tribuna do Senado Federal, enfrentando seus algozes, fazer a sua defesa nessa farsa burlesca chamada de "impeachment tabajara" pelo ex-presidente do STF, Joaquim Barbosa. A Presidenta Dilma poderia ter ido pedir clemência, perdão, magnanimidade ou dó aos seus "juízes naturais". Não o fez. Há muitas vitórias em certas derrotas. E há muita derrota em certas vitórias. A mais alta mandatária da nação brasileira saiu-se vitoriosa desse "julgamento". Fez uma defesa límpida, clara, firme e insofismável do seu legado administrativo. 


    Explicou didaticamente a motivação e a legalidade de seus atos e desnudou a essência da manobra golpista em curso no país. Deixou um legado de integridade, moralidade, respeito e grande coragem cívica. Como pedia o ex-portada-voz de Lula, André Singer, caiu de pé. Conquistou admiração e o respeito até dos seus "juízes naturais", que não devem ter enxergado sequer "dolo eventual" nos atos cometidos por ela. Votaram por orientação partidária, à luz de seus interesses e conveniências políticas, de grupo ou meramente pessoais. Dilma foi afastada do seu cargo não por improbidade administrativa ou crime de responsabilidade, mas para implementação de uma agenda que jamais seria apoiada pelo voto do povo brasileiro, porque já tinha sido derrotada 4 vezes nas urnas. Os golpistas precisavam da manobra para viabilizar o seu plano.

    Indício disso foi a manutenção de seus direitos políticos. Não se entende essa decisão e não se leva em conta que o objetivo procurado pelos "impeachments" era apenas sua saída da cadeira presidencial. Este era o objetivo maior da empreitada. O resto era detalhe, filigranas jurídicas, que pouco importam quando se rasga a Constituição Federal, se lesa a cidadania política da população. Golpista não se preocupa com filigranas jurídicas. Bondade, divisão política da base do interino ou falta de convicção ou segurança na decisão tomada por 34 senadores, em votação separada? A história vai dizer. Decisão, aliás, que deveria suscitar recursos de ambas as partes. Ou bem a Presidenta Dilma cometeu crime de responsabilidade e deveria ter seus direitos políticos cassados por 8 anos, como aliás aconteceu com o atual interino que já foi declarado inelegível, à luz da Lei da "ficha Limpa", ou não deveria ter sido afastada do cargo. A decisão é confusa e incoerente. Mas coerência e limpidez não são características de gente golpista.

    Uma vez consumado o golpe parlamentar (ou o "impeachment tabajara"), vem a hora da fatura. A primeira a se manifestar foi a própria advogada que assinou o pedido, Janaina Paschoal, declarando que o Vice deve a ela a ocupação do cargo. Eduardo Cunha também deve se declarar co-autor da manobra. os parlamentares que votaram a favor do golpe também querem a sua parte. Mas a manobra golpista de objetivos mais elevados do que a fisiologia e o clientelismo de nossos parlamentares tabajaras. Primeiro, a desconstrução da CLT, substituindo a lei pelos acordos, suprimindo direitos e fragilizando o movimento sindical. Estão os PLs à espera da aprovação para viabilizarem a manobra. Tudo em nome da "competitividade da indústria nacionall e da "geração de empregos", como diz a CNI e a FIESP. Segundo, a malfada reforma da Previdência Social, aumentando a idade mínima para 65 anos, equiparando a idade das mulheres a dos homens, extinguindo a aposentadoria especial do trabalhado rural. 

    Podiam ser mais francos e dizer que querem implantar a aposentadoria privada, favorecendo os fundos de capitalização, não com os benefícios previamente definidos, mas a contribuição previdenciária. E finalmente, o congelamento dos gastos públicos durante 20 anos, o que na prática é o desfinanciamento da Saúde - beneficiando os planos privados de saúde - o desfinanciamento da Educação - beneficiando as escolas particulares (como o grande conglomerado que indicou um dos ministros da área), e outros investimentos públicos, como transporte, saneamento, segurança, assentamentos rurais etc. Essa é a pauta prioritária do grande esforço "da nação brasileira" para enfrentar a crise, como disse o interino em seu primeiro discurso pós-golpe.

    Resta saber se o vice terá condições de governabilidade para implantar sem um elevado ônus político tal agenda. Primeiro, porque os atingidos, os prejudicados não vão cruzar os braços assistindo impassíveis o ataque desapiedado aos seus direitos. Segundo, porque a base fisiológica do governo não merece (como nunca mereceu) a menor confiança e nem limites em sua fome por cargos, indicações, obras, recursos etc. Terceiro, a contradição entre a agenda dos agentes econômicos (que apoiaram o golpe), cujo nome é "ajuste fiscal" e os interesses difusos e coletivos dos políticos e da sociedade brasileira. Este governo não tem a legitimidade democrática, não foi eleito pelo povo, e depende da boa vontade de uma base parlamentar infiel, sempre pronta a mudar de amo e senhor, quando se vê preterida em seus interesses.

    Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD -UFPE.

    quinta-feira, 1 de setembro de 2016

    Le Monde: O Congresso e a justiça têm lado


    Claudius
    por Silvio Caccia Bava
    Todos já sabem, dentro e fora do Brasil, que o impeachment é uma farsa para tirar do poder a presidenta eleita e o PT. Não há crime para condenar Dilma. Se a justificativa for ainda o combate à corrupção, os mentores do golpe deveriam também ser acusados pela Lava Jato. Evidências não faltam, aliás, são abundantes e existem há muito tempo. Basta lembrar o excelente trabalho do jornalista Amaury Ribeiro Jr., que apresentou farta documentação das contas de tucanos em paraísos fiscais em seu livro Privataria tucana. Mas a Lava Jato, assim como a cassação de Eduardo Cunha, está em marcha lenta, tentando achar um jeito de encerrar as investigações e anistiar o deputado que foi o líder do impeachment no Congresso. Talvez isso seja até possível por conta de a maioria dos deputados federais correr o risco de ir para a cadeia, acusada de desvios de dinheiro público e de recebimento de propina e dinheiro ilegal para suas campanhas eleitorais. Eles foram eleitos com dinheiro das grandes corporações para defender no Congresso esses interesses, não estão preparados para exercer o mandato, expressam a mínima preocupação com o interesse público. Para que a farsa se conclua com a deposição de Dilma e a inabilitação de Lula para disputar as próximas eleições presidenciais é preciso a conivência do Supremo Tribunal Federal, a instância máxima da justiça em nosso país. E, se não há crime que possa ser imputado à presidenta, é visível que essa conivência existe e opera para dar suporte jurídico ao golpe.
    A percepção pela população da crise política de representação se torna cada vez mais ampla. As vaias olímpicas dirigidas ao presidente interino mostram que mesmo aqueles que se insurgiram contra a corrupção no governo Dilma se deram conta de que os encontros de Eduardo Cunha e Michel Temer continuam e não têm nada de republicano ou democrático, pois tramam o golpe e a anistia para si e para seus pares. Michel Temer é refém de Cunha, que ameaça levar todo o núcleo do governo para o inferno se abrir a boca, incluindo o presidente interino. A pressa de Temer para concluir o impeachment tem a ver com as imunidades que ele adquire se se efetivar na Presidência.
    É triste, é lamentável, mas a elite brasileira, ao comprar a eleição e formar bancadas no Congresso para garantir seus interesses, elegeu a pior escória da política nacional. A democracia brasileira foi tomada de assalto por oportunistas que querem vender o mais caro possível seu voto. Para quem pagar mais. Os partidos políticos, enquanto portadores de projetos de sociedade, não existem mais. Foram sacrificados no altar das Igrejas evangélicas e dos donos do mercado. Poucos sabem que 38% do Congresso é formado por evangélicos que votam conforme o interesse de sua Igreja. E que 70% do Congresso obedece aos interesses das grandes corporações (bancadas dos bancos, do agronegócio, da bala etc.). Afinal, esses atores do golpe investiram grande parte dos R$ 5,1 bilhões gastos na eleição de 2014.
    Agora temos o governo Temer. Aprovada a destituição da presidenta pelo Senado, acaba o período de contemporizações. Os que bancaram o golpe cobram sua fatura: o ajuste. Não é toda a sociedade que vai pagar o pato, isto é, esse ajuste. São os trabalhadores e seus familiares, são todos os que vivem de seu próprio trabalho, incluindo as classes médias.
    Não se toca em um tostão dos mais ricos, que continuam recebendo o lucro de seus negócios sem pagar nada de imposto por isso. Desde 1997, lucros e dividendos deixaram de pagar imposto de renda no Brasil. Foi o governo de Fernando Henrique Cardoso que tomou essa decisão. Nenhuma grande economia mundial abriu mão de cobrar impostos sobre o lucro e os dividendos das empresas. Nos Estados Unidos, esse imposto é de 35%. Se tivéssemos esses recursos, muitos dos problemas da crise poderiam ter sido debelados.
    Os direitos sociais consolidados na CLT, nas políticas da Seguridade Social, nas aposentadorias, nos reajustes, na saúde e na educação serão drasticamente reduzidos. É o propósito da PEC n. 241, que está para ser aprovada no Congresso e torna o Estado mínimo, impondo um teto para o gasto público, uma regra para valer para os cinco próximos governos! Se tomarmos a saúde como exemplo, a proposta da PEC pretende cortar algo como 70% da verba para a área num período de dez anos.
    É também o fim de um período em que o Brasil teve uma projeção internacional e se articulou com blocos de países para buscar novas relações comerciais e criar na geopolítica mundial um mundo multipolar, capaz de enfrentar as pressões e os interesses norte-americanos. Essa política acabou. Seremos mais uma vez o quintal dos Estados Unidos.
    Para os que defendem a democracia e os direitos sociais, é uma vergonha o que se observa no Brasil. É um retrocesso enorme nos direitos que antes eram assegurados pela Constituição de 1988. É o fim do período democrático que se abriu em 1985. E não sabemos a natureza do regime autoritário que se inicia com o golpe.

    Silvio Caccia Bava
    Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil